Herança de Amor escrita por Lewana


Capítulo 4
Capítulo 4




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     - Não, Jenny, não compreendo. Por que não devemos mais nos ver?
     Ouvindo a voz de Rob, Carolina deteve-se à porta. O irmão de Laura falava ao telefone da cozinha, de costas para ela. Era evidentemente uma conversa particular.
        Ela recuara até um pouco além da porta quando ele se virou e a viu; tentou sorrir e fez-lhe sinal para ficar.
        Relutante, Carolina tornou a entrar na cozinha.
       - Sim, claro, também estou chateado. Quando você estiver pronta para falar a respeito, ligue.
       Carolina observou enquanto ele desligava. A expressão de angústia em seu rosto constratava tanto com sua alegria habitual que Carolina ficou aflita por ele.
      - Desculpe - disse ela. - Não queria ouvir, estou procurando o Dudu.
      - Jenny e eu íamos nos casar - murmurou Rob, como se ela não tivesse dito nada -, assim que ela se formasse na faculdade. Ela fez uma ligação interurbana e me disse que quer romper. Pelo menos isso é melhor que uma carta começando com "Meu Querido", não?
      Carolina sentia muito, mas não soube o que dizer.
      - Rob, lamento...
      Ele se recompôs com esforço e abraçou-a, voltando a ser o Rob de sempre:
      - Não se preocupe, moça bonita. Esta é a minha técnica romântica. Conto uma história triste e tenho você chorando, caída aos meus pés, implorando para me confortar. Esperto, não?
      De bom humor com a brincadeira, ela concordou:
      - Muito esperto. Muito melhor do que o modo como sua irmã lida com as coisas.
      - Vocês brigaram?
      - Nem sei dizer se aquilo pode ser chamado de briga.
      Carolina passara um bom tempo à noite tentando imaginar uma explicação para a atitude de Laura. Pensou até que Laura tivesse problemas emocionais sérios como consequência da morte da companheira.
      Mas Laura não parecia desequilibrada ao salvar sua vida e eram as qualidades que ela mostrara naqueles momentos difíceis que tinha valor para Carolina.
      Frustada por sua falta de habilidade em compreender o que acontecia com Laura, Carolina balançou a cabeça:
     - Tudo estava indo muito bem. Então, de repente, Laura começou a fazer perguntas sobre meu relacionamento com Ted. Pelo que Laura  disse, tive impressão de que despreza Ted Emory.
     - Não quero decepcioná-la, Carol. Mas é o que também sinto por aquele sujeito.
    Chocada, ela não sabia o que pensar:
     - Mas por quê?
     - Por causa do que ele fez à minha mãe.
     - O que ele fez a Nilda?
     - Desculpe, Carol, mas acho que você vai ter de fazer essa pergunta a Laura.
     Carolina começou a dizer alguma coisa, mas nesse momento Eduardo entrou na cozinha e foi abraçá-la. 
     - Bom dia, mãe! Você acordou tarde. Eu já tomei café. Posso ir andar a cavalo com Rob agora?
     - Bem...
     Carolina hesitou, tentando escolher o melhor modo de preparar o filho para o que viria. Ainda não sabia se devia levá-lo ao enterro de Ted. Mas se todos do rancho iam comparecer, com quem poderia deixá-lo?
     Rob antecipou-se:
     - Posso dar uma aula de equitação  ao Dudu hoje de manhã, se você concordar.
     - Mas...
     - Olhe, eu sinto mesmo o que disse há pouco e, portanto realmente prefiro levar Eduardo para cavalgar.
     Carolina pensou um pouco e decidiu que seu instinto inicial era correto: Dudu não ia ao enterro, podia ficar com ele.
     - Certo - concordou, ansiosa por continuar a conversa com Rob, mas Dudu já o pegara pela mão e o puxava para a porta. - Acha que Laura também vai preferir cavalgar esta manhã?
     - Bem que Laura gostaria, mas não vai fazer isso. É diferente para ela.
 
 
 
 
     É diferente para ela.
