Revolting Child escrita por SnowShy


Capítulo 7
Mentirinhas




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Scarlett não estava mais trabalhando só de casa. No começo, preferia assim porque queria dar mais atenção a Violet, mas a mulher estava se saindo tão bem em seu novo emprego, que o pessoal da empresa queria que ela participasse de tudo que fosse relacionado às vendas. Foi assim que conheceu o seu novo namorado. Quer dizer, eles nem chegaram a namorar, só saíram umas três vezes e, como Violet previa, terminou logo.

Scarlett tinha grande dificuldade em relacionamentos pois já havia sofrido muito com homens (com um certo homem especificamente, de quem teve uma filha), então preferia não se apegar muito. Ela tinha mais o que fazer, não dava pra perder tempo ficando de coração partido por algum babaca qualquer.

Mas não era só isso, afinal, ela tinha uma filha e, por mais que a menina pensasse que não, os sentimentos dela também eram levados em consideração. Scarlett tinha medo de acabar tendo um relacionamento sério com alguém de quem Violet não gostasse ou, pior, a quem a menina se apegasse e depois eles terminassem. Por isso também preferia manter sua vida pessoal longe de sua vida com Violet, o que explica a menina não conhecer muitos de seus namorados ou conhecer, mas não saber praticamente nada sobre eles.

Apesar do conselho do Dr. River, a pequena não pretendia voltar a perguntar à mãe sobre o pai, mesmo que pensasse nisso o tempo todo. Mas também pensava muito no que o doutor disse quando ela falou como era difícil falar com a mãe sobre qualquer coisa. Ele disse: "Mas não tem que ser." Violet achava que não tinha como não ser difícil, mas, quando foi chegando perto do Dia das Mães, resolveu tentar se comportar bem pra ver no que ia dar. Isso porque sempre tinha dado muito valor ao Dia das Mães, já que não podia comemorar o Dia dos Pais. Todo ano ela dava um presentinho pra mãe e elas saíam pra passear. E não queria que esse ano fosse diferente... mas não sabia se teria como ser igual.

Violet não sabia sobre o que conversar com a mãe, então nunca puxava nenhum assunto, mas parou de ficar dando respostas malcriadas quando a mais velha falava com ela. Scarlett notou a pequena mudança de comportamento e ficou bem satisfeita. Ela sabia que devia ser consequência da terapia, porém temia que a qualquer momento a filha ficasse revoltada de novo, como já havia acontecido antes. Não estava nem lembrando do Dia das Mães, então ficou muito surpresa quando chegou o dia e Violet disse que queria dar uma coisa a ela. Era um desenho de rosas vermelhas, as flores preferidas de Scarlett. A menina estava sem dinheiro e não tinha muita criatividade, então era o máximo que podia dar, apesar de achar que aquele não era um presente digno de Dia das Mães. Mas percebeu que estava errada quando viu que sua mãe gostou tanto que até chorou. Ela disse que era o melhor presente que já tinha ganhado, deu um beijo e um abraço bem forte na filha e foi atrás de uma moldura pra pendurar o desenho na parede de seu quarto. Não, na parede da sala, pra que qualquer pessoa que fosse na casa delas visse assim que entrasse.

Violet ficou muito feliz. Talvez as coisas não precisassem mesmo ser tão difíceis... Então elas foram passear e, depois desse dia, tudo começou a ficar bem. Pelo menos por um tempinho... Ela e a mãe começaram a conversar normalmente sobre qualquer assunto que não tivesse a ver com escola, competições, a Fantástica Fábrica de Chocolate e, claro, o pai de Violet.

Porém, entre esses assuntos, estava um que elas não podiam ignorar pois fazia parte de sua vida no momento: a escola. E sempre que Violet começava a ficar mais tranquila, a escola a fazia ficar descontrolada novamente. Sabe, era bem complicado ficar vendo todo dia uma criança ou outra ser maltratada e ficar de boa com isso, mesmo que ela não se importasse muito com as outras crianças. Além disso, a menina sempre tinha que ficar com a guarda levantada pra não ser uma das vítimas da Trunchbull, né? E o pior é que o Dr. River não fazia ideia de que essas coisas aconteciam, então o seu foco na terapia era geralmente em outros assuntos.

