Verdade e Consequências escrita por Lara Boger


Capítulo 18
Reflexões maternas


Notas iniciais do capítulo

Ok, ninguém mais se interessa pela história. Imagino mesmo. Mas continuarei com ela por mim mesma, visto que é uma das minhas histórias preferidas. Pode não ser um fandom popular, mas nem só de popularidade vive o mundo.



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ooOOoo

A jovem senhora acordou mais uma vez de seus cochilos furtivos na poltrona. Mais uma vez seus olhos escuros se depararam com as paredes daquele quarto de hospital. Nenhuma surpresa, exatamente como nos últimos tempos.   

 

Doía pensar naquilo como se fosse normal, mas sabia que seria pior se encarasse tudo como um grande suplício. Pior pra ela mesma e pros outros, especialmente para seu filho, deitado na cama que ficava ao seu lado. Ele mesmo encarava tudo a sua volta com uma normalidade surpreendente. O jeito era seguir seu exemplo.

 

Observou-o, aproveitando o momento de descanso dele. Se Adam estivesse acordado, ficaria incomodado com sua análise, mas dormindo, era uma ocasião oportuna. Precisava desse momento. Sabia que observa-lo era muito importante, especialmente se fosse ela quem fizesse, e não apenas os médicos. E pelo simples motivo: era mãe.

 

Não desmerecendo a equipe médica que estava lhe atendendo, mas, como mãe, conhecia bem seu filho. Sabia com quem estava lidando. Mais do que um número e um punhado de jargões num prontuário. Era seu sangue.

 

E nada como a análise de alguém que conhecia o outro tanto quanto a si mesmo.

 

Olhos fechados, mas que não pareciam exatamente em um sono. Talvez Adam estivesse sonhando, ou não estivesse conseguindo dormir. Provavelmente estava incomodado com alguma coisa.

 

Bom, não seria difícil imaginar o que era. Bastava lembrar o lugar onde estavam.

 

As contemplações solitárias foram interrompidas por um som suave. Adam estava se mexendo. Sua respiração pouco mais forte, desconfortável, talvez. Aborrecido poderia ser a palavra mais certa. O fato era de que ele não estava dormindo.

 

Viu-o abrir os olhos e olhar para cima, respirando fundo, como se estivesse se dando conta de um cenário tedioso, ou uma situação indesejada, mas ainda assim tivesse de suportá-la.

 

Ling não fez qualquer som, para não atrair sua atenção, e de fato Adam não percebeu sua observação. Provavelmente pensava que estava cochilando, ou fora do quarto, arejando a cabeça, como vivia insistindo para que o seu pai também fizesse.          

 

Viu-o tentar ajeitar-se na cama sem fazer barulho, numa tentativa de não chamar a atenção, mas não teve sucesso. Julgando adequado, ela quebrou o silêncio.  

 

- Adam?

 

- Desculpa, mãe. Não queria te acordar.

 

- Eu não estava dormindo.

 

Viu-o conter um sorrisinho, certamente com um pensamento óbvio em sua cabeça: minha mãe nunca dorme. De fato era verdade, embora houvesse ali um pouco de exagero: não tinha culpa de ter um sono leve e resistência ao sono. Podia ser algo incômodo, mas também podia ser bastante útil, especialmente ali onde estavam.

 

- O que foi? Quer alguma coisa?

 

- Não, só estava tentando mudar de posição sem fazer muito estardalhaço.

 

- Sem sono?

 

- Nem sempre é fácil dormir. – tentou despistar – Não é um hotel, mas dá pro gasto.

 

Humor: a arma de Adam para passar por tudo aquilo. Ling sabia disso, puro humor negro. Era uma forma de defesa. Sabia que seu filho há muito não conseguia descansar, muito menos dormir. As olheiras fundas estavam ali para comprovar isso. Seu semblante era quase sempre abatido.

 

Certamente a combinação de quimioterapia e insônia tinha para ele resultados muito ruins.

 

- Como estão os seus enjôos?

 

- Na mesma. Isso não muda.

 

- Está enjoado agora?

 

- Não. Agora está tudo bem. – respondeu – Aliás, não tem por que ficar aqui, mãe. Pode muito bem ir pra casa e dormir na cama...

 

- Nem comece com essa conversinha. – advertiu, com um tom de voz tranqüilo, entre a seriedade e a leveza de um assunto banal.

 

Sabia o que ele estava tentando fazer, e não gostava dessa idéia. 

 

- Ok, tentar não custa... mas que não há necessidade...

 

- Vai entender do que estou falando quando tiver filhos, Addie. – disse ela, fazendo um afago na cabeça raspada do rapaz, que apreciou aquele carinho, mesmo que parecesse insatisfeito com sua resposta. – Quer levantar um pouco, ir pro banheiro, ou algo assim?

 

- Não.

 

- Comer?

 

- Não, não. Sem fome.

 

- Que tal tentar cochilar?

 

- Seria bom, mas é uma pena que não seja tão fácil. Hospital não é o melhor lugar pra isso.

 

- Imagino. – ela respondeu, olhando diretamente em seus olhos -  Quer conversar?

 

- Seria preciso um assunto.

 

- E é tão difícil assim?

 

- Não acontece muita coisa desse lado do hospital. Seria mais movimentado, se estivesse mais perto da emergência, talvez.

 

- Tem razão, não acontece muita coisa mesmo. O que tem feito durante esse tempo?

 

- Não muito... – um sorriso desanimado se desenhou em seus lábios, assim como um pequeno som de muxoxo. – Ouço música, converso com quem estiver por aqui.

 

- Leitura?

 

- Nem sempre. – olhou para as próprias mãos, parecendo quase envergonhado.

 

- Por quê?

