Enigmas do Destino escrita por Val Viega

Enigmas do Destino

Ansiosos por fama e descoberta, alguns aventureiros decidiram enfrentar os perigos do mar. Imaginavam eles que aquela aventura lhes proporcionaria muitas riquezas. No entanto, algum tempo depois tiveram que enfrenar uma terrível tempestade que os deixou desabrigados num território estranho. Sem terem como voltar, decidiram explorar a região em busca de um local onde pudessem se abrigar, pois a noite não tardaria a chegar. Não demoraram muito para constatarem que aquele lugar era habitado por um povo numeroso. Por sorte, foram recebidos como deuses. Tal consideração rendeu aos recém-chegados o privilégio de gozarem de muitas regalias. Inclusive terem várias mulheres e poderem contribuir para os rumos das atividades desenvolvidas pelos habitantes da aldeia.
Várias gerações depois da chegada dos navegantes, uma família de sertanejo decidiu abandonar a vida na fazenda para que o filho, cujo nome era Carter, pudesse continuar os estudos. Habituados a vida simples junto à natureza, preferiu escolher um povoado, cujo nome era Vila São Domingos. Tudo aconteceu como previra aquela família. Carter adaptou-se bem na escola. Em pouco tempo, conquistou amigos e conheceu Charlotte uma bela garota por quem viria a se apaixonar. No entanto, o Destino lhes reservava uma terrível surpresa.


Classificação: 13+
Categorias: Histórias originais
Personagens: Indisponível
Gêneros: Romance
Avisos: Nenhum

Capítulos: 1 (9.883 palavras) | Terminada: Sim
Publicada: 19/04/2024 às 09:42 | Atualizada: 19/04/2024 às 09:42


Notas da História:

Capítulo 2

Território dos deuses


Recordava perfeitamente que, naquele dia, a sala estava cheia de alunos quando ele chegara meio assustado e, para piorar a situação, aquele garoto estava com alguns minutos de atraso. Era seu primeiro dia de aula. Talvez por isso se sentisse tão embaraçado.
Ainda lhe conservava viva na memória a imagem do momento em que ele chegara, timidamente, à porta e pedira licença para entrar. Toda a sala parara para vê-lo entrar depois do consentimento do professor. Era notável o seu embaraço quando passara pela porta e fora se acomodar numa carteira próxima a dela. Certamente, notara que, disfarçadamente, ela o examinara de alto a baixo e gostara dele! Ainda era bem moço, mas já possuía uma boa estatura. Aproximadamente um metro e setenta. Era forte e musculoso e tinha um corpo atlético. Seus cabelos pretos ondulados o ajudaram a impressioná-la. Coitado! Mal se sentara e o professor Augusto pedira-lhe para se apresentar à turma.
− Meu nome é Carter! Acabei de me mudar para cá.
− Você morava onde, Carter?
− Na fazenda Recanto do Sol.
O professor Augusto ainda queria mais. Não tivera pena do rapaz que suava frio.
− Fica longe daqui?
− Não muito. A umas duas horas de viagem.
Finalmente abriu um sorriso e mandou o novo aluno se sentar.
− Seja bem-vindo, Carter! Leve a sério o estudo e se dará bem aqui! Em seguida, o professor desviara sua atenção de Carter para se voltar aos demais alunos:
− Caros alunos, ainda não aprenderam como se comportar para recepcionar um novo colega?
Em resposta ao puxão de orelha, todos se levantaram ao mesmo tempo e num coro bem ensaiado pronunciaram:
─Seja bem-vindo, Carter! A escola também é sua!
Naquele dia, não se ouvira mais o som da sua voz. Ele se limitara a cumprir as atividades propostas e, ao final da aula, todos perceberam a satisfação do professor ao contemplar-lhe o caderno pela primeira vez:
− Muito bom! Perfeito! Continue assim que você irá longe, garoto!
Devia estar mesmo impecável para arrancar elogios logo de alguém tão exigente como o professor Augusto. Alguns colegas até o encararam rancorosos. Mal acabara de chegar! Esse cara metido a nerd não perde tempo!
