Margaery Tyrell: A Rosa Dourada de Highgarden 🌹 escrita por Pedroofthrones


Capítulo 30
Rios de Sangue




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As Terras Fluviais eram um inferno.

Os cadáveres de humanos e de cavalos que eles encontravam enquanto por ali passavam estavam cobertos de erva daninha e rosas de sangue, que cobriam seus corpos pobres e os enchiam com raízes, penetrando a carne pútrida. Moscas imensas os cobriam e os enchiam de ovos; alguns já haviam eclodindo e deixando os corpos incubadores cheios de larvas verdes, que rastejavam e usavam das entranhas putridas para fugir do frio. Eram as poucas plantas vivas por ali, pois as árvores e gramas estavam queimadas. não por fogo de dragão, mas pelos próprios lordes do Tridente, que queimaram as terras para que os inimigos não tivessem proveito de nenhuma comida que crescesse ali — eles só não contavam que eles próprios acabariam por serem obrigados a andar por toda aquela terra devastada. 

Agora, restavam apenas alguns troncos enegrecidos e galhos retorcidos sobrando para lembrar que outrora aqueles campos secos e cinzentos tiveram vida. A neve caía mais fraca naquele dia, embora o chão ainda estivesse coberto de flocos, que acumulavam-se no chão, formando uma espessa camada branca que subia até os calcanhares. Como a maioria dos cavalos ficou em Harrenhal, boa parte dos lordes andava a pé, a maioria nem sequer tinham botas para proteger os pés do frio, visto que foram obrigados a fugir correndo, sem ter como vestirem algo para proteger-se do filho.

Os lordes se protegiam como podiam: casacos puídos, mantos de pele gordurosa, sapatos que logo se desgastavam com o andar contínuo, e alguns até andavam abraçados, tentando dividir o calor corporal com o colega. Alguns não tinham nada além de uma camisa de linho para dormir, sem calças. Outros, nem mesmo isso tinham.

Ninguém podia parar. Eles andavam desde o dia em que fugiram das enormes muralhas de Harrenhal, fugindo do fogo dourado que a pálida sombra alada jorrava dos céus cinzentos. Uma bela criatura, de fato, mas perigosa também.

O pobre e velho coração do idoso lorde Horton não sobreviveu ao clima extremo; morrendo ainda nos primeiros dias, e seu corpo pútrido estava sendo carregado pelos seus filhos. O também idoso Lorde Gilwood Hunter morreu poucos dias depois. Outro lorde do Vale, o gordo Lorde Benebar Belmore morreu pelas chamas do dragão — ou caindo de uma das altas escadas de Harrenhal durante a confusão, de acordo com alguns; Arya acreditava nas duas possibilidades. De qualquer forma, seu corpo estava perdido.

Lorde Mallister não resistiu, mesmo com um de seus soldados lhe dando mantos para vestir, morrendo de frio e fome; o segundo filho de Lorde Blackwood não aguentou os ferimentos causados pelas chamas do dragão e morreu em menos de dois dias, nos braços do choroso Lorde Tytos. Seus irmãos o enterraram perto do tronco enegrecido uma árvore de carvalho queimada. Eles esperavam poder achar o corpo depois.

As montarias também não estavam em melhor estado; a grande parte havia sido perdida em Harrenhal. Eles não tinham alimentos o suficiente para alimentar os animais, que moviam-se com extrema dificuldade pelo terreno coberto de neve, e ficavam polvorosos com os lobos que andavam perto deles, assustando-os. Mas, sem dúvidas, o pior eram as moscas estranhas, que tomaram o ar do Tridente e alimentavam-se de todos que ainda tinham sangue quente correndo nas veias; elas picavam principalmente os feridos e os cavalos, chupando o sangue neles.

Aquelas moscas rram insetos que nenhum dos sobreviventes havia visto antes — enormes, do tamanho de abelhas, brilhantes e roxas, que chupavam o sangue das pessoas. Elas perseguiam os mortos e morinbundos, e deixavam os ovos neles.

Melisandre cavalgava a frente de todos, nunca parando e nunca parecendo estar cansada. Erguia uma tocha de brilho laranja-dourado e a usava para afastar os demônios da escuridão. Mesmo com trapos, ela ainda era bela e imponente, com uma luz dourada fúlgente, como uma deusa que guiava seus seguidores através da escuridão lúgubre que tomara conto o mundo e os levava para um caminho de que os livrasse da desesperança.

