Herança de Amor escrita por Lewana


Capítulo 7
Capítulo 7




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    Pedi a mão da herdeira da fortuna Reynold porque valia milhões. Ela aceitou porque eu era atraente, charmoso e bom na cama - foi o que ela me disse. A palavra amor nunca entrou na equação.
    Duas semanas antes do casamento, o destino interveio como sempre fez na minha vida. Numa mesa de pôquer, eu tinha o ás, rei, dama de ouros e pedi duas cartas. Contra todas as possibilidades, vieram o valete e dez de ouros; assim ganhei um rancho que mais tarde chamei de "Double Diamond". Uma visita para conhecer o local pareceu-me a desculpa perfeita para escapar dos incessantes preparativos do casamento.
    No rancho, conheci uma bela jovem chamada Nilda Vasquez. Ela trabalhava ali como criada e não tinha um tostão.
    Era muito jovem, inocente, e pela primeira vez em minha existência degradada eu tentei de verdade exercer as qualidades de auto-controle e nobreza, qualidades que desprezava há anos. Como era inevitável, não consegui.
    Na noite em que deveria voltar para Nova York para me casar, cedi à tentação e fiz amor com Nilda. Depois disso, ela me implorou para ficar com ela. Tentei dizer-lhe que teria uma vida miserável com um homem como eu, mas ela era jovem demais para compreender. Deixei-a chorando e voltei para Nova York, para os milhões dos Reynold.
    Quando, finalmente, retornei ao rancho seis meses depois com minha esposa, ficou óbvio que tinha deixado Nilda com algo mais que apenas tristes lembranças. Ela teria uma filha. A minha filha.
     Pensei em fazer a coisa que classificam de sensata, civilizada: torná-la minha amante. Nilda poderia ter concordado, mas sei que teria odiado esse tipo de vida e se odiaria por aceitá-la. Por um momento, breve e insano, até considerei abandonar minha esposa milionária para ficar com aquela adorável criada mexicana. Mas eu ainda era um mulherengo, gastador e jogador compulsivo. Teria feito da vida dela um inferno. E, claro, teria ficado sem o dinheiro da minha esposa.
    Em vez disso, dei Nilda a outro homem. Ben Bittencourt era o administrador do "Double Diamond". Era limpo, sóbrio, honesto, leal e humilde - o homem que todo bom escoteiro sonha ser. Em resumo, o marido e pai ideal. Soube que tinha feito a escolha certa quando ofereci uma boa soma em dinheiro para ele se casar com Nilda e Bittencourt recusou.
    Olhando-me do alto de sua superioridade moral, ele me informou que já havia pedido a mão daquela "pobre menina" mas ela não aceitara.
    No fim, fui eu quem persuadiu Nilda de que não havia esperança para nós dois, de que devia casar-se com Ben Bittencourt por causa da criança. Foi a coisa mais difícil que fiz na vida e talvez minha única atitude não egoísta.
    Agora, olhando o que deixei para trás na minha vida, percebo que aquela foi a primeira vez que realmente compreendi o conceito da palavra amor.


