Enigmas do Destino escrita por Val Viega


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

A cerimônia



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A Cerimônia

Era sábado. Não havia passado muito tempo desde que o sol se despedira no horizonte. Ainda era possível avistar os raios avermelhados dos seus últimos clarões a pintar no céu as poucas nuvens agrupadas ao poente daquele inesquecível mês de outubro. Vez por outra, um grupo de aves tagarelas apressava-se para cruzar o céu à procura de algum lugar onde pudesse repousar. Naquele mesmo instante, muitas pessoas já se aglomeravam à pequena e acolhedora praça situada à frente da única igreja daquele humilde povoado. A julgar pela quantidade de pessoas que já se fazia presente e por grupos de famílias que brotavam de toda parte, o número daqueles que vinham prestigiar o casamento não parava de crescer. De fato, era o acontecimento do ano e, ao que tudo indicava, ninguém queria perder aquele momento festivo. 

Dos que se encontravam na praça, alguns que chegaram mais cedo permaneciam assentados por medo de se levantar e perder o lugar. Entre os demais convidados, não faltava quem ficasse circulando no meio da multidão a conversar, animadamente, com uns e com outros enquanto aguardavam o momento da cerimônia. 

Alguns poucos, ao contrário da maioria, eram mais reservados. Em silêncio, limitavam-se a observar os trajes de quem ia chegando. Admirar aquelas mulheres, bem maquiadas e usando suas melhores roupas, com certeza, fora uma sábia escolha de como gastar o tempo de espera. 

Além de toda aquela multidão ansiosa pelo início da cerimônia, ao contrário dos demais, as crianças, que lá se encontravam, aproveitavam muito mais o momento e, ao mesmo tempo, tratavam de deixar o ambiente mais agitado do que a maioria dos presentes estava disposta a tolerar. Com seus gritos estridentes, corriam de um lado a outro a brincar de pega-pega, levando os menos pacientes a, com frequência, repreendê-los pelos transtornos provocados. 

No interior da igreja, um casal elegante, muito bem vestido, estava a postos para fazer a filmagem do evento. O homem usava um paletó preto sobre uma camisa de seda cinza e gravata branca com listinhas pretas. A calça, também preta, seguia o mesmo padrão. A mulher também estava vestida na mesma proporção. Usava um blazer preto sobre uma camisa cinza e ajustado ao pescoço havia um elegantíssimo lenço com características semelhantes às da gravata do companheiro. Completava o traje, deixando-a ainda mais encantadora, uma saia preta e justa a evidenciar-lhe as belas coxas e o firme bumbum, que davam forma e contorno ao seu corpo impecável. Esbanjava sensualidade! 

Daquela mulher que aparentava ter uns 35 anos, não menos; com frequência, os olhos negros, realçados por uma maquiagem também escura como a noite; mas menos intensa do que suas roupas, corriam por aquele espaço todo enfeitado para o casamento. Perfeito! Ameaçava esboçar um discreto risinho de aprovação, deixando à mostra parte dos seus dentes alvos a contrastar com o negro do batom que tratava de dar mais realce a seus lábios grossos. Era realmente linda e, aquela invejável postura atestava que a bela morena sabia muito bem do seu potencial. 

O corredor da igreja, que fora todo enfeitado com flores coloridas para receber os donos da cerimônia, certamente, também esperava ansioso por aquele momento que, sem dúvida, seria inesquecível para toda a comunidade do pequeno povoado. 

Com o passar do tempo, os ventiladores pareciam girar cada vez mais apressados para deixar aquele ambiente o mais arejado possível e, ao mesmo tempo, tratar de espalhar os diversos aromas de perfumes por todos os cantos da igreja. 

Tudo fora corretamente organizado! Pensaram em todos os detalhes! 

Com a aproximação do horário de início da celebração, muitos olhavam constantemente para o relógio impacientes com a demora dos noivos. 

Outros se levantavam e saíam da igreja, a causar alvoroço, esperançosos de avistar chegar as personalidades mais importantes do evento

Por outro lado, aqueles que permaneciam na praça, quando ouviam o bater de portas de carro se viravam automaticamente para ver se era o noivo ou a noiva que estariam chegando. Não era todo dia que acontecia um evento daquela natureza num povoado tão pequeno. Por isso estavam eufóricos. Atentos, não queriam deixar escapar sequer um movimento. 

Há aproximadamente três meses, na Vila são domingos não se falava em outra coisa. Afinal, o noivo era uma das pessoas mais influentes na região. Filho de um distinto fazendeiro por quem as moças não disfarçavam olhares interesseiros. Um bom partido, além de ser um cara bonito, diziam. Era alto, moreno e usava costeletas largas. Vaidoso, orgulhava-se de sua abundante cabeleira negra e ondulada que caia sobre os ombros. Sempre se encontrava rodeado de amigos que esperavam sair ganhando com sua companhia. 

Durante o tempo que permanecera na vila, chegara a paquerar algumas das moças da cidade, mas costumava afirmar àquelas que queriam namorar sério que na Vila São Domingos não havia moça que serviria para se casar com ele. Só umas pobres coitadas. Até que num dia se surpreendera a admirar uma garota que saía da escola. Era Charlotte, filha do senhor Orlando, um pequeno comerciante da cidade. Ficara encantado com sua beleza e, a partir daquele momento, não pensara mais em outra coisa: conquistá-la. Ela teria que ser sua e seria! 

O tempo ia passando velozmente. O padre, de pé próximo à porta da igreja, observava a bela multidão. Havia várias pessoas que há muito não apareciam para participar das celebrações. Iria caprichar no sermão. Aquelas ovelhas deveriam voltar para o rebanho. Precisava resgatá-las. Estava aflito com a demora dos noivos. Já havia tocado o sino duas vezes e nem mesmo o noivo havia chegado.

 Conversara bastante com a comunidade, para acalmar os presentes, mas encontrava-se preocupado. Charlotte era uma boa moça. Iria se casar e ele sabia que não era por amor, mas por exigência dos pais. Não amava Marcos Paulo. Ele ficara sabendo através da boca da própria garota. Tentara convencer os pais de que deveriam voltar atrás naquela decisão, mas fora em vão. Eram muito ambiciosos para mudar de ideia. Pensara em aconselhar a moça a enfrentar os pais, mas temia o pior. Por fim chegara o dia do casamento, os noivos não apareciam e já passara do horário. O relógio marcava 18h40m. A celebração não aconteceria no horário combinado. Por que será que estão demorando tanto? Será que é para ser considerado um casamento chique? As pessoas costumam dizer isso, mas na verdade, é uma atitude desrespeitosa. Donde já se viu? Fazer os outros de bobos! Chique é obedecer ao horário estabelecido! 

Olhou o relógio e, aflito com a demora dos noivos, saiu caminhando em direção ao fundo da igreja para tocar o último sino. 

Ao ressoar daquelas tristes badaladas, algumas das pessoas que ainda se encontravam na praça, levaram um susto. Impulsivamente, levantaram-se e começaram a caminhar para dentro, justamente no momento em que, ouviram uma exclamação que os fizeram olhar para a rua: 

− O noivo chegou! 

− Vamos, gente, vão se acomodando dentro da igreja! A qualquer momento a noiva também estará chegando! – Aliviado, ordenou o padre. Rapidamente todos os bancos da igreja foram enchendo de gente ao som dos cochichos de algumas pessoas curiosas que corriam os olhos ao arredor. 

De olhos fixos em Marcos Paulo o padre não se moveu. Algo estranho estava acontecendo. Além de não estar usando paletó e não haver gravata alguma, sua camisa branca se encontrava desabotoada. Não vinha acompanhado dos pais e nem padrinhos. Seus cabelos estavam despenteados. Havia algo errado, tinha certeza. 

Ainda se encontrava a uns dez metros da igreja quando o rapaz parou e gritou: − Não vai haver droga de casamento nenhum, padre! Acho que o senhor me deve explicação, mas depois. Agora tenho pressa! 

