Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 7
A Chegada


Notas iniciais do capítulo

Os primeiros momentos de Adam em casa: hora de sua família descobrir o que está acontecendo.

PS: Esse capítulo aqui não está lá essas coisas...



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Horas depois, um tempo que nenhum deles pensou em contar apesar do cansaço e do sacrifício que aquilo pareceu ser. Não foram pensamentos que duraram, pois a primeira pessoa que viram fez com que tudo o mais evaporasse.

- Ling?

Ela estava parada em frente ao portão de embarque. Uma típica mulher oriental: pele clara, trações delicados, cabelos muito lisos e negros na altura dos ombros. Magra, alta, aparentava uma fragilidade que aquela chinesa não tinha.

Ao ser percebida, Ling abriu um sorriso. Viu o rosto dos dois terem o estranho misto da alegria e do constrangimento. Também foi até eles, poupando-os do trabalho de fazerem tudo sozinhos. Abraçou-os, um de cada vez especialmente ao filho que não via há meses.

- Puxa, filho... quanto tempo! – disse, querendo aliviar um pouco a tensão. Sabia que havia algo errado: a voz estranha de Jin ao telefone, o corpo rígido dele no abraço, o jeito estranho de Adam de quem não sabe o que dizer.

- O que está fazendo aqui?

- Ora, vim buscar vocês. Assim não vão precisar de táxi.

Jin riu, num primeiro momento de descontração após a notícia. Não conseguiria encarar mais uma corrida de táxi naquele dia.

Dentro do carro pouco se falou. Apenas assuntos amenos. Percebendo o cansaço do marido, Ling assumiu o volante. Enquanto isso, Adam distraía-se com a paisagem do lado de fora. Paisagem que passava rápida, transformando-se em não muito mais que vultos coloridos. Ainda assim, distraia-o: era muito diferente do que encontrava em Nova York. Jin pensou que talvez o sol pudesse fazer bem ao filho, tão pálido, embora pelo pouco que sabia sobre leucemia talvez seu plano não fosse de muita serventia.

A viagem de carro durou pouco mais que uma hora. Para Adam foi um desgaste a mais do qual não fez qualquer comentário ou reclamação. Com algumas olhares pelo retrovisor estava sendo constantemente supervisionado, mas fez como se não tivesse percebido. Inconscientemente já havia se preparado para isso. Sabia que iria acontecer e tinha medo de descobrir o que aconteceria dali a pouco tempo.

Não demorou a chegarem em casa. Adam pareceu hesitar, mas não demorou muito para se sentir confortável com aquela volta. Olhando ao seu redor descobriu que quase nada tinha mudado: a posição dos móveis, as paredes claras que davam luminosidade ao lugar, as plantas da qual sua mãe gostava, as pastas sobre a mesa do trabalho de ambos, workaholics suficientes para levarem assuntos profissionais para casa. Tudo igual. Exatamente igual.

- ... a Cassie está no colégio, mas daqui a pouco está de volta. – ouviu a voz de sua mãe, respondendo a alguma pergunta.

- Adam, por que não vai tirar essa poeira de viagem? Vai se sentir melhor.

Entendeu de imediato a intenção do pai. Provavelmente estava se preparando para dar a notícia. Queria ficar, mas sabia que não era um pedido ou uma sugestão. Por mais que quisesse ficar e saber o que iria acontecer, isso não seria permitido. Então acatou, subindo as escadas em direção ao quarto.

Com Adam já longe da sala o terreno parecia livre para um provável desenrolar. Ling já tinha uma expressão pouco mais tensa. Jin procurou se concentrar, prevendo que precisaria parecer seguro e medir as palavras.

- E então, Jin? O que aconteceu?

- Não é um assunto fácil pra falar.

- Se não me contar eu nunca vou saber. Pra ter sido chamado com tanta pressa e trazê-lo de volta foi algo muito grave.

- Foi sim, foi grave. – fez uma pausa – Ele não fez nada de errado, não foi expulso do ginásio nem nada parecido.

