The Chosen One escrita por Ducta


Capítulo 23
And Then You Disappear




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Então tudo aconteceu muito rápido.

Justin quebrou o beijo, disse pra que eu esperasse e se foi. Eu me vi parada meio zonza e procurando por uma explicação lógica para o que Justin fizera. Eu sentia que piscava lenta e demoradamente. Era como se eu estivesse prestes a cair no sono ou a desmaiar, mas eu me sentia totalmente acordada. Então eu vi que um segurança estava me olhando. Eu tentei não olhá-lo e me pendurei na mesa de jogos mais próxima, que no caso era onde estavam jogando dados. Eu olhei por entre várias pessoas para o segurança e ele continuava olhando pra mim. Eu roubei uma taça de espumante e virei, peguei algumas flores de lótus que foram oferecidas e fingi estar mastigando enquanto as jogava no chão e pisava. E o tal segurança sumiu. Eu olhei ao redor a procura de Justin, mas demorou bem uns vinte minutos até ele aparecer segurando o pulso de Jean que chorava.

— Que foi? – Perguntei correndo até Justin.

— Eles já sabem. – Justin disse brevemente. – Jean, vai buscar o Drake.

— E faço o que com ele?

— Dá seu jeito de voltar pro carro e me espera lá.

— E o Leon e os outros? – Jean perguntou.

— Sua única preocupação agora é o Drake.

Jean não disse nada, apenas se virou e foi. Então eu vi que ela estava descalça

Justin segurou meu pulso como fizera com Jean e começou a me arrastar quase correndo.

— Pra onde nós vamos?

— Fica quieta. – Justin disse agressivo.

Eu respirei fundo para não gritar com ele, disse a mim mesma para não me importar, mas foi difícil.

Então ele parou a alguns metros do bar do cassino onde um rapaz de pele morena clara, olhos amendoados que me pareceram vermelhos e cabelos negros bem penteados que não aparentava mais que 22 anos estava sentado com pelo menos 20 garotas ao redor, todas elas pareciam entediadas, talvez até assustadas demais para falar. Nenhuma delas parecia ter menos de 15 ou mais de 20. A não ser por uma garotinha que devia ter 12 ou 13 que estava encolhida aos pés do homem, chorando silenciosamente abraçada aos joelhos enquanto a maquiagem pesada demais escorria por seus olhos castanhos injetados.

— Você vai ficar com ele. – Justin disse sem me olhar quando paramos lado a lado.

— Você vai me dar pra ele? – Perguntei assustada, percebendo quem era o tal homem.

— Vou.

— Olha, eu sei que você me odeia não sei por que motivo, mas isso é meio radical não acha? – Perguntei entrando em pânico.

— Fica quieta! – Ele disse entre os dentes.

— O que ele vai fazer comigo?

— Não tenho idéia. Ele pode te deixar mofando no bar ao lado dele, te estuprar, te dar de jantar para algum monstro ou até ele mesmo te comer. Eu consigo pensar em tantas possibilidades.

Eu senti o ar sumir dos meus pulmões por completo.

— E você diz isso com essa naturalidade? – Perguntei respirando superficialmente.

— Hoje ele não parece em um dia bom. Mas vamos, você precisa encontrar a Danniele.

— Porque eu?

— Porque ele só aceita garotas.

Então Justin tornou a me arrastar. E eu me vi totalmente em pânico, tentando livrar meu pulso da mão de Justin enquanto pedia a tudo que era mais sagrado que aquele homem não me comesse viva.

Quando nós ficamos frente a frente com o tal, eu tropecei no carpete e Justin me puxou pelo cotovelo antes que eu caísse.

— Ora, ora, o filho de Hades voltou. – Disse o tal homem com sua voz grave e um sorriso de canto.