Virou as costas e saiu rapidamente. Chegou até a tropeçar na calçada e desapareceu numa esquina logo à frente. 

O Padre Carlos ficou intrigado sem saber o que estava acontecendo e alguns dos que ouviram a conversa se aproximaram para saber: 

− O que ele quis dizer padre? Por que o senhor lhe deve explicações? - Quis saber um dos curiosos que se aproximavam. 

− Também gostaria de saber!  - Respondeu secamente ao mesmo tempo que, com expressão preocupada, percorria os olhos pela comunidade.

Alguns minutos mais tarde, Maria, a dona do salão de beleza, chegou assustada: 

− A noiva desapareceu. Tive que ir à toalete e quando voltei, ela não estava mais lá. Perguntei para alguns clientes que estavam assentados, num banco, localizado em frente do salão, e eles me disseram que um homem, com cara de poucos amigos e a usar um traje todo preto, chegara numa moto amarela, entrara no salão e saíra de mãos dadas com a moça. Os dois montaram na moto e fugiram apressadamente. Agora o que eu faço, padre? Eu não tenho culpa de nada! 

− Fique calma! Todos nós sabemos disso! – Disse o padre, tentando acalmar a dona do salão.

Depois de ouvir as novidades, o líder religioso se dirigiu ao altar e informou aos fiéis o que estava acontecendo: 

− Meus irmãos, ao que parece não vai mais ter casamento! Por enquanto, podem voltar para suas casas! 

 Naquele momento, a multidão inconformada com o incidente, começou um alvoroço ao sair da igreja. Iam abandonando pouco a pouco aquele espaço sagrado a pronunciar centenas de interjeições. 

O zum, zum, zum daquela comunidade, decepcionada, lembrava uma colmeia agitada ao se sentir ameaçada. Não haveria mais festa. Nada de churrasco e outras guloseimas! Nada de danças! Haviam se preparado para o evento do ano e, de um momento para outro, tudo acabara em nada! Só lhes restava voltar para casa e aceitar o intrigante incidente! 

Depois que o silêncio voltou a reinar naquele espaço sagrado, o padre fechou portas e janelas da casa de Deus e foi trocar de roupas. A seguir, pensativo, dirigiu-se à casa dos pais de Charlotte. Precisava entender o que estava acontecendo de fato. Por que Marcos Paulo dissera que lhe devia explicações? O que fizera de errado para influenciar no que havia acontecido? Teria sidoseus conselhos à Charlotte? Precisava saber o que estava se passando o mais rápido possível. Só podia ser Carter que, ao saber da notícia do casamento da sua amada teria vindo raptá-la. Quem lhe teria escrito para dar a notícia? Amigos não lhe faltavam para isso. Movidos pelos pensamentos continuou sua caminhada até chegar. 

Mal se aproximou da casa, foi interpelado pela mãe de Charlotte, Dona Ester, que transtornada, abraçou-o implorando por socorro: 

− Seu padre – Pronunciou com dificuldade - o Senhor tem que fazer alguma coisa! Minha filha fugiu com um estranho para não se casar. Disse muitas vezes para o Orlando não a pressionar daquele jeito! Oh meu Deus! - Jogou-se ainda mais nos braços do padre na esperança de receber do homem de Deus o consolo necessário para encarar a triste realidade. - Ela não queria se casar padre! Agora o que eu vou fazer? 

− Calma, minha filha! – Deslizou a mão direita sobre os cabelos da senhora tentando diminuir-lhe a aflição. 

− Como posso ter calma, seu padre! – Retrucou-lhe alterando a voz enquanto se desvencilhava do abraço amigo.

 – Vê se pode, seu padre, o maluco do Marcos Paulo reuniu um grupo de capangas da fazenda e saiu em perseguição, gritando que os dois iam pagar caro pela humilhação!

Estou com muito medo de que aconteça o pior! 

− Ele precisa ser parado! Alguém avisou o delegado? – Interrogou-a o padre enquanto levantava a cabeça, na esperança de ouvir a resposta de algum dos presentes. 

Ouvindo passos vindo da cozinha, virou-se e viu surgir a esbravejar e a segurar um revólver cheio de ferrugem nas mãos, o Senhor Orlando: 

− Sim padre! Eu mesmo tratei de fazer isso. Acho que estão para chegar. Vamos tentar impedir que aconteça alguma desgraça! Minha filha merece uma lição, mas não permitirei que ninguém além de mim, ponha as mãos nela! 

Concluiu a frase e saiu apressado ao encontro dos três jipes que se aproximavam fazendo a poeira levantar. 

Ao mesmo tempo, numa estrada poeirenta, Marcos Paulo e seu grupo seguiram determinados até chegarem a uma encruzilhada a uns dez quilômetros da cidade. 

− Devemos escolher um lado, mas qual? Se eles pegaram a via mais movimentada, podem estar a uma boa distância, mas a situação deles é desfavorável, já que nossas motos são muito mais potentes. Algo me diz que seguiram por aquela outra estrada. ─ acenou mostrando a direção. ─ Depois de uns vinte quilômetros, ela se transforma numa difícil trilha e não será possível andar em alta velocidade. Sacanas! – Coçou a cabeça irritado, mas em questão de segundos, se recompôs e falou em voz alta: – Vamos gente! Estou louco para pôr as mãos naqueles dois! Eles vão ter o que merecem! Perderão a vontade de pregar peça em gente de bem! 

Todos responderam com uma espécie de grito de guerra e, em seguida, Bonifácio, um dos empregados mais próximo, tentou animá-lo: − Vamos patrão! Vamos alcançá-los antes do anoitecer! − Acelerou sua moto, deixando atrás de si uma trilha de fumaça e fazendo levantar voo apressados um grupo de aves que se encontravam numa árvore próxima. 

Cada qual pôs sua moto para funcionar e saiu, deixando atrás de si, a cobrir a estrada, uma nuvem de poeira avermelhada às suas costas.

 Com o passar do tempo, Marcos Paulo demonstrava cada vez mais irritado e sonhava com a possibilidade de dar uma boa lição aos dois fugitivos, naqueles dois a quem responsabilizava pela causa da sua desgraça. Não podia admitir a derrota. Ela e o misterioso intrometido pagariam caro pela ousadia!

Misterioso uma ova! Sabia muito bem quem era o intrometido! E, também, uma pobretona! Fazê-lo sofrer tamanha humilhação! Ela iria se arrepender! Ah se iria! O cretino do Carter era apaixonado por aquela desmiolada e ela também gostava daquele imprestável! Sabia disso, mas tinha a convicção de que tinha tudo para fazer com que ela se esquecesse da sua paixonite em pouco tempo. Não seria difícil fazer com que tirasse aquele pobretão da cabeça. O mercadinho do pai mal dava para roupas e comida. Aquele pobre coitado não a merecia! A vida luxuosa que lhe proporcionaria seria mais que suficiente para que o amasse! Mas o rabugento tinha que interferir! Justamente no dia do seu casamento para aumentar ainda mais a sua ferida! Iria pagar com juros! Ah se iria! 

A alguns quilômetros à frente seguia a motoca, levando os fujões. Carter acelerava, sem compaixão, sua companheira fiel. Não era lá muito veloz, mas podia levá-los o mais longe possível daquele povoado, pois não tinha dúvida de que estavam sendo seguidos. Conhecia Marcos Paulo o suficiente para acreditar que não aceitaria passivamente o que julgaria como a uma derrota. Era muito orgulhoso para tal. Com certeza, vinham logo atrás, motivo pelo qual não podiam perder tempo! Se os alcançassem estariam fritos! Não iria ficar barato! 