- Então o que houve?

Respirou fundo, criando coragem. Numa última tentativa de ganhar tempo chamou-a para conversarem no escritório alegando que lá teriam privacidade. Então, à portas fechadas começou a falar.

A passos lentos na escada, Adam subiu os degraus até chegar a sua porta. Lentos, porque temia a tontura. Já havia passado mal durante a viagem sem dizer nada. Não queria causar problemas logo em seu primeiro dia de volta.

Entrou em seu quarto, tendo o mesmo momento de hesitação mas que não foi interrompido pois não havia ninguém por perto. Era um tempo só seu. Lá as coisas também não tinham mudado: paredes de cor clara, com alguns pôsteres de cinema, as estantes com livros e revistas do mesmo jeito que tinha arrumado pela última vez, o computador. Tudo estava em seu lugar. Passada a primeira impressão, mexeu no armário para pegar alguma roupa qualquer. Talvez a ordem de seu pai estivesse certa: tirar a poeira da viagem poderia fazer com que se sentisse melhor.

Tomou um banho, vestiu-se e voltou para o quarto. Decisão que tomou porque não ouviu a voz de seus pais. Achou melhor não atrapalhar o que lhe pareceu um momento solene. Resolveu tentar de distrair. Não demorou a encontrar distração, mal entrou em seu quarto para agarrar um travesseiro lançado em sua direção. Nem precisou pensar muito para saber de quem se tratava.

- Oi, tartaruga!

A garota estava sentada na cama, segurando outro travesseiro. Sua pele era pouco mais corada, olhos levemente puxados, os cabelos compridos e lisos, como moldura para seu rosto oval de traços delicados. Cassie era uma cópia quase fiel de sua mãe, embora a personalidade fosse mais vivaz. Com um sorriso travesso e uma impaciência visível cansou de esperar alguma reação de seu irmão e foi até ele, praticamente pulando em seu pescoço e apertando-o num abraço ao qual ele já parecia ter perdido o hábito.

- Quanto tempo! – ela exclamou. – Senti sua falta, tartaruga!

- Eu também senti falta de você me chamando de tartaruga. – sorriu. – Você não mudou nada.

- Não posso dizer o mesmo de você. – afastou-se um pouco para observá-lo. - Tá pálido, emagreceu... – enumerou. – Tá com cara de doente. Vai ficar quanto tempo?

Adam não pôde deixar de rir, imaginando o absurdo das circunstâncias, afinal Cassie estava fazendo uma brincadeira. Pena que a brincadeira tivesse um fundo de verdade e lhe desse agora a obrigação de contar.

- Eu estou doente.

- O quê? – foi pega de surpresa – Como assim, “doente”?

- Estou doente, foi por isso que voltei.

- Mas isso não são férias, ou semana de folga? – pareceu incrédula, não muito disposta a acreditar, como se achasse que aquilo era apenas mais uma piada – Você ficou tanto tempo sem vir...!

- Eu tinha uma competição pra participar e não podia me afastar pra ter férias normais. – disse, mudando de assunto logo em seguida. – Onde eles estão? – referiu-se aos pais.

- Não vi. Acho que estão no escritório, a porta tá fechada. – diminuiu o tom de voz como se naquele momento tivesse percebido que seu irmão poderia estar falando sério. Talvez estivessem trancados no escritório falando sobre isso. – É grave?

Adam fez que sim, meneando a cabeça e dando de ombros logo em seguida. Cassie sentiu-se burra, sabendo que aquilo era óbvio. Seu irmão não teria voltado se não fosse sério, afinal aquele ginásio tinha estrutura considerável para cuidar de todo tipo de problema.

- E o que é?

Adam não sabia como dizer isso, mas optou por não demorar muito tempo naquela agonia. Instintivamente ouviu sua voz pronunciando pura e simplesmente o nome que deram a sua doença.

- Leucemia.