Arya montava sua loba, Nymeria, que era seguida de outros lobos, que obedeciam sua alfa, e raramente atacavam os homens com quem andavam. Uma vez, quando Nymeria e sua dona estavam distraídas, um lobo atacou uma das pessoas da turba, pois estava desesperado pela fome, mas Nymeria o mordeu na garganta e o matou por aquilo. A alcateia comeu o cadáver do antigo membro.

Os lobos comiam qualquer um que ficassem para trás. Arya achava que assim era melhor do que eles se voltarem contra o exército do tio e começar a devorá-los enquanto ainda respirassem.

A alcateia tinha perdido a maior parte dos lobos para o caos de Harrenhal, com muitos tendo sido mortos pelo fogo ou fugindo para a floresta, se dispersando. Os que ficaram estavam famintos, com pouco alimento, e arredios às pessoas. Sem Nymeria ou Arya, eles poderiam atacar o enorme grupo de pessoas a qualquer momento.

Arya tentava sempre se manter por cima da loba. Sentia que isso ajudava a controlar melhor a loba. Sabia que ela odiava quando segurava com força demasiada no pelo dela, mas era isso ou cair. Ned, apesar de mais alto, estava sentado atrás dela, apertando os braços bem abaixo de seus seios, e prendendo as pernas em Nymeria, de forma firme.

Arya podia sentir o ódio da loba; ela rosnava conforme sentia Edric apertar-se contra o seu corpo peludo. As moscas picavam os seus olhos, e algumas tentavam atravessar o seu pelo e tentavam morder a sua carne para sugar o seu sangue. Aquilo entumecia o seu ódio.

— Quieta! — ralhou Arya, sentindo a raiva crescente da loba. Sua loba.

— Quer que eu desça? — indagou Ned, preguiçosamente. Arya sentia o calor do corpo dele contra o seu.

— Não. Apenas não pressione muito as pernas.

— Está bem — ele fez o que ela mandou. A loba ainda estava irritada, mas Arya sabia que Nymeria nunca mudaria.

É a vida dentro dela, pensou. Podia sentir a vida crescendo em Nymeria, em grande número, e sugando sua vitalidade, deixando-a ainda mais faminta. Tinham de chegar a Correrrio logo, ou Nymeria poderia ter de abandonar os filhotes, pois eles não estariam aptos para segui-la na floresta após nascerem — isto é, caso o parto não a matasse ou caso não tivessem de abandoná-la também.

As moscas zuniam em volta de Gendry, picando-o. Quando uma mordeu sua bochecha, ele abanou o braço no ar, espantando-as, fazendo-as voarem de forma desordenada. Agarrou uma com a mão e esmagou. Se fosse Arya, talvez tivesse comido o irritante bicho; Gendry não tinha tal desejo para apagar a fome e apenas abriu a palma e abanou a mão, jogando o inseto no chão. Seu pobre cavalo também estava cheio de moscas, principalmente em volta dos olhos, picando-o e fazendo ele menear a cabeça para espantá-las, assim como abanava as caudas para espantar as moscas que mordiam e sugavam o sangue de seu traseiro.

Estes bichos são ainda piores que os de Harrenhal, pensou, agradecendo por pelo menos não ter de tirá-las de seu traseiro.

Gendry olhou para Arya e Edric por cima de seu cavalo — dificilmente um bastardo como ele teria qualquer montaria, mas ser o amante favorito da princesa tinha suas vantagens. Não conseguia não ter ciúmes da visão dos dois. Intumeceu-se de ódio. Não podia deixar de ter raiva de Ned ao vê-lo apertando-se contra o corpo de Arya. Gendry sabia que Ned podia até ter interesse nele, mas era de Arya quem o dornês mais gostava. Ele via seus olhos púrpuras sorrirem para ela, e via eles ficarem escuros de desejo quando Arya ficava nua.

