Misa Mercenary escrita por plemos


Capítulo 19
Sorvete


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: I Won't Give Up - Jason Mraz ♥



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Misa Mercenary

Sorvete

— Você alguma vez na vida, já teve algum amigo? - Ela me perguntou lambendo a colher agora com sorvete de flocos, como se fosse o último do mundo.

— Acho que é minha primeira vez... - Respondi-lhe com o polegar no lábio enquanto desviava meus olhos daquele profundo azul. - E bem, estou meio assustado.

— Não há com que se preocupar, estamos juntos nessa. É minha primeira vez também, bom, não por ter um amigo, já tenho um, você sabe. - Seguiu-se de uma risada. Alguma coisa me dizia que todo o shopping Center nos observava naquele momento, mas por incrível ou estranho que pareça, eu não conseguia perceber nada ao nosso redor, além daquela garota. - Sabe L, se você tivesse uma pessoa favorita no mundo, quem seria? Watari?

— Não sei dizer agora... E você?

— Bom, é uma longa história... - Sorriu de canto de boca.


Duas horas antes...


Watari me olhava confuso, justo naquele dia.

— Não sei o que vestir em uma ocasião dessas...

— Vá como se sente bem, senhor. - Sorriu-me gentilmente, sempre com ótimos conselhos.

— Então vou assim mesmo... - Levantei-me da poltrona e fui até um espelho. Deveria arrumar o cabelo? Ele estava mais rebelde que o normal naquele dia...

— Que tal tomar um banho para tirar o cheiro forte de doces? Vou pegar uma roupa limpa para você. - O velho homem tocou meus ombros como se lesse meus pensamentos. Mas poxa vida, eu gostava muito do cheiro de doces.

Apenas fui até o banheiro. Banhos me tiravam o cheiro de açúcar, mas o sono também, por isso eu tinha uma meia opinião formada acerca deles. Porém, eu teria um novo encontro naquele dia, sei como Misa-san é. Ela com certeza iria implicar com o meu cabelo, minhas roupas e meu cheiro agridoce. Mas eu era assim, e ela teria que aceitar, e depois, foi ela quem me ligou, não foi?

Como dito, as roupas limpas estavam sobre a cama que quase nunca eu usava. Roupas no mesmo estilo das que eu vestia antes, só que estas estavam limpas e cheirosas, não o cheiro gostoso de doces, mas um cheiro comum de sabão em pó japonês.

— Watari, acha que eu deveria usar alguma colônia?

— Você é alérgico, se esqueceu? - Sim, eu havia me esquecido.

Para finalizar, coloquei os sapatos que também quase nunca usava, apenas quando me aventurava para fora do conforto do meu lar.

— Estou bem? - Perguntei para o velho que pôs a dirigir o carro.

— Você está ótimo. - Gentil, como sempre.


A casa de Misa Amane era até bem perto da minha, aliás, o apartamento. Depois que ela se mudara para um ficou mais fácil encontrá-la.

A garota já me esperava em baixo, nem precisei encarar aquelas cansativas escadas para chamá-la.

— Eita, demorou pra caralho! - Comentou já invadindo a minha limusine. Misa-san estava da forma de sempre, mas eu não podia reclamar, também usava a mesmas roupas corriqueiras. Percebi que aquela jaqueta era nova, e bem, no rosto dela as olheiras estavam profundas, resultado de uma noite mal dormida.

— Dormiu bem? Essas olheiras estão quase piores que as minhas... - A provoquei, por algum motivo, aquilo me excitava.

— Dormi maravilhosamente bem, palerma. - Uma resposta a altura, e claro, não perdeu a oportunidade de meter a mão em um bolso da minha calça e puxar um de meus pirulitos.

Watari seguiu até o shopping center, a pedido da garota. Deixou-nos em frente e disse que ia organizar umas coisas em casa, supliquei com os olhos que não me deixasse ali sozinho, mas foi em vão. O velho partiu. A menina me olhou debochada e provocou-me:

— Filhinho do papai, haha!

— Watari não é o meu pai, apenas meu assistente.

— Como pode falar isso do homem que te criou e te atura o dia todo? Tenho pena do pobre Watari... - Comentou logo dando uma gargalhada estrondosa que chamou a atenção de todos que passavam por nós, mas não se importando, foi seguindo em frente naquele local repleto de pessoas comuns.