Quando soara o sinal para começar o intervalo, Carter fora o último a deixar a classe. Ainda não tinha amigos na cidade. Dirigira-se à cantina e comprara um sanduiche e um refrigerante e se assentara numa cadeira mais afastada. Mattheu, um dos alunos mais comunicativos da classe, observava seus movimentos. Fizera o mesmo e se dirigira ao local onde estava Carter.
− Olá! Eu sou Mattheu! Percebi que ainda não tem amigos.
Carter se voltara para o recém-chegado, ficara de pé e apertara-lhe a mão agradecido.
− Verdade. Eu ainda não tive tempo de conhecer ninguém por aqui. Estou me sentindo perdido! Quer se sentar?
− Calma, amigo, com a inteligência que demonstrou durante a aula, logo terá a escola inteira ao seu arredor.
− Apenas tive sorte de me dar bem até agora.
− Nada disso! Você é que ainda não conhece o professor Augusto. Todos os demais alunos da sala desejaram estar no seu lugar quando recebeu aqueles elogios. Ele não é de bajular alguém assim! Quanto a não conhecer ninguém, não diga mais isso. A partir de hoje pode contar comigo. - Mattheu estendeu a mão para o novo amigo que novamente a aperta amigavelmente.
− Obrigado, amigo! Vou precisar mesmo!
Mal o novo companheiro se afastara fora cumprimentado por uma das garotas mais charmosa da cidade.
− Oi, Carter! Prazer! Eu sou a Alana! O que está achando da escola?
− Prazer, Alana a escola é linda! Bastante animada. Existem muitos alunos. O ambiente é muito bom também.
Alana abriu um belo sorriso, levou as mãos à cintura, voltou a olhar, por uma fração de segundos, para o espaço escolar e gentilmente retomou o diálogo com o novato:
− Se precisar de uma amiga para trocar ideias, quando precisar, estou por aí.
− Obrigado! É muita gentileza sua!
− Que nada, para mim será um prazer!
− Para mim também!
Novamente o sinal convidava-os a voltar para a sala e, sob olhares curiosos, os dois caminharam juntos para mais algumas horas de estudo.
Com o passar dos dias, Carter se habituara a nova realidade. Fizera vários amigos e aos poucos fora conhecendo cada vez melhor cada um daqueles com os quais a amizade floreara mais rapidamente. Como Mattheu e Alana se anteciparam aos demais, a princípio, tornaram-se os mais próximos de Carter. O primeiro fora lhe bastante providencial. Possuía a habilidade de fazer amizade com facilidade. Na cidade, era estimado por quase todos. Onde estivesse ele, ali estariam vários amigos a se divertir com suas anedotas. Piadista nato sabia como divertir quem desfrutasse de sua companhia, mas o melhor dele era um coração de ouro que trazia no peito. Desde que conversara pela primeira vez com ele, Carter sentira confiança em suas palavras e dividira boa parte do seu tempo a trocar ideias com aquele rapaz. Iam a festas juntos, conversavam sobre garotas, jogavam futebol. Até passara a frequentar a Igreja graças aos convites do amigo.
Depois dos primeiros progressos com os colegas de classe, além dos demais alunos que se aproximaram de Carter, Mattheu e Alana faziam questão de estar sempre por perto para lhe fazer companhia. E, ao perceber que o novato era bastante simpático com todos, com o passar dos dias, outros alunos daquela escola foram se juntando ao grupo. Primeiro veio o Clark, um rapaz alto bastante descontraído, depois Thomas Brow, que fora se aproximando aos poucos do grupo. Aquele era um tagarela que fazia questão de se gabar como conquistador; este não, ao contrário, permanecia calado a maioria do tempo, deixando evidente a sua timidez. Se não fosse pelo futebol, poderia até ter se aproximado do grupo, mas com certeza, teria levado muito mais tempo. Era um bom meia: driblava com facilidade e tinha uma direita potente. Junto com Mattheu e Carter impunha respeito ao time da escola.
As primeiras semanas na Vila teriam transcorrido às mil maravilhas se não tivessem acontecido alguns transtornos na vida escolar do recém-chegado. Em relação aos estudos, tudo ia além das expectativas, mas o seu desempenho impecável fora despertando inveja a alguns que não suportavam ouvir tantos elogios, pois os professores não se cansavam de citá-lo como exemplo.