Edric amava Arya, Gendry sabia disso. Assim como sabia que o rapaz era de melhor sobrenome que ele; um lorde de alguma grande casa. Ned sempre seria melhor que Gendry nisso; se o rapaz loiro quisesse, Jon e Sansa ficariam felizes em casar a jovem irmã com alguém de renome e que tivesse terras para os filhos que Arya tivesse com o companheiro. Qualquer um iria querer casar ela com Edric — que nem sequer era pequeno e escuro como um dornês; era alto, claro, com cabelos loiros bem claros, quase brancos, que caiam até o meio das costas, como se fosse uma jovem donzela cuja virgindade logo seria arrancanda assim que algum brutamontes botasse os olhos e ficasse com o falo bem erguido de lúxuria; olhos azuis escuros, parecendo roxos, como Gendry ouviu dizer que apenas os Targaryen tinham; possuía uma pele perolada, contrastante a pele bronzeada de Arya e Gendry, queimados pelo sol e longe do padrão de pele clara e limpa dos Westerosi — Arya não era como sua irmã, que puxou a pele pálida do lado materno dos Tully; tinha uma pele branca-amorenada, fora do dito tom de pele padrão que Westeros ditava, parecendo mais um pessoa comum e não da alta nobreza. No que tangia Gendry, ele tinha uma pele queimada pelo vento e pelo calor que emanava da forja que ele usava para aquecer metal. Era comum e bruto.

Em contraste com Edric, Gendry não tinha modos à mesa, nem mesmo tinha qualquer terra para herdar; seu pai até pode ter sido rei, mas, mesmo sendo filho, era só um bastardo e nada tinha para si. Gendry também não era mais tão belo quanto antes: apesar de ainda não ter trinta dias de seu nome e estar em boa forma, percebeu que seus cabelos pretos estavam ficando grisalhos e, graças ao imbecil Brynden Blackwood, estava com uma imensa ferida na bochecha e temia que o ferimento não fosse cicatrizar, visto que não tinham mais um meistre para tratar. O emplastro se foi e a ferida era coberta por uma bandana de tecido velho; bastava rezar para cicatrizar. As moscas volta e meia lutavam contra o pano e picavam sua ferida, machucando-o e roubando seu sangue.

Para completar, graças a Harry, o imbecil cunhado de Arya, Gendry perdera boa parte de sua massa muscular; ainda era bem forte e robusto, mas estava magro, e a fuga de Riverrun só piorou seu estado. Estava tão esgotado, que às vezes era um esforço não cair da montaria, ou mesmo espantar uma simples e gorda mosca roxa.

Em contrapartida, Edric já se encontrava em boa forma, sem estar com muitos vestígios de que foi aprisionado por quase duas voltas da lua. Seu rosto ainda era intocado de cicatrizes e hematomas e a gripe e febre que o assolou pareciam ter passado, apesar de estarem no meio da neve. O carinhoso Ned Dayne estava bem de saúde e bem atrás de Arya, segurando-se nela e tocando sua pele suja e cheirando o cabelo desgranhado.

Edric era claro e Gendry era escuro. Eles eram o oposto em tudo: religião, títulos, aparência, estilos de vida, criação… De fato, o que os unia não era Edric ser escudeiro de Sor Gendry — ele apenas o aceitara para agradar a sua amada, assim como o deixara compartilhar o seu leito com eles —, mas sim o amor deles por Arya. Era ela quem estava entre eles.

Parte dele queria ser amigo de Edric; a outra, queria vê-lo morto.

Se eu o matasse eu magoaria Arya, pensou, e estaria jogando fora a minha honra como cavaleiro.

O manto púpura de Ned cobria o corpo de Arya; o rapaz usava uma simples camisa de linho e um gibão de couro mal curtido que ele pegou de um dos corpos. Ele abraçava bem Arya, sentindo o calor do corpo dela. Gendry se perguntou se ele não a estaria acariciando por baixo daquele manto, roçando — ou mesmo apertando — os pequenos seios dela e delinhando caminhos pelas cicatrizes corporaiz dela.

— Quanto tempo estamos de Correrrio, Arya? — indagou Ned Dayne, parecendo meio sonolento e se inclinando mais para frente, criando uma névoa branca enquanto falava. O cheiro acre de fumaça ainda permanecia na floresta, mesmo com o frio cobrindo as cinzas.

Arya contraiu os ombros.

— Não sei — olhou para o tio Edmure, pouco a frente deles, montado em uma cavalo de guerra. Peixe Negro estava ao seu lado. Ela Gritou: — Tio! Quanto tempo nos falta?