— Misa-san, me espere. - Tentei acompanhá-la.

— Quer que eu pegue na sua mão agora? - Alguma coisa me diz que ela não está bem hoje.

— Hoje você está absurdamente insuportável, aconteceu algo que eu não devesse saber?

— É claro, e como eu não vou te contar, vai continuar não sabendo. - Parou em frente uma vitrine de roupas para o dia-a-dia, aquelas que eu não tenho o costume de usar pois nunca saio de casa, além de casos extremos.

— Pela sua expressão e o fato de que, parou em frente uma loja de roupas não casuais, é algo a ver com Raito Yagami...

— Você é um monstro. - Olhou para mim e sorriu, afagando meus cabelos com aqueles dedos maldosos.

Desta vez, ignorando-a saí caminhando pelo local, tomando o cuidado de não topar em ninguém, já que estava lotado. Algumas pessoas me observavam assustadas, outros até zombavam, mas todas estranhavam o meu jeito, a forma como eu andava, e acredito eu, até as minhas roupas. Mas aquilo não me incomodava, pelo contrário, nunca fui de observar as pessoas me percebendo, mas parecia até que naquele dia tudo estava pelo avesso.

— Nossa, acho que você virou um ídolo nacional. - É incrível como essa garota não perde a oportunidade de tentar me zombar.

— Misa-san, controle a sua língua ou eu... - Antes de concluir meu raciocínio, vi algo que fez meus olhos brilharem, minhas pernas tremerem e meu coração bater mais forte: Uma barraca de churros. Ignorando qualquer pessoa ao meu redor, isso inclui a loira irritante, simplesmente me dirigi até a barraca.

— Ei L, aonde você vai? - Corria tentando me acompanhar, meio sem precisão, pois eu apenas caminhava a passos rápidos.

Ah, churros. A oitava maravilha do mundo. Agradeci por só ter crianças ao redor e encomendei logo uns cinco de cada sabor.

— Seu babaca. - Deu-me um soco de leve no ombro. - L, vou comprar umas coisas lá pra casa, vai caçando um local pra gente almoçar, ok? - Apenas acenei positivamente com a cabeça e a vi se distanciando.

“Caçar um lugar pra gente almoçar”, o que ela quis dizer com isso? Olha, uma doceria abriu. Aqueles eram raros momentos na minha vida em que eu chegava a conclusão de que sair de casa às vezes tinha as suas vantagens. Uma torta de chocolate coberta de morangos me chamou a atenção, tudo bem que eu tinha acabado de comer mais churros que qualquer pessoa normal conseguia, mas era uma torta de chocolate coberta de morangos, não é todo dia que posso comer uma que não seja a de Watari, é sempre bom tentar variar o tempero às vezes.

E ela estava maravilhosa, me trouxe lembranças da minha infância, não foi uma infância normal como a de qualquer outra criança normal, mas teve algumas coisas que a classificam como infância, tipo brinquedos, nunca me faltou, embora eu sempre preferisse brincar com as bolachas que Watari me dava. Neve, também gostava de brincar na neve. Mas a minha brincadeira favorita, até hoje aliás, é solucionar casos, intrigar as pessoas acerca da minha identidade, entre outras coisas.

— Sabia que estava aqui... Aff é um saco estar sempre certa. - Mordeu meu ombro me arrancando um gemido de dor, confesso que foi uma atitude que eu não esperava. A garota acomodou-se no cadeira a minha frente.

— Por que me mordeu? - Toquei o lugar de onde saía uma dor aguda.

— Queria saber se você é tão doce quanto todo o açúcar que consome... Mas acho que não. Já pediu o almoço? Quero muita gordura!

— Pedi só os meus doces, aqui é uma doceria, não sei se você percebeu.

— Deve ter algo salgado aqui... - Foi até o balcão, demorou alguns minutos e retornou a mesa. - Viu? Pedi uma torta de frango haha e nossa sobremesa vai ser sorvete, ai, sorvete... - Seus olhos brilharam, sim, eu sabia que ela amava sorvetes.