Ele era exatamente como a garota na loja havia dito. Era talvez até mais bonito pessoalmente. Foi difícil tirar os olhos dele e por um breve momento, eu desejei que ele circundasse os braços ao meu redor e que suas mãos de veias saltadas pressionassem minha pele até que ela descolasse, e talvez eu até nem me importasse se ele me comesse ou não. Então eu olhei para a garotinha chorando a seus pés e vi escorria sangue pelos lados de seu corpo dobrado. E um nó de puro pânico se formou em minha garganta ao imaginar o que ele teria feito com ela.

— Vai aceitar meu pedido agora? – Justin perguntou me puxando alguns para trás.

— Não sei. Me fale sobre a garota. – O homem pediu enquanto seus olhos subiam lentamente por meu corpo. Eu desejei ter escutado Jean e colocado calças e uma blusa sem decote algum e bem larga.

— Ela é estabanadinha, mas é obediente. – Justin disse. – Ela não vai tentar fugir como a outra.

Eu ergui as sobrancelhas para Justin e me controlei para não dizer “não é bem assim viu? Se você não estivesse segurando meu braço, eu já teria corrido pra bem longe.”

— Ela é bem bonita, como você pode ver, e é boa de cama. – Justin continuou.

— Justin! – Eu disse envergonhada.

— Ok. – O homem disse quase entediado. – Deixe ela aí, eu vou fazer um teste depois.

O homem estendeu a mão pra mim, mas eu não me movi. Justin apertou meu pulso e me puxou para trás. Talvez fosse apenas minha imaginação, mas me pareceu que Justin não queria me deixar ir. E eu desejei que ele não soltasse meu pulso e que corresse comigo pra longe desse homem. Mas ele não fez. Justin suspirou fundo e estendeu o braço que me segurava em direção à mão estendida do homem e ele segurou minha mão. No momento em que os dois me seguravam eu vi uma luz avermelhada ao redor de nós três e meu coração parecia prestes a explodir.

— Não tem volta. – O homem disse puxando meu braço da mão de Justin. – Você nunca mais a verá.

Meus olhos se encheram de lágrimas imediatamente e Justin me olhou com os lábios entreabertos e trêmulos, os olhos marejados... Arrependido.

Eu estendi minha mão em sua direção e ele a pegou, mas quando o fez minha pele ardeu e quando eu puxei havia marcas de queimadura onde sua pele encostara-se à minha. E eu me vi escondendo meu rosto nas mãos pra não chorar.

— Quem você vai levar? – O homem perguntou colocando a mão em meu ombro.

— Aquela ali. – Justin disse apontando para a garotinha chorando.

— Ela não é muito nova pra você? – Perguntou uma das garotas tão entediadas quanto o homem.

— Não é da sua conta. – Justin respondeu agressivo, levantando a menina pelos cotovelos.

Quando a garotinha ficou de pé com Justin a segurando, eu vi que ela tinha um fundo machucado no abdômen, com direito a pele apodrecendo ao redor e sangue por todo o vestido, tal como se ela tivesse sido mordida.

E meu sangue gelou. Eu me senti tonta.

Justin não olhou antes de dar as costas levando a menina. Eu sentei no lugar que ela deixara vago e tentei parar de tremer.

Eu podia sentir meu gloss atrapalhando que a sola do meu pé esquerdo se ajustasse confortavelmente à sandália e isso não fez com que eu me sentisse mais calma.

Antes que eu pudesse perceber, eu estava chorando. Uma das meninas ao meu lado agachou e sussurrou:

— Para de chorar ou... – Mas ela nunca terminou a frase.

O homem me puxou pelo braço com um grunhido impaciente e começou a me arrastar pelo cotovelo pelo cassino até o elevador. Quando as portas se fecharam eu vi o quanto ele estava bravo e ao mesmo tempo calmo... Perigoso. Seus olhos pareciam poças de sangue. Meu braço estava doendo.

— Como você se chama? – Perguntei meio sem pensar.

— Dev. – Ele respondeu me olhando com um meio sorriso.

— Devon? – Chutei.

— Não. Só Dev.

— Pra onde você está me levando?

— Pro quarto.

— Pra quê?