Felizmente, as férias estavam chegando. Mas antes, Violet teria que passar pelas provas finais, que eram beeeem difíceis! E, quanto mais perto o período de provas da Crunchem Hall chegava, pior ficava o temperamento da menina. Antigamente, quando competia o tempo todo, ela conseguia disfarçar esses sentimentos. Ou talvez conseguisse ignorá-los com o chiclete ou pensando que a única coisa pior do que ficar naquela escola até o final do ensino fundamental seria repetir de ano e ter que ficar lá ainda mais tempo do que o previsto e ainda por cima como uma perdedora. E era por isso que, mesmo gostando de meter o louco na escola, ela sempre tinha se esforçado pra ir bem nos estudos. A Dona Trunchbull ficava furiosa porque, sempre que ia na turma de Violet pedir pros alunos soletrarem palavras difíceis, a loirinha levada acertava todas. A menina não era tão boa em todas as matérias, mas, de qualquer forma, suas notas sempre estavam acima da média e ela nunca tinha chegado nem a ficar de recuperação, muito menos ter risco de reprovar.

Mas agora que sua vida estava diferente, que Violet estava diferente, esse esforço todo parecia inútil e ela não tava nem aí pras provas finais, queria que a escola fosse se ferrar com elas. E esse era o principal motivo de suas brigas com a mãe no momento: a menina estava se recusando a estudar pras provas. Scarlett sentia falta da época em que não precisava ficar mandando a filha estudar por ela já fazer isso por conta própria...

Talvez o Dr. River tivesse conseguido convencê-la, mas a mãe da menina já tinha avisado a ele que ela não iria à terapia no período das provas pra ter mais tempo pra estudar, assim como não participava de nenhuma competição nesse período nos anos anteriores. Pra piorar ainda mais a situação, Violet ficou com raiva por não poder ir à terapia, porque gostava de ficar lá.

Mas enfim, chegou um momento em que Scarlett se convenceu de que sua filha finalmente havia se conformado e ido estudar e ficou bem aliviada. A menina estava no quarto com os livros e o caderno fazendo várias anotações. Ufa, ela não era um caso perdido, afinal! Porém, o que Violet realmente estava fazendo era cola. Cortou as anotações do caderno em vários papéis pequenos que colocou em lugares estratégicos (materiais escolares, uniforme e até na sola do sapato) pra que pudesse olhar durante as provas sem que a professora ou a diretora, que às vezes assumia a turma durante alguma prova, percebessem.

O segredo era só não ser pega. Qual era o problema de colar? Violet sabia que ninguém naquela escola se importava se as crianças estavam aprendendo de verdade ou não, então não fazia diferença. Mas, ironicamente, ela fez tantas anotações, que acabou memorizando várias coisas sem querer e, na hora das provas, mal precisou olhar os papeizinhos, só uma vez ou outra. Então as férias chegaram. E ela estava livre. Bom, livre da 4ª série, porque depois de 3 meses ia ter que voltar praquele inferno de escola...

***

Violet costumava passar as férias de verão viajando pelo país (e às vezes até pra fora do país) participando das mais diversas competições. Mas ela sabia que as próximas férias não seriam assim e isso a deixou extremamente desanimada. Scarlett queria fazer uma viagem de mãe e filha que, pela primeira vez, seria só por diversão. Mas, claro, pra isso a menina teria que se comportar. Violet, como toda criança, gostava de diversão e, agora que não precisava treinar o tempo todo e nem ir à escola, seria mais fácil se divertir, mas, por alguma razão, que ela mesma não sabia dizer qual, continuava desanimada, o que era estranho, pois ela achava que seu desânimo tinha a ver com a possibilidade de passar o verão inteiro entediada.

Mas depois ela começou a pensar e entender por que se sentia assim. Ela sentia falta de ganhar troféus e medalhas, sentia falta dos chicletes, sentia falta de ouvir sua mãe dizer o tempo todo que ela a criança mais especial do mundo... Além disso, não sabia o que esperar dessa viagem. Será que elas iam mesmo se divertir ou só ficar brigando o tempo todo como quase todos os dias desde que voltaram da Fábrica de Chocolate? E pra onde seria essa viagem, afinal? Scarlett ainda estava escolhendo o lugar, mas Violet estava impaciente por não saber. Ela odiava não saber das coisas...

Então, ao falar sobre isso na terapia, foi quando a menina percebeu que havia mais um motivo pra estar desanimada: ainda não sabia nada sobre seu pai. E ainda queria saber. Ela sempre achou que, apesar de Atlanta ser uma cidade muito grande, ele provavelmente não morava lá, se morasse, não era possível que nunca tivessem se conhecido. Por isso, essas viagens de verão eram os momentos em que mais "procurava" por ele sem sua mãe saber. Era quando mais pensava nele. Principalmente no mês de junho, que é quando tem o Dia dos Pais nos Estados Unidos.

