A Utopia do Perigo. escrita por Raissa Muniz


Capítulo 11
Lembranças




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Os dias passavam de uma maneira que eu não conseguia acompanhar e meu pensamento voltava para todos aqueles acontecimentos que mudaram minha vida.

O sangue, a morte dos pais de Leka, a minha separação com o resto do mundo e mais recentemente, a descoberta do câncer.

Tudo isso embrulhado numa caixinha prateada que eu abri com força e encarei com bravura. Pelo menos era isso que eu achava de tudo.


Está na hora do remédio. Falou tia Ellana, forçando um sorriso enquanto se aproximava com um copo de água e uma cartela de comprimidos.

Qual deles? Hoje é o verde, o branco, o amarelo ou o marrom? Perguntei, brincando.

O verde, se é isso que quer saber. E vamos tomando logo, ou a hora passa. Ela disse, sem levar em conta minha brincadeira.




Meus dias estavam se tornando uma corrente de acontecimentos inacessíveis. Bem, inacessíveis para mim, porque o resto da cidade já sabia.

Descobri que muitos que estavam me acusando agora estavam se solidarizando com meu estado e outros preferiam virar as costas.

O delegado havia me deixado em paz por pedidos da assistência social e eu fui proibida de dar depoimentos.

O caso dos órgãos foi deixado de lado, mas muita coisa ainda estava omitida.


Foi com o tempo que descobri que um dos meus textos havia sido publicado na coluna de escritores anônimos. Provavelmente alguém o achou em uma praça qualquer e mandou pra redação. Foi o tempo que também me reaproximou da família de Bernardo, que acabou desacreditando de todas aquelas histórias de assassina que colocaram nas minhas costas. Mas a maior descoberta de todas foi a de que os órgãos deixados eram partes diferentes de um mesmo corpo e haviam sido distribuídas democraticamente nas casas, formando um grande retângulo de sangue. Bem, isso eu procuraria depois, porque no momento minha vida definitivamente já estava cheia demais para colocar mais problemas.



Tantas foram as vezes que fiquei sozinha a observar os pássaros na janela do meu quarto que acabei voltando meu pensamento para onde estaria minha mãe nesse momento. Que fim ela levara? Como estava sobrevivendo? E será que ela sabia da minha existência? Bem, essas eram palavras que não cabia a eu responder. Acho que nem mesmo do tempo isso era dever. Talvez as coisas se ajeitassem e minhas perguntas silenciosas fossem respondidas... Ou talvez não. O rumo disso tudo não significa nada agora. Eu só quero estar viva para chegar lá e contar algo novo quando as rosas se abrissem depois de terem se escondido para surpreenderem os olhos humanos.


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