Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 42
Capítulo 42. Realização (Intermezzo)


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos.
A música de hoje é "We were lovers", que acredito eu seja do Jean-Jacques Burnel, mas eu conheci como a abertura de Gankutsuou, que é na verdade um anime-releitura de o conde de monte cristo. É um anime impressionante que eu não sei bem como definir, mas o que me assusta é a abertura do dito-cujo. É, até hoje, a abertura mais bonita que eu já vi em um anime, então fica a dica: procurem no youtube. Espero que gostem do capítulo, e tenham uma Feliz Páscoa. Ou como diria um amigo meu, "boas cenouras".



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So tonight I'll sing a song to all my friends,

Also to those we won't be seeing again.

To those I knew and those I still adore,

And I want to see once more...

I just pray that you will love me and trust me,

Laugh with me and cry with me,

Spend those silent times with me.


Love me evermore.

Love me evermore.


You and I were lovers.

Our dreams were not soured by life.

And then my friends betrayal

Meant you never would be my wife.

O mundo era manchado de sangue, corrompido por ódio e incertezas que tornavam todas as escolhas erradas. Mesmo as certas. A vida era um caos e a única esperança era também o maior dos temores. A morte era uma solução tentadora.

            E então o mundo ficou um pouco mais azul.

            Foram dois anos. Talvez um pouco mais, entre conhecer e de fato perder Doamnei.

            Dois anos. Não era muito tempo. Dois anos. Vinte e quatro meses. Setecentos e trinta dias. Dezessete mil quinhentas e vinte horas. Sessenta e três milhões e setenta e dois mil segundos. Um. Dois. Três. Quatro... Segundos apenas. Os mesmos segundos que estavam passando rápido a cada momento de sua vida. Segundos que não voltariam mais. Momentos que não voltariam mais. Pessoas que não voltariam mais.

            Sua vida que não voltaria mais.

            Vlad não sabia ao certo se o que aconteceu naquele período era o começo de uma grande reviravolta ou só mais uma peça que o destino lhe pregava, mas era sem dúvidas uma parte de sua vida que ele guardava com cuidado e até mesmo receio dentro de si.

            Quando ele assumiu o comando das tropas de apoio, seu irmão não ficou feliz.  Nem ele. Dois meses depois suas tropas venceram a batalha e voltaram para casa, esperar o chamado de seu pai para se unirem às tropas principais, onde Radu ainda lutava. Foi quando conheceu Doamnei.

            No dia que se conheceram o encontro se resumiu a um Vlad abobalhado ouvindo uma mulher falar por si mesma pela primeira vez, a correr atrás de folhas que o vento levava e a observar a moça colocar as páginas amassadas novamente em ordem, sentados embaixo de um árvore. Antes que ela fosse embora Vlad perguntou se ela se importava deles se encontrarem de novo. Doamnei somente assentiu com a cabeça, ainda sem encontrar os olhos âmbares dele.

            Eles se encontraram novamente no dia seguinte, e nos próximos também. A princípio, Doamnei falava e Vlad ouvia. Com o tempo ele começou a comentar também. Um dia talvez conseguisse se abrir e falar o que pensava, o que sentia.

            Então começaram a correr boatos no castelo. Boatos que nunca chegaram aos ouvidos de Vlad, mas que ele percebeu nos olhos da moça. Que Doamnei era uma meretriz, interessada em seduzir o príncipe. A oferecer favores em troca de recompensas. Deixou-a prostrada no pomar, onde se encontravam desde o primeiro dia, com os olhos azuis marejados e o rosto vermelho, sentindo-se completamente envergonhada e abandonada.

            Em quarenta minutos encontrou o comandante do 14º batalhão. O velho quase morreu de susto ao ver eu superior batendo pessoalmente em sua porta. Ouviu praticamente sem piscar o que Vlad tinha a dizer, concordando praticamente boquiaberto com a cabeça. Quando Vlad assentiu e fez menção de sair, ainda pode ver o comandante sentar-se no chão, sem acreditar no que estava acontecendo.

