Vicky. às Vezes, Vachel. escrita por Li-k


Capítulo 3
Brian Toulson


Notas iniciais do capítulo

*lado Stephen King sanguinolento da Li mode on[x] off[_]*



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     Victoria ficou um bom tempo olhando a cidade que dormia abaixo dela. Podia imaginá-la pela manhã...com todos aqueles comércios e carroças desengonçadas, as ruas sujas, cheias de pessoinhas igualmente sujas e mal educadas (afinal, eles não tinham sangue azul). Seu olhos se voltavam para o pátio e o movimento ia diminuindo. Claro que havia uma certa movimentação, pois alí é que estava o confessionário (Victoria às vezes era uma garotinha essencialmente ousada); mas também haviam crianças e velhinhos alimentando os pombos. Sempre aquelas centenas de pombos todos os dias infernizando a vida dos padres - mas agora, por volta das 8 horas da noite, estavam todos dormindo nas torres...exceto por um.

   O delírio de Victoria fora interrompido quando avistou esparramado no chão um pombo morto. E, cheirando-o com voracidade, um cachorro. Victoria arregalou os olhos e pôde ver com clareza quando o cachorro colocou a pele entre os dentes e puxou o conjunto de penas, revelando a carne vermelha ainda fresca do peito do pombo, fazendo com que o chão se tingisse de vermelho. Aquele cheiro inconfundível ascendeu e pela primeira vez sentiu sede. Sede daquilo. Daquele líquido rubro que agora escorria pelas pedras frias abaixo dela. Com o focinho coberto de vermelho o cachorro lambeu os beiços e Victoria fez o mesmo. Teria abominado esse gesto se tivesse percebido, mas não era ela; era um animal. Um animal faminto.

  Suas pupilas se dilataram, seus mais novos caninos pareciam agora mais salientes. Os olhos de Victoria seguiram o cachorro e o rastro de sangue que deixava ao arrastar o pombo para um canto, até que sumisse. É, esse era o principal motivo para as pessoas temerem a existência de vampiros. O maior tabu da humanidade. Mas quem se importa com tabu quando se é um animal e está morrendo de fome?

  Passou os olhos em uma pequena casa que se encontrava com a janela aberta. Nela uma família jantava um muito bem preparado coelho assado. Victoria pensou se não preferiria o coelho vivo

Ou talvez a própria família.

~

     A lua já estava alta quando Brian Toulson terminou seus afazeres. Passou um bom tempo arrumando o altar para a missa do dia seguinte, estando certo de que nada estaria fora do lugar. Tomou um lampião e dirigiu-se à escada, começando a subir aquela sessão de degraus para seus aposentos, ali mesmo na igreja. Pôde ouvir um leve tremitar nos telhados, havia começado a chover. Aquele era o sexto dia de seu treinamento para se tornar um monge, e ele sentia que estava se saindo muito bem, apesar do desafio não ser fácil: vinte dias sem falar com ninguém, orando, durante todo o tempo que tivesse. Ele, e Deus; podia sentir seu espírito se elevar a cada dia. Não se importava de se banir do dinheiro, do sexo, da liberdade, mas progredir aquela paz interior cada vez mais.

       Depois de cerca de duas centenas de degraus a chuva havia se tornado uma tempestade trovejante, quando alcançou o andar de seus aposentos. Era  terrivelmente alto, mas as escadas continuavam...cada vez mais estreitas. Aquelas escadas que levavam àquela torre. Apenas os dois primeiros degraus estavam iluminados pelo seu lampião que agora havia pendurado na parede, o resto era totalmente escuro. Algumas teias de aranha podiam ser vistas. Um relâmpago seguido de um trovão fez Brian estremecer.

A verdade é que ninguém realmente sabia o que havia naquela torre. A entrada era expressamente proibida, por ordem da nobre que fazia doações mais recheadas à Igreja.
Monges ja ouviram passos, e até gritos de uma criança. Mas nada, nunca foi visto.
Brian tentou relaxar, começou a destrancar a porta e...
-tec...tec...tec...
Passos distantes e lentos ecoavam. "Deve ser Altair, ele também costuma deitar tarde."

-tec...tec...- o som se aproximava.
"Espere um pouco, esse som vem de..."
Sim. Daquelas escadas.
Brian soltou um grunhido enquanto procurava a chave certa como louco, e ela parecia nunca surgir. -tec...tec...- E o som da chuva. Tão perto...um leve resquício de sombra podia ser visto.
Ele largou as chaves e tomou o seu terço em suas mãos suadas e trêmulas, aproximou do rosto e rezou quantas Ave Marias e Pai Nossos conseguia em menos tempo.
Estava próximo demais. Uma silhueta indefinida se projetava na parede. O jovem aprendiz de monge pressionou as pálpebras arfando.
"tec..." - o som parou. O silêncio era mais que absoluto, nenhuma respiração além da dele.
Brian abriu os olhos lentamente

o berro que soltou foi ofuscado pelo colossal trovão que ecoou.


Pôde ver a criatura iluminada pelo relâmpago. Tinha olhos arregalados, as pupilas com um fino contorno verde,  um rosto pálido como o de um cadáver. As vestes estavam rasgadas e o corpo muito magro estava parcialmente coberto por ataduras. Fitava-o sem piscar
O jovem monge caiu no chão, gemendo, e olhou novamente
A figura agora iluminada pelo lampião pareceu mais nítida. Era uma criança.
-Oh meu Deus....Meus Deus...
"É uma garotinha. Uma garotinha doente". Brian se recompôs, levantou-se e estendeu os braços para ela.
-Desculpe-me por me assustar com você, querida. Venha, está tudo bem. Está perdida?
Ela continuava a fita-lo fixamente. Era realmente assustadora, parecia estar morta. "Pelas ataduras...pobrezinha...deve ter lepra".
-Não tenha medo.
A garotinha foi em sua direção, com as pupilas dilatadas fixas, sem piscar. O jovem aprendiz a abraçou.
-Vai ficar tudo bem.
    Victoria passou a olhar fixamente para o pescoço do rapaz, agora alí tão perto de seu rosto. Separou os lábios lentamente revelando salientes caninos, e não precisou de muito esforço para abocanhar o pescoço do rapaz e logo vir a sentir aquele gosto...
Ao sentir o sangue quente em sua língua Victoria pessionou os olhos, e as mãos. Curvou-se sobre o rapaz passando os braços sobre ele sugando seu sangue com voracidade. O prazer que sentia fez seus olhos revirarem, e ela temia gemido se não estivesse ocupada.
Ao se sentir satisfeita soltou-o lentamente. O rapaz estava branco com olheiras fundas, mal conseguia se mexer e quanto menos falar. O som da chuva cada vez mais distante, o corredor cada vez mais escuro. Pôde sentir sua vida se esvaindo...


um sorriso foi a sua última visão.


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Notas finais do capítulo

As notas vem mais tarde!



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