O que se seguiu naquele dia foi um verdadeiro tormento para ambos os lados. Algumas palavras trocadas que não pareceram ter grande importância. Alguns rostos com expressão consternada. Horas que se passaram lentamente. Logo trataram de fazê-lo comer. Seu pai fez questão de lembrar que fora uma viagem muito longa e durante todo esse tempo não tinha se alimentado. No mais, deixaram-no descansar mesmo que na realidade ele não conseguisse. Fosse no sofá da sala ou em seu quarto não tinha paz de espírito suficiente. Em questão de horas tudo iria mudar por uma decisão tomada no ímpeto de segundos. Não poderia fazer mais nada a não ser obedecer ordens e recomendações: as regras do jogo que já estavam tratando de descobrir e estabelecer. Sabia que seus pais deviam estar ao telefone, tentando marcar horário para consulta médica. Na manhã seguinte certamente teria de ir ao hospital começar a enfrentar as conseqüências de suas poucas decisões.

- E então, como está? Conseguiu descansar alguma coisa? – perguntou sua mãe que entrou no quarto para vê-lo.

- Um pouco. – respondeu sinceramente, embora omitisse uma parte da verdade.

- Melhor tentar mais. Amanhã vai ter um dia cheio. Seu pai está telefonando para o médico, ver o que vai ser feito. – fez uma pausa – Nós nem tivemos tempo pra conversar.

- Acho que deve ter mais assunto do que eu.

- Não duvido. – respondeu, apegando-se ao assunto, satisfeita por ter encontrado uma forma de arrancar algumas palavras. – Pelo pouco que fiquei sabendo você quase não saía.

- Eu preferia dormir. Não tinha disposição pra ficar saindo. O treino era rigoroso demais.

- Não pensei que fosse tanto. – fez uma pausa, e o assunto pareceu morrer ali. – Há quanto tempo você começou a se sentir mal?

Adam sabia que não era uma conversa gratuita. Um pequeno interrogatório do qual não poderia escapar.

- Não sei dizer, não marquei o tempo.

- Como assim “não sabe”? – sua voz ainda era suave, mas eram perguntas incisivas das quais não poderia fugir.

- Era normal para quem treinava. Não deu pra pensar que pudesse ser outra coisa. Por que a pergunta agora?

- Disseram ao seu pai que talvez estivesse sentindo isso há algum tempo. Pensamos que pudesse ter escondido.

- Não, não mesmo. Não dá pra esconder, nem se eu quisesse.

Ling pareceu satisfeita com a resposta obtida, mas Adam sabia que a preocupação não iria se dissipar. Manteve a voz convicta no que dissera, mesmo mentindo descaradamente. Se contasse a quanto tempo vinha se sentindo mal realmente, certamente desencadearia reações semelhantes a uma guerra.

- Tudo bem, filho. Não vou te importunar com isso. Não é importante. - olhou-o bem, como se o dissecasse. - Quer comer alguma coisa?

- Não, tudo bem.

- Então descanse. Vê se dorme bem essa noite. Vai ser um dia cheio amanhã. Talvez nem seja tão difícil, acho que é mais tranquilo dormir em sua casa.

Com certeza, bem mais fácil. - sorriu, falando baixo e sem parecer preocupado.

Uma despedida discreta, um “boa noite” em voz baixa e Adam ficou sozinho novamente. Esperava que com o silêncio pudesse relaxar um pouco. Durante todo aquele dia teve um imenso movimento ao seu redor devido ao impacto da notícia, descarregar a tensão, esperando pelo tormento da manhã seguinte. Começaria com a ida ao médico, bateria de exames, e mais um monte de coisas das quais já tinha passado e que não era necessário seu conhecimento e nem sua permissão. Mesmo que isso fosse ruim. Tentou não deixar que esses compromissos causassem insônia. A única coisa que poderia lhe fazer isso àquela altura era imaginar o que estava se passando na cabeça de seus pais. Foi em meio a esses pensamentos que o sono finalmente o alcançou.


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Notas finais do capítulo

E aí? Mandem reviews! É através delas que fico sabendo o que vocês acham e como posso melhorar!



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