     As palavras de Rob voltaram à mente de Carolina algumas horas depois, quando sentou-se à grande mesa de carvalho da bibilhoteca iluminada pelo sol. Não conseguia parar de pensar nisso. As perguntas não lhe deram sossego durante o enterro, que fora muito concorrido.
     Como Rob previra, Laura estava presente, no entanto falara de Ted de forma ainda mais negativa que o irmão. Como a mais velha, a "chefe" da família, com certeza Laura vira-se obrigada a comparecer e Carolina queria saber, mais ainda, o que Rob quisera dizer.
     Olhou para o grande relógio da biblioteca, imaginando quando o advogado de Ted chegaria. A carta que recebera dele pedia que estivesse presente à leitura do testamento. De seu ponto de vista, seria um sofrimento terrível apenas para ganhar uma lembrança que Ted poderia ter lhe dado antes de morrer.
     Por um instante pensou que talvez Ted tivesse lhe deixado algo de valor. Sorriu. Mesmo que Ted tivesse lhe deixado o maior tesouro do mundo, não compensaria a perda dele.
    - Esta cadeira está ocupada?
    Carolina saltou ao ouvir a voz de Laura. Estava tão concentrada que não notara sua aproximação. Sentiu seu coração acelerar ao tê-la tão perto pela primeira vez nesse dia.
    - Sente-se onde quiser - respondeu, com o controle e a frieza que conseguiu reunir.
    Laura sentou-se e colocou o braço nas costas da cadeira de Carolina, que de imediato sentiu seu perfume característico, o que varreu tudo mais de sua mente, a não ser a lembrança do contato físico que houvera na noite anterior.
   No entanto, precisava saber por que Laura sentia aversão por Ted e por que falara com ela daquele modo naquela noite.
   Procurava as palavras certas para tocar no assunto quando Laura se aproximou mais:
   - Desculpe por ontem à noite, Carol...
   Carolina ficou feliz ao ouvir aquilo. Fitou-a nos olhos, só queria dizer que sim, por isso fez força para se controlar.
   - Não preciso desculpar você, Laura. Só quero uma explicação.
   Laura jurara que se desculparia e se afastaria antes de cair novamente em tentação, no entanto diante do olhar dela viu que já era tarde demais.
   - Não há tempo de lhe contar agora - disse, seca. - Na leitura do testamento você vai entender parte da situação, do que comecei a lhe contar ontem à noite, mas que você não estava preparada para ouvir. Acho que ainda não está, porém haverá tempo para explicações mais tarde.
   Apreensiva, Carolina não pôde insistir, porque Nilda entrou nesse momento, acompanhada por um homem de meia-idade com uma maleta.
   O homem aproximou-se e cumprimentou Laura. Nilda fez as apresentações:
   - Carolina Brolin, este é Sam Perry, advogado de Ted.
   O advogado tinha cerca de cinquenta anos, era bem apessoado e estava bem vestido. Sorriu-lhe com o calor das pessoas do campo ao dar-lhe a mão:
   - Carolina e eu já nos conhecemos. Visitei Ted em El Paso várias vezes nos últimos meses. Lamento saber sobre seu acidente, minha querida. Ainda bem que ninguém se feriu.
   Carolina sorriu também.
   - Não foi sorte, foi Laura. Ela salvou minha vida.
   Perry olhou para Laura, depois para o braço dela ainda nas costas da cadeira de Carolina.
   - Estranho como as coisas acontecem... - disse com ar enigmático. - Bem, vamos tratar de negócios.
   O advogado fechou a porta e ajudou Nilda a sentar-se, então ocupou a cabeceira da mesa. Abriu a maleta e pegou uma pasta que colocou na mesa à sua frente. Fechou a maleta, pôs no chão e ajeitou os óculos:
   - Estamos reunidos para ler o testamento com a última vontade de Ted Emory...
   Carolina inquietou-se, queria que aquilo terminasse logo, para conversar com Laura.
   - Para Nilda Bittencourt deixo todos os meus direitos pessoais e os direitos de publicação de meus cento e dez romances de mistério e de minha biografia.
   Carolina olhou surpresa para o advogado. Cento e dez romances de mistério? Ao ouvir a referência a Ted como "famoso autor" no funeral, achara que era um exagero de homenagem. Não sabia que ele escrevera livros de mistério.