─ Se almejam o sucesso, comecem a proceder como Carter. Ele sim, sabe o que quer da vida!
Inconformados, alguns daqueles que não tinham semelhante determinação, procuravam pretexto para provocá-lo, mas ele ignorava tais atitudes, não lhes dava importância. O que queria era conquistar a amizade de todos. Por isso, retribuíra-lhes com gestos amigáveis e, gradativamente, fora alcançando seu objetivo e, não demorou muito para que se aproximassem dele e, cada vez mais, o procurassem para pedir ajuda nas atividades escolares.
Passou a se sentir habituado com as aulas daquela escola, mas um dia veio a acontecer algo que viria a ficar marcado em sua memória: Após o sinal, os alunos entraram na sala, cada qual procurara sua carteira. Em seguida, entrara um senhor baixo, de espesso bigode grisalho. Encontrava-se um pouco acima do peso. Usava uma camisa xadrez e uma calça social larga.
─ Bom dia, turma! Meu nome é Alfonso. Acabo de ser admitido nesta escola e espero corresponder às expectativas de vocês. Sou professor de História, conclui minha licenciatura na Universidade de Porto dos Sonhos. Depois lecionei na Escola do Rei por dois anos e agora estou aqui. Sempre desejei trabalhar numa escola do interior e aqui parece ótimo.
─ Seja bem-vindo, professor! ─ Em coro, todos o recepcionam com a frase de boas-vindas.
Vamos lá! Começaremos a nossa aula pela origem do nosso povo que, há muito tempo, habitou esse lugar denominado Território dos Deuses.
Se acompanharem minhas aulas, no decorrer deste ano, faremos descobertas incríveis. Encontraremos respostas para muitos porquês, relacionados a tantos costumes, a tantas conquistas e fracassos dos nossos ancestrais. Por isso, eu me empolgo tanto com História e, mediante a esse entusiasmo, convido os amantes dessa disciplina a manifestarem comigo um urra!
─Urraaa! - A maioria dos alunos gritaram bem animados em resposta ao convite do professor.
Agora dos que a detestam quero ouvir um ahahah! A sala ficou em silêncio.
─Muito bem! Espero que tenham sido verdadeiros. – Passa a mão nos cabelos grisalhos e retoma a conversa:
─Vamos lá então!
Por fim, guiados pelo professor Alfonso, começaram a viagem no tempo, a princípio, visitando um espaço longínquo: a origem do povo daquele território.
Segundo os estudiosos, dizia ele, há muito tempo, em um lugar desconhecido, vivia um povo de uma sabedoria incalculável. Conta-se que naquele lugar existiam pessoas desejosas por conquistar o mundo. Foi com esse propósito que investiram tempo e dinheiro na construção de um imenso navio muito bem equipado. Havia de tudo em seu interior: espaço para lazer, capela, cozinha recheada dos mais variados tipos de alimentos, escritório e outros.
Como tudo estava preparado para o início da viagem, numa bela manhã de sol bem amarelo, um grupo de sonhadores deixava para trás aquele pedaço de chão, sob olhares aflitos de filhos e mulheres que temiam o não retorno dos entes queridos. Assistiam contrariados ao afastamento daquela embarcação conduzida por um grupo de aventureiros eufóricos que, impulsionados pelos sonhos, não mediam sacrifícios no intuito de fazer com que o grande veículo das águas ganhasse velocidade o mais rápido possível. Como o vento lhes era favorável, orgulhosos, seguiam, mar adentro, cada vez mais velozes a bordos daquela nave a deslizar sobres a imensidão de águas salgadas. Não tinham medo, ao contrário, ousaram subestimar a bravura das ondas que os ameaçavam com frequência. Sacudiam energicamente a embarcação, tentando tragá-la, mas aquele povo fizera um bom trabalho.
Só depois de vários dias de viagem, sem muita novidade, é que se depararam com uma forte tempestade.
No princípio lutavam como podiam, mas o vento era tão forte que os arrastava, sem que soubessem para que direção estavam sendo levados.
Logo no início dos transtornos, a única bússola de que dispunham fora arremessada contra o assoalho da embarcação e ficara danificada.