 

- Nem sempre dá. O enjôo as vezes não facilita, mas eu me esforço. – disse, querendo mostrar que não era preguiça de sua parte ou algo parecido.

 

- Imagino que sim.

 

- A Cassie me ajuda bastante nessa hora.

 

Ling quase sorriu, satisfeita com o que ele acabara de dizer, contente por ter um assunto para levar a conversa adiante. Mesmo que Adam pudesse ser quase monossilábico no que dizia respeito a sua rotina, ele lhe dera uma dica. Cedera em pelo menos um ponto.

 

Adam quase nunca perdia mais que poucos minutos falando do que acontecia no hospital. Preferia ouvir. Ling pensava que, de certa forma ele parecia se envergonhar por estar ali, e tentasse não dar trabalho, fazendo parecer que estava tudo bem mesmo que não fosse o caso. Ouvi-lo colaborar e fornecer assunto por vontade própria, era uma conquista e tanto.

 

Seu maior esforço era fazê-lo compreender que não tinha motivos para ter vergonha. Que sentir-se mal ali não era fraqueza. E a melhor forma de mostrar isso era compreender.   

 

E Ling realmente compreendia. 

 

- É? E como ela faz isso?

 

- Lendo pra mim.

 

- E dá certo? – perguntou, ignorando a surpresa.

 

- Dá pro gasto. – riu, mesmo sem graça com a confissão – Ajuda muito, mas dá trabalho pra ela. Eu me sinto como se estivesse a explorando.

 

- Quer que eu leia pra você?

 

- Não precisa. Está cansada.

 

- E quem disse que estou cansada? – olhou para o Adam, sorrindo discretamente, tentando obter algo mais dele. – E então?

 

- Já que insiste... – riu, abaixando a cabeça. – Está ali.  

 

Ling olhou para o lado, procurando o livro que ele poderia estar lendo. Encontrou rápido. Não era um livro grosso. Mediano, para os padrões de leitura de seu filho, pequeno até.

 

O marcador de páginas estava pouco antes da metade. Adam indicou a página em que a irmã havia parado. Não era difícil, era o início de um capítulo. Certamente Cassie se preocupara em não interromper a leitura em qualquer lugar. Não pôde conter um sorriso discreto ao perceber isso. Uma forma também de aplacar o olhar envergonhado do rapaz.

 

Logo a voz feminina começou a leitura das palavras e frases espalhadas pelas páginas do livro. Nada com o qual precisasse se preocupar muito, apenas esforçando-se para não fazer aquela leitura algo tedioso para Adam. Queria prender um pouco o seu interesse, distraí-lo o suficiente para que talvez pudesse dormir.

 

A medida em que lia, prestava atenção no semblante dele. Adam olhava para a frente, talvez constrangido, talvez perdido em pensamentos. Não sabia dizer ao certo: seu filho era uma incógnita. Sempre fora, e os anos que envolveram sua infância até sua adolescência serviram apenas para ressaltar tal característica.

 

Não que ele fosse do tipo difícil e que se metesse em encrencas. Pelo contrário. Era quieto, mas tinha valores firmes. Talvez fosse a convivência com as artes marciais quando criança, ou pela inflexibilidade dos valores orientais. Não que tivessem educado seus filhos sob essa rigidez, mas de um modo ou outro, isso parecia ser um traço de sua personalidade.

 

Fosse como fosse, de qualquer modo seu filho era um grande mistério.

 

Mesmo que esse mistério lhe fosse fascinante, não era apropriado. Não mais. Não quando havia uma doença potencialmente fatal na situação.

 

As vezes pensava se por acaso Adam estaria se sentindo mal há muito tempo e simplesmente não contara a ninguém. Era um pensamento ruim, mas aceitável. Ele era quieto demais, e tudo parecia sempre bem. Se quisesse saber de algo, era uma verdadeira batalha. Era preciso muita atenção. 

 

Agora, pensava se não tinha sido imprudência deixar que ele fosse para Nova York. Se Adam ainda estivesse em Alameda, sob a proteção deles, certamente poderiam ter percebido que havia algo errado, e poderiam ter feito alguma coisa antes.

 

Podiam ter tido um sinal, percebido qualquer mal estar e agido antes.

 

Enfim, tudo eram apenas possibilidades. “Podiam”, “poderiam”, “se”, “talvez”

 

Nada que pudesse ajudar no momento.

 

Se quisesse ajudar, pelo menos naquele momento, bastaria se conseguisse distrair seu filho, ou melhor ainda, se pudesse faze-lo dormir.

 

Se Adam continuava o mesmo, sabia que podia conseguir isso em pouco tempo. Quando criança, ele costumava dormir se alguém lhe contava histórias. Ele estando cansado então, mais ainda.

 

Prosseguiu a leitura. Não foi surpresa ver seus olhos ficarem pequeninos, menores a cada olhadela que lhe dava. Em pouco tempo, o sono pareceu atingi-lo. Os olhos fechados, expressão leve. Seu jeito de criança.

 

Adam parecia a mesma criança de anos atrás: os mesmos gestos, o mesmo sorriso, as mesmas palavras.

 

Talvez ainda pudesse cuidar dele, como se fosse a mesma criança. Talvez ele nunca deixasse de sê-la.

 

Filhos eram sempre crianças, não importava a idade. E Ling sabia que a única coisa no qual poderia pensar era em protegê-lo. Era o que estava ao seu alcance.

 

Poderia ser muito, poderia ser pouco. Mas era tudo o que tinha. E faria com que isso valesse a pena, mesmo diante de um futuro que poderia ser incerto.

 

ooOOoo

 


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Notas finais do capítulo

Se alguma alma perdida e bondosa tiver a consideração de ler essa fic e quiser deixar um comentário, fico agradecida.



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