Comemos normalmente, quer dizer, meu normal é comer todos os doces que eu puder, da forma que eu quiser, assim como eu fiz naquele dia. Comi o que chegava, o que eu pedia ou o que a garçonete oferecia, meu café estava cheio de cubos de açúcar, do jeito que eu adoro. Agora Misa-san não parecia uma garota comum, mas se bem que comum ela nunca foi. Devorou a torta, sozinha. E antes mesmo de me ver pedindo, já disse que era toda dela. Eu também não ia pedir, não curto essas coisas salgadas, acho que já perceberam.

— Escuta L, converse comigo... - Falou enquanto lambia um palito de chocolate coberto de sorvete de morango.

— Hm... Não sei como começar. - Lhe falei indiferente, meio decepcionado, até.

— Tá, você é paia. Vamos fazer o seguinte, eu mal te conheço, apesar de todo o tempo que passamos juntos... Então, vamos brincar. - Sorriu irônica.

— A julgar pelo seu modo de ser, já até imagino essa brincadeira que você está planejando.

— É o seguinte, eu faço uma pergunta e você responde, depois você faz uma pergunta, e eu respondo. - Mordeu o palito de chocolate, provocando um sonoro “creck”.

— Tudo bem, não vejo problemas... Comece. - Lambi o sorvete no meu bis.

— Bom... Você é ateu?

— Não sei como te explicar...

— Tente. - Olhou-me desafiadora.

— Algumas pessoas desenvolvem sua fé e escolhem sua religião através de um chamado divino. No meu caso é difícil acreditar nessas coisas, basta analisar minha vida nos últimos anos para entender que tudo isso não passou de um chamado do ateísmo... A coisa mais certa que me disseram foi que deus morava dentro da gente. Bateu com o que eu sentia... Sempre me senti um pouco deus, deus de mim, queria estar em todos os lugares, fazendo todas as coisas, com todos os tipos de pessoas, mas sem sair do lugar, minha zona de conforto, você sabe... Entende? - Mais cubos de açúcar no café.

— Eu acho que... Sim. - Acho que a assustei, mas não foi por mal. - Sei como se sente, L. Também me sinto assim, mas não pense que talvez Deus não exista, ele pode existir mesmo, só deve ter esquecido um pouco a gente, afinal, são sete bilhões de pessoas no mundo... Mas vamos, faça a sua pergunta.

— Não sei bem como dizer, mas... Quando te conheci, achava que era apenas uma garota normal com aqueles problemas da puberdade, e você realmente tem alguns problemas, eu realmente não consigo explicar...

— Tá falando que eu tenho problemas?!

— Não quis dizer isso, é que... - Droga! Acho que irritei a fera.

— Calma man, na verdade, meu único problema, é achar a vida um tédio. Mas eu sou assim, acho que se algum analista remover o tédio de mim, sou capaz de morrer. Estranho, não? Hahaha! - Ela ria como se o que dissesse fosse a coisa mais normal do mundo, se bem que, afinal de contas, a vida é mesmo um tédio. - Minha vez L. Posso perguntar?

— Ok. - Aquela calda de chocolate não estava tão adoçada quanto eu queria, mas mesmo assim, enchi meu sorvete dela.

— Você alguma vez na vida, já teve algum amigo? - Ela me perguntou lambendo a colher agora com sorvete de flocos, como se fosse o último do mundo.

— Acho que é minha primeira vez... - Respondi-lhe com o polegar no lábio enquanto desviava meus olhos daquele profundo azul. - E bem, estou meio assustado.

— Não há com que se preocupar, estamos juntos nessa. É minha primeira vez também, bom, não por ter um amigo, já tenho um, você sabe. - Seguiu-se de uma risada. Alguma coisa me dizia que todo o shopping Center nos observava naquele momento, mas por incrível ou estranho que pareça, eu não conseguia perceber nada ao nosso redor, além daquela garota. - Sabe L, se você tivesse uma pessoa favorita no mundo, quem seria? Watari?

— Não sei dizer agora... E você?

— Bom, é uma longa história... - Sorriu de canto de boca.

— Temos muito tempo ainda, eu acho. - E tínhamos mesmo.

— Deixa para lá, mas me diga logo, se é a sua primeira vez, então fez um amigo?