   - Para Nilda Bittencourt deixo também a casa principal do rancho Double Diamond  e todos seus móveis.
   Carolina estranhou: Ted deixara para Nilda a casa dela mesma? Será que a casa principal do rancho havia sido colocada em nome de Ted por algum motivo?
    - Para minha única filha, Laura Bittencourt, deixo a soma de vinte e cinco mil dólares e a garantia de um emprego vitalício como administradora do Double Diamond.
    Todo o calor sumiu do corpo de Carolina ao ver que Laura começava a se levantar da cadeira. Agora as perguntas dela da noite anterior, que lhe tinham parecido tão malucas, faziam sentido. Não era de admirar que Laura estivesse tão preocupada com a idéia dela ter sido amante de Ted ou que fosse filha do mesmo. Laura era filha de Ted Emory!
    Agora pode entender o porque de Laura e Rob serem tão diferentes. Não eram filhos do mesmo pai.
    - Para minha querida secretária, Carolina Brolin, deixo todos os direitos de cópia de meu trabalho inédito intitulado O Legado, com a condição de que ela o prepare para ser publicado. Também deixo para ela a propriedade conhecida como Double Diamond  , incluindo suas construções, maquinário, animais e qualquer lucro que provenha da propriedade, com a condição de que ela resida no rancho por doze meses consecutivos. Se ela, por algum motivo, deixar de residir no rancho antes de se completar o período de doze meses, a propriedade do mesmo reverterá para Laura Bittencourt.
    O punho de Laura bateu com força na mesa:
   - Perry, você está dizendo que o velhote voltou sua palavra atrás e deu meu rancho para ela? Você sabe que o Double Diamond  me foi prometido no dia em que nasci. O velho devia estar maluco quando redigiu esse testamento. Vou acabar com ele nem que me custe até o último centavo!
  O advogado recostou-se na cadeira, abrindo os braços num gesto de impotência.
   - Laura, não a condeno por estar se sentindo assim. Mas preciso avisá-la que este testamento é incontestável. Ted fez questão de ser examinado por dois ilustres psiquiatras no dia em que o redigiu. Tenho as declarações deles aqui, afirmando que ele estava tão sadio quanto qualquer outro homem nesse mundo.
   Sam Perry passou os atestados médicos para Laura, enquanto Carolina compreendia tudo. Afinal de contas, aquele rancho não era dos Bittencourt. Eles só cuidavam da propriedade para Ted, eram simplesmente empregados. Só que um dos empregados era também filha de Ted, uma filha que a vida toda esperara herdar o rancho.
   Lembrou-se com orgulho de Laura quando lhe mostrara o rancho ao chegarem ali. Aquele rancho que era dela e nenhum pedaço de papel poderia alterar isso. Era dela e Carolina não tinha o menor direito de ficar com essa propriedade, pouco importando o que o testamento de Ted dizia.
   Carolina começou a dizer isso, mas Laura a fitou com tanto ódio que a voz morreu-lhe na garganta.
   - E você, a secretária devotada, com sua atitude de graciosa inocência! A sua determinação, seu amor por seu filho, me impediram de enchergar a verdade que estava bem na frente dos meus olhos! Bom, não demorou muito para ela aparecer! Você não é mais do que uma vagabunda astuciosa!
    Carolina mal percebeu o murmúrio de desaprovação de Sam Perry e a exclamação de protesto de Nilda. Sentiu que o sangue parara em suas veias. Se Laura tivesse lhe dado um soco com toda a força, não a teria machucado tanto!
    Achara que Laura a compreendia. Mas ela também via apenas o que todos os homens viam. Só queria o que todos os homens e algumas mulheres queriam. Como fora idiota, meu Deus!
    As lágrimas subiram aos seus olhos, fazendo-os arder mas Carolina recusou-se a chorar. Não ia mostrar fraqueza diante dela!
   Colocou-se de pé, com a ajuda da bemgala, e saiu lentamente da sala, mantendo a cabeça erguida. Orgulhosa demais para mostrar o quanto estava ferida, Carolina escondeu-se por trás de um escudo de fria dignidade e manteve o escudo até estar sozinha em seu quarto. Então, jogou-se na cama e enterrou o rosto no travesseiro.