O receio de ser apanhado por seus perseguidores fez com que Carter acelerasse ainda mais sua tábua de salvação, aumentando o risco de perderem o equilíbrio, pois quanto mais se distanciavam da Vila, mais difícil ficava a locomoção devido ao péssimo estado da estrada de chão areento. A claridade, provocada pelo farol da moto, fazia pouca diferença àquela hora, mas era necessária; pois apesar de a escuridão da noite ainda não ter chegado, seus primeiros sinais já atrapalhavam a visão do caminho. Se continuasse correndo daquele jeito poderiam cair e, para piorar a situação, Charlotte parecia estar cansada. Preocupado com o que poderia acontecer a sua amada, soltou uma das mãos e tocou-lhe o braço. 

− Tudo bem? 

− Não muito, a gente poderia descansar um pouco! Esses solavancos estão deixando meu corpo todo doído! 

Carter reduziu a velocidade e parou a moto. 

− Tem razão! – Olhou para ela com ternura. – Estamos mesmo exaustos e precisamos de descanso. Nossos perseguidores também terão que parar! Não dá para andar no escuro numa estrada como esta. Há muito, passei por aqui com meu pai. Lembro-me de que, não muito longe, existe uma gruta de pedras. Acho que fica logo à frente. Abrigaremos nela até a escuridão da noite ir embora. Lá estaremos protegidos do frio e de algum tipo de animal feroz que por ventura habite nesta região abandonada. 

− Tem certeza de que estão nos seguindo, amor? – Perguntou Charlotte, a olhar para trás, com semblante preocupado – Não podemos deixar que nos peguem e estraguem os nossos planos! 

Carter sentiu o coração bater forte, deu um passo à frente, abraçou sua amada e beijou-a emocionado. 

− Estou certo de que estão em nosso encalço, mas não nos alcançarão! Quero que descanse, pois amanhã teremos um dia duro. Não vai ser mole subir aquela serra! – Apontou com o braço direito em direção à trilha que avançava, cortando uma serra coberta de pastagem natural a alguns quilômetros à frente deles. 

− Vou aguentar firme! Confie em mim! Merecemos ser felizes pelos dias que nos restam! – Pôs a mão direita aberta sobre o peito − Sinto isso a cada batida do meu coração! 

Finalmente chegaram ao esconderijo. A escuridão já os encobria com maior intensidade quando uma ave noturna começou a dar sinal de vida não muito longe do casal. Carter parou a moto, virou-se para Charlotte e beijou-a apaixonadamente. 

− Já era tempo, amorzinho! Vamos descansar! 

− Uuuuuuuuuuuuuuuuuuu! 

Assustada e sem saber do que se tratava, Charlotte se agarrou ao companheiro. 

− Que barulho! Foi de causar calafrios! Será que é de algum tipo de fera, Carter? 

− São lobos e são perigosos! Vou acender uma fogueira na entrada da gruta para nos proteger. 

Ao se afastar da moto, Charlotte levantou os braços e alongou o corpo o máximo que pôde para se refazer da fatigante viagem. Em seguida, saiu caminhando lentamente em direção à gruta, Carter ficou petrificado a admirá-la. Era quase tão alta quanto ele. Continuava a observá-la quando, num toque de magia, seus cabelos se espalharam com a brisa fresca daquele cair de noite e dera a ela um novo e belo visual: parte de sua cabeleira caíra sobre o busto e o restante fora espalhado ao longo das suas costas. 

Naquele momento, a escuridão começava a engolir os últimos sinais do que havia sido um dia muito agitado, mas ainda havia claridade suficiente para poder admirar aquele corpo esguio a desfilar numa passarela desértica. Charlotte estava com um simples short Jeans azul marinho e uma blusa de malha composta por uma estampa cheia de flores medianas e coloridas. Como era linda a sua amada! E pensar que, por pouco, ele não a havia perdido! O que seria dos seus dias sem ela? Doía-lhe imaginar tamanha desgraça. 

 − Venha amor, não podemos perder tempo! Venha descansar! – Ela o convidara enquanto limpava o chão arenoso com uns galhos de ramo. 

− Estou indo, princesa dos meus sonhos! – O chão arenoso não permitia que a moto ficasse de pé razão pela qual encostou sua condução em uma pedra e caminhou ao encontro da dona do seu mundo. 

− Sente-se aqui comigo! Há muito tenho desejado isso! Pena que o momento não é dos melhores! 

Ele sentiu, no tom de sua voz, um ar de desânimo e procurou acalmá-la com um abraço carinhoso. 

− É, mas teremos muitos dias, só nossos! Eu te prometo! – Afirmou-lhe a olhar dentro dos olhos e se calou ao receber um beijo ardente! 

− Será que estou sonhando? – Charlotte perguntou-lhe sorrindo sem deixar de fitá-lo. 

Carter sorriu.

− Pode ser, meu amor. Também me pego a pensar que estou sonhando! Pois foram dias distante sendo torturado por uma saudade que me consumia pouco a pouco. Tenho desejado tanto a sua companhia! Quantas vezes me peguei questionando se valeria a pena me manter longe já que só pensava em ti. Quando soube que se casaria com outro, pensei que iria morrer e talvez morresse mesmo se não pudesse te resgatar. 

− Não falemos mais nisso, meu amor! – Charlotte tocou-lhe os lábios suavemente com a mão trêmula. Depois acariciou-lhe o rosto com ternura enquanto bocejava. 

− Está muito cansada! Trate de dormir um pouco. Eu ficarei de guarda. ─Tocou-lhe de leve na face rosada.

Carter, diga-me só mais uma coisa, pois estou tão curiosa! Como ficou sabendo? 

− Recebi uma carta de Matheu! Por que ia fazer isso comigo, amor? – Seus olhos se encontraram e ela percebeu a expressão sofrida que revelava a intensidade da aflição que seu amado vivera nas últimas horas. 

− Por favor, meu amor, não toque mais neste assunto. Sei que te decepcionei. Eu me deixei levar pelas conversas de meus pais. Diziam que você iria encontrar alguém mais bonita, inteligente e se apaixonaria por lá e que eu iria sofrer uma forte decepção. Era melhor que eu te esquecesse. – Por sentir vergonha de encará-lo, Charlotte se mantinha com os olhos fixos no chão. 

Carinhosamente, Carter aconchegou-a em seu peito enquanto afagava-lhe carinhosamente os cabelos. − Não vamos pensar mais nisso, tá! Já passou!

Ela o abraçou calorosamente, os dois ficaram em silêncio por algum tempo e Carter começou a reviver um dos piores momentos da sua vida: 

Como nos outros dias da semana, trabalhara duro, mas daquela vez, estava prestes a lhe acontecer algo que iria chocá-lo como nunca experimentara antes: Assim que chegara à casa do tio, fora ao quarto, mas mal entrara e fechara a porta atrás de si, ouvira bater: 

−Carter, novidades para você! Estou com um envelope nas mãos. É da Vila São Domingos! Acho que se trata de um amigo. Matheu é o nome que consta no envelope. 

De súbito, o rapaz levantou, abriu a porta rapidamente e se deparou com seu tio a segurar um envelope na mão. 

− De fato, é de um amigo! – Fixou os olhos no envelope como se pudesse enxergar o que havia dentro. − O que será que contém? – Como se fizesse a pergunta para si mesmo Carter, sem camisa, ficara parado por alguns segundos antes de convidar o tio a entrar: 

− Entra tio! 

Depois de entrar no quarto, o Senhor Otávio entregou-lhe o envelope. 

− Quer ficar só para ler sua correspondência, filho? 

− Não, tio, pode ficar. Sei que o senhor também está tão curioso quanto eu. 

Ansioso, Carter rasgou o papel que o impedia de se inteirar do assunto daquela correspondência e mergulhou no texto daquela intrigante carta. 

Prezado amigo!  