            O príncipe encontrou Doamnei sentada nas escadarias do castelo, os olhos cheios de lágrimas, sendo consolada por algumas das camareiras mais jovens do castelo. Boas moças, Vlad descobriu depois, não participaram dos comentários maldosos. Elas se afastaram ao percebê-lo, com olhares de desculpas para Doamnei, ainda sentada em um degrau, escondendo o rosto. Ela tentou se desculpar, dizer que não era nada daquilo e que se afastaria. Que sentia muito e que gostaria que tudo fosse diferente, que sentiria falta dele.

            Vlad sorriu. Sabia que não devia, mas sorriu mesmo assim. Disse que havia acabado de pedir permissão ao pai dela para cortejá-la e que tinha intenção de pedi-la em casamento em breve, se assim ela desejasse.

            As lágrimas contidas viraram soluços e Vlad não sabia o que fazer para acalmá-la. No final, Doamnei quem teve que tranquiliza-lo, dizendo que as lágrimas foram de alegria. Se em um primeiro momento aquilo calou os boatos, em seguida eles vieram com mais força. Que Doamnei estava grávida, que tinha atirado no que viu e acertado o que não viu. Mas agora eles não a atingiam mais, pois ela estava em outra esfera social, completamente diferente.

            E então o outono passou, e com o inverno veio a ordem de seu pai para reunissem as tropas. E Vlad obedeceu.

            A batalha foi dura. Vlad nunca soube exatamente o que aconteceu, mas por pouco ele conseguiu desviar de uma flecha. Sua ultima lembrança daquele dia era jogar-se sobre o corpo arfante de seu pai, com a mesma flecha atravessada na garganta. Na época não entendeu o olhar que ele lhe dirigia, hoje sim. Era horror, o olhar de há pouco ter realizado o erro de julgamento que cometeu durante toda sua vida e agora se ver morrendo, deixando todo seu futuro nas mãos do filho errado. No filho que não era de fato seu, mas do próprio diabo. Das palavras ele se lembrava: “A culpa é sua. Devia ter sido você”. Na época pensou que falava da flecha, hoje não sabia se era isso ou a exclusão que seu irmão sofreu por toda a vida.

            E então o mundo ficou escuro. Quando acordou estava na barraca do acampamento, sua cabeça coberta por bandagens. Bandagens que agora tinham o peso de uma coroa.

            Quando voltou para casa pediu Doamnei em casamento. Ela aceitou com um sorriso no rosto, acariciando os fios de cabelo que escaparam das bandagens, enquanto via seu noivo sucumbindo ao sono.

            Ele partiu novamente em duas semanas, tendo o consolo de quando voltar encontrar sua noiva esperando-o. E eles conversavam. Vlad falava, mas principalmente ouvia. Gostava do som da voz de Doamnei, importava-se com o que ela tinha a dizer. Mas o tempo era injusto. Para cada semana que passava em casa eram pelo menos três meses que passava fora.

            E ele não percebeu que a fornalha que habitava estava cada dia mais quente. Não percebeu a insatisfação, não percebeu a revolta. Não percebeu que estava sucumbindo à pressão. Ele só queria trazer a paz. Não só porque foi algo com o qual ele sonhou toda sua vida, mas porque ele precisava ofertar aquilo para sua noiva. Para a família que estava iniciando.

            Mas seu desejo de paz foi o que deu início a uma guerra muito maior que a que lutava desde garoto. E no dia de seu casamento o castelo foi invadido, sua coroa foi tomada e sua esposa assassinada, pelo seu próprio irmão, que o fazia por princípios, por fé. Porque acreditava que seu irmão mais novo seria a ruína de seu reino e seu povo. E Vlad fugiu. Naquela noite ele fugiu, mas voltou por sua coroa, para proteger seu povo de seu irmão, enlouquecido pela ganância e pela inveja. E os dois filhos do rei se tornaram os monstros que ele tanto temia. Mas Vlad sofreu mais. Não pelas circunstancias, mas porque havia algo de bom nele que lutava para compensar a escuridão que sua alma carregava, algo que sofria e ao mesmo tempo o cegava.

            E então, cego, governou a Valáquia por mais seis anos, quando, em guerra com seu irmão, e com os turcos ao mesmo tempo, foi assassinado. Mas não fazia diferença, pois sua alma já estava morta. E não podia morrer, pois já estava morto, mas vivo. Foi quando a sede veio. E depois disso ele já não era mais ele mesmo, estava perdido dentro da loucura, dentro de si mesmo.