    Mas antes que tivesse chance de começar a pensar no que acontecera, a porta do quarto foi aberta com violência. A mão forte de Laura agarrou-a pelo pescoço e a fez virar-se de costas na cama. Apreensiva, Carolina não tirava os olhos dela.
     - Por que, Carol? Você já havia manipulado Ted e conseguido o rancho, então por que veio bancar a inocente comigo? Acha que pode usar seu corpo para me controlar, para me fazer aceitar o testamento de Ted e concordar em continuar cuidando do rancho para você, sem brigar? Eis a sua chance. Vamos, veja se consegue o que quer de mim!
    Carolina lutou para respirar. Laura lhe ensinara que uma mulher era capaz de ser gentil, agora mostrava-se violenta, e a mente lhe dizia que devia estar apavorada com ela. No entanto, o que sentia tinha pouco a ver com o medo, mas era a mesma raiva que brilhava nos olhos de Laura.
    - Você não sabe nada de mim, Laura Bittencourt! Eu não tinha idéia da sua relação com Ted, nem que ele era dono deste rancho, muito menos que tencionava deixá-lo para mim!
   A expressão de Laura não mudou:
    - Isso é muito difícil de acreditar.
    - Eu não sabia que Ted possuía nada de valor, quanto mais um rancho! O único livro dele que conheci foi aquele no qual trabalhei com ele, a biografia de Edgar Allan Poe, e tenho certeza de que esse livro não vai se tornar um bestseller.
    - Uma mulher como você? Está querendo que eu acredite que não sabia exatamente quanto Ted valia?
    Uma mulher como você . Era evidente que nunca conseguiria provar a Laura que era inocente. Ela não conseguia ver além dos próprios preconceitos.
    - Você vai pensar o pior de mim não importa o que eu diga... - desanimou Carolina. - Eu só queria que Ted estivesse vivo para lhe dizer como eram as coisas!
    - Estou cansada de ouvir você dizer como Ted era um santo! Ele era um jogador, bêbado e mulherengo. Nunca se importou com ninguém além dele mesmo!
    - Isso não é verdade!
    - Eu sou prova disso. Ted estava noivo de uma mulher porque queria o dinheiro dela e engravidou Nilda Vasquez, um garota com a metade da idade dele. Mas seguiu adiante: casou com a noiva e convenceu o administrador de seu rancho, Ben Bittencourt, a se casar com a moça. Eu fui o resultado dessa gravidez, Carol. Por isso não venha me dizer nada sobre o caráter de Ted Emory. Eu sei como ele era!
    Carolina fechou os olhos. Não conseguia conciliar esta horrível descrição de Ted com as lembranças que tinha do homem que fora tão bom para com ela e Dudu. Mas via que a dor de Laura era real.
    - As pessoas mudam - arriscou ela. - Talvez com a idade tenha mudado.
    - Aí, tentou indireitar as coisas comigo deixando o rancho para você? Conte histórias de fadas para o Eduardo, Carol! Nós duas sabemos como você conseguiu o Double Diamond  . Quero deixar minha posição bem clara. - Laura a encarava com frieza. - Ted não vinha ao rancho, não sabia o que ocorria aqui e não se importava, como não se importava comigo. Ben Bittencourt, o homem que considero meu verdadeiro pai, cuidava do rancho e depois dele eu cuidei. Tenho anos de sangue e suor investidos no rancho e não vou deixar que você o roube. Por isso, vá embora já e deixe o rancho para mim ou fique e tente me convencer a dá-lo para você, como convenceu Ted: na cama.
    Vibrando de ódio, Carolina ergueu a mão com força, mas o tapa não chegou ao destino. Laura segurou-lhe a mão e moveu-se de forma a ficar deitada em cima de Carol.
    Estavam coladas uma na outra. Por um momento Carolina esqueceu a raiva e lembrou do intenso prazer de ser tocada por ela. Mas não podia esquecer o que Laura lhe dissera, pois devia ser o que ela de fato pensava. Então, virou o rosto para um lado, rompendo o encantamento da atração.