Apesar de saber que ao mudar para Porto dos sonhos você estaria indo em busca de melhores dias para o seu futuro, admito que não concordei com sua decisão. Sempre fora um ótimo amigo e a ideia de não te ver por perto para me ajudar nos momentos de indecisão ou de alguma enrascada amorosa não me agradava nem um pouco. Fora-me um ótimo conselheiro. Mas o problema não se resumia ao meu egoísmo. Sentia, e com razão, que não seria boa ideia ficar longe de sua amada por tanto tempo. Um amor tão bonito teria que ser vivido, o máximo possível, um se usufruindo da companhia do outro.  

Caro amigo, o motivo da minha carta é te informar, com imenso pesar, que deve ir para a vila o mais rápido possível se ainda conserva o mesmo sentimento por Charlotte. Mesmo lá não me encontrando, obtive informações de que ela está de casamento marcado com Marcos Paulo. Sei que tem algo errado, pois aquela mulher te ama loucamente. Acredito que se viajar, com urgência, ainda poderá evitar essa tragédia, meu amigo. Penso que os pais dela se deixaram influenciar pela riqueza do noivo e a estão forçando a aceitar aquele homem por causa dos bens da família dele.  

Nada mais a tratar, meu amigo! Sabe que torço por você. Vá à vila São Domingos e roube o amor de sua vida. Se precisar, estou disposto a retribuir pelo que tem feito por mim.  

Fique na paz! Não perca tempo e Charlotte será sua. Abraços! Matheu  

Terminada a leitura. Depois de um breve silêncio entre ambos, Seu Otávio retomou a conversa ao mesmo tempo em que deixou cair suavemente suas mãos macias sobre a cabeça do sobrinho para tentar acalmá-lo: 

− E então filho! O que está pensando? É certo que gosta muito dessa moça! 

− Verdade, tio. Não sei o que seria de mim sem ela. – Encarou o tio com olhar abatido e continuou− Tio, percebi que o senhor tem uma moto antiga. Ela ainda funciona? 

Temos que fazer um teste para verificar. Sabe filho, por ser antiga, ela não é tão veloz como as motos atuais. Não me diga que pretende raptar a moça com uma moto dessas! 

− Isso mesmo, tio! Se me emprestá-la, parto amanhã de madrugada.

─ Comentou sem coragem de encarar o tio, pois esperava ouvir um sermão. 

− É filho, você se parece comigo! A moto é sua, nem vou tentar convencê-lo de que não é uma boa ideia, pois posso sentir que seria perda de tempo. 

          − Isso mesmo, eu não posso perder aquela mulher! 

O piado de uma ave noturna devolveu Carter à realidade. Assustado, voltou seu olhar em direção à Charlotte e constatou que sua amada caíra num sono profundo. Deveria mesmo descansar, pois logo teriam que retomar viagem. Passou algum tempo a observá-la até voltar aos devaneios por momentos marcantes de sua existência, como num filme, a rodar cenas das aventuras do dia que acabara de viver junto com sua amada.

Ao encontrar com Alana, assim que chegara à Vila, receoso, perguntara a ela se já havia acontecido o casamento. 

− Que bom te ver Carter! Pena que não é um momento ideal para você! Vocês pareciam um casal perfeito! 

− Por favor, Alana Fale-me logo: Cheguei tarde? ─ Apreensivo, quis saber o pobre rapaz.

— Não. Creio que não! Talvez ainda haja tempo para evitar esta tragédia! 

− É essa a minha intenção. Não posso perdê-la! Você tem alguma ideia? Pode me ajudar de alguma forma? – Carter encarou-a com uma expressão de súplica. 

Disposta a ajudar o velho amigo, Alana se virou e estendeu o braço para indicar-lhe a direção a ser tomada. 

− Se não me engano, Charlotte está no salão da Mari. Não é do seu tempo, mas fica no lado direito da terceira esquina. É só seguir reto. Não tem como errar. O nome do salão é Novo visual. 

− Obrigado! – Acelerou a moto e seguiu conforme as indicações da amiga. 

Assim que chegou notou que havia algumas pessoas assentadas num banco do outro lado da rua, mas não lhes deu atenção. Precisava agir rápido. Entrou no salão e ficou encantado. Charlotte estava linda, muito mais linda do que antes. Seus cabelos loiros jogados sobre as costas desciam até a cintura. Trazia no rosto uma maquiagem suave, mas muito bem trabalhada. Quem a havia maquiado conhecia bem do ofício. 

Não. Ela jamais poderia ser de outro. Eles se amavam e ela era dele. Aproximou-se devagar para não chamar atenção e quando estava bem as suas costas pronunciou carinhosamente: 

          − Charlotte, meu amor! 

Ela se virou instantaneamente: 

          − Carter! 

Ele lhe cobriu a boca com a mão e, quase num sussurro, recomendou: 

          − Rápido, venha comigo! Vamos cair fora já! 

Ainda surpresa com a súbita aparição, Charlotte não vacilou. Levantou-se com extrema rapidez, segurou a mão do homem que ela amava e os dois se mandaram com extrema rapidez.

Segundos mais tarde, partiam sobre a moto velha do tio de Carter a exigir da pobre coitada tudo que ela podia aguentar para os dois se afastarem rapidamente para o mais longe possível daquele lugar. 

Carter sabia que cada minuto poderia significar muito para seus planos. A correria valeria a pena! 

De fato, não tinha sido um dia fácil! Quanta aflição sentira até constatar que não era tarde demais. Novamente olhou para a amada

 Charlotte dormia profundamente ao seu lado. Ninguém iria tirá-la de suas mãos. Ela pertencia a si! Desde o dia que a vira pela primeira vez, sentia o coração bater aceleradamente. Seu coração a escolhera. 

A comitiva do delegado de Vila São Domingos seguia apressadamente no encalço de Marcos Paulo e seu grupo. Precisavam alcançá-los o mais rápido possível se quisessem impedir uma desgraça. À frente ia o jipe que conduzia o delegado Bryan, seu ajudante, o padre Carlos e seu Orlando. Nos outros dois jipes seguiam os homens que se dispuseram a participar da perseguição. Todos tinham como objetivo evitar derramamento de sangue. A cidade não estava habituada com situação semelhante. Era um lugar tranquilo onde a harmonia predominava e assim deveria continuar. 

− E agora? – O delegado freou bruscamente o seu automóvel ao se deparar com a encruzilhada. 

 Com certeza, Carter deve ter tomado a estrada menos movimentada à esquerda. Quando atingir a serra, suas chances de escapar serão maiores. Ele sabe que está sendo seguido e pela direita, seria muito mais difícil conseguir se safar de uma possível perseguição. – Comentou Jacob, o braço direito do delegado. 

− Tem razão, amigo! Vamos depressa! 

Novamente, os jipes saíram deixando uma nuvem de poeira para trás e o padre Carlos segurou firme para não ser arremessado fora do jipe que sacolejava sem parar devido ao péssimo estado da estrada. 

− Delegado, sei que precisamos ir rápido, mas do jeito que está ficando esta estrada, vamos ficar com os ossos moídos! – Reclamou o padre. 

− Tem razão, padre! De nada vai adiantar a gente se matar! A estrada está mesmo péssima! – Concordou o representante da lei enquanto ia reduzindo pouco a pouco a velocidade do veículo. 

Ao mesmo tempo em que a comitiva da justiça seguia cautelosamente, bem mais à frente, Carter se mantinha acordado. Não podia se dar ao luxo de descansar. Seus perseguidores poderiam estar por perto e ele não iria facilitar. Olhou no relógio. Ainda marcava 21 horas. Eles não teriam prosseguido no escuro. A estrada não oferecia condições para tal desafio. Voltou seu olhar para Charlotte que parecia estar num sono profundo. Nada de mal iria lhes acontecer! 

