Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 28
Capítulo 28. Desolação


Notas iniciais do capítulo

Brincadeiras de 1º de abril à parte, lhes apresento o capítulo 28.

Está curto, eu sei, e peço perdão por isso.
Vou tentar atualizar com mais frequência!

Ah sim, algumas passagens foram melhor descritas no cap. 4 de "Nenhum de nós", e se eu acho que gostariam de ler "Saudades" da carol_XP, que é uma releitura muito interessante desse momento de Anjo.

A música de hoje é "A carta que não foi mandada" de Vinicius de Moraes e Toquinho. Ouçam a música completa, eu só coloquei alguns trechos mais significativos. Boa leitura, e me deixem saber o que acharam!



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E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor

Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais

Vlad caminhava a passos lentos com os pés descalços pela neve Romena.

Procurava sentir alguma coisa. Qualquer coisa, mas nem o frio do gelo parecia abraçar seu corpo. Sentia-se como se já estivesse morto.

Talvez estivesse.

Procurava por motivos para permanecer vivo. Lembranças de tempos felizes e certezas de que aquilo tudo ia passar um dia... De que aquele vazio não era de fato real.

Jogou-se no chão, escavando a neve com as mãos nuas. Queria sentir alguma coisa, qualquer coisa: nem que fosse dor.

Parou o que fazia ao ver a branca neve sendo tingida de carmim. Suas próprias mãos sangravam, mas mesmo assim ele não sentia nada.

Foi quando levou os dedos aos lábios, descobrindo-se estranhamente atraído pelo gosto do sangue.

Algo lhe sussurrava na mente: Vampiro.

E gritava ao mesmo tempo: Mostro.

E sorria feliz: sim.

 Voltou a correr na neve, desta vez com um ideal fixo em mente. Ele não se renderia a esse mal. Não desta vez.

As águas geladas do fosso em seu castelo lhe pareceram imensamente convidativas. Encontrar os restos ,mortais de Doamnei talvez?

Não, descansar em paz ao lado da única pessoa que ele sabia já ter se importado com ele.

   E pela neve ele correu, e em meio à neve ele se jogou nas águas gélidas do rio, e em meio a gelo e água, ensopando suas roupas pesadas e o puxando para o fundo, incapaz de subir tanto pelo peso quanto pela correnteza ele se viu monstro, vampiro, sendo assassinado pelas águas correntes de sua terra natal.

Paz finalmente.

Abriu os olhos, vendo a neve recém caída cobrindo as ruas das terras onde nasceu. Quase riu da ironia daquilo tudo. Ter pesadelos dormindo era uma coisa... Acordado era outra, completamente diferente.

Estava cansado. Seus olhos pesavam, sua cabeça doía. Mesmo assim não conseguia dormir. A grande ironia era que não conseguia dormir em virtude de seus pesadelos, mas os tinha mesmo acordado. O que deixava tudo pior, já que ele quase sentia o sonho em seus sentidos semi despertos. Muito bem.

Jovem caucasiano, cabelos negros, olhos de um incomum tom âmbar. A polícia suspeita que seja membro de uma gangue, mas devido à sua falta de reação, suspeitamos de algum trauma grave.

O paciente não foi identificado.

Tratado por seu número de registro: 3134a.

Mostra iniciativa e certa predição pelas sombras e a solidão.

      Essas malditas palavras ecoavam em sua mente ainda transitando entre a realidade e seus sonhos agitados.

3134a acordou no meio da noite, parecendo extremamente assustado.

Apresentou comportamento agressivo.

Necessário sedá-lo.

Ela tinha queimado o histórico. Ele não existia mais. Por que havia uma cópia em sua mente?

Tememos pela sua frágil saúde.

Que diferença fazia se a saúde de Vlad era frágil naquela época? Ele estava mais forte agora. Ele ficaria bem...

Reconheceu uma das frases que 3134a repetiu freneticamente em seus sonhos como uma passagem da bíblia, em latim.

Recebeu uma educação muito refinada.