— Sabe que é você... - Não pude evitar um corado nas bochechas, tentei olhar para o chão, na esperança do cabelo cobrir o meu rosto que denunciava o meu constrangimento.

— Claro que eu sei ahaha! Queria ver você dizendo... E L, sobre a minha pessoa favorita no mundo...

— Não precisa dizer nada Misa-san. - Misturei um pouco do sorvete no Milk shake que acabara de chegar a nossa mesa.

— Acha que eu não confio em você? Ah, só um momento. - O celular que estava no bolso da jaqueta começou a chamar e ela se apressou para atendê-lo. - Ah, oi Raito, finalmente né?... Não estou em casa agora... Sim, eu sei que é urgente, mas agora não dá... Depois eu te conto, pode ser?... Vou estar sim, a partir das sete horas... Já disse que conto depois... Calma cara, tenho que desligar aqui. Tchau, se cuida... - Guardou o pequeno aparelho novamente. - Desculpa inglês, enfim, vamos continuar com as perguntas.

— Não tenho mais perguntas, estou desestimulado. - Ser interrompido por um telefone chamando não foi o motivo... E sim a pessoa que ligava.

— Aff, você é um chato, não existe nada que queira dizer? - Passou a chupar a fina extremidade do vidro de calda de chocolate, e sim, as pessoas das mesas ao redor começaram a observá-la com certo nojo.

— Sabe no dia daquele festival, onde você serviu os doces de coelhinha? Você estava...

— HAHAHA! Nem me lembre, sim, eu estava ridícula.

— Eu ia dizer, agradável, mas enfim...

— Você gostou, foi? Pervertido! - Amassou meus cabelos.

— Eu? Pervertido?

— Não, eu... - Parou de rir. - L, tenho mais uma pergunta... Você já gostou de alguém, tipo... Gostar mais do que amigo?

— Por que está perguntando isso?

— Eu não sei, eu nunca gostei de alguém assim, então não sei como é. - Observava o movimento ao redor, seu olhar estava perdido.

— E você quer saber como é? Eu não quero...

— Hahaha! Claro que eu também não, é que as vezes dá uma curiosidade, sobre... O amor. Mas pelo jeito, você não sente isso...

— Ah Misa-san, essas coisas eu não entendo muito bem...

— É, eu percebi... Bom, veja as horas L, temos que ir! - Chamou a garçonete que trouxe junto a conta de tudo que consumimos. Tive que pagar, porque, enfim, era Misa-san, ela não pagaria nem se eu a ameaçasse.

— Aonde vamos? - Comecei a acompanhá-la, novamente estávamos caminhando, entre todo aquele amontoado de pessoas desconhecidas.

— Sabe aquele parque que a gente conversou no dia que você me disse que eu não precisava mais me preocupar com o nosso trabalho em equipe? Parece que botaram uns jardins lá... Está mais bonito. - Olhou-me com um brilho intenso nos olhos, que naquele dia estavam mais azuis que o normal.

— Pensei que não gostasse de flores ou dessas coisas meigas para a maioria das pessoas... Pelo menos é essa a imagem que tenta me passar.

— E você tem razão, mas sei lá, comecei a gostar de muitas coisas nos últimos meses... - Saiu correndo, já imaginando que eu deveria fazer mesmo se quisesse acompanhá-la. Garota teimosa!


Era a primeira vez na vida que eu saía assim pelas ruas de Tóquio, sem Watari para me acompanhar, sem um guarda-costas ou um agente do FBI. Também era a primeira vez que eu andava de metrô, na verdade, a primeira em anos. Lembro que a última vez foi quando eu tinha sete anos lá em Madri... Era uma cidade calma.

Mas Misa-san não era calma, como que para me provocar, ela saía em disparado pelas ruas e avenidas, entre os desconhecidos, sabendo que eu era calmo o suficiente para não conseguir manter o seu ritmo. Só a alcançava quando ela parava em algum fliperama me convidando para algum jogo infantil, onde eu sempre perdia. Eu odiava perder, ainda odeio perder, mas poxa vida, era Misa Amane, por mais que eu achasse que deveria me esforçar em dobro pra não deixá-la ganhar, não me incomodava de perder para ela. Estranho.