            E tudo começou com dois anos. Dois anos que viraram oito, que acabaram por se tornar séculos. Dois anos que ele viu passar diante de seus olhos, segundo a segundo.

            Já fazia quase um ano que ele estava morando na mansão Hellsing. Um ano que, sem ser notado, passou diante de seus olhos. Um ano que estava revolucionando sua vida. Um ano que podia acabar a qualquer momento. Uma época de sua vida que se sustentava por promessas não feitas, por sonhos impossíveis, por amores não consumados. Pelo misto da dor de amar sem ser amado, ao mesmo tempo carregando o peso de ter sido amado sem amar. Não. O peso de não ser bom o suficiente, ser sensível o suficiente, ser articulado o suficiente... Ser humano o suficiente para ter sabido amar.

            Porque agora, ali, sentado ao lado de sua esposa; sentindo os dedos frios delas próximos aos seus, ele percebeu que não era a ideia de futuro com Doamnei que ele amava. Ele amava cada gesto, cada olhar. Com o apego de quem tem medo de querer, de quem nunca teve e não sabia como lidar. Ele amava cada carinho como o infante que ama a mãe. Aceitava cada gota, cada expressão para apaziguar sua alma. Pois para ele que não tinha nada, Doamnei era um oásis. Era pura ambrosia.

            E ela, em sua força e simplicidade foi capaz de despertar um lado mais leve, mais natural do príncipe da Valáquia. Um lado tão frágil que não resistiu à perda dela. Um lado que ele queria ser capaz de entregar à Integra, mas que jamais poderia depender dela.Enquanto ele não se fizesse inteiro por si mesmo, não adiantava esperar que algo o completasse, e não havia circunstância em que isso fosse possível.

            Ele lia nas histórias sobre pessoas que estavam incompletas, fragilizadas, destroçadas, e então seu amado (ou amada) vinha em uma armadura brilhante, curava cada ferida emocional e então eles viviam felizes para sempre. Para Vlad essas histórias eram doentes. Uma pessoa que não se ama não pode amar outro, e se esse alguém não o ama, mas mesmo assim o amor dói ali não há, amor. Só apego. Apego não cura feridas emocionais. Apego não gera amor. Simpatia não reestrutura almas e não importa o que digam, o tempo não cura tudo. Ameniza as circunstâncias, nos permite ver com mais clareza, mas não é solução.

            E Vlad não tinha condições de se apegar a nada, ou de depender de ninguém naquele momento. Porque o elo que prendia os elementos de sua vida eram frágeis e ele não podia se dar ao luxo de perder nenhum deles. Não aguentaria.

            A guerra havia acabado há séculos, mas ele ainda tinha muitas batalhas para lutar. Batalhas que ele não tinha certeza se podia vencer. Não tinha certeza por quem vencer.

            Fechou os olhos quando sentiu o corpo de Integra moldar-se ao seu, passando os braços pela cintura dela, segurando-a contra seu peito. Permitiu-se afundar o nariz em seu pescoço, sentindo seu perfume, sempre tão suave, sempre tão apenas ela.

            Integra pousou os as mãos sobre as dele, ainda procurando conforto, mas sutilmente preocupada com a atitude dele, a noite inteira tão distante.

            – Vlad? O que foi?

            O rapaz respirou fundo, e respondeu tão baixo que se não estivesse falando no ouvido dela, Integra não teria ouvido:

            – Eu sinto falta de Doamnei.

            Integra não precisou responder, mas ela entendia o sentimento. Também sentia falta do vampiro.

            A dor e o ciúme que ela sentiu naquele momento foram irrelevantes. Seria muita hipocrisia afinal, e ela simplesmente não tinha esse direito.

            A festa passou sem muitos rodeios depois daquilo. Ainda juntos, caminharam até a mesa onde cortaram o bolo, mas não ficaram mais na festa depois daquilo, não vendo quando ou como ela acabou. Integra puxou Vlad pela mão e o rapaz cedeu sem fazer esforço. Ninguém, de jornalista a empregado ou convidado da mansão Hellsing estranhou o fato de os recém-casados não estarem mais presentes, ninguém se aventurou até o quarto deles. E se alguns blogs comentaram que a virgem mais intransponível da Inglaterra não era mais tão intransponível ou tão virgem assim, bom, que assim seja.