— Não sei. Vai depender de você. – Ele respondeu trocando o aperto em meu braço por um carinho.

— Porque seus olhos são vermelhos?

— Porque eles quiseram assim.

Eles quem?

Então o elevador parou e ele me arrastou pra fora. Eu me lembro de ter gritado de horror.

O corredor era igual ao que ficava localizado o meu quarto, mas esse estava com as paredes cobertas por respingos, linhas e até mãos espalmadas completas, todos feitos de sangue. E o chão tinha pequenas poças de sangue aqui e ali por toda a extensão do corredor. Instintivamente eu tentei livrar meu braço da mão de Dev, mas ele foi mais esperto e apertou meu braço com mais força.

— Se você tivesse calado a boca, eu não precisaria te trazer aqui. – Dev disse me arrastando com tanta força que me fez tropeçar e cair várias vezes enquanto eu tentava me livrar dele.

Então ele me empurrou contra uma das portas e me segurou pelo topo dos braços. Ele exalava um forte cheiro de ferrugem e talvez hortelã, seus dentes perfeitamente brancos se abriram em um sorriso de triunfo pra mim. Seus olhos perfuravam os meus e meu corpo tremia com violência contra a madeira fria e suja. Eu me lembro de nunca ter me sentido tão apavorada na vida.

E ele se aproximou. Seus lábios a poucos milímetros dos meus. Meu coração martelando insuportavelmente dolorido. Era como se ele quisesse sair correndo, e eu não podia culpá-lo. Minhas pernas pareciam gelatina e meus braços gritavam de dor. Dev não me beijou. Ele desceu seus lábios até meu pescoço e os roçou na minha pele. Meu corpo todo se enrijeceu, meus olhos estavam fechados e apertados, minha garganta estava seca. Respirar era um movimento que exigia muito do meu corpo tenso. Eu comecei a chorar de novo. E Dev riu.

— Seu coração está batendo tão rápido que é capaz de parar a qualquer momento. – Ele sussurrou. – Relaxe.

E o mais terrível de tudo foi que eu relaxei. Foi extremamente fácil relaxar os ombros, pisar com força, abrir os olhos e respirar depois que ele mandou. Talvez fosse por causa do cheiro de ferrugem que foi substituído por um cheiro adocicado e enjoativo: mel. O cheiro de hortelã se intensificou. E antes que eu pudesse evitar eu caí. Mas os braços de Dev estavam lá pra me segurar e a última coisa que eu consegui ver foram seus olhos nos meus.

 

Eu acordei de sobressalto porque alguma coisa úmida estava molhando minhas costas. Quando eu abri os olhos, eu gritei de novo.

Eu estava em uma cama cujo colchão estava com as molas quebradas, me deixando em uma posição estranha, o teto, que foi o primeiro lugar que eu olhei estava com respingos de sangue tão grossos que uma gota caiu na minha testa. Então eu olhei ao redor do quarto que era igual ao que eu estava com Jean mais cedo, e todo o quarto estava como o corredor: coberto de sangue por todos os lados. Quando eu me levantei tremula eu vi que a coisa que molhava minhas costas também era sangue e que não eram só as minhas costas que estavam sujas de sangue, mas todo o meu corpo e meu cabelo estava empapado e vermelho, meu penteado a muito havia sido desfeito. Eu entrei em pânico e comecei a chorar enquanto me olhava e procurava em mim a fonte de tanto sangue. Meu vestido estava rasgado, mas eu cheguei à conclusão de que o sangue não era meu. Então eu olhei para a cama ao lado da que eu estava. As cortinas da cama de dossel estavam fechadas, mas, como todo o resto do quarto, estavam sujas de sangue. Temendo o que quer que eu poderia encontrar, eu caminhei até a cama e abri as cortinas sem hesitar.

E nada, absolutamente nada do mundo poderia ter me preparado para o que eu vi.