— Eu não quero passar outro Dia dos Pais me perguntando por que eu não posso ter um pai que nem as outras crianças ou o que eu fiz de tão ruim pra ele me odiar tanto a ponto de nem querer me conhecer...

O Dr. River havia resolvido não perguntar mais nada sobre o pai de Violet a não ser que a menina tocasse no assunto. E já havia passado um bom tempo desde que ela havia confidenciado o que pensava a respeito dele ao doutor. Estava sendo bem difícil pra ela admitir aquelas coisas. Parecia que queria chorar... Mas o psicólogo nunca a tinha visto chorar na terapia. Claro, porque ela não chorava nunca, mas ele não sabia disso ainda.

No momento, parecia que a garota estava tentando se recuperar do que havia acabado de dizer, então o doutor esperou um pouco até falar que ela não devia se culpar pela ausência do pai, que era a mesma coisa que Scarlett havia dito na última vez que as duas falaram dele. Em seguida, o terapeuta recomendou novamente que ela tentasse falar com a mãe pra acabar de vez com essas dúvidas.

E, desta vez, Violet decidiu seguir o conselho, porque estava realmente desesperada. Ficar calada remoendo essas coisas não ia mudar sua situação. Mas como ela ia falar?... 

***

— Mamãe... — Disse a menina, em casa, ao ver a mãe se aproximando com um mapa dos EUA pra elas escolherem juntas o destino da viagem de férias.

Scarlett parecia animada, mas percebeu que a filha não. 

— O que foi?

Violet pensou em perguntar em que parte do país ou do planeta seu pai morava, mas achou melhor não começar assim. Precisava ser mais sutil...

— O que você pensa sobre a verdade?

Scarlett deixou o mapa de lado e olhou bem pra filha:

— A verdade sobre o quê?

— Qualquer coisa... Você acha que a gente sempre tem que dizer a verdade sobre qualquer coisa em qualquer situação?

— Por acaso você tá querendo confessar alguma coisa? — Ela devia ter desconfiado... Violet andava quietinha demais ultimamente, com certeza tinha aprontado alguma! — Não me diga que você foi pega colando nas provas finais e vai repetir de ano!

A menina ficou chocada por ela ter desconfiado, mas, como não tinha sido pega, não ia mentir se dissesse:

— Eu não fui pega colando! E eu com certeza não vou repetir de ano.

— Então o que você quer me contar? — Scarlett perguntou, ainda desconfiada.

— Eu não quero contar nada! O que eu quero é... te perguntar uma coisa.

— Tá bom. Pode perguntar.

Violet abriu a boca pra perguntar, mas congelou. Simplesmente não conseguia dizer nenhuma palavra e tinha o rosto mais pálido do que o normal. Sua mãe começou a ficar preocupada.

— Filha... O que foi? Você tá me assustando! O que queria perguntar?

— Nada... — Ela respondeu, quando finalmente conseguiu falar alguma coisa. — Deixa pra lá...

— Violet, eu sou sua mãe, você pode falar sobre qualquer coisa comigo!

— Sério? — Perguntou a menina, esperançosa. — Qualquer coisa mesmo? Então tá... — Ela respirou fundo e continuou: — Eu quero saber do meu pai. Quero saber tudo sobre ele.

Mas, como Violet temia, sua mãe ficou com raiva:

— Por que isso agora?! Eu já te disse que ele não quer saber de você, então você também não precisa saber dele!

— Eu sei, eu lembro do que você disse! Mas mesmo assim eu queria saber... Isso não é justo! Você disse que eu podia falar sobre qualquer coisa com você, mas eu nunca posso falar do meu pai! Ai, mamãe, por favor, me conta mais sobre ele! Você não sabe como é horrível não saber de nada, isso tá me matando por dentro!

— Saber sobre ele não vai mudar nada, só vai te machucar! Eu não queria que você crescesse se iludindo por isso contei que ele foi embora, mas falar de alguém que te fez mal e que não faz parte da sua vida, além de desnecessário, é doloroso!

— Eu aguento! Eu já sou grande o bastante pra saber a verdade e também... eu não tenho medo de nada, lembra? Se eu já sei que ele me abandonou, o que pode ser pior do que isso pra eu não poder saber?