Os dois foram de fato para o quarto, mas apenas porque era o único local realmente vazio da Hellsing. Mas havia coisas que um contrato realmente mudava. Integra apenas ergueu os cabelos e ofereceu suas costas para Vlad, o que foi o suficiente para o rapaz entender e abrir o zíper do vestido negro por ela.

Observou-a caminhar até o armário, mal segurando o tecido sobre os seios, vendo o contraste das joias rubras contra a pele pálida, os cabelos cor de mármore. Imaginou como seria se pudesse vê-la trajando somente as joias, e depois, enquanto ela terminava de vestir uma camisola de seda branca, imaginou Doamnei trajando somente as joias. Doamnei se casou de branco, com os referidos rubis, foi uma associação totalmente involuntária. E então as joias também foram retiradas e guardadas e Vlad se lembrou que não veria nenhuma das duas, não tocaria nenhuma das duas, pois nenhuma das duas era de fato  sua esposa. Não mais, não de verdade.

 – Nós temos que ver como as coisas vão ficar de agora em diante, não é como se tenhamos de fato conversado a respeito antes... – Integra começou, dirigindo-se até sua cama e enfiando-se por debaixo dos lençóis, utilizando o tecido quase que como uma armadura.

– Nada vai mudar, Milady. Esse casamento não foi de verdade.

Integra baixou o olhar por um nano segundo, quando sua máscara de força voltou à sua expressão. Mas como sempre, Vlad viu. Integra chegou a abrir a boca para expulsar Vlad de seu quarto e de sua vida, dar uma resposta ferina e mal educada, quando o conde a interrompeu:

– A menos é claro, Milady, que assim o deseje.

Aquilo calou a boca de Integra, que por um momento percebeu que Vlad não estava ali só por estar, não tinha opiniões formadas sobre o assunto e, principalmente, não estava dispensando-a. Ele também estava inseguro. Só isso.

– Como você quer que a situação fique? – Ela perguntou, já com mais curiosidade do que acidez.

– Eu quero o que puder me oferecer, Milady.

Integra pensou por alguns instantes, erguendo então os lençóis para permitir que um Vlad completamente vestido se juntasse a ela na cama. Ele obedeceu, livrando-se apenas dos sapatos, afrouxando um pouco a gravata.

Quando ele já estava acomodado na cama, Integra pousou a cabeça sobre seu peito, permitindo-se ouvir as batidas do coração. Murmurou:

– Não posso te oferecer muito hoje, mas acho que aos poucos vamos nos acomodar. – Uma longa pausa. – Você devia se mudar para o meu quarto.

Vlad arqueou uma sobrancelha, achando aquilo de certa forma engraçado vindo dela.

Quando Integra viu, ficou irritada, mas acabou tirando aquela cara dele com um beijo que o deixou completamente surpreso. Suave, mas intimo, explorador.

– Não se acostume. Essa é a nossa lua-de-mel afinal.

Vlad pensou em responder alguma coisa, mas quando Integra se acomodou ao seu lado ele acabou percebendo que em meio ao calor e o conforto, também estava cansado. Dormiu sem nem ao menos ter a intenção.  

Harsh words were said, and lies were told instead.

I didn't ever mean to make you cry.

But love can make us weak and make us strong.

And before too very long.

I was totally in love with you, I bathed in you,

Lost in you, captivated by you,

Amazed by you, dazed by you.


Nothing can go wrong.

Nothing can go wrong


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Notas finais do capítulo

Meus caros, eu acreditava que minha vida estaria mais tranquila depois que entregasse o TCC, mas ledo engano. Vou me esforçar para conseguir postar um capítulo por mês pelo menos, mas desde já me adianto pedindo desculpas pela demora. De qualquer forma, acredito que todos já tenham percebido que a fic está caminhando para seus momentos finais. Foi uma honra tê-los me acompanhando até aqui.
Muito obrigada a todos, e nos vemos em breve (espero). ^^



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