Depois de algum tempo a contemplá-la, o cansaço roubou-lhe a resistência. Começou a cochilar, mas mal fechou os olhos, um ruído o faz despertar assustado. Levantou-se, cautelosamente, pegou um pedaço de pau e saiu ao encontro do barulho. Afastou apenas alguns metros e o coração quase que lhe saiu pela boca quando se deparou com um enorme lobo solitário que se afastava lentamente a ameaçar-lhe com suas presas afiadas à mostra. Ainda bem que ele não tivera coragem de lhe enfrentar! Era enorme! Não seria fácil abatê-lo apenas usando um pedaço de pau! Bom para ele ficar mais alerta! Poderia ter sido uma surpresa muito mais desagradável. 

Voltou a se sentar ao lado da sua amada e não demorou muito para embarcar novamente no trem das lembranças, no qual até mesmo momentos não tão recentes, conservavam-se nítidos em sua memória. 

 Era noite, depois de um longo dia de trabalho, Carter estava exausto. Desde que chegara à bela Porto dos Sonhos. Durante os três meses em que lá se fixara, não se permitira sossego. De segunda a sábado, trabalhara num supermercado localizado próximo de onde estivera alojado. À noite, dedicara aos estudos. Precisava ser alguém se continuasse com o propósito de pedir a mão de Charlotte. Aquela era a condição imposta pelos pais dela e ele não tinha a intenção de contrariá-los. Afinal, sua amada merecia uma vida de conforto e, no momento, ele não estava em condição de oferecer. Trabalharia duro, economizaria e se formaria em medicina. Foi com tal determinação que se mudara para a famosa cidade. 

Porto dos Sonhos fora construída no alto de um planalto. Ao longe podia ser avistada mesmo durante o dia, pois os prédios concentrados no centro eram consideravelmente altos. Não ficava perto da Vila São Domingos. Quando Carter deixara para trás o seu amado pedaço de chão, chegara a ficar exausto com a viagem. Foram 8 horas dentro de um ônibus, que não passava dos sessenta, a subir e descer serras. Chegara à metrópole quando o sol começava a despontar no horizonte. Ficara encantado com as casas, ruas, praças que esbanjavam cores; nunca vira algo igual. Tudo fora muito bem planejado. Não havia muitos carros naquela hora, pois o movimento apenas estava começando. Com passos largos e de olhar fixo à frente, seguia caminhando algumas pessoas que, certamente, se dirigiam ao trabalho. 

Era segunda-feira. Por fim, depois de cruzar várias ruas e ziguezaguear por um bom tempo, a condução encostou na rodoviária. 

Chegara finalmente! Sentia-se cansado como se estivesse viajando há dias! Descera e saíra caminhando na direção de um banco para se assentar um pouco enquanto ficaria a esperar por seu tio Otávio. 

Aquela rodoviária, além de ser um local muito aconchegante, aparentava perfeição; detalhe a detalhe. Pensaram em tudo mesmo! De frente para a avenida havia vários bancos como o que ele escolhera para se sentar. À sua frente, antes da calçada, havia os canteiros cobertos de grama bem cuidados e de diversas espécies de roseiras coloridas e organizadas em blocos de acordo com suas cores. Ficara bem em frente ao canteiro de rosas vermelhas, povoadas por uma multidão de borboletas coloridas, que circulavam no meio das flores. Uma visão espetacular!

Iria se hospedar na casa do tio até conseguir localizar um lugar para se estabelecer. Detestava a ideia de se tornar um incômodo para alguém e isso incluía o seu tio. O que ele estava fazendo já era mais que suficiente. Nunca esperara que algum dia alguém se ofereceria para ajudar a pagar as mensalidades da universidade. Tinha que fazer por merecer. Iria ficar devendo esse favor para o tio e seu pai, mas ele os pagariam, com certeza os pagariam! Não mediam esforços para ajudá-lo a vencer na vida. Ele jamais se esqueceria de tamanho favor. 

Ficou a esperar pelo tio por quase uma hora naquele belo ambiente composto de misturas agradáveis de perfumes, conversas, músicas, anúncios e outros acontecimentos. Durante o momento de espera, alguns vendedores ambulantes o interpelara. Se tivesse dinheiro suficiente até teria comprado um relógio de pulso de uma morena de cabelos longos que esbanjava simpatia, mas deveria economizar o pouco que trazia consigo. Por fim um Jeep encostou e seu tio desceu a exibir seus dentes alvos com um sorriso de satisfação ao ver o sobrinho a esperá-lo. 

− Bom dia, meu rapaz! Chegou cedo! 

− É tio, foi uma longa viagem! Pensei que não chegaria mais!  

− É porque você não está acostumado. Com o tempo, vai ver que não é tão longe assim. ─ Disse enquanto o examinava de cima a baixo. ─Vamos! Depois que tomar um banho quente se sentirá melhor. 

Eles se abraçaram carinhosamente e se dirigiram ao veículo que os esperava a uns dez metros. 

Sentindo-se tentado pela ideia do banho, apressou-se para colocar a mala no carro e se acomodar na poltrona não muito macia daquele potente automóvel. Otávio deu partida e, em resposta ao pé do motorista que empurrava o acelerador, o carro arrancou afoito tomando o caminho de volta, enquanto Carter era assaltado pelos pensamentos: Como iria ser a vida naquele lugar sem sua amada? Acostumara a vê-la quase todos os dias e estava preocupado com os próximos dias sem ela. Aguentaria? Teria que suportar por uns tempos. Depois tudo iria ser como sonhara para ambos. 

Tais pensamentos provocavam-lhe mal-estar. Chegava até a sentir um forte aperto no peito quando seu tio tratou de fazer com que ele interrompesse aqueles pensamentos tortuosos. 

 − Veja Carter, onde irá trabalhar! – Ansioso para ver a reação do sobrinho, seu Otávio apontou com o dedo. 

− Nossa, tio! Aquele supermercado é enorme! Será que vou conseguir me dar bem lá? 

Empolgado e, ao mesmo tempo ansioso com o que estava a sua espera, continuou a olhar para aquele enorme casarão. Parecia antigo. Não se trata de um prédio bonito, mas com certeza era um dos melhores supermercados da cidade a julgar pelo movimento de clientes que começava a entrar e a sair por aquelas portas largas já nas primeiras horas do dia. 

Pouco tempo depois o carro saiu da avenida e entrou numa ruazinha estreita. Seu tio reduziu a velocidade e apontou o dedo, mostrando logo à frente: 

− Veja meu filho, chegamos! Nossa casa é aquela! – Indicou-lhe a direção mostrando uma casa azul a uns cem metros à direita. 

Era linda: Uma das melhores daquele espaço da cidade. Na certa, seu tio era uma pessoa bem resolvida financeiramente. 

− Puxa tio, o senhor deve ter um bom emprego para morar numa casa como esta! – Disse Carter ao ingressarem portão adentro. 

− Sim, meu filho. Tive. Hoje sou aposentado, recebo um bom salário e não tenho do que me queixar. 

− Qual era o trabalho que o senhor executava tio? 

− Arquitetura. Fui funcionário do Rei Dom Duarte por muitos anos.─ Disse sorrindo a se divertir com a admiração do sobrinho.

− Então está explicado porque tem uma das casas mais belas do bairro. 

− Fui eu que a planejou. Detalhe por detalhe. Foi construída utilizando materiais e mão de obra de primeira qualidade. ─ O tio demonstrava satisfação enquanto ia apresentando detalhes da sua bela residência.  

Por fim, depois de parar o carro, os dois desceram, abriram a porta da casa e entraram enquanto o tio seguia entusiasmado a apresentar a sua criação. Detalhe por detalhe do interior de cada peça contida naquele casarão. 

De fato, ele tinha mesmo do que se orgulhar. Com dois andares bem dividido possuía no térreo uma bela varanda, uma copa-cozinha muito bem planejada com área de serviço. Para acesso ao segundo piso existia uma escada ampla. Na parte superior há sala de tevê, três quartos suítes, todos com sacadas. Seus móveis também eram perfeitos para a mansão.

Mesas de mármores e sofás confortáveis entre outros. 