   Com a garganta apertada pela emoção reprimida, Carolina parou a fita e retirou os fones. Era a voz de Ted, mas o homem que ele se revelara era um estranho. Um estranho cínico e materialista que ela não conhecera. Era o Ted Emory que Laura recordava. Este homem ainda existia dentro do homem cheio de calor humano que fora seu amigo ou será que ele lhe deixara o rancho como herança só para atormentar Laura?
   Pelo menos Carolina sabia a quem deveria perguntar isso.
   Encontrou Nilda sentada à mesa da cozinha, folheando um livro de receitas, e ela ergueu o rosto assim que Carol entrou. Chamou-a para mais perto:
   - Estou ajudando a cozinheira a planejar o menu para a festa de amanhã. Você tem alguma preferência?
   - Festa? - Carolina sentou-se.
   - Desculpe, esqueci de lhe dizer. Uma vez por mês os rancheiros locais fazem uma reunião. É uma combinação de evento social e reunião de negócios informais. Este mês é a vez do Double Diamond recepcionar.
   Carolina não se sentia bem em festas; sua primeira reação foi de receio e devia ter transparecido, porque Nilda deu-lhe um tapinha na mão:
   - Você já conhece quase todos do funeral, mas agora vai recebê-los como dona do Double Diamond.
   - Nilda, você é boa comigo e sou grata, mas é que... Bem, não entendo por que não tem ressentimentos contra mim, como Laura.
   - Eu acredito que Ted tinha o direito de dispor das propriedades dele do jeito que bem  quisesse. Não esperava ganhar nada dele e ele me deixou a casa, os direitos de todos os livros. Deixou milhares de dólares para Laura. Você cuidou dele quando estava doente e lhe deu alegria nos últimos momentos. Quem sou eu para dizer quanto isso vale?
   - Laura parece não concordar com você.
   - Anos atrás - começou Nilda, fechando o livro de receitas -, Ted realmente prometeu ao meu marido que deixaria o rancho para Laura e minha filha passou a considerá-lo como seu desde que ficou sabendo dessa promessa. Quando Laura voltou para cá, depois do acidente, instalou-se aqui na casa grande e é onde vive desde então.
   Carolina ficou confusa:
   - Mas vocês todos não moram aqui?
   - Não. Rob e eu vivemos na casa do administrador, como faziamos quando meu marido ainda era vivo. Os únicos ocupantes da casa grande são você, seu filho e Laura. Sei que agora você é a dona do rancho, mas não creio que Laura vá concordar em se mudar daqui.
   - E não vou mesmo.
   A voz de Laura fez Carolina virar a cabeça, enquanto o sangue afluía ao rosto. Desde a noite que chegara ali ficara naquela casa sozinha com Laura, a não ser pela presença de seu filho!
   Decidindo que manteria a porta do quarto trancada de agora em diante, Carolina ignorou o que Laura dissera e fixou os olhos na cafeteira. Laura levou a mão para a cafeteira ao mesmo tempo que ela. No instante em que suas mãos se tocaram, a de Carolina retraiu-se, rápida. E, para sua surpresa, Laura serviu duas xícaras, ofereceu-lhe uma; Carol aceitou sem olhá-la e foi novamente sentar-se à mesa.
   Laura encarou a mãe de forma inquisidora e Nilda fez que não com a cabeça. Então, Laura apoiou-se no balcão e tomou um gole do café.
   - Mãe, acho que hoje vou chegar tarde para jantar. Um coiote matou um bezerro recém-nascido no pasto sul e vou tentar achá-lo. Quer ir comigo, Carol?
   - Não! Quero dizer, não, obrigada.
   - Mas você não disse que queria que eu lhe mostrasse o rancho inteiro?
   Carolina viu o desafio nos olhos azuis, mas depois do beijo da noite anterior, preferia não arriscar.
   Os cantos da boca de Laura se ergueram num sorriso provocativo:
   - Não confia em mim, Carol?
   - Quero trabalhar nas fitas hoje. Talvez em outra oportunidade.
   - Ainda devotada ao grande Ted Emory. Que tocante!
   - Ele mereceu minha devoção - disse Carol.
   - Não é mais exato dizer que ele pagou por ela?
   - Laura... - a voz de Nilda não foi mais do que um sussurro, mas teve o efeito desejado.
   Laura foi pôr a xícara vazia na pia:
   - Até mais tarde - e saiu pela porta da cozinha.
   - Nilda, lamento estar causando problemas na sua família. Apesar do que Laura pensa, eu nunca quis isso. Não sabia que o rancho era de Ted, menos ainda que ele o deixara para mim até ouvir o testamento. Não quero mudar nada aqui. Tudo que quero é um lar para mim e meu filho.
   Nilda sorriu:
   - Depois do acidente, Laura andava ao redor desta casa como se nunca mais algo pudesse ter alguma importância para ela. Aí, você veio e minha filha ficou viva outra vez. Zangada, mas definitivamente viva. Como pode dizer que isso é nos causar problemas? Você fez algo que eu julgava impossível: você me devolveu minha filha. Eu só queria que você e ela...
   Nilda fez uma pausa e o sorriso sumiu.
  - Mas isso é pedir demais - prosseguiu ela. - A companheira dela, Anne, era uma mulher muito atraente, mas nunca mereceu confiança. Falei a verdade na primeira noite, quando disse que você reaviva lembranças dolorosas em minha filha.
  - Eu nunca quis magoá-la, de jeito nenhum.
  - A dor faz parte da cura, Carol. Laura precisa encarar o passado antes de voltar a viver de verdade...
  A menção do passado era a abertura que Carolina esperava:
  - Ela parece ter um amargo ressentimento contra Ted, em parte por causa do modo como ele te tratou. Transcrevi o capítulo em que Ted descreve como vocês se conheceram e como você se casou com Ben Bittencourt. Devo admitir que o homem nas fitas é muito diferente do Ted que conheci.
