É o seguinte, eu não tenho o hábito de recomendar histórias. Não porque eu seja esse poço de exigência, nem porque as histórias que eu leio não mereçam. Mas existe um elemento importante para que eu consiga me inspirar de verdade: a identificação. Quando um leitor se identifica com uma história, do modo que preferir, do modo que conseguir, acontece uma espécie de magia, uma bonita e estranha, que o obriga a continuar sentindo exatamente o que o autor quer causar. E isso pode parecer ruim, ficar a mercê das palavras de outra pessoa, mas na verdade eu acho que é o que todos nós buscamos numa boa ficção.
Quis dizer isso antes de tudo porque, talvez, você seja como eu e não leia uma história só porque alguém lhe disse que é muito boa. Talvez você precise de provas maiores. Talvez não seja o bastante para lhe convencer nem quando eu lhe disser sobre como a história é abordada de forma curiosa, lhe surpreendendo de repente. Ou sobre como a autora se preocupa em preencher as lacunas de mistérios sutilmente, criando novas dúvidas em seu lugar, tecendo uma teia de dramas que te deixam ansioso. Talvez nem mesmo quando eu diga que é incrível (e até invejável, não nego) o tanto de criatividade que está impregnado em cada detalhe da história. Cada elemento curioso e diferente que vão contra todas as ideias que geralmente temos de Céu e Inferno, Deus e Anjos, Mortos e Vivos...
Se, e somente se, eu estiver certa e você não se deixar convencer por somente por isso, há ainda a maravilhosa questão da identificação. Convido-o a experimentar personagens muito interessantes, que despertam nossa empatia e/ou raiva. Pensar como é estar no lugar de Melissa é agonizante, mas é a situação de Will que me deixa mais nervosa.
Para quebrar as expectativas de um paraíso perfeito, Obscure Grace, por Mare di Stelle.

PS. A autora é muito gente boa!

Considero essa história maravilhosa levando em conta duas questões: uma, que pode não ser suficiente para convencer outra pessoa a lê-la, é inteiramente sobre a imediata identificação pessoal que eu senti; a outra remete ao fato de que todo mundo procura, mesmo sem saber, uma boa dose de poesia de qualidade..
E, posso garantir, essa aqui é realmente impressionante. A autora é, numa definição bem sucinta, simplesmente maravilhosa, e adiciona com maestria a ideia de surrealismo às percepções da realidade que a personagem tem. Um passeio pelos pensamentos amargurados de uma garota que, contradizendo o próprio título, está na verdade cheia, transbordando tudo que há muito não sabe dizer ou sentir ou agir na forma de palavras marcantes e provocantes.
Carregando metáforas e sentimentalismo num texto sem a limitação de tempo ou espaço físico bem definidos, o leitor é guiado somente pela visão crua e poética que a protagonista tem sobre tudo que a rodeia e, acima de tudo, sobre si mesma, a medida em que se afunda cada vez mais na própria ideia de destruição
A personagem apresenta todos os sintomas de depressão, incluindo os próprios sentimentos contraditórios. A esperança que morre e renasce tímida em um único parágrafo, a indiferença e a dor descritas como peças conjuntas no progresso de um capítulo, o repúdio à sociedade e o pedido de socorro às pessoas pulsando nas entrelinhas... É tudo parte de um perfil psicológico tão bem construído e real que o leitor se sente naturalmente compelido à empatia e identificação.
Tão intensa quanto bela, a história toda nos instiga a fazer interpretações e especulações, se aproveitando dos sentimentos humanos - como a culpa e o desgosto - para mostrar como nossa psique é misteriosa e frágil e linda.
Sobre a tragédia lírica que é viver em ponto morto, Pensamentos de uma Garota Vazia, uma original fascinante.