─Nossa, tio! É enorme! Por que fez uma casa tão grande? – Girou o corpo tentando acompanhar com os olhos cada canto da sala.

─Tenho uma família numerosa. Duas filhas e três rapazes. Hoje já estão todos casados. Tenho dez netos. Quando reúnem todos, aqui vira uma festa. Eu me divirto ao ouvir os risos, gritos da criançada a correr pela casa e, no momento em que todos se reúnem em volta da mesa, a minha alegria está completa, eu me encho de orgulho! Gosto de ser avô! 

─Que bom tio, gostaria de ter te conhecido há mais tempo! – Comenta com pesar! 

─Não lamente, meu sobrinho! O momento certo é agora! Vamos aproveitar as oportunidades que Deus está nos concedendo. – Tocou-lhe as costas carinhosamente. 

Depois de conduzi-lo ao quarto, seu Otávio recomendou-lhe descanso para se refizer da longa viagem. Voltou para cozinha pensativo: Sua esposa teria gostado de conhecer aquele rapaz. Tratava-se de um belo rapaz. Sentia muita falta da sua companheira que há dois anos o deixara para ir morar com Deus. No entanto, a vinda do sobrinho poderia lhe se providencial.

Ao mesmo tempo, a porta do quarto, onde estava, Carter se fechara e a solidão, como a um veículo veloz, tratara de conduzir aquele rapaz para além das quatro paredes, transportando-o a outros momentos inesquecíveis de sua vida: 

Deixara sua cidade com o intuito de lutar pelos seus sonhos. Queria vencer na vida e, para isso, teria de se formar em medicina. Seria um bom médico, salvaria vidas e seria bem recompensado pelo seu trabalho. 

Quando o tio Otávio ligara para lhe dar a notícia de que havia lhe arrumado um emprego, ficara com receio de ir, mas sabia que era a chance esperada. Não tinha como recusar. Deveria deixar para trás a paixão da sua vida, o tempo passaria rapidamente. Assim esperava. Formar-se-ia em medicina e se casaria com Charlotte. Seriam felizes! Era isso! Assim aconteceria! 

Decidido, arrumara suas malas e, com o coração batendo forte, fora se despedir daquela que era a razão dos seus largos sorrisos. 

Quando a encontrara, estava à sua espera, assentada no banco da praça da matriz, que testemunhara muitos dos seus momentos apaixonados, ocasiões de tantas trocas de carícias. Estava linda! Usava uma blusa vermelha e uma saia Jeans azul-marinho. Seus cabelos soltos, jogados para frente, cobriam-lhe o busto do lado direito. Desciam em forma de cachoeira, devido aos longos cachos louros brilhantes que se moviam com a fraca brisa daquela tarde cruel. Também estava triste; não havia em seu rosto, nem sinal daqueles sorrisos de outros encontros. Seu olhar suplicava-lhe por desistência daquela maldita viagem, mas ela não pediria a ele para mudar de ideia. Afinal, era a atitude certa para o momento. Deveriam suportar o sacrifício. Desde que lhe comunicara a decisão, ela se transformara. Não era mais nem sombra daquela garota sorridente que esbanjava felicidade. Ele também mudara. Sentia-se incomodado por um aperto constante em seu peito. Não conseguia imaginar-se longe daquela que, com tanta ternura, dera um novo sentido a sua vida. Como poderia suportar dias e mais dias sem sentir os seus abraços, sem lhe saborear os beijos? 

Charlotte o acompanhara se aproximar com um olhar de consternação. Fixara nele e, a partir daquele momento, tudo se resumira ao que se sentia. Podia até pressupor sobre o que pensava naquele momento: Nada mais tinha importância alguma. Carter iria deixá-la e ela não faria nada para tentar mudar a situação. Confiava naquele homem. Tudo ficaria bem um dia. Um amor tão perfeito tinha que acabar bem!

Ele, Carter, caminhava devagar. Era nítida a tensão, que parecia aumentar à medida que ia se aproximando do banco onde estava sua amada. No entanto, seu olhar apaixonado não enganava. Demonstrava que aproveitaria ao máximo aquele último momento, antes da partida, junto de Charlotte. Não perderia um segundo sequer! Ah se pudesse voltar atrás em sua decisão! Inconformado com a situação, continuara trocando passos em direção da amada e não percebera uma pedra que lhe obstruíra a passagem. Tropeçara e caíra. Envolvido em seus pensamentos, se esquecera de olhar por onde pisara, mas em seguida, se vira ajudado ao tentar se levantar por aquelas mãos que tantas vezes ele acariciara. 

− Meu amado, é assim que deve acontecer conosco! Quando um de nós tropeçar, que o outro estenda as mãos para ajudar a se pôr de pé novamente! 

Carter olhou ternamente para sua querida, juntou-a em seus braços até ficarem bem unidos e sentirem a respiração um do outro. Olhara bem dentro dos olhos e pronunciara emocionado: 

          − Isso mesmo, meu amor! Nunca vou te deixar! 

          − Como eu te amo! Jamais irei te contrariar, meu amor! – Disse Charlotte ao abraçá-lo fortemente. 

Em resposta, ao sentir o coração da sua amada batucar acelerado junto ao dele, beijou-a apaixonadamente e, como mágica, passou a existir naquele espaço da praça, apenas uma pessoa. 

Depois de algum tempo em silêncio, ela o fitou dentro dos olhos e perguntou-lhe: 

          − Você tem mesmo que ir? 

− Sim, eu preciso, nós precisamos. Só assim prepararemos um futuro digno para nós. Vai passar logo, meu amor! 

− Que nada! Eu me acostumei tanto com você ao meu lado! Vou sentir tanto sua falta! Como vou suportar esta cidade sem você? 

— Eu também vou sentir, pode apostar! Passo todo o tempo a pensar e sinto um aperto no coração.

Novamente o silêncio voltou a reinar e, novamente, os namorados mergulharam naquela gostosa sensação de estarem em sintonia um ao outro. Nada mais do que dissessem teria poder para transportá-los além do que sentiam. 

Durante algum tempo aquele silêncio perturbador reinara entre os dois, mas quando Carter olhara os ponteiros do relógio, ambos retornaram à triste realidade: 

− Minha doce amada! ─ Disse tentando se afastar. ─ devo ir agora ou então perco a condução! 

− Sabe que eu preferiria que não fosse? – Reagiu Charlotte com um olhar pesaroso. 

Mesmo se sentindo horrível com a situação, o rapaz tentou ser forte.

          − Vai ficar tudo bem, minha amada! Logo estaremos juntos e para sempre! 

Novamente os dois se beijaram apaixonadamente e ele a deixara petrificada, naquela praça, a contemplá-lo se afastando pouco a pouco. 

Ele tinha mesmo que ir, não poderia perder nem mais um segundo. Até mesmo o tempo estivera contra eles! Passara tão rapidamente que nem vira! Em seu íntimo, pressentia que Charlotte experimentava naquele momento uma sensação terrível, quase insuportável. Talvez como se o coração se partisse. Com ele também acontecia a mesma coisa. Certamente, não estava sendo nada fácil para ela. Ver aquele a quem amava mais que a si - assim ele sentia - indo embora daquele jeito, mas não havia escolha! Deveria conservar a esperança, pois ele mesmo dissera que tudo ficaria bem e ela acreditara. Não tinha porque duvidar, ele a amava e isso era o bastante.  

Carter não sabia, mas mesmo depois de sua partida, Charlotte ainda permanecera na praça. Tinha vontade de chorar, mas havia um nó em sua garganta. 

Depois que vira seu amado desaparecer na esquina, não havia mais ânimo para seguir em frente. Não seria fácil conviver com sua ausência, mas o guardaria em suas lembranças. Ele sabia disso. Partilharam inúmeros momentos maravilhosos desde o dia em que se aproximaram um do outro pela primeira vez. 

