Já era tarde. 

Eu caminhei até a janela do Grand Palace e olhei através. Estava completamente escuro. As únicas luzes que brilhavam na cidade eram as amarelas e precárias no alto postes de luz.

Onde ela podia ter se metido? Já não era o suficiente Keiichiro ter desaparecido? Não... Ela tinha que me deixar preocupado.

Foi então que as grandes portas se abriram fazendo-me virar para ver quem era. Finalmente!

"Onde você estava?!" Perguntei a ela e me senti como um pai dando bronca em uma filha.

"Ryou... Eu não sabia que ainda estaria acordado!" Ela surpreendeu-se ao me ver. Acho que não esperava por isso.

"Então saiu pensando que eu não descobriria?" Perguntei um tanto incomodado com aquilo.

"Eu... Eu não... Quer dizer." Ela tentava explicar, mas não me contive.

Fui para perto dela e a envolvi em um abraço.

"Fiquei muito preocupado, Ichigo." Sussurrei perto de seu ouvido.

"Eu, prometo que não faço isso de novo..." Falou ela em um tom de arrependimento.

"Tudo bem..." Cedi um pouco "Agora, por favor. Vá direto para o seu quarto descansar enquanto eu termino de fechar o Palace."

"Certo, Ryou." Ela começou a subir as largas e elegantes escadas que ficavam perto da porta principal, e virou-se "Boa noite."

"Durma bem." Tentei sorrir de um jeito doce, mas acho que não deu certo.

Eram tempos difíceis... Com todo esses problemas... Keiichiro desaparecido, Deep Blue na minha cola, manter o diamante seguro... Eram problemas demais para um homem só se encarregar, mas eu precisava fazer isso. Talvez estivesse sendo muito protetor com a Ichigo. Claro, afinal só eram 9 da noite. Não era assim tão tarde...

Mas todos esses problemas estavam me tornando um tanto paranóico.

Ela não era a única que tinha que proteger. As outras garotas que trabalhavam conosco também podiam correr perigo. 

Acho que estava ficando louco com toda essa pressão.

Eu me dirigi até a porta e a tranquei. Me certifiquei que estava todo em seu lugar e então pensei em ir dormir, mas não tinha sono. Não conseguia dormir pensando que o meu melhor amigo estava desaparecido e sabendo exatamente de quem era a culpa.

Fui então até o balcão comprido do bar e peguei um chocolate quente. A noite estava começando a ficar fria.

Não sei muito bem como isso aconteceu, mas depois de beber o chocolate quente eu devo ter andado até uma das mesas enormes e bonitas de vidro, sentado em alguma cadeira acolchoada e macia que tinha lá e caído no sono.

Quando acordei não sabia ao certo se era noite ou dia. As altas e largas janelas ainda estavam fechadas com as cortinas de seda vermelha.

"Ai... Que frio... Nunca mais durmo perto dessas mesas de vidro... São tão geladas." Murmurei para mim mesmo.

Foi aí que eu notei. 

Tinham duas marcas de sapato na direção do cofre, que ficava depois de um hall ao lado da escadaria. 

"Deep Blue!" Pensei comigo mesmo.

Mas não queria fazer alarmes. Era melhor eu agir em silêncio para ter a chance de pegá-lo de surpresa. Fui para a cozinha que ficava depois de duas portas logo atrás do balcão do bar e peguei uma daquelas facas de cozinha para cortar carne. Não era grande coisa contra o Deep Blue, mas não tinham muitas opções.

Andei bem devagar até o hall ao lado da escadaria, mas não tinha ninguém lá. Fui até a porta do cofre e verifiquei se ainda estava trancada. Sim.

"Mas... Então... O que era aquilo?" Perguntei a mim mesmo.

Fui novamente até o lugar das pegadas e notei que na verdade era uma trilha. Não devia ter notado isso da primeira vez, por causa do sono. Tinha acabado de acordar, e isso era uma boa explicação.

Segui as pegadas até o andar de cima. Como alguém poderia ter entrado mesmo com a porta trancada? Não tinha idéia, mas eu ia descobrir.

Subi as escadaria que levavam ao segundo andar. O segundo andar tinha um corredor enorme e largo, onde eram os quartos das garotas.

O meu era no terceiro andar. Eu olhei para as escadas que levavam ao terceiro andar (elas ficavam no fim do corredor) e vi que as pegadas tinham subido as escadas. 

"Sem saída, idiota..." Murmurei eu. 

Cautelosamente atravessei o corredor e comecei a subir as escadas. Parei na porta.

Pude ouvir alguns ruídos. Pareciam duas pessoas falando baixinho. 