Lá estava Danniele, deitada em uma posição estranha, imóvel, coberta de sangue, chorando silenciosamente enquanto grandes pedaços de carne e pele faltavam em seu corpo deixando grandes fraturas expostas e lavando seu corpo por todo lugar. Seu braço esquerdo estava depositado em seu abdômen sobre um ferimento feio, mas metade de sua mão já não existia mais. Eu podia ver os ossos de seu ombro e pernas. Danniele mal respirava.

Eu fiquei tonta, sentia que podia desmaiar ou mesmo morrer. Eu comecei a chorar mais e minha visão ficou turva e meu corpo tremeu mais e eu não sabia o que fazer. Eu precisava ajudar Danniele, mas ao mesmo tempo sentia que não podia tocá-la. Eu tinha que fazer alguma coisa para salvá-la, mas ao mesmo tempo achava mais descente sair dali e deixá-la morrer. Eu passei as mãos pelos meus cabelos para tirá-los dos olhos e desejei não ter aberto a cortina.

— Danniele. – Eu chamei cuidadosamente.

Ela estremeceu e sua fraca respiração acelerou nervosamente.

— Não. – Eu disse em pânico. – Não se assuste, sou eu, Alethia.

Danniele tentou virar o pescoço em minha direção.

— Não se mexe. – Eu disse colocando a mão em seu rosto para impedi-la de completar o movimento. – Eu vou chamar alguém...

— Não! – Ela disse em sussurro tão fraco que se eu estivesse a mais dois passos de distancia, talvez não tivesse ouvido. – Me ouve... Você precisa sair... Daqui... Antes que ele... Que ele volte. Queda das Almas... Norte... 3.000 milhas... Dentro dos olhos... A chave.

Eu me obriguei a memorizar cada palavra que Danniele disse.

— Agora vai... – Danniele disse com um sussurro mais fraco ainda, eu tive que fazer leitura labial para entender. – Pega todo mundo... Vai embora... Agora.

— Eu não posso deixa você. – Eu disse passando a mãos pelos seus cabelos.

— Não tem... Nada... Você... Fazer por... Por mim...

E eu mal conseguia olhar pra ela porque minhas lágrimas embaçavam minha visão.

— Desculpa. – Eu disse.

— Por... Que...?

Mas eu não conseguia dizer nada. Não conseguia fazer nada.

— Não era pra isso acontecer com você. – Eu disse por fim.

— Tinha... Acontecer... Alguém. Você... Heroína... Precisa... Continuar.

— Desculpa, eu não sei o que fazer.

— Obrigado. – Danniele disse mais fraco do que já estivera antes. – Eu não... Não agüento... Mais. Dói... Muito.

E meu coração bateu de um jeito apertado e dolorido, como se alguém o estivesse apertando entre as mãos e o obrigasse a bater. Sabendo o que ia acontecer, eu me curvei sobre Danniele e beijei sua testa.

Eu a olhei a tempo de ver um esboço de sorriso aparecer em seu rosto, e então seus olhos se tornaram oblíquos e vazios. Danniele estava morta.

 

Eu não consegui chorar. Não porque não sentisse nada, porque era ao contrário, eu sentia tudo ao mesmo tempo, por isso eu não consegui chorar. Não consegui sequer colocar meus pensamentos em ordem para dizer alguma coisa a mim mesma.

Meio inconsciente dos meus atos, eu me levantei e senti minhas pernas bambearem. Finalmente eu percebi que ainda estava com minhas sandálias e que meu gloss ainda estava no mesmo lugar, eu o peguei e girei a tampa, mas apenas senti quando a espada se projetou em minha mão. Eu sequer sabia o que meus olhos estavam focalizando. Eu caminhei até a porta ensangüentada e tentei abri-la, mas ela estava trancada. Então eu golpeei as dobradiças da porta com Kýma até a madeira cair com um baque surdo no corredor. E ele estava vazio e sujo, como eu sabia que estaria. Eu caminhei por seu comprimento olhando para ver se achava alguma câmera de segurança, mas não havia nenhuma, nem no elevador. Eu não me olhei no espelho do elevador e as pessoas que iam entrar no mesmo, saíram correndo desesperadas ao me ver. Eu parei no terceiro andar e entrei nas escadas de incêndio que me deixaram em uma rua lateral ao lado do Lótus. Eu não olhei para trás enquanto caminhava para a outra quadra e não olhei para o lado quando as pessoas gritaram ao me ver.

