Donna Koe De, Donna Kotoba De? escrita por Anna H


Capítulo 11
Between-pizzas-and-beer-cans




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O timer do forno disparou, e anotei mentalmente para levantar-me no próximo intervalo - um homem estava tentando comer cem baratas vivas em três minutos. Antecipei o momento de ir buscar o jantar quando, na 39ª, ele vomitou. Descruzei as pernas e fui à cozinha, retirei a pizza semicarbonizada do forno, joguei uma fatia num prato de sopa que achei no armário e retornei à televisão. Deixei-me cair no sofá e coloquei os pés sobre a pilha de jornais não lidos que tinha sobre a mesa de centro. Uma mulher estava numa banheira, coberta de baratas até o nariz. Estavam contando o tempo?


O telefone tocou, não atendi. Não foi a certeza de ser uma ligação errada que me impediu, mas a simples desvontade. Insistiram mais algumas vezes, a o que respondi desconectando com o pé o aparelho da tomada. A garota aguentou sete minutos antes de começar a chorar e sair correndo.


Troquei de canal. Programa de variedades.


Filme ruim.


Anime.


Anime ruim.


Pornografia ruim.


Puxei o laptop e comecei a escrever sobre a programação condenável das madrugadas.


Por volta da metade da coluna, a porta do apartamento abriu-se. Miwazaki não pediu licença, entrou deixando os sapatos para trás e veio sentar-se ao lado da pilha de jornais. Percebi que estava bêbado ao perguntar se eu queria um boquete, parecia ser uma garrafa de tequila quem realmente falava. Mandei-o lavar a boca e esperar no quarto enquanto terminava de trabalhar.


A mulher na TV tentava inserir dois consolos de uma só vez na própria vagina.


Encontrei Miwazaki na cama, vestido somente com a jaqueta de couro, masturbando-se lentamente. "Senti sua falta", disse, a mão sobre o escroto, "e do monstro", o lábio entre os dentes. Sentei-me onde seus pés estavam e despi o moletom. Num movimento, ele estava debruçado sobre meu colo, as mãos hábeis a desfazer-me da calça enquanto eu acendia um cigarro.



O sol estava para nascer quando ele voltou da cozinha, anunciando que minha cerveja tinha acabado. Não pediu permissão e tomou banho, saiu deixando pegadas molhadas pelo chão e apossou-se de uma de minhas melhores camisas. Sentou-se na cama para calçar os sapatos e, em não os achando, apenas secou o cabelo, que parecia ter crescido vários centímetros desde a última vez que o vira.


"Se minha mãe ligar, você é a minha noiva, Ayu, eh?" riu, "Você ainda vai comer aquela pizza?"


Dei de ombros, acendi outro cigarro. "Você tava sóbrio ontem de noite?" ouvi, a voz vinda da sala.


"Acho que sim", respondi. Miwazaki apareceu outra vez, terminando de colocar um pedaço de pizza na boca e falou enquanto mastigava, "Não lembro nem de como cheguei aqui."


Encarei-o por um tempo, sem conseguir lembrar quantos anos ele tinha.


"Ainda bem que você tinha camisinhas. A última coisa que lembro é Eiko roubando as minhas quando tava no bar" ele riu e levou meu cigarro aos lábios.


"Não tenho preservativos. É você quem sempre os traz."


Miwazaki sentou-se, o cigarro entre os dedos. "Só que ontem eu não tinha nenhum".


Sentei e pus-me a abrir as gavetas do criado mudo, depois do armário e do banheiro, sem encontrar em nenhuma delas um único preservativo. Não havia em canto algum, quer jogado pela casa, quer no lixo, vestígio de um deles ter sido usado. Miwazaki empalideceu. O cigarro caiu de seus lábios e ele cobriu a boca com as mãos.


Voltei a deitar-me na cama, os braços cruzados atrás da cabeça. Perguntei se existia alguma possibilidade de aumentarem meu salário. Miwazaki voltou-se a mim, parecia em choque, indagando se eu não estava nem um pouco preocupado. Mandei que apanhasse o cigarro do chão.



Minha mente estalou – 23, ele tinha 23 anos. Quantos tinha eu? 33? ..E seu primeiro nome?


“..e eu posso te dar o nome do meu médico, se você quiser...”


Rin? Não, algo com k. Kazuo? Não.


“...me ver, eu entendo, eu também quis...”


Kotaro?


“Quer foder de novo?”


Ele se calou. “Como é?”


“Não precisamos mais de preservativos, não é? Então – quer foder de novo?”


Miwazaki pareceu ainda mais surpreso por um instante, mas, tão logo a ideia se acomodou em sua mente, começou a despir-se.



Coloquei o cesto sobre a esteira e Miwazaki começou a passar aquela máquina pelos códigos de barras de algumas caixas. Duas dúzias de cerveja pelo preço de uma, promoção especial, ele dizia a quem perguntasse, mas eu sabia que aquelas sobrancelhas arqueadas eram um riso histérico. A voz grave dele anunciou o total, algo com um seis no meio, e entreguei um maço de notas que tinha no bolso.


Ketsu?


“Não vá pegar um resfriado, huh?” ele disse ao me entregar o troco. Movi as sobrancelhas para demonstrar ter percebido o humor.


Kenichi?


Não.


Agarrei as sacolas pelas alças.


“Você tem um cigarro aí?”


Neguei sem encará-lo ou verificar se o que dizia era verdade e saí do estabelecimento. Caía uma garoa fina e gelada, irritante. Pensei em abrir o guarda-chuva, mas logo desisti. Se era um resfriado que me levaria ao túmulo, eu não me importava muito de estar vivo ou não. No caminho de volta à casa, descobri que mentira ao enfiar a mão num bolso e alcançar um maço de cigarros.


O telefone tocava dentro do apartamento, podia ouvir desde a escada. Todas as vezes em que ousava conectá-lo à tomada, em pouco tempo voltava a tocar insistentemente, um número com código de área estranho a mim. Fazia duas ou três semanas que esse aborrecimento me perseguia, irritava-me ao ponto de fazer-me considerar a possibilidade de atendê-lo e mandar quem estivesse do outro lado da linha ao inferno; mas logo decidia que a solução menos cansativa era simplesmente puxar o cabo outra vez.


No chão, atrás da porta, havia um envelope com o logotipo da editora. Meu bônus de natal, imaginei. Empurrei-o para debaixo da mesa que ficava encostada à parede para achá-lo quando precisasse.


Coloquei os pacotes de cerveja na geladeira, a comida no freezer e metade de uma pizza no forno. De volta ao sofá, liguei a televisão e a imagem de um homem usando a própria ereção como cabide de roupas encheu a tela. Anotei mentalmente para comentar aquilo com Miwazaki da próxima vez que o visse – ele certamente gostaria de tentar. Com exceção de minhas visitas semanais ao mercado, vira-o pela última vez na noite em que me passara AIDS.


Karyu? Sinceramente não conseguia lembrar seu primeiro nome.


Escorreguei do sofá e arrastei os pés até a cozinha. A pizza não estava pronta, estava ainda meio crua. Fiz daquilo e uma lata de cerveja quente minha ceia de natal em frente à TV.


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