Não importava que ele era praticamente um duque... Que era um duque, já que na verdade pertencia à família real. Ele não a queria mais, ele tinha ido embora...

Passou por sua primeira sessão de hipnose essa manhã.

Assuntos confusos... Clara desorientação quanto ao tempo e espaço.

Ele estava desorientado, perdido. Não era seu tempo, não era sua casa. Não era nem mais sua própria vida...

Pode sofrer de esquizofrenia. Autismo, no entanto, está completamente descartado.

Sessão transcrita e consta em anexo...

Onde estava o anexo? Ela não leu... Será que queimou junto com o histórico?

3134a sofre de um caso extremo de Enosiofobia... medo de falhar...decepcionar... seu próprio mundo de fantasias...

Não eram fantasias. Ele tinha vivido as guerras, ele tinha visto a dor...Será que ele tinha mesmo tanto receio em decepcionar aqueles que o cercavam? Quanto ele se repreendia perto dela? O quanto daquela calma e gentileza eram fingidas? Quanta dor ele não mostrava por medo de parecer frágil?

A única esperança para este jovem é que, algum dia, encontre algum objeto de afeto...

Objeto de afeto. Vlad tentou gostar dela? Tentou se abrir e foi afastado sumariamente de sua vida? Por que ela criticou tão veementemente todas as ações que ele tomou por si mesmo? Ele tinha tentado se matar depois do baile... A única decisão que ele havia tomado tinha sido protegê-la.

Interaja sem o medo irracional de fazer algo errado...Em Adams St. John, isto é impossível.

E fora de lá? Ele iria atentar contra a própria vida outra vez? Ele tinha medo de interagir com ela? Verdade seja dita, Vlad nunca se abriu para Integra. Era para Celas que ele contava seus medos, deixava-se ser consolado, chorava, abraçava...

Repercussão disso em sua mente debilitada.

Sentou-se de estalo em sua cama, não tolerando mais as palavras que leu no histórico e que ecoava em sua alma, maltratavam seu espírito. Lembravam-lhe o que ela tinha feito. Era o certo. Ele tinha a destratado daquela forma tão fria, justo quando ela resolveu se abrir e...

Em algum momento nessa relação ela estava disposta em dar algo em troca? Ou ela se abriu apenas para poder receber as atenções e cuidado do rapaz?

O dia não havia amanhecido ainda. A Hellsing ficou algumas horas olhando para o tecido do alto de sua cama, enegrecido pelas penumbras da noite.

O castelo de Bran sempre foi um lugar frio, distante. Os ambientes eram escuros, as paredes pareciam sempre se fechar. Nunca foi um lar aconchegante, mas ainda sim era seu refúgio.

Escondia-se nas sombras de seus aposentos, nas folhas mortas que as árvores deixavam, que insistente e morbidamente cobriam seus dias de laranja e marrom.

A única faceta bela da morte, que a irritante primavera logo levava embora com seus tons vivos e vibrantes. O inverno era bonito também, mas lhe era triste.

A neve alva de sua terra sempre lhe vinha à mente manchada de sangue, espelhava o aspecto mais sombrio da vida: aguardar dias melhores. Onde pássaros cantam e o mundo se renova. Jamais para ele. Por isso a primavera lhe irritava. Aquela maldita estação parecia ter a finalidade única de lhe mostrar que o sol brilha todos os dias, que os animais saem das tocas e as flores desabrocham. Que tudo sobrevive ao frio, menos ele mesmo.

Que Deus dava suas dádivas a todos os seres animados ou inanimados, e ele era incapaz de recebê-las. Sentia o sol queimando sua face, mas ao contrários dos outros que dele se nutriam e aqueciam, Vlad tinha fortes dores de cabeça, potencializadas pela sua pele e olhos claros.

Um garoto de constituição frágil e raciocínio raro, forçado antes da hora a abandonar sua infância e inocência. Obrigado a engolir as lágrimas e a crescer quando o que mais precisava era chorar e ser acolhido. Obrigado a matar quando o que queria era estudar.