Por outro lado, a mente de Carter não sossegava. Insistia em revolver episódios vividos com a amada. Quanto mais mergulhava naquelas lembranças, mais iam surgindo momentos que marcavam sua memória saudosa.

                           O piquenique

Era aproximadamente umas nove horas de um belo domingo de céu claro, ainda fazia pouco tempo que Charlotte se levantara da cama quando ele, Carter, viera ao seu encontro. Usava uma camisa azul-marinho e uma bermuda jeans desbotada. Não penteara os cabelos para que os belos cachos castanho-escuros dos quais ele se orgulhava não fossem desfeitos. Parou sua moto bem próximo da casa de Charlotte e bateu palmas na expectativa de que sua amada aparecesse. Segundos mais tarde, seus olhos brilharam ao ver surgir a porta aquela por quem alimentava suas mais puras esperanças. Ao se aproximar, a moça estendeu-lhe a mão direita ao mesmo tempo que esboçava um belo sorriso: 

          ─ Bom dia, meu homem! Fico feliz que tenha vindo me ver! 

─ Bom dia, minha princesa! ─ Ele apertara-lhe a mão enquanto sorria a exibir seus dentes alvos!  ─ Que bom que você está animada, pois tenho um plano para nós! ─ Sorria ─ Precisamos de um tempo só nosso! Vamos fazer um piquenique.

O que você acha da ideia? 

Estava feliz a olhar para ela, enquanto aguardava a resposta. 

─ A ideia é excelente, mas não sei se meus pais vão concordar. Tenho que consultá-los! ─ Disse voltando sua atenção para a sala onde seus pais os observam curiosos.

─ Tudo bem! Eu espero! ─ Encontravam-se à frente da casa de Charlotte e, como a porta estava escancarada, de onde estavam, podiam avistar os pais sentados ao redor de uma mesa, a tomar o precioso café matinal. 

Depois de um breve silêncio, Charlotte virou as costas e se dirigiu à cozinha para consultar os pais.

Ele, de onde estava, permanecia imóvel a contemplar a mulher que passara a ser o centro de sua existência. Como era encantadora! Agradava-lhe a visão sob qualquer ângulo. De costas caminhava com postura invejável. Era a sua modelo a desfilar só para ele. 

 Quanta sorte para uma pessoa só! Claro! Não podia ser diferente! Tinha mesmo que ser só para ele! ─ Pensara. 

Olhou para o céu. Como Deus era grandioso! Mal começara a sua ação de graças, fora interrompido pelo entusiasmo de Charlotte a retornar para lhe comunicar o consentimento dos pais. Permitiriam, mas com a condição de que seriam cuidadosos. 

Em seguida, pedira a ele, Carter, para aguardar um momento. Ia trocar de roupas.

 Como teria que esperar Charlotte se aprontar, descera da moto e fora cumprimentar os pais dela.  Como era descuidado! Com o seu encantamento por Charlotte, esquecera de cumprimentar os pais do amor de sua vida! Teriam eles reparado e entendido como descaso?

Eles, os pais da moça, ao saber que o destino era o Rio Corrente, ao qual conheciam bem, recomendaram: 

─ Tenham cuidado, viu! Esses rios são perigosos! Há feras que se escondem nesses lugares!

         ─ Fiquem tranquilos! Prometo cuidar bem da filha de vocês!

         ─ Estão falando de mim aí? Eu estou ouvindo, hein! ─ Charlote interferiu lá do quarto de onde se preparava para o passeio. 

─ Seus pais, estão preocupados com a nossa aventura, mas disse que cuidarei de você! 

          ─ Ah, sim! Estou pronta! 

Minutos depois, vira surgir sua deusa, sorridente, vestida com uma calça Jeans um pouco desbotada e uma camisa verde de mangas longas. 

Ao voltar a atenção para sua amada, Carter notara que ela havia prendido seus longos cabelos em rabo-de-cavalo. − Gostava de vê-la daquele jeito. – Com um olhar a destacar evidente paixão, ficara a observar a razão de sua existência a se aproximar dos pais e beijá-los carinhosamente antes de sair. 

─ Não me disse para onde vamos, amor! ─ Comentou Charlotte enquanto a moto seguia sacudindo-os estrada à fora. 

─ Conheço um lugar muito bonito às margens do Rio corrente. Fica a uns vinte minutos. Você vai gostar! ─ Soltara uma das mãos do guidão da motocicleta e pressionara-a carinhosamente contra a mão direita de sua amada. ─ Trata-se de um lugar pouco frequentado, mas é muito agradável, você vai ver! 

 Havia ido recentemente ao rio, motivo pelo qual escolhera aquele destino, para onde levava sua amada. Ficara radiante ao constatar as belezas daquela praia de areia branca feito neve e pensara logo no prazer de desfrutar daquelas maravilhas com sua Charlotte. 

A moto seguia veloz e Charlotte, com medo de ser arremessada para longe, permanecia grudada em seu companheiro e este mantinha sua atenção voltada para a trilha repleta de curvas. Em pouco tempo, chegaram e Charlotte proferiu uma exclamação cheia de entusiasmo: 

─ Meu Deus! Esse lugar é maravilhoso, meu amor! Você realmente, sabe o que é bom! Vamos! Quero conhecer tudo! Quero sentir os grãos de areia sob meus pés descalços! ─ Pegara-o pela mão e começara a conduzi-lo em direção ao rio. 

Enquanto caminhavam, exploravam com olhares atentos e se deliciavam com a visão de cada detalhe daquele paraíso. 

Não havia poluição alguma! Somente folhas secas caídas sobre o solo arenoso. A floresta que cobria as margens do rio proporcionava clima fresco e ar puro. Da copa das árvores, as aves lhes davam boas-vindas com suas sublimes orquestras. 

Com passos lentos prosseguiam a massacrar algumas folhas que lhes atravessavam o caminho, provocando um ruído seco que podia ser ouvido ao longe. Mesmo no meio das árvores, estava limpo, pois com suas enormes copas verdes, cobriram todo o espaço acima e impediam que novos ramos pudessem surgir. 

O casal romântico apreciava cada segundo naquele lugar. Seguia lentamente a caminhar de mãos dada e cada detalhe era motivo para murmúrios de admiração: desde o sussurro dos ventos, ao balançar as folhas das árvores, ao cantar das aves festivas, a se alimentar das frutinhas de árvores nativas que haviam crescido nas margens daquele riacho encantador. 

Quando chegaram às margens do riacho se encantaram ainda mais com a transparência de suas águas claras. Dava para ver os pedregulhos coloridos situados no fundo do leito por onde as águas passavam preguiçosamente. 

Também lhes era prazerosa a visão do verde daquela vegetação refletida no espelho das águas que, com certeza, se encarregava de cuidar para a pureza daquele paraíso. Durante aquele momento mágico para ambos, várias vezes pararam para trocar afetos carinhosos acompanhados das mais belas promessas. 

─ Carter, meu amor! Sabe que a melhor coisa que poderia ter acontecido em minha vida era ter conhecido você! Quando estou em sua companhia não sinto falta de mais nada! ─ Charlotte abraçara-o calorosamente. 

─ A mim também, minha querida! Feliz o dia em que meus pais saíram da fazenda onde morávamos e vieram para a Vila São Domingos. Cada momento com você é mágico! 

 Eles se beijaram e ficaram alguns segundos em silêncio a sentir o calor de seus corpos unidos. Naquele momento, ele se sentira tentado e começara a deslizar as mãos suavemente sobre o corpo de Charlotte e ela, ao perceber que a sensação ia ganhando intensidade, pressentira o perigo e tratara de quebrar a magia daquele momento que poderia levá-los a antecipar o que ainda não deveria. Com certeza não. Só depois de casados! Ou deveria? Não. Ambos não poderiam decepcionar os pais dela. Cuidaria para que aquilo não acontecesse! Era questão de honra! 