Edmure virou um pouco a cabeça e olhou para a sobrinha de soslaio. Diminuiu os passos da montaria até chegar perto dela, ficando ao lado da montaria de Gendry, evitando que sua montaria ficasse ao lado da selvagem que Arya montava, pois esta assustava os cavalos.

— Creio que estamos a menos de quatro ou três dias de distância — respondeu Edmure. Ele usava um gibão vermelho com renda prateada em forma de peixes. Era lindo, mas estava sujo pelos dias de cavalgada e cheio de rasgos. O Lorde de Riverrun olhou para o céu. — Deuses nos protejam, ainda não entendo como não fomos atacados. — Olhou para a sobrinha. — Eu ouvi dizer que o dragão de Aegon é verde, e a sombra alada que Daenerys monta está no Norte; então, quem montava a criatura que nos atacou? — Uma mosca pousou em seu pescoço e ele a esmagou rapidamente com a palma da mão.

Arya deu de ombros e abanou a cabeça. Edric grudou a bochecha rosasa na dela e ela sentiu sua pele morna.

— Não faço ideia — respondeu, ignorando o carinho do companheiro carente. — Creio ter visto duas pessoas na montaria alada; o da frente, que tocava o berrante, não parecia um valiriano, mas a pessoa atrás dele… parecia ser uma mulher… parecia ter os cabelos de prata.

Edmure ergueu uma sobrancelha castanha-avermelhada.

— Viu de tão longe?

Arya deu um riso pálido e cansado.

— Eu tenho uma boa visão, tio. — Agarrou uma mosca que voava perto do rosto dela e esmagou no ar, como Gendry fazia, e a levou até a boca. Edmure fez uma careta com a cena, claramente enojado.

Edric, parecendo não se importar com o apetite estranho da princesa Stark, pousou o rosto no ombro dela e Arya afagou o cabelo dele com uma mão enluvada. Ele parecia sonolento e um tanto carente de atenção. Eles ficaram muito tempo longe um do outro, graças ao imbecil do cunhado dela, e quase não tiveram tempo de se falarem quando a fortaleza de Harren, o Negro, caiu. Ela imaginou que o jovem lorde sentia falta dos carinhos entre eles, mas ele teria de esperar.

— Minha preocupação é como vamos atravessar o ramo vermelho — comentou Edmure, coçando o couro cabeludo, cheio de picadas de moscas. — Ele é o que nos afasta de Riverrun.

— Não temos barcos para dispor em Correrrio para nos transportar? — indagou Arya, sentindo Edric beijar seu pescoço, mas nem deu atenção.

— Ter, temos — respondeu Edmure. — O problema são os homens de ferro. Se ainda estiverem cercando o local… — ele parou de falar, deixando o resto sem ser dito. Bateu a mão no ar, espantando as moscas.

— Acham que o dragão virá atrás de nós? — indagou Gendry, que cavalgava entre eles. Uma mosca foi até o seu nariz e ele a afatou com um tapa, irritado.

Edmure deu de ombros.

— Quem sabe? Correrrio não é assim tão longe de Harrenhal, mas imagino que ele está queimando tudo por perto. — Olhou adiante, para a direção onde estaria Correrrio. — Só peço aos deuses que Roslin e nosso filho estejam bem.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Quando a noite caiu, a luz de Melisandre se intensificava e ela guiava todos com o seu lume bem erguido, como uma verdadeira deusa de fogo.

Naquela noite, passaram por perto de Coração Alto, um monte cheio de troncos cortados de Represeiros. As árvores haviam sido mortas por um antigo rei Andalo, que matou também todos os Filhos da Floresta e os primeiros homens que ali viviam. Agora, restavam apenas trinta e um troncos brancos e os fantasmas dos seres que viviam ali.

Arya lembrava-se de quando passou ali com a irmandade sem bandeiras. Uma velha maluca e triste contava os seus sonhos em troca de uma canção.

— A sul daqui fica Solar das Bolotas — comentou Gendry.

Edmure franziu o cenho e olhou para o rapaz.

— Como sabe disso? — indagou ele.

— Viemos aqui uma vez — disse Gendry, ainda olhando para os troncos mortos, mas tentando visualizar para além deles, buscando visualizar o Solar de Bolotas.