Além daquele trágico acontecimento, encontravam-se impossibilitados de avistar o horizonte, pois o céu escurecera por completo e o vento assobiava ao passar por eles.
Desde que ouviram o estalo do mastro se partindo, o pavor passou a tomar conta daquela tripulação que tremia e rezava juntamente com um padre que seguia com eles. Tentavam resistir com todas as suas forças, mas o esforço lhes revelava em vão e eles eram conduzidos, cada vez mais, como a um graveto nas corredeiras de um riacho.
A estupenda força daqueles ventos irados os levavam rumo ao desconhecido com suas fortes sacudidas, fazendo com que algum dos tripulantes caíssem e rolassem pelo assoalho a fora. Outros vomitavam assombrados, mas o pior estava prestes a acontecer: Repentinamente, os ventos uniram suas forças para aplicar um castigo muito mais cruel aos atrevidos que ousaram invadir os espaços sagrados dos deuses daqueles mares cheios de mistério. Foi um momento de intenso pavor. Ondas gigantescas levantaram a embarcação, engoliram-na e a arrastaram tão velozmente que os pobres tripulantes que ainda permaneciam conscientes nem perceberam que estavam sendo jogados sobre umas árvores. A embarcação fora arrastada até as margens de um território desconhecido.
Pouco tempo depois, a tempestade cessou e eles se viram enroscados no meio de um matagal cheio de cipós. De onde estavam, podiam avistar as ondas ainda agitadas, mas a dar sinal de que a calmaria estava retornando àquele mundo distante.
Por algum tempo ficaram a se recuperar do sufoco que passaram e, enquanto observavam as ondas se acalmando, viram uma estranha imagem de homem de cabelos e barbas compridos a flutuar sobre as águas. Estariam eles sonhando ou aquilo seria real? Ou por acaso estariam mortos em outro mundo de seres estranhos?
Passado o susto, os tripulantes começaram a se refazer dos últimos momentos de tormenta. Por sorte ninguém chegou a se ferir gravemente. Alguns apenas saíram com alguns arranhões ou hematomas pelo corpo; outros, nem isso.
Depois de constatar os estragos ao navio, chegaram à conclusão de que estavam presos naquele lugar desconhecido e que não poderiam voltar tão cedo. Nem sequer havia como se orientar. Tudo estava danificado. Nada funcionava. A bússola? Nem tinham ideia de onde fora parar e ainda estavam presos sobre copas de árvores.
Algum tempo depois avaliaram a situação e constataram que estavam perdidos numa terra estranha. Todos, inclusive o capitão, ainda se encontravam traumatizados pelos últimos momentos de pavor, mas não demorou muito para o capitão Teófilo, reassumir o comando e ordenar que cada um pegasse os pertences que julgassem mais importantes para as próximas horas e o seguisse. Deveriam procurar um lugar seguro para abrigo antes que a noite caísse, pois poderia haver, por lá, feras perigosas. Seguiam em fila. O capitão ia abrindo uma trilha com um enorme facão e os outros o acompanhavam lentamente, devido ao estado de exaustão em que se encontravam.
Por sorte não precisaram caminhar muito para atingir o alto do um monte que ficava a uns dois quilômetros do mar. De lá, contemplaram uma visão que lhes devolveu o ânimo. Tiveram a sensação de que estavam chegando ao paraíso.
− Será que morremos? – Encantados, interrogavam uns aos outros.
O que viam era fantástico. Não muito longe, havia uma planície coberta de verde. Era um verde intenso proporcionado por uma pastagem nativa que era sacudida levemente por uma brisa suave. Cortando aquela paisagem, avistaram também uma divisória verde-escura, formada por uma mata robusta que os levava a dedução de que por lá desceria um rio.
Além da beleza visual, do alto onde estavam, ouviam o cantarolar de centenas de aves. Seria um lugar perfeito se não fosse pela situação em que eles encontravam: transmitia-lhes a paz que a terrível tempestade levara. Era, de fato, maravilhoso, mas não seria prudente perder tempo. Logo a tarde e, em seguida, a noite chegaria, trazendo a escuridão. Não poderiam se esquecer de que se encontravam num mundo desconhecido. Precisavam localizar um lugar seguro o mais rápido possível.