─Estou com fome, amor! O que temos para comer? ─ Segurara-lhe as mãos e as impediram de continuar a tentá-la. 

─ Espertinha! ─ Carter encara-a com um sorriso irônico. Depois sua expressão ficara séria enquanto seus olhos se encontraram. ─ você tem razão. Temos que esperar o momento certo. 

Novamente, os dois se beijaram carinhosamente e ele se afastara para ir buscar uma mochila que deixara sobre a moto. Correndo, fora e, ao voltar, a depositara no chão para retirar do interior dela, primeiramente, uma toalha e, a seguir, uma vasilha cheia de farofa. Depois os dois se sentaram sobre a areia e saborearam à vontade, pois ambos estavam famintos.

 Alimentados, ficaram por algum tempo apreciando a gostosa sensação de ficarem deitados sobre aquela camada de areia macia. Como era gostoso um momento só deles e num ambiente tão propício! Quisera que o tempo parasse. Então eles poderiam ficar eternamente a sós junto à natureza, mas talvez para contrariá-los, o tempo voava! Ele olhou no relógio: 

─ Não é justo! Como as horas passam tão depressa! Precisamos aproveitar! Vamos amor, antes que chegue a hora de voltarmos para casa! 

─ Calma! Ainda temos muito tempo! Nem chegou ao meio dia! Vamos aproveitar! ─ Ela se levantara, e o ajudara a se pôr de pé.

─ Vamos dar um mergulho nessa água espelhada! Vamos! Veja como reflete o verde das folhas das árvores! 

Saíra correndo, entrara no rio e Carter ficara a admirá-la. Por alguns minutos, permanecera de pé nas margens do riacho. Aquelas águas pareciam estar geladas. Charlotte percebera o seu receio e sorrindo o encarara com ternura. 

− Seu medroso! Venha logo seu mole! A água não está tão fria assim! ─ Com as duas mãos, em forma de conchas, começara a arremessar daquelas águas em sua direção e ele, ao receber os primeiros pingos gelados, saíra correndo para não ser atingido em cheio. 

─ Só me dê um tempo para criar coragem, amor! Não vou deixar você se banhar só. 

À distância, sentara na areia e ficara a admirar aquela garota que o fazia sonhar acordado. Era mesmo um sortudo! Como fora capaz de conquistá-la? Às vezes chegava a imaginar que Charlotte fosse fruto de uma alucinação para satisfazer o seu ego! Só poderia ser um anjo que viera à Terra para fazê-lo feliz. Tão carinhosa! Era tudo ou muito mais do que merecia. Com certeza, era ela a responsável pelos seus largos sorrisos. Ah se tivesse o poder de fazer com que o tempo parasse! 

 Além de todas aquelas maravilhas, de algumas árvores, exalava o perfume agradável das flores que lhe impregnara as narinas. De outras, o verde vivo que se refletiam no fundo do riacho completava a obra de arte. 

Como ele se sentia bem! Só ele e a mulher de sua vida naquele espaço divino. Era tudo que desejava para si naquele momento.

Enquanto sua imaginação trabalhava, desviara o olhar para contemplar aquele riacho de águas transparentes, que deslizavam sobre aquele leito de areia branca como neve e pedregulhos brilhantes, e percebera que algo estranho estava acontecendo. As águas que, naquele trecho do rio, eram calmas; começava a se agitar a uns cem metros de onde se encontrava Charlotte, sua amada. Atento para se inteirar do que estaria acontecendo, fixou o olhar naquele ponto onde julgava estar a origem dos movimentos que provocavam pequenas ondas na superfície das águas do riacho. O que estaria, por ventura, acontecendo? Seria um animal movendo? Não precisara esperar muito para obter a resposta ao que o inquietava: 

 ₋ Meu Deus! Charlotte, Charlotte, saia da água! Saia da água, meu amor, rápido! 

      A medida que a fera se aproximava, Carter gritava, gritava, mas

Charlotte não o ouvia. Então, aos berros e, gesticulando sem parar, saiu desesperado a correr para salvar a namorada do ataque daquele bicho, que devia estar faminto, a julgar pela velocidade em que se movia sobre as águas. 

Ao entrar no rio, o seu desespero fizera com que ele perdesse o equilíbrio e caísse. O impacto provocara um rebuliço naquelas águas e contribuíra para que ela se virasse para ele e percebesse que algo errado estava acontecendo. Levantou-se depressa e se deslocou a seu encontro: 

₋ Amor, o que está acontecendo? Por que esse desespero? 

─ Saia daí rápido, tem um jacaré enorme quase chegando até você! ─ Apontara com o dedo na direção de onde vinha a ameaça. ─ Olha para trás, amor! 

 Charlotte se desesperara. Nem sequer tivera coragem de olhar para trás: 

─ Oh meu Deus! Me ajuda meu amor, eu não tenho forças para sair daqui agora! 

          ─ Calma! Já estou aqui!

 Depois de pegá-la pelo braço, saíra apavorado a arrastá-la para a margem. 

Mal puseram os pés para fora daquelas águas, olharam para ver se ainda estavam sendo seguidos, mas a fera já ia longe. Ficara assustada com a movimentação das águas e com os gritos de desespero do casal, razão pela qual fugia para o seu esconderijo. 

Por fim aliviados, os namorados permaneceram em silêncio, por algum tempo, sentados sobre a areia enquanto a respiração ia desacelerando pouco a pouco devido. Que susto!

─ Foi por pouco! ─ Dissera Carter, ainda trêmulo, a imaginar o que seria de sua vida sem sua amada. ─ Pensei que não chegaria a tempo! Ele estava vindo muito rápido, amor! 

Charlotte, com uma das mãos, tapou-lhe a boca, para lhe interromper a fala. 

─ Por favor, meu amor! Não pense nessas coisas! O perigo já foi! Não gosto nem de pensar no que acabamos de viver! Me dá calafrios! Vamos embora, depois desse sufoco não quero ficar aqui nem mais um minuto! 

Os dois se levantaram ao mesmo tempo. 

─ Eu também quero ir embora! Até agora estou trêmulo! Tive muito medo do que pudesse acontecer a você, minha metade! ─ Carter a abraçara forte e sentira o seu coração a dar saltos. 

A princípio, Charlotte se entregara àquele momento de intimidade. Também o apertou entre seus braços e o beijara apaixonadamente, mas se afastara em seguida para não perder o controle. Depois segurara-lhe as mãos e o fitara: 

           ─ Vamos sair daqui meu anjo-da-guarda! 

Ele lhe apertara as mãos, e depois de beijá-la novamente, começaram a se afastar.

 ─ É uma pena termos que sair assim! Tudo estava tão perfeito! ─ Lamentara Charlotte a olhar para trás. 

─ Verdade! Estava perfeito até o aparecimento daquele gigantesco crocodilo. Passamos por um momento de pavor, mas não vai ser um crocodilo atrevido que vai apagar esse nosso momento! ─ Soltara a mão da sua amada e a abraçara novamente enquanto se aproximavam da moto. 

Ao chegarem onde haviam deixado a condução, por alguns segundos permaneceram a ouvir a algazarra dos pássaros que, eufóricos, entoavam as mais belas melodias do alto das copas daquelas árvores verdes de onde saboreavam frutinhas e matavam a sede nas águas frescas do rio. Aquilo era vida de fato! Por fim, olhara para Charlotte: 

          ─ Vamos, amor! 

Montado naquela moto, o casal deixara para trás aquele ambiente encantado com o propósito de que não só não contariam a ninguém o que lhes havia acontecido como também jamais voltaria ao lugar onde, por pouco não marcara o final de suas vidas. 


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Notas finais do capítulo

A você que se dedicou à leitura do primeiro capítulo, convido para continuar viajando comigo numa aventura apaixonante. Sinta-se a vontade para comentar, aliás, gostaria muito de me inteirar de sua opinião.



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