Lembrava-se de que Arya usava um vestido de bolotas, dado pela Lady do local. Lembrava-se também dela ter tentado fugir dele e ele a agarrou e lhe fez cócegas. Fazia tempo que ele não se sentia uma criança.

Gendry lembrou-se de que a primeira vez dele e de Arya também foi na floresta, cercados de sequoias, arbustos e salgueiros. Ouvira dizer que a maioria das donzelas chora quando perdiam a donzelice e que sangravam entre as pernas, parecendo como um animal abatido, mas Arya gemia como se fosse um choro baixinho de um gato — também arranhava suas costas como se fosse um — ou uma criança triste se lamuriando, e deslizar através dela não fora difícil. Quando ela gozou, ficou ainda mais fácil, pois era como deslizar em óleo morno. Ela também havia dado prazer a ele com as mãos e com a boca, do mesmo modo que ele sabia que a mãe e as colegas dela faziam quando encontravam um homem que as pagasse bem por uma noite.

Quando Arya disse que ele fora o seu primeiro, Gendry sentiu uma onda de emoção cobrir o seu corpo e ele sabia que era o homem da vida dela.

Apesar de estar escuro, Arya estreitou os olhos, fixando a visão na floresta morta. Edric percebeu que ela observava algo.

— Está vendo algo, Arya? — ele perguntou. — Temos inimigos?

Ela respondeu que não com a cabeça.

— Não, não é isso — ela respondeu. — São os represeiros.

— Que tem eles? — indagou Gendry. — Estão mortos.

— Não, não estão — ela respondeu. — A vida está crescendo de novo.

Edric franziu o cenho loiro.

— Como assim? Eles estão mortos há séculos Arya; é impossível.

Não adiantava, nenhum deles podia enxergar como ela. Mas Arya podia ver a vida crescendo nos troncos cortados, em forma de pequenas plantas vermelhas e frágeis.

Arya também viu a Fantasma de Coração Alto; pequena, com cabelos desgrenhados e olhos vermelhos. Escondida entre as sombras, a velha acenou para Arya, mostrando que também podia vê-la e depois sumiu na escuridão.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Os próximos dias foram tão exaustivos quanto os outros. O caminho estava cada vez mais cheio de neve, e toda a flora estava morta, quase tanto quanto a fauna. Nem mesmo os gatos-das-sombras os rodeavam mais, parecendo ter deixado território em busca de comida ou morrido esperando por esta. As moscas também pareciam ter diminuído, provavelmente não suportavam o frio.

Quando sua loba passou por perto de um cadáver coberto de lavas, quase todas mortas pelo frio, com as vivas se rastejando lentamente para fora, Arya sentiu uma enorme tentação de descer da loba e comer as gordas lavas e encher a barriga. Mas sabia que estava praticamente congeladas, e que não podia parar o grupo inteiro por isso, então apenas deixou Nymeria arrancar o braço podre e cheio de bichos rastejantes congelados do morto e comer sozinha.

— Estamos perto de Correrrio — disse Edmure. — O local está destruído, mas ainda posso reconhecer. Sim, estamos próximos.

— Graças aos deuses — exclamou Gendry, sentindo a ferida latejar. A cicatriz estava inchada e expelindo um grosso pus amarelado, emanando um cheiro horrível. As faixas que o cobriam estavam totalmente sujas.

Arya olhou para a ferida aberta de Gendry com certa apreensão. O unguento de ervas que ela passou em seu rosto não fez efeito algum. Tinham que arranjar um meistre para ele, ou a ferida logo ficaria preta e a carne começaria a gangrenar. A Casa do Preto e Branco lhe ensinou algumas coisas sobre feridas e remédios, mas não era nada útil sem os elementos necessários para tal.

— Devemos apressar o passo — disse Arya.

Edmure meneou a cabeça.

— Lamento Arya, mas nós não temos como — disse ele. — As terras estão devastadas, o caminho cheio de perigos desconhecidos e todos estão muito fracos para acelerar o caminho.

Arya fez um som irritado e Nymeria mostrou os dentes enquanto caminhava.

— Eu vou ficar bem, Arya — Gendry disse, sabendo que era o motivo de sua angústia. — Logo chegaremos ao castelo.