Eu não sabia o que estava fazendo, só sabia que estava indo em direção a BMW onde Justin mandara que Jean o esperasse. Mas só havia Drake no carro, assustado e encolhido no banco de trás enrolado em um edredom com três mochilas ao lado. Quando me viu pela janela, Drake se assustou, mas abriu a porta pra mim.

— Nunca faça isso. – Eu disse. – Não abra a porta para alguém que esteja coberta de sangue.

Mas ele apenas se precipitou para fora do carro e me abraçou.

— Eu fiquei com tanto medo. – Ele disse.

E então eu comecei a chorar.

— Eu também. – Eu disse retribuindo seu abraço.

— Porque você está suja de sangue?

— Depois. Cadê a Jean e o Justin?

— A ultima vez que eu vi o Justin foi antes de eu dormir lá no quarto e a Jean me trouxe pra cá, ficou comigo por um tempo e depois disse que ia atrás de Leon e que era pra eu esperar.

Mas nós não iríamos esperar. Eu soltei Drake e me dobrei em direção ao banco do carro e peguei minha mochila e vasculhei a mochila de Jean atrás do dinheiro que ela disse que tinha e o peguei, peguei também uma blusa de frio de moletom na mochila de Justin e o edredom que Drake estava enrolado e fechei o carro. Transformei minha espada de volta em gloss e o guardei na mochila, dei a blusa de Justin para Drake e vesti a minha, joguei minha mochila nos ombros, dobrei o edredom e peguei a mão de Drake.

— Pra onde vamos? – Drake perguntou quando comecei a puxá-lo pela calçada.

— Não sei. – Respondi sincera.

— Porque não vamos esperar os outros?

— Porque eles são fortes, nós não. Eles se saem melhor se não tiverem que se preocupar conosco.

— Então nós estamos saindo da missão?

— Não sei.

Drake apenas assentiu e voltou a olhar pra frente.

— Você está bem? – Perguntei.

— Sim. Mas estou sentindo que estou usando um vestido. – Ele disse indicando a blusa de Justin.

Eu sorri.

— Desculpe. – Eu disse voltando a ficar séria. – Eu nem perguntei se você queria vir comigo.

— Não se preocupe. – Drake disse.

— Você quer voltar e esperar Justin?

— Não. Eu quero ficar com você.

— Obrigada. – Eu disse sorrindo.

— Melhor você parar em algum lugar e se limpar não acha?

— Acho. Mas por aqui não, ainda estamos muito perto do Lótus.

— Eu nunca mais quero voltar lá.

— Nem eu.

Então eu me concentrei na paisagem. O dia estava quase nascendo e mesmo assim havia uma quantidade grande de carros e pessoas na rua. Um relógio de rua indicava que haviam se passado quatro dias desde o dia que eu me lembrava de ter entrado no cassino e eu não me senti surpresa. Vários comércios ao longo da rua estavam abertos, mas a maioria eram bares e casas noturnas então Drake e eu continuamos apenas a caminhar. E eu comecei a achar uma completa estupidez ter feito isso e ainda ter arrastado Drake comigo.

Já se passavam das sete da manhã quando Drake começou a reclamar de fome. Nós já estávamos fora da área “de festas” de Las Vegas, então foi fácil achar uma lanchonete que não tivessem bêbados e prostitutas.

A garçonete se assustou quando eu abri a porta e quase deixou cair a garrafa de café que segurava e correu pra mim.

— Você está bem? – Ela perguntou assustada. – Você está machucada? Porque você ta coberta de sangue? Quer que eu chame a polícia?