As luzes da cidade começavam a acender, não imaginava que Tóquio fosse tão... Bela pela noite. Àquele foi um dia de descobertas, descobertas de novas sensações. E a loira irritante e metida da boca suja era a responsável por me proporcionar aquilo.


Era fim de tarde quando chegamos ao tal parque, eu quase não o reconheci, estava realmente diferente. Cheio daquelas plantas e flores que as pessoas gostam, minhas favoritas eram as cerejeiras. Ia comentar com a Misa-san, mas sei que ela faria piada sobre a minha opção sexual [e não, eu não sou gay]. O lago agora possuía umas espécies de brinquedos, onde a pessoas usavam os pés para que eles se movimentassem, como é mesmo o nome? Pedalinhos, isso. Havia algumas poucas crianças. A loira sentou-se em um banco que eu reconheci na hora.

— Lembra L? Foi aqui que você disse que eu e você somos iguais... - Puxou-me pelo pulso me sentando ao seu lado.

— Como poderia esquecer? - Levantei-me alguns instantes apenas para me “corrigir”, afinal de contas, não sento como ela. Tentei evitar pôr o polegar no lábio inferior, mas era automático.

— Você é um babaca mesmo, hahaha! - Olhei de canto de olho para a garota que mais uma vez, me roubara um pirulito. - Ei L, venho me sentindo estranha há alguns dias...

— Se quiser conversar...

— Não, começou desde que voltamos de viagem. E parou, mas aí, retornou quando passamos a trabalhar juntos em casos.

— Acho que você deveria procurar um psicólogo, deve ser apenas algo da sua cabeça.

— Não, é uma dor... Dói aqui... - Foi ao olhá-la diretamente que eu percebi, a garota pousara a mão direita sobre o peito esquerdo, seria... O coração?

— Deve ser alguma artéria, devido a sua péssima alimentação... Ah, eu não sou médico, sou detetive, resolvo casos, não dores... Do coração. - Desviei o olhar da garota e já me preparei para sair correndo, algo me dizia que ela iria me bater.

— Hahaha! - Outra risada, desta vez, discreta. - Sabe L, é isso que eu gosto em você, seu realismo, sua espontaneidade, sua falta de modos. É isso que eu acho bonito numa pessoa, você vive sua vida, aceita suas limitações, não dá muita bola para o que os outros vão achar... Às vezes eu acho as pessoas tão igualmente diferentes, sempre pendurando arengas no pescoço e fazendo um esforço tremendo para parecer legal. Você é você... Chato, irritante, sempre objetivo e até superficial nas relações. Mas é você... Estou certa que existem almas formidáveis por toda a cidade, mas se eu fui gostar logo de ti, isso quer dizer alguma coisa.

— Gostar de... Mim? - Foi isso mesmo que eu ouvira? Misa-san gosta de mim?!

— Sim, eu acho que... Na verdade, acho não. - Segurou na manga da minha camisa com uma força relativamente grande e olhou fundo em meus olhos. - Estou prestes a dizer a coisa mais retardada da minha vida, mas... Puta merda, eu amo você!


Ela disse que me ama. Eu ouvi direito? Misa Amane, a garota que me odiou desde o primeiro dia que me conheceu, disse que me ama... Pisquei algumas vezes os olhos, mordi a língua para ver se estava sonhando, poderia estar mesmo. Vai ver estou em um caso tão complexo que minha mente se cansou ao ponto de adormecer e me dar este sonho. É um sonho, tenho 78% de certeza de que é sim. Então está na hora de acordar, L.

— Você está certa disso? - É um sono afinal, não é?

— Não acredito em almas gêmeas ou frutas pela metade, mas eu acho que a gente se pertence, de alguma forma. Você não se sente assim? - Olhou-me mais profundamente nos olhos, aquele azul profundo dos seus me desequilibrava, podia sentir seu cheiro e a textura quente e suave de seu hálito doce como o sorvete que comemos mais cedo.

— Misa-san, estou quase totalmente certo de que isso não passa de um delírio de nossas cabeças, então se me permite pedir, poderia largar a manga da minha camiseta e acalmar-se? - Fiz uma leve pressão para que sua mão me soltasse.