Arya o encarou. Gendry estava magro, com o rosto inchado e olhar febril. Estava curvado sobre a própria barriga, onde ainda tinha um hematoma causado por um golpe de Brynden Blackwood. Ele não estava nada bem. Na verdade, até o cavalo parecia estar fraco, pois andava de forma lenta e de cabeça baixa, com o pescoço bem curvado. Para piorar, ambos eram picados por arquelas estranhas moscas roxas, que picavam principalmente a ferida de Gendry. Em alguns momentos, ele pegou pegava uma das moscas no ar e esmgava-a com as brutas mãos, cheias de calos. Infelizmente, nem parecia ter mais forças para fazer aquilo, pois os movimentos estavam lentos e desajeitados, não conseguindo acertar os objetos roxos que voavam em sua volta, banqueteando-se com seu sangue.

Entretanto,aoesar de observar que ele estava fraco, Arya sabia que não poderia parar.

— Se quiser — se dispôs Edric —, Gendry pode tomar meu lugar, Arya.

A jovem assentiu e parou a loba. Edric passou uma perna sobre ela e saltou de suas costas, como fazia com um cavalo.

Gendry precisou de ajuda para descer da montaria. Com cuidado, Edric lhe deu apoio e o ajudou a desmontar da sela do animal e depois a montar a loba de Arya. O enxame de moscas não parava de voar em volta dele, zubimdo de forma irritante. A princesa do Norte também lhe deu apoio, segurando sua mão enquanto ele subia. Gendry teve de agarrar o pelo do animal, por mais que não gostasse, sabendo que aquilo irritava Nymeria, que rosnou ao sentir seu couro felpudo ser puxado.

Arya coçou a parte de trás da orelha da loba, sabendo que isso a acalmava. Não que adianta-se muito, pois a loba estava mais irritada do que nunca. Enquanto afagava o seu pelo, Nymeria rosnou e virou a cabeça, se boca aberta. Se Arya não tivesse retirado a mão, teria sido mordida.

— Se eu a estiver irritando, posso descer — disse Gendry, ao ver a reação da loba de Arya.

Arya fez que não com a cabeça.

— Tem algo que está irritando-a desde que saímos — Arya revela. — Não sei o quê; não parece ser apenas as moscas e a fome... Tem algo mais.

— Vocês tem uma conexão — ele a lembrou. — Isto não a permite que você possa ter uma ideia do que seja?

Arya deu de ombros e franziu o cenho.

— Eu já tentei… É algum cheiro.

Gendry franziu o cenho.

— Será que ela está farejando os invasores? Eles podem estar à espreita e…

— Não, não é isso — ela garantiu. — É um cheiro de alguém que a atormenta. — Olhou para alguns dos membros que vagavam com eles. — Mas não tenho certeza de quem seja…

Enquanto falava, perdida em suas suspeitas, Gendry escorreu e caiu das costas de Nymeria, estatelando-se no chão de lama e neve. As moscas roxas que alimentavam-se de sua vida voaram de forma desordenada, parecendo uma nuvem roxa, e desceram até o corpo caído no chão, percorre do em volta dele e descendo para achar um local onde poderiam chupar sangue.

— Oh! — Ned exclamou, surpreso, ao ver o cavaleiro caído.

Arya saltou da loba e ficou ao lado do amante ferido.

— Gendry! — ela o chamou, virando-o pelo ombro e tirando a cara dele da lama. Bateu uma mão no ar, querendo espantar as moscas algozes, que a irritavam com o tinido de suas pequenas e estúpidas asas translúcidas, irritando-a. Pegou algumas com a mão, varrendo o ar, e esmagando-as de uma vez.

O rapaz apenas gemeu, a ferida estava coberta de lama e neve derretida. Apesar dos esforços de Arya, um enxame de moscas varam até seu rosto, cobrindo-o quase por inteiro, baqueteando-se enquanto a vítima ainda estava viva e quente, e podiam chupar seu sangue.

— Princesa — disse Brynden, por cima da sela de seu cavalo, sua voz era um tanto compassiva —, eu lamento, mas precisamos ir.

— Não podemos parar, Arya — disse Edmure, com uma expressão triste, mas Arya sabia que nenhum dos dois se importava com Gendry.

Arya os olhou em desafio:

— Eu não deixarei, Sor Gendry!

Edric desceu de sua sela e se ajoelhou. Ele apoiou a cabeça de Gendry em seus