Ela disse tudo tão rápido, tão assustada e logo ela não era a única pessoa perto de mim. Alguém tentou se aproximar de Drake, mas eu a puxei até que ele ficasse atrás de mim e eu devo ter parecido extremamente hostil e até selvagem porque todo mundo se afastou pelo menos dois passos. Não me culpe, eu estava morta de sono e de fome.

Eu respirei fundo e falei o mais calmo que consegui.

— Eu estou bem. Não estou ferida. O sangue não é meu. Não precisa chamar a polícia.

A garçonete cujo crachá indicava que ela era Grace Kelly foi a única a se aproximar novamente.

— De quem é o sangue então?

— De uma amiga minha, mas ela está bem agora. – Eu disse tentando não chorar.

Grace Kelly me olhou beirando a piedade e então indicou uma mesa no fundo do salão.

— Acabou o show. Todo mundo de volta pra sua vidinha. – Ela disse séria.

E todo mundo, funcionários e os poucos clientes voltaram a seus afazeres, mesmo que eu ainda os pudesse ver olhando pra mim.

— Quem é o menino? – Grace Kelly perguntou quando nos sentamos.

Eu iria dizer que era apenas alguém de quem eu cuidava, mas com certeza ela pensaria que eu sequestrara Drake. Eu abri a boca pra dizer que era meu irmão, mas Drake respondeu primeiro.

— Sou filho dela.

Eu tentei disfarçar minha surpresa quando a garçonete olhou pra mim tão surpresa quanto eu.

— Sério? Quantos anos você tem? – Ela perguntou desconfiada.

Eu fiz uma conta rápida enquanto fingia uma tosse.

— 22. – Respondi.

— Jura? Você não parece ter mais que 18.

— Juro.

— Você teve filho bem novinha não é?

— Pois é.

E eu olhei verdadeiramente para ela. Grace Kelly não parecia ser mais velha ou mais nova que eu, era uma menina excepcionalmente comum de olhos e cabelos castanhos e pele cor de marfim.

— Desculpa fazer tanta pergunta.

— Não se preocupe. – Eu disse.

— Quer comer alguma coisa?

Drake pediu um suco de laranja, um Milk Shake de chocolate, um sanduíche duplo de queijo, salsichas e batata frita. E eu o olhei assustada.

— Você vai agüentar tudo isso?

Ele apenas deu os ombros. E eu sorri. Meu pedido foi apenas suco de maracujá e um sanduíche de queijo e presunto porque eu duvidava que Drake fosse comer todo o seu pedido.

Dito e feito. Nós dividimos as salsichas, as batatas e o Milk Shake. Então Drake sentou-se ao meu lado e se escorou em mim com os olhinhos fechando de sono. Eu aproveitei para contar o dinheiro que pegara de Jean e ele não chegava nem a 40 dólares. Eu paguei a conta e me sobraram 7 dólares e alguns centavos. Drake acabou por dobrar-se na mesa e deitar com a cabeça sob os braços. Eu pedi a Grace Kelly que o olhasse pra mim por um momento e fui ao banheiro. Eu me assustei quando me olhei no espelho. Minha maquiagem estava toda borrada, minhas bochechas estavam manchadas de delineador e sangue secos que havia formado um rastro desigual por causa das lágrimas. Meu cabelo estava todo embaraçado e sujo de sangue. Eu estava com apenas um brinco e meu vestido estava reduzido a trapos. Meus pés doíam por causa do salto. Eu queria chorar de novo.

Eu havia aberto a torneira da pia para lavar o rosto quando vi pelo espelho que Grace Kelly entrara no banheiro.

— Você quer ir pra minha casa? Você realmente precisa de um banho e cama.

— Desculpe, eu vou ter que aceitar. – Eu disse agradecida.

Ela sorriu e indicou que eu a seguisse.

Quando voltamos ao salão, ela conversou com uma senhora atrás do balcão e ela assentiu. Grace tirou o avental e pegou uma bolsinha no armário perto da entrada da cozinha, então pegou minha mochila e o edredom de Drake enquanto eu o pegava no colo já que ele já estava dormindo.