A garota me largou de fato, deu uma última olhada raivosa em minha direção e levantou-se do banco. Na esperança de mirar o seu rosto, acabei sentido os primeiros pingos gelados de uma tempestade que estava por vir. Aquilo na sua face também eram pingos ou... lágrimas? Antes de perguntar, ela foi se afastando.

— Aonde você vai? - Perguntei tentando alcançá-la, já não sentia meus pés de tanto que caminhei.

— Para minha casa. Tenho montes de coisas a fazer e tal. - Falou baixinho.

— Como o quê? - Segurei forte em seu punho.

— Ficar longe de você é minha tarefa mais imediata. - Voltou seu rosto para mim, a claridade leve que vinha da cidade me permitiu ver, que eram lágrimas sim. Misa-san chorava.

— Deixa de ser infantil! Porra Misa-san! - Eu chinguei?

— Ok. Te ligo quando eu amadurecer. - Correu com toda a velocidade que podia no mundo, saindo de vez do campo do parque.


Eu estava desnorteado. A chuva começara a engrossar, estava frio e eu tentava alcançá-la, mas ela se misturava na multidão de pessoas correndo para suas casas.

Mas eu tive sorte por um momento, Misa-san parou para esperar os carros também pararem, assim ela atravessaria a avenida. Era a minha chance. Eu tinha de alcançá-la antes que fosse tarde demais.

Quando eu já me aproximava, o sinal fechou, os carros pararam, ela acenou para um táxi e saiu correndo em direção a ele. Mas eu fui mais rápido, apertei forte sua cintura antes que entrasse no veículo.

— Puta merda L, me deixe em paz! - Gritava para quem quisesse ouvir.

— Não posso... Não quero! - Segurava firme meus braços. Percebi que, embora às vezes pareça, aquelas pessoas, bonitas como nuvens de algodão, não são assim tão impossíveis de se tocar.


E não era um sonho, afinal. Era realidade, a pura e amarga [e doce?] realidade. Misa-san estava prestes a sumir para sempre da minha vida. Se ela entrasse naquele táxi talvez eu nunca mais a visse... E eu não quero... Não quero que ela vá a lugar nenhum. Só de pensar meu coração começa a se comportar como um leão enjaulado em um trailer de circo. Isso é ruim, não é? O que eu estou sentindo agora, hein? O que eu sinto por essa pessoa endemoniada vociferando todo o alfabeto de palavrões no meu rosto enquanto tenta se livrar de meus braços neste exato momento? Eu não disse isso ainda, mas penso nela de quando em quando. Toda noite... Estou a fim de descobrir o que é. Vamos L, diga algo!

— VOCÊ É O MAIOR RETARDADO DO MUNDO, ME DEIXA AGORA! - Pisou pela centésima vez no meu pé esquerdo.

— Eu te amo, porra!


E tudo parou. Ela parou. O táxi prestes a responder por homicídio culposo parou. Uma velhinha parou até deixou escapar a chapa com dentes. O vendedor de água ficou olhando, perdendo dinheiro. Executivos engomados, beija-flores, aeronaves. A chuva. Todos ficaram estupefatos como aquela noite atípica em uma grande cidade, cheia de gente desencontrada e só. A noite que uma pessoa gritou no meio da rua pra outra pessoa “eu te amo, porra!”.

E aqueles olhos me encararam mais uma vez, convidativos, iluminados.

— Você disse...? - Surpresa, era como ela estava.

—Você! Você é a minha pessoa favorita no mundo... Pode me odiar para sempre, mas... Desculpe Misa-san, vou te beijar! - E a beijei. Eu nem sabia como fazer aquilo direito, não é irônico? Sei todas as teorias, todas as formas de conhecimento do planeta, sei decifrar os piores dos enigmas... Mas não sei beijar uma garota.


Nem sei se o mundo todo nos olhava naquele momento, nem como estavam as pessoas ao nosso redor. Nem sei se Misa estava gostando daquele beijo, mas eu sei que não era um sonho, era simplesmente doce. Gostoso como o sorvete que comemos mais cedo, macio como qualquer massa de bolo que eu amasse. Não L, não era um sonho... E se fosse, que se foda, não quero acordar nunca mais!


Continua...


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Notas finais do capítulo

Mais uma vez, utilizei meu querido Gabito Nunes para construir o capítulo. ♥
E aí, mereço reviews? *-*