Obedecendo ao comando do capitão Teófilo, começaram a descer lentamente, morro a baixo, à procura de um local ideal para passar a noite. Ainda estavam no meio da descida quando, os que estavam na linha de frente, avistaram, ao longe, naquela planície, sinais de fumaça que surgiam de um lugar onde poderia haver uma depressão do solo, pois não podiam ver onde deveria haver fogo.
─ Vejam! ─ O capitão interrompeu a caminhada e apontou com o braço estendido para a direção de onde surgia a fumaça.
A princípio, ficaram indecisos. Queriam descer até lá, mas temiam encontrar alguma tribo selvagem.
Por um curto espaço de tempo, ficaram a discutir sobre que atitude tomar. Iriam decidir em conjunto se daria meia volta e procuraria acampar o mais distante possível daquele ponto ou se desceria e seria o que Deus quisesse. Por fim, a curiosidade venceu. Tentariam naquele mesmo dia o que sucederia mais cedo ou mais tarde. Não estavam em condições de fugir daquela suposta ilha tão cedo.
Prosseguiram confiantes de poderem encontrar pessoas habitando aquele mundo perdido no meio do oceano. Se havia fumaça haveria fogo; se houvesse fogo alguém o teria provocado e esse alguém só poderia ter sido seres humanos. E se fosse um povo canibal? ─ pensavam alguns.
Meia hora mais tarde, quando o sol já começava a se esconder no horizonte, depararam se com mais uma visão surpreendente: Não era uma simples ilha. Havia outra planície, cuja altitude era inferior a da primeira. Era tão plana e tão extensa que a visão não podia alcançar o final. Certamente seria outro mundo.
− Que coisa mais linda! Será que estamos mesmo mortos? Ou isso é um sonho? Confesso que não estou entendendo mais nada! Era para estarmos apavorados, mas tudo isso é fantástico! – Comentou o astrólogo da expedição que, a julgar pela barba branca, deveria ter passado dos cinquenta.
Continuaram avançando em direção a origem da fumaça, cada vez mais cautelosos, e não demoram a constatar o que suspeitavam. Havia, de fato, um povo. Não estavam mesmos sós naquele mundo perdido, mas seriam bem recebidos? ─Aflitos, alguns deles interrogavam a si mesmos.
Outra vez interromperam a descida para avaliar os próximos movimentos.
Existiam vários ranchos cobertos com palhas de coqueiro. Entre os casebres, algumas mulheres a usarem vestes de fibras para cobrirem as partes íntimas do corpo, carregavam sobre a cabeça, umas espécies de talhas de barro, que os recém-chegados imaginavam estarem cheias de água.
Notaram que algumas eram belas. Possuíam vasta cabeleira negra caída sobre as costas nuas a cobrir-lhes a pele avermelhada pelo excesso de exposição ao sol. De onde estavam, protegidos pela vegetação, podiam acompanhar cada movimento dos habitantes daquele lugar e avaliar a situação.
Outra vez, após breve discussão, determinaram que o padre Robert, o líder espiritual que acompanhava a expedição, e dois marujos iriam descer e fazer contato.
Então, minutos mais tarde, depois de breve momento de oração, deixando para trás os companheiros, o padre e dois de seus companheiros começaram a se aproximar da aldeia, com o máximo de cuidado. Desciam devagar, sempre protegidos pela vegetação, pois não queriam ser vistos antes do tempo.
No entanto, ao chegar lá embaixo, mal saíram a descoberto, se viram cercados de selvagens a lhes apontar suas lanças afiadas. Eles se mantinham a certa distância e pronunciavam algumas palavras estranhas. ─ Se ao menos pudéssemos saber o que estão dizendo! ─ Exclamou, apavorado, um dos companheiros do padre.
─ Vamos tentar manter a calma! ─ Aconselhou o padre, ao mesmo tempo que, em silêncio, rogava a Deus pelas suas vidas.
Não demorou muito aquele momento de estudo. Depois de entenderem que os invasores não lhes ofereciam perigo, um daqueles nativos levou a mão direita à cintura, pegou um objeto estranho, levou à boca e assoprou, produzindo um forte assobio. Em seguida, foram surgindo homens, mulheres e crianças de todos os lados da aldeia. Por fim apareceu um homem forte, que parecia ser o chefe, usando vestes com cores vivas e se dirigiu ao pequeno grupo.