— Cadê o pai dele? – Grace perguntou quando saímos da lanchonete.

— Eu não sei. Nós terminamos, mas nós estávamos viajando com uns amigos então nós brigamos algumas vezes... Na verdade ele que sempre brigava comigo. Ontem eu quase morri por causa dele, então eu decidi pegar meu filho e sair dessa viagem.

— Nossa, que barra. – Foi o que ela disse.

— Faz parte.

— Pra onde você vai agora?

— Não sei. Só pensei em me afastar dele o máximo que pudesse.

 

Nós só voltamos a conversar quando chegamos a um conjunto de apartamentos populares na esquina seguinte.

— A propósito, eu me chamo Grace Kelly. – Ela disse pegando uma chave na bolsinha quando chegamos ao segundo andar.

— Alethia. – Eu disse.

— Nome legal. Quando eu tiver uma filha, se importa se eu colocar seu nome nela?

— Não, claro que não.

Grace abriu a porta e indicou o pequeno apartamento de dois cômodos, de cores claras, móveis antigos e bem organizados. O primeiro cômodo era sala e cozinha e a divisão era feita pela mesa de jantar de plástico de quatro lugares, tinha um pequeno corredor a esquerda e duas portas fechadas.

— Os móveis são antigos ou de plástico porque eu saí de casa tem pouco tempo e salário de garçonete não te permite pagar todas as contas e mobiliar a casa de um jeito que você goste.

— Não se preocupe com isso. É lindo. – Eu disse sinceramente.

— Ponha ele no sofá ou você vai ficar com dor nas costas. – Ela disse indicando o sofá de dois lugares cuja capa era um lençol azul claro.

Grace sumiu no corredor por uns minutos e depois voltou dizendo:

— O banheiro é a primeira porta e o quarto é no final do corredor. Pode abrir a geladeira e os armários se quiser, não tenho televisão a cabo, mas o chuveiro é quente. – Ela disse cm um sorriso mínimo e dando os ombros. – Eu tenho que voltar pra lanchonete. Mi casa su casa. Ah, tem uma muda de roupas pra você em cima da cama e um tênis que eu acho que vai servir. Tem toalhas no armário do banheiro.

— Obrigada. – Eu disse sem saber como realmente agradecer.

— Se importa se eu te trancar? É que esse não é o lugar mais seguro do mundo.

— Tudo bem. – Eu disse. – Até prefiro.

— Tem uma chave extra no criado-mudo no quarto se você quiser sair.

— Ok.

— Se você quiser ir embora antes de eu voltar, passe a chave por debaixo da porta.

— Tudo bem.

Grace Kelly sorriu e acenou da porta antes de fechá-la e trancar.

 

Eu não pensei duas vezes em correr para o chuveiro. Eu sentei no chão enquanto lavava meu cabelo porque minhas pernas doíam horrores. E eu chorei quando fechei os olhos e revivi meu encontro com Danniele. E eu chorei mais quando pensei em Justin. E eu já não sabia se sentia raiva dele ou se só estava triste com toda a situação entre eu e ele. Eu tentei pensar no que eu faria daqui pra frente, mas a única coisa que eu conseguia pensar em fazer era dormir.

Quando eu sai do banho e penteei meu cabelo eu me olhei no espelho embaçado do banheiro e me senti mais calma ao ver meus cabelos limpos e claros caídos de um jeito monótono pelos ombros, meus olhos estavam injetados e inchados de tanto chorar, olheiras roxas e fundas e uma pele pálida completavam minha visão. Mas era bom ver que todo aquele sangue se fora. Pensando agora, todo aquele sangue no quarto não podia ser apenas de Danniele. Talvez o sangue do qual eu me sujei inicialmente nem fosse de Danniele. Sabe-se lá o que era o tal do Dev e o que ele fazia com as meninas que ganhava.