     A rejeição silenciosa de Carolina fez a raiva de Laura crescer ainda mais. Aquela mulher roubara o que era seu de direito e ainda por cima a fazia de boba! Mas ela teria o troco, ia fazê-la pagar pela propriedade roubada e pelas meias verdades que lhe dissera. E só conhecia um modo para isso...
     Abaixou a cabeça, aproximando os lábios dos dela.
     Carolina fechou a boca com força e apenas suportou o beijo dela. Foi inevitável que o comparasse com o outro que haviam trocado há algumas horas.
     Sabia que mesmo que falasse até cansar não a convenceria de sua inocência e tudo que lhe importava era acabar com aquilo, empurrar essa história no passado.
     Abandonando a batalha desigual, Carolina deixou o corpo inerte.
     Laura aproveitou-se da súbita rendição. Sua língua penetrou na suavidade da boca de Carolina com tanto ímpeto que a mesma engasgou e por um instante sentiu medo. Então, aos poucos, os movimentos de Laura foram ficando mais lentos e suaves. Em segundos a agressão transformou-se em sedução.
      Carolina passou os braços ao redor do pescoço de Laura prolongando aquele beijo febril.
      Mordiam os lábios uma da outra, brincavam com suas línguas. O coração de cada uma batia descompassado, sentindo uma sensação maravilhosa com o beijo.
      Laura sentia o carinho que Carolina fazia em seu pescoço, em meu ombro, seus braços
e estremecia de prazer.
      Carolina sentiu vontade de chorar de alívio. A estranha violenta sumira, porém tinha uma tarefa ainda mais perigosa: suportara a raiva de Laura, mas suportaria sua envolvente delicadeza?
      Os lábios dela pareciam devorar sua resistência aos poucos.
      Os dedos de Laura acariciavam-lhe o pescoço e de súbito o sexo intumescido pelo desejo começou a mover-se contra seu corpo em um ritmo tão antigo quanto a criação.
       Tremendo, Carolina fechou os olhos e sentiu que desaparecia o que restava da sua resistência. Sabia que logo teria de pagar o preço por aquele prazer temporário, mas achou que valeria a pena e retribuiu o beijo com toda a paixão que sentia.
       Laura gemeu, excitada com a resposta. Seus dedos no pescoço de Carol sentiam o pulsar agitado do coração, enquanto o corpo macio retorcia-se de desejo. Laura aprofundou o beijo esquecendo suspeita, raiva, só pensando como era bom ter aquela mulher nos braços.
       De repente, um alarme começou a soar em algum ponto da mente de Laura. Com a cabeça girando, ela forçou-se a recuar um pouco e olhar para Carolina. Só pretendia assustá-la, o suficiente para que ela decidisse ir embora do rancho. Mas em vez disso, Carolina aceitara seu domínio, anulara a violência de sua intenção e transmutara sua ira em desejo.
       E ela, mesmo sabendo o que Carolina era, sentia-se atraída!
       - Maldita seja você, Carol! Quero que vá para o inferno!
       Uma voz masculina, fria e ameaçadora, a interrompeu:
       - Pare com isso, Laura.
      Surpresa, Carolina voltou a cabeça e viu Rob parado à porta. Sentiu embaraço, alívio e frustação ao mesmo tempo. Laura saltou de pé de imediato.
       - Qual o problema, irmãozinho? Você também quer Carolina?
       - Mamãe me contou do testamento. Sei como está se sentindo, mas não vou deixar que castigue Carol por uma coisa que Ted fez. Se ele não tivesse dado o rancho para ela, teria dado para outra pessoa. Ele quis magoar você e usou-a para isso, será que não consegue ver?
       - Só vejo que o rancho agora é dela e não meu, como devia. E vejo também que ela já tem um "cavaleiro da esperança" disposto a ajudá-la. - disse com ironia.
       Houve um silêncio pesado e Laura tornou a falar:
      - Ouça meu conselho, irmãozinho: fique com garotas da sua idade, porque esta "pobre moça" que está tentando defender não precisa de qualquer ajuda. Ela poderia engolir você inteiro, cuspir os ossos sem perder um minuto de sono por causa disso.