─ Roca, oca macabe! ─ Pronunciou tais palavras, conservando-se fora do alcance das mãos dos estranhos.
─ Não entendemos o que disse! ─ Gritou o padre.
O chefe da aldeia voltou-se para os demais e pronunciou outras palavras que pareciam sem sentido e dois dos guardas que os interpelaram primeiro, aproximaram-se deles e, fazendo uso de gestos, intimou-os a segui-los até uma cabana enorme localizada no centro da aldeia. Ao entrarem, ficaram boquiabertos com o que viram: De pé, com as duas mãos na cintura estava um homem branco vestido com roupas feitas de fibras vegetais. Era alto e magro, mas musculoso. Possuía cabelos loiros claros amarrados em rabo de cavalo e uma espessa barba avermelhada que lhe cobria o queixo. Usava, no pescoço, um colar feito de sementes em cores alternadas em escuro e claro. Tinha nos pés uma sandália de couro rústico. Da mesma forma que era observado de alto a baixo, fazia o mesmo, permanecendo em silêncio e tentando imaginar como aquelas pessoas teriam conseguido chegar a ilha. Por fim, estendeu-lhes a mão para cumprimentá-los: ─ Bankof ao dispor! Penso que temos muito a conversar, pois acredito que, assim como eu, estão cheios de interrogações.
─ Tem razão, senhor Bankof! Eu sou o padre Robert. Sequer fazemos ideia de que mundo é este onde estamos. No princípio, pensamos que havíamos morrido e estávamos no paraíso.
Depois que os companheiros do padre se apresentaram, Bankof começou a narrar que quando ainda habitara na terra dos seus pais, a sua saudosa Inglaterra, sempre fora um homem sonhador, que adorava se aventurar. Seguindo esse impulso, decidira fabricar um enorme balão. Queria, de forma desafiadora, conhecer a mundo a bordo daquela invenção. No princípio, tudo correu como planejara. Por várias semanas, talvez meses, pode apreciar a vista das alturas, mas num dia, o inesperado veio a acontecer: Houve uma ventania tão forte, mas tão forte que o arrastou velozmente e o depositou sobre os galhos de uma árvore que surgira do nada. Passara por momentos terríveis! O balão rodopiava de um lado a outro e, naqueles momentos, só não fora arremessado ao mar porque havia se amarrado à estrutura do balão. Tinha consciência de que corria risco e, por isso, se preparara para evitar possíveis acidentes. Quando tudo se acalmara, ele se vira perdido e impressionado com um mundo maravilhoso. Naquele dia, depois de descer da árvore, com fome e com o corpo todo dolorido, caminhara por dois dias até ser encontrado pelo povo que naquela terra habitava.
Quando o encontraram, ficaram assustados com a sua aparição. Prostrara-se diante dele e pronunciaram palavras, que naquele momento, não pode entender. Tivera muito medo, mas depois, percebera que o consideravam um deus fizeram de tudo para o agradar; ofereceram-lhe diversos tipos de frutas, pedras coloridas e, por fim, reuniram as mulheres mais belas da aldeia e, com gestos amigáveis, lhe disseram para escolher quantas quisesse para esposa.
No mundo de onde viera, só se permitia ter uma esposa. Adorara a ideia dos nativos e escolhera as três que mais lhe encantaram. Duas delas ainda permaneceram com ele. A outra devolvera ao chefe. Não precisava de uma terceira, bastavam-lhe os dois anjos que habitam com ele naquela choupana.
Amistosamente, sorriu e convidou-os a se sentar nuns bancos tecidos com cipós, localizados no interior da cabana Catherine. Depois de se sentarem, o homem se voltou para um local que, pelas características, deveria ser a cozinha e chamou:
─ Tablita! Potira! Temos visita! Traga um chá para os convidados! Então, atendendo à solicitação do marido, surgem duas mulheres lindíssimas trazendo uma vasilha fumegante e umas canecas, ambas de barro.
─ Podem deixar aí sobre a mesinha, meus amores! Agora sentem aqui comigo!