Scarlett não queria falar. Ela dizia que seria doloroso para a filha, mas a verdade é que era doloroso também pra ela pensar no pai de Violet. Porém ela estava sentindo que, desta vez, não teria como escapar. Tinha acabado de dizer que a filha poderia falar sobre qualquer coisa com ela e não podia voltar atrás. Violet já estava tendo dificuldades para confiar na mãe há meses, Scarlett não queria que ela tivesse ainda mais um motivo, até porque, estava tentando de verdade melhorar sua relação com a filha. Então suspirou e disse:

— Okay. Pode me perguntar o que quiser.

Mesmo insistindo, Violet não estava esperando que a mãe fosse mesmo concordar, então ficou impressionada. E cheia de expectativas. 

— Qual é o nome dele?

Scarlett estava séria. Por um momento, a menina achou que ela ia desistir da conversa, mas a mulher respondeu:

— Samuel. Mas ele sempre foi conhecido por "Sam".

— E o sobrenome?

— Glockenberry.

— Profissão?

— Advogado.

Essa conversa estava parecendo mais um interrogatório.

— E onde ele mora?

— Na última vez que eu soube ele tava morando na Califórnia, mas antes disso ele morava em Massachusetts, então vai saber...

— Quando foi a última vez que você soube dele?

Após hesitar um pouco, Scarlett respondeu:

— Há uns... 7 anos.

— 7 anos?! Então eu já tinha nascido, eu tinha 3 anos!

A mulher tinha a expressão de uma filha que está escondendo algo da mãe. Percebendo isso, Violet, como uma mãe desconfiada, perguntou:

— Você se encontrou com ele?

Após uma pausa, a mãe respondeu:

— Sim. 

— Onde??? Aqui na nossa cidade???

— Sim...

Violet estava ansiosa. Antes que ela perguntasse mais alguma coisa, Scarlett resolveu tentar responder as possíveis perguntas que viriam e das quais ela não conseguiria fugir:

— Ele tava fazendo uma viagem a trabalho e... marcou de se encontrar comigo porque... 

— Porque...?

— Porque... ele queria... ele disse que queria... resolver uns assuntos inacabados e... — Scarlett deu um longo suspiro e, finalmente, disse: — Ele queria pagar pensão e eu não aceitei e... queria te conhecer e eu não deixei.

— O quê?! Por quê??? Mas você tinha dito que ele nunca quis saber de mim! Você mentiu!

— Eu não deixei porque eu sabia que ele não queria te conhecer de verdade! Ele só tava com a consciência pesada por não ter feito o papel de pai dele e foi dizer que se arrependia e que queria compensar, mas eu tinha certeza que, mesmo se te conhecesse, ele ia continuar distante!

— Como você sabe? Você nem deixou ele me conhecer, isso não é justo!

— Violet, se ele quisesse mesmo ser seu pai, ele ia ter insistido mais e ia ter voltado! E tem mais, ele tava noivo de outra mulher, a essa altura já deve ter uma família com ela...

Violet não soube o que dizer após ouvir isso, estava muito confusa. Estava com raiva da mãe por ter escondido essas coisas dela, por ter mentido esse tempo todo. Estava repassando as poucas conversas que havia tido com ela sobre o pai, das quais se lembrava palavra por palavra, e então disse:

— Você disse que ele não quis ficar comigo porque era irresponsável e não queria ser pai e agora tá dizendo que ele tem outra família? E você disse que ele é advogado, advogados são responsáveis, né? Ele queria, sim, cuidar de mim! Só tá longe por culpa sua!

— Não é isso! Você é muito nova pra entender essas coisas, mas, acredite, foi pro seu bem que eu não deixei ele se aproximar!

— MENTIROSA!

Violet foi correndo pro quarto descontar sua raiva bagunçando ele todo e Scarlett não soube o que fazer. Não podia dizer mais nada por enquanto, afinal, já tinha falado mais do que devia. Essa coisa de sinceridade total entre mãe e filha claramente não era tão fácil quanto parecia! Então a mulher foi pro próprio quarto também se lamentar por ser uma péssima mãe. Ela sabia que nunca teria a ajuda de Sam e não se arrependia por tê-lo afastado, até porque, como tentou dizer a Violet, se ele realmente quisesse ser o pai dela, ele mesmo teria se aproximado. Se ele tivesse tentado pelo menos mais uma vez, ela não o teria afastado de novo. Por isso Scarlett sempre tinha feito de tudo pra cuidar de sua filha sem a ajuda de ninguém, mas às vezes isso era tão difícil! E, naquele ano em particular, estava ainda mais difícil!

Pelo jeito, a viagem de férias estava cancelada...


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