  - Naquela época, odiei Ted por insistir que eu me casasse com outro homem. Concordei com o casamento por causa do bebê e sabia que Ben era um bom homem. Muitos anos passaram antes que eu percebesse que Ted estava certo. Eu aprendi a amar meu marido com um amor mais calmo e profundo, que nunca imaginei existir. Então, compreendi e agradeci a Ted pelo que fizera.
   O olhar de Nilda voltou a se fixar em Carolina:
  - Ted tinha muitos defeitos, mas nunca foi intencionalmente cruel e sua natureza era generosa demais para permitir que tivesse raiva de alguém por muito tempo.
  - Nem mesmo de Laura - perguntou Carol -, por não ir vê-lo quando estava morrendo?
  - Nenhuma de nós sabia que Ted estava doente, exceto o advogado dele, Sam Perry. E Ted o fez jurar que não contaria.
  Carolina ficou mais confusa ainda:
  - Então, por que Ted não deixou o rancho para Laura como prometeu ao seu marido?
  - Honestamente, não sei. Mas sei que ele amava a filha.
  - Laura parece ter outra opnião.
  - Eu sou meio culpada por isso. Devia ter contado a Laura desde o começo que Ted era seu pai. Mas Laura e meu marido se davam tão bem que não consegui falar. Um dia eu saí para fazer compras, Laura encontrou aquela carta e telefonou para o Ted. Quando cheguei, minha filha já recorrera às explicações e conforto de Ben, que lhe transmitiu toda a amargura e ressentimento que sentia contra Ted. Tentei dizer a Laura que Ted se afastara porque não queria ficar entre ela e meu marido, mas a essa altura Laura não quis me ouvir. Nunca consegui fazê-la acreditar que o pai se importava com ela e que me amou um dia...
   A porta externa abriu-se e Rob entrou, terminando a conversa. Dudu vinha logo atrás, parecendo uma miniatura de caubói.
   - Onde você conseguiu essas roupas? - perguntou Carolina.
   - São roupas velhas minhas - explicou Rob. - Mamãe nunca conseguiu jogar nada fora.
   Rob foi beijar a mãe e Dudu aproximou-se de Carolina. Estava bronzeado, saudável e ela sentiu-se feliz por ter decidido ficar no rancho.
   - Sabe a gente foi até a cabana do velho Peter - contou Dudu.
   - Foram, mesmo?
   - Quando vocês estiveram lá, na noite da tempestade - contou Rob, abrindo a geladeira e pegando duas latas de refrigerante -, Laura notou uma goteira no teto e tábuas podres no chão. Fomos até lá para ver exatamente o que precisamos para fazer os consertos. - Rob cruzou a cozinha e deu uma das latas ao Dudu. - A velha cabana pode não ser muito bonita, mas seria um pecado deixar que se desmanchasse.
   Automaticamente, Carolina estendeu as mãos para abrir a lata de refrigerante para o filho, mas Eduardo se afastou dela.
   - Não sou um bebê, mamãe. Posso fazer isso.
   Antes que Carolina pudesse dizer alguma coisa, Nilda levantou-se e a distraiu, comentando:
   - Hoje é a folga da cozinheira, então teremos lanche no almoço. Todos estão com fome?
   Rob e Dudu gritaram juntos dizendo que sim, só Carolina disse que não.
   - Por enquanto, não quero comer nada. Acho que vou voltar ao trabalho.
   - Coma pelo menos um sanduíche - insistiu Nilda.
   - Obrigada, não quero, mesmo. Depois de tudo que comi no café da manhã, só vou comer no jantar.
   - Você devia sair mais, fazer exercício.
   Agradecida pela preocupação, Carolina concordou e quando se virou para o filho, viu que ele já estava saindo.
   Dudu estava diferente: mais maduro, mais distante. Seu jeito e sua forma de olhar, agora imponente, parecia de forma muito suspeita, com o de Laura. Ou estaria imaginando coisas?
   Decidindo conversar com o filho mais tarde, ela tocou o braço de Rob.
   - Não quer me acompanhar até meu quarto? Queria conversar com você sobre uma coisa.
   - Claro.
   Estavam a meio caminho quando Carolina fez a ele mais ou menos a mesma pergunta que fizera a Nilda:
   - Depois da leitura do testamento, lembro de você dizer que Ted deixara o rancho para mim, só para provocar Laura. Por que Ted faria uma coisa dessas?
   Rob hesitou, mas acabou respondendo:
   - Laura odiou Ted desde o dia em que soube que ele era o pai dela e que a rejeitou. Ela deixava isso bem claro para ele cada vez que o via. Eu acho que Ted cansou de ser maltratado por Laura e decidiu vingar-se.
   - Sua mãe não acredita nisso.
   - Minha mãe sempre defendeu Ted. Afinal de contas, ela o amava. É duro ver o lado ruim daqueles que amamos.
   - Você acha que estou procurando uma explicação mais profunda quando não há nenhuma, não é, Rob? Apenas não quero pensar em Ted como um homem vingativo a ponto de deserdar sua única filha.
   - Mas isso é possível.
   Eles chegaram à porta e Carolina decidiu fazer a outra pergunta que a preocupava:
   - E quanto a Laura e a companheira dela? Eram felizes?
   - Desculpe, Carol, mas não posso responder: essa história não é minha, nem da minha mãe, para eu contar. É a história da Laura. Se quiser saber a respeito, pergunte a ela.
   - Está bem, vou perguntar mesmo - garantiu Carol.
   - Aconselho que se prepare bem para essa conversa. Quem sabe você pode conseguir uma resposta. Desde que você apareceu, minha irmã está fazendo uma série de coisas que pensei nunca mais vê-la fazer... Ontem à noite, no jantar, foi a primeira vez que a vi sorrir depois de três anos. Você deve estar fazendo as coisas direitinho, Carol!
   - Claro: dei a ela uma vítima para atormentar.
   Rob riu:
   - Não esqueça, se precisar de mim estou à disposição.
   Carolina ficou olhando enquanto ele se distanciava, imersa em total confusão. Sua confiança em Ted fora abalada e Laura continuava sendo um enigma.
  


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Notas finais do capítulo

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