     Carolina sentou-se, voltando a ficar enfurecida, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa em sua defesa, Laura saiu do quarto.
      - Você está bem? - perguntou Rob. - Posso fazer algo?
      - Não, agora não. Por favor, só quero ficar sozinha.
      Por um segundo Rob pareceu a ponto de protestar, depois deu de ombros:
      - Vou estar por perto se precisar de mim - disse, saindo do quarto.
     Lentamente, Carolina sentou-se na beira da cama e olhou-se no espelho. O cabelo estava despenteado, o rosto vermelho, os lábios machucados. Laura estava certa: parecia mesmo com uma vadia.
     Ocultou o rosto nas mãos. Como pudera desejá-la depois do modo horrível como ela a tratara? Laura apenas quisera usá-la, humilhá-la, puni-la por um crime que não cometera. Sua vontade era ir embora, para o mais longe possível dali. Mas, não entendia por que seu coração queria estar perto do perigo.
    Olhou-se de novo no espelho. Crescera em uma série de lares adotivos, sem ser querida e ali estava novamente na mesma situação. Com uma diferença: não era obrigada a ficar.
    Faria as malas e pegaria o ônibus de volta para El Paso no mesmo instante. E quando chegasse lá iria... iria o quê? O apartamento onde ia morar só estaria à sua disposição em uma semana e se usasse o dinheiro que tinha para pagar as passagens, não teria como pagar o hotel até receber o primeiro salário. Talvez tivesse sorte de conseguir um emprego temporário de substituição, mas as escolas estavam em férias e Eduardo não podia ficar sozinho em casa.
   Nesse momento seus aflitos pensamentos foram interrompidos por Dudu, que entrou correndo no quarto e saltou no colo dela.
    - Eu andei de cavalo, mamãe! De verdade! Rob disse que sou um cavaleiro nato!
    Carolina forçou-se a sorrir:
    - Que ótimo!
    - Por que está chorando, mamãe?
    Os pequenos braços do filho envolveram seu pescoço.
    - Por nada, só estou um pouco triste.
    - Não fique triste, mamãe. Eu amo você.
    Carolina abraçou o pequeno, precisando de carinho, sem condições. Para Dudu, não importava se era a Miss Universo ou ninguém; para ele, era apenas mamãe. Caiu em si naquele instante: Eduardo era a pessoa mais importante de sua vida e tinha algo mais do que amor para dar a ele. Ted deixara o rancho também para Dudu.
    Lembrou-se das horas que Ted passava com Eduardo ajudando-o com as lições de casa, vendo televisão, jogando cartas... O velho o amara como se fosse seu neto. E ela havia sido a única pessoa a cuidar de Ted quando ele ficara doente. Os Bittencourt não o haviam visitado nem uma vez antes dele morrer, não tinham sequer telefonado. Nem mesmo Nilda. E Laura desprezava Ted Emory, apenas se interessava em ficar com o maldito rancho.
     Nesse momento Carolina sentiu que dureza e frieza invadiam-lhe o coração e tomavam conta dele. Não era de admirar que Ted tivesse mudado o testamento: os Bittencourt deviam ficar agradecidos com o que tinham recebido. Ela merecera ganhar o rancho, não da maneira que Laura imaginava, mas pelo amor e devoção. Merecera o rancho para seu filho e lutaria para conservá-lo para ele. A voz de Dudu a despertou:
     - Já acabou de chorar, mamãe?
     - Sim, querido...
     Em silêncio, ela jurou que fora a última vez que se permitira ser fraca, que deixara a atração por Laura ficar entre ela e os interesses de seu filho.
     Laura podia pensar o que quisesse, mas comparada com ela fora criada em meio ao luxo. Laura nada sabia sobre arte de sobrevivência, coisa que Carolina fora obrigada a aprender. Que ela tentasse tirar-lhe o rancho! Não ia largar a única coisa que a vida lhe dera. Carolina Brolin ia ficar e exigir sua herança quer Laura Bittencourt gostasse ou não.
    


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Notas finais do capítulo

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