Novamente voltou o olhar para os visitantes e, enquanto acariciava as belas mulheres, que se sentaram uma de cada lado dele disse-lhes:
─ Estas são minhas esposas!
Os três recém-chegados se encantaram com tanta beleza. Ao verem Potira aparecer, usando roupas sensuais, não conseguiram disfarçar tamanha admiração. Bankof parecia se divertir com a situação desconfortável dos seus convidados. A mulher era alta, morena e tinha um corpo impecável. Além desses adereços, possuía cabelos lisos, longos e mais negros que a noite, conservados bem hidratados, certamente, com algum produto da natureza. Tablita era um pouco mais baixa, mas também esbanjava beleza. Também com roupas que deixavam à mostra sua pele morena e curtida ao sol arrancou naqueles homens suspiros de admiração. Possuíam corpo definido, barriga chapada e um par de coxas torneadas a justificar a escolha daquele homem branco que tinha de fato muito bom gosto e que, além de tudo, com exceção da sua pele clara, se incorporara em um perfeito nativo.
Como era costume entre aquele povo, ambas traziam nas orelhas, brincos feitos de pedras brilhantes que contrastavam com seus dentes alvos feito algodão.
─ Amigos, pela recepção que tiveram, com certeza, terão a mesma sorte que eu. Possuirão as mulheres mais belas da aldeia. Acho que, com todo respeito, seu padre, nem mesmo o senhor resistirá. ─ Continuou Bankof a exibir seus dentes brancos, parecendo se divertir ainda mais com o embaraço dos três recém-chegados.
Depois da longa conversa em que os três relataram, ao novo companheiro, como conseguiram chegar àquele mundo, que parecia mágico, tudo viria a acontecer realmente conforme previra o homem branco da aldeia, exceto em relação à afirmação de que nem mesmo o padre resistiria. Na verdade, aquele homem de Deus ficara abalado, mas conseguiria se manter como jurara a sua Igreja e espalhara naquele território, as sementes do cristianismo.
O tempo foi passando e com ele veio, aos aventureiros, o desejo de voltar à sua pátria, que ficara perdida além daquela imensidão de águas, ventos e tempestades. Não faziam nem ideia de como poderiam retornar, mas alguns deles estavam determinados e enfrentar novamente a fúria do mar. Outros, mais habituados com a nova vida, tinham saudades, mas não estavam dispostos a deixar para trás todo conforto que encontraram na nova terra, principalmente mulheres e filhos. Iriam ajudar seus companheiros a consertarem a embarcação e desejariam sorte, mas só isso. Afinal eram felizes como nunca foram durante todo o tempo em que viveram na terra natal e não via razão para desafiar os mistérios daquele mar ameaçador.
Passados poucos dias a mais de um mês, o barco estava pronto para a viagem e os que pretendiam retornar, embalaram alimentos, roupas e tudo mais que achavam serem necessários para a jornada e despediram dos que vieram acompanhar a partida dos valentes dominadores dos mares. Assim diziam os nativos da ilha. Sob os olhares admirados do povo local e preocupados dos antigos companheiros de aventura, partiram numa quarta-feira ao raiar do dia. Pouco a pouco a embarcação foi desaparecendo na imensidão de águas que davam cambalhotas tentando devorá-los. Naquele momento, um dos marujos, um senhor de uns 60 anos, e de barbas espessas, que os acompanhava com os olhos cheios de lágrimas, disse emocionado:
─ Algo me diz que nunca mais vamos ver nossos companheiros! ─ Vira as costas e começa a retornar para a aldeia a enxugar os olhos lacrimejantes.
O receio daquele senhor de idade veio a se confirmar alguns anos mais tarde quando aqueles homens resolveram desafiar os mares mesmo com indícios de que haveria uma tempestade iminente.
Naquele dia, alguns companheiros, tentaram desencorajá-los a enfrentar aquele desafio, mas sem sucesso. Na ânsia de buscar mais parentes e amigos para povoar o novo território encontrado e os terem por perto os ficaram cegos.
Em suas sucessivas viagens anteriores, ao mundo civilizado, outros já haviam desembarcado na ilha e se empenhavam para o desenvolvimento do progresso local.