Moldar a força e habilidade física porque do contrario morreria. Como queria ter morrido. Mas nem isso lhe foi permitido.

Morrer como as folhas no outono. Para renascer na primavera, ou ficar em paz no inverno, não lhe fazia diferença. Seria belo? Não, não há beleza na morte. Mas seria fácil. Seria natural. E isso lhe era o suficiente.

E então os ventos de outono lhe trouxeram frescor aos seus dias. Doamnei. Que lhe ensinou a gostar da primavera, foi sua força no verão, mas que um dia, como toda bela flor, foi levada durante o inverno.

A neve romena era manchada de sangue para Vlad.

E era em meio à neve que ele observava o túmulo da esposa morta. Lápide que ele mesmo construiu, sem nunca ter encontrado o corpo. Corpo que ele procurou pessoalmente quando pôde retornar para seu castelo, mas que ele sabia ser impossível encontrar.

Acabou ficando meses doente, entre a vida e uma morte providencial, que não lhe foi permitida. E então, ainda se recuperando, foi obrigado mais uma vez a engolir suas emoções quando o que mais precisava era ser amparado, assumir o governo de seu país e planejar a morte de seu irmão: antes que ele o fizesse.

Não seria ruim ser assassinado, mas seu dever era não ser. Era proteger seu povo.

E ali, ao lado, a lápide refeita de Radu, irmão que ele mesmo assassinou. Anos além do que ele tinha consciência de ter vivido. Depois de Radu ter conseguido, efetivamente, assassiná-lo.

Ajoelhou-se na neve, sentindo o frio ensopar suas roupas e agredir sua pele. Apoiou a mão sobre a rocha, permitindo que uma pequena prece passasse por seus lábios bem feitos.

Pedia pelo perdão de seu irmão. Desculpava-se por ter sido um incômodo, por não ter percebido os sinais. Por ser o objeto de tanto ódio e ambição, que tinham levado seu irmão ao inferno. E perdoava. Perdoava o irmão que, apesar de tudo, ainda amava.

Levantou-se devagar, pousando a mão sobre o túmulo ao lado, de Elizabeta. Irmã que partiu tão cedo, deixando apenas saudades e a possibilidade do que poderia ter sido. Para ela, ele apenas pedia para que descansasse em paz, ao lado dos anjos onde era seu lugar.

Para sua mãe, sussurrou um "eu te amo" sem verdade, agradeceu pela vida sem sinceridade, mas sabendo que era isso que queria sentir e, principalmente, que eram essas as palavras que queria ter dito quando ela ainda podia entendê-lo.

Quando seus olhos foram outra vez cativados pelo túmulo de Doamnei, pensou em dizer alguma coisa, em fazer alguma prece. Mas não se sentia no direito. Não ali, para a pedra fria e de pura simbologia, onde nem ossos e nem pertences foram consagrados. Não foi o noivo digno para ela em vida, não o foi em sua morte.

Encarou os olhos distraídos e verdes de Ilena, indicando em seus âmbares que queria ficar sozinho. Ainda bem que a moça entendeu, deixando-o para trás, prometendo silenciosamente que estaria por perto e o levaria de volta para o hotel quando ele desejasse.

Vlad olhou novamente para os túmulos, aceitando aquela como a última vez. Virou-se, caminhando pela grama verde e ironicamente viva, a passos vagarosos até chegar novamente em seu castelo. Deixaria aquilo tudo para trás. Deixaria seu passado, seus medos, suas mágoas e sua culpa.

Enfrentaria o que tinha de enfrentar, esqueceria o que tinha de esquecer, aceitaria o que tinha que aceitar. Sabia que era necessário, mas nem por isso seria fácil. Aliás, era muito dolorido.

É, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás


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Notas finais do capítulo

Ah... e sim, eu vou atualizar "Não se atreva", "Muito bem acompanhada", "Metalinguagem" e "Gentil senhora"... eu não esqueci não, só não tive condições ainda!



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