Eu abri a porta rapidamente esperando dar um susto em quem quer que estivesse lá e deu certo. As duas pessoas se assustaram e gritaram. Mas... Não era Deep Blue e nem nenhum amigo dele.

"Ryou! O que você está fazendo?!" Perguntou Mandy-san. Ela tinha caído no chão de tão assustada. 

Ela era uma das garotas que trabalhavam no Palace. Ela tinha cabelo castanho escuro com ondas largas, que ficava solto somente quando estava no palco tocando piano. Seus olhos eram castanhos claro.

Ela tinha caido no chão de um jeito desajeitado. Vestia um vestido branco que ia até os joelhos e sapatilhas pretas.

"O que eu estou fazendo?! Porque estão aqui no meu quarto?!" Perguntei irritado.

"Viu? Eu disse que ele ficaria irritado... Era melhor deixá-lo morrer de frio." Falou ela olhando para a porta do meu armário que estava aberta.

"Nós só queríamos ajudar, mas na próxima é melhor fazer isso mesmo!" Disse alguém atrás da porta.

A pessoa que estava atrás da porta parecia ter se escondido com medo, mas agora o seu tom de voz demonstrava raiva. Ela então saiu de trás da porta e olhou para mim mandando uma careta.

Era Lola-san. Ela era bem similar a Mandy-san quanto ao cabelo. Era comprido e ondulado, mas um pouco mais claro. Ela era só um pouco mais nova, porém ganhava de Mandy-san quanto a altura. Na verdade, acho que todos ganhavam.

"Ainda não me responderam! O que estão fazendo aqui?!" Eu continuava iritado.

"Não grite conosco!" Reclamou Lola-san. Ela parecia um pouco aborrecida.

"Nós entramos e vimos que você estava dormindo sobre a mesa de vidro, então pensamos que sentiria frio e viemos buscar um cobertor para você." Explicou Mandy-san.

"Como entraram no Palace?" Perguntei surpreso.

"Nós fizemos cópias das chaves." Sorriu Lola-san. Cópias das chaves?!

"Ah! Então eram de vocês as pegadas... Como puderam me assustar desse jeito?!" Reclamei.

"Pegadas...?" Mandy-San piscou os olhos algumas vezes e depois olhou para Lola-san "Eu disse para você tirar os sapatos antes de entrar."

"Eu pensei que estavam limpos..." Ela murmurou em resposta olhando para as pequenas botas ainda um pouco sujas de lama.

"Mas vocês duas são impossíveis..." Eu estava rangendo os dentes. Como elas podiam me dar um susto desses?!

"Ryou..." Falou devagar Lola-san.

Virei-me para ela e perguntei:

"O que foi?" Acho que um tanto irritado demais, pois ela pareceu recuar um passo.

"Você achou que fosse ele, não achou? O Deep Blue..." Ela perguntou um tanto triste.

"...Eu..." Não conseguia responder. Não tinha idéia do porque disso.

"Ele ainda é perigoso, não é? Gomenasai... Desculpe por tê-lo assustado." Falou Lola-san delicadamente. Aquilo pareceu me deixar mais calmo. 

"Não... Está tudo bem... Não tem perigo..." Tentei parecer convincente, mas Mandy-san não acreditou muito nisso.

"E porque você está segurando uma faca se não tem perigo?" Perguntou ela cética. 

"Olha. Chega disso, certo? Porque vocês não descem e ajeitam as coisas? As outras já devem acordar..." Fui interrompido.

"Ryou, as outras já acordaram a muito tempo. Já estamos quase na hora do almoço." Falou Lola-san.

"Almoço?!" Não esperava por essa "Estamos perto da hora de abrir! Rápido, desçam e limpem aquele chão, enquanto eu arrumo as mesas."

"Por que temos que limpar o chão?" Choramingou Lola-san "Eu não quero!"

"Foi você que sujou ele de lama!" Reclamei.

Ela fez uma outra careta, mas então as duas se entreolharam e desceram as escadas.

"Ah... Ryou." Falou Lola-san "Chegou uma carta para você."

"Deixe em cima da minha mesa." Ela colocou em cima da mesa e foi embora.

Eu respirei fundo e olhei para a faca na minha mão. Será que aquilo era um pouco exagerado? Afinal, as portas estavam trancadas e não tinha como ninguém entrar... Só aquelas duas porque fizeram as cópias das chaves, mas... Ah... esquece...

Eu fui até a mesa para ver a carta, e foi aí que meu corpo gelou.

A carta em cima da mesa fora escrita por ninguém mais, ninguém menos que...

Keiichiro.