Os anos foram passando e, com eles, pouco a pouco, a poeira do tempo tratou de encobrir as lembranças dos ousados aventureiros da memória dos habitantes daquele pedaço de paraíso, restando apenas as teorias usadas para explicar o desaparecimento dos homens e embarcação.
Segundo os filhos daquele mundo mágico, aqueles seres que dominavam os mares decidiram permanecer no refúgio dos deuses de onde vieram. Para os brancos aqueles pobres coitados teriam sido devorados por alguma fera dos mares ou engolidos pelas águas agitadas do desconhecido.
Apesar de não serem numerosos, a princípio, os imigrantes brancos contribuíram e muito para o crescimento e a miscigenação do povo local. E a predominância da pele morena foi diminuindo naquela aldeia, pois os homens estrangeiros construíram famílias numerosas. Todos eles ficaram com mais de uma mulher e com todas elas tiveram muitos filhos.
Quanto mais o tempo passava, mais crescia o número de habitantes naquela aldeia e surgiam novas lideranças, com ideias renovadoras, provocando divergências entre as cabeças pensantes daquela comunidade de nativos que deixara ser conduzida pelos brancos que, segundo eles, eram descendentes dos deuses.
Entre as principais lideranças daquele povo, destacou-se um garotão chamado Nicolau, pertencente à linhagem do capitão Teófilo. Segundo ele, a aldeia era muito pacata e precisava sofrer algumas mudanças compatíveis com a sua nova realidade em constantes transformações. Era tampo de melhorar os aspectos das moradias, como ouvira seu tio Teófilo dizer repetidas vezes, e ampliar seus horizontes para que a população, cada vez mais numerosa, pudesse gozar de espaços para se locomover e para o lazer, principalmente da juventude.
Por outro lado, Gedeão, filho de Bankof, discordava de tais mudanças. Tinha ideias conservadoras e se posicionava contrário ao que defendia Nicolau. Além do mais, era muito respeitado pelos mais velhos daquela aldeia. Eles não viam aquelas inovações com bons olhos. Achavam que tais mudanças só trariam desconforto ao povo. Todos já estavam acostumados e em paz. Por que criar confusão e gerar tantos transtornos? Não. Ele, Gideão, jamais iria concordar com tamanha loucura, coisa de jovem que não pensa nas consequências dos seus atos.
Como os mais influentes da aldeia ficaram divididos entre as ideias conservadoras de Gedeão e os sonhos de modernização de Nicolau, decidiram marcar uma assembleia para ouvirem os dois lados e só depois o conselho, composto pelos homens mais velhos da comunidade, decidiriam o futuro do povoado. Se permaneceria como estava ou passaria pelas transformações sonhadas pelo sobrinho de Teófilo.
De fato, houve a assembleia, mas não conseguiram chegar a um consenso e o conselho decidiu considerar ambos os posicionamentos, mas para contemplar aos dois lados, estabeleceram o seguinte: Quem concordasse com Nicolau deveria deixar a aldeia junto com seu líder e procurar um lugar ideal para construírem uma cidade do tamanho dos seus sonhos. Os outros permaneceriam na aldeia sem se sentirem ameaçados por aqueles projetos inovadores.
Assim ficou determinado e poucos dias depois, parte da aldeia, a transportar seus pertences, deixou para trás anos de história para escreverem um novo capítulo na existência do Território dos Deuses.
Com o apagador o professor Alfonso deu uma pancada sobre a mesa e fez com que alguns dos alunos dessem pulos sobre a cadeira.
─ É isso, turma! Por hoje basta! Na próxima aula continuaremos falando sobre a criação de Porto dos Sonhos! Alguém tem alguma pergunta ou observação a fazer? Ainda temos alguns minutos.
─ Professor, foi uma bela história! Mal posso esperar para continuarmos. ─ Comentou Clark empolgado.
─ Isso mesmo, meu rapaz, ─ continuou o professor ─ nas próximas aulas, vai ver que tudo se explica: as características do nosso povo, os costumes, a religiosidade...
O sinal tocou, para dar por encerrada aquele dia de aula que ficaria gravado na memória daqueles jovens cheios de sonhos.





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