As roupas que Grace Kelly me deixou era uma calça jeans de lavagem clara, uma camiseta de ombro caído escrita “The World Needs More Love”, meias de algodão e um all star azul. Tudo me serviu bem.

Eu voltei pra sala e Drake estava esparramado no sofá. Eu peguei minha mochila e virei todo seu conteúdo no chão da sala. Muita coisa estava molhada da chuva que tomamos no dia que saímos do hotel beira de estrada. E eu achei coisas que eu nem lembrava que estavam lá, como o meu antigo celular que eu tentei ligar, mas estava sem bateria e uma caixinha de jóia que guardava um colar e um pingente de ouro que eu achara com meu gloss no Chalé Três no Acampamento. Até o bilhete estava lá. “Você saberá a força do seu coração na hora certa.

Eu aproveitei que os varais de Grace estavam vazios e lavei minhas roupas e as coloquei sobre o sol brando. Quando voltei para a sala, me distrai com as fotos na estante e acabei por uma coincidência sem tamanho, um carregador de bateria universal. Desses que você conecta a bateria, não importa do que for, e depois conecta na tomada. Não pensei duas vezes em colocar o meu celular para carregar.

Então eu decidi ir dormir antes que alguma coisa acontecesse.

A cama de Grace era de casal então eu levei Drake para o quarto e o deitei ao meu lado.

Eu dormi quase automaticamente.

 

Eu tenho certeza de que estava dormindo quando comecei a pensar em Justin, então eu deveria estar inconsciente, mas eu não estava.

Em um momento nós tínhamos três anos e brincávamos no parquinho. Depois foi o aniversário dele de sete anos e eu fiquei com inveja porque ele sabia andar de bicicleta sem rodinhas. Aos 10 anos ele mostrava a língua pro professor de português que era minha paixonite. Aos 11 ele deu o primeiro beijo e eu estava lá, mas não me importava. 12 anos e eu tentei beijá-lo. Aos 13 ele entrou para a equipe de futebol e eu para as Cheerleaders. Aí eu estava no meu antigo armário na escola e o desafiei a conquistar uma menina em três minutos. Então eu estava em um jogo de futebol dele, na final, tendo que liderar as animadoras de torcida enquanto meu coração palpitava dolorido por causa da pressão do jogo. Aí nós estávamos sendo coroados rei e rainha do baile. E então eu vi Justin e Bonnie na nossa sala especial. E eu estava no aeroporto indo embora. E ele levou a facada de Miguel. E eu estava segurando sua mão na UTI. 16 anos e ele estava me pedindo em namoro no show de talentos da escola. 18 anos e eu sentia que não o conhecia mais.

E tudo começou de novo.

Nós tínhamos 8 anos e ele quebrou meu giz amarelo, eu chorei e ele me deu o dele. Ele estava no meu aniversário de onze anos e Anya me fez segurar a mão dele para uma foto. 13 anos. E meu coração acelerou quando ele me disse oi na porta da escola. Aos 15 nós fomos coroados rei e rainha da escola e foi naquele baile que ele me beijou pela primeira vez. Ele me pediu em namoro algumas semanas depois. Aos 17 nós pensávamos nos nomes dos nossos filhos. Aos 18 ele disse que não sabia por que estávamos juntos.

E eu não soube no que acreditar. Mas nenhuma das duas memórias era o que eu esperava que fosse acontecer conosco.

Mas nas duas memórias eu o amava e confiava nele. Porque ele sempre soube o que era certo para nós. E eu me senti arrependida por ter pegado Drake e sumido.

Mas porque ele me odeia tanto agora? O que eu devo ter feito de tão ruim pra que ele tivesse tido coragem de me dar a Dev? Definitivamente não foi para procurar Danniele. Desde que tudo isso começou, ele disse que não me queria por perto, então eu estava agindo certo em sair de perto dele não é? Tentei pensar de uma forma positiva, mas senti que comecei a chorar. Não era justo o que eu estava fazendo.

Então eu acordei e senti havia lágrimas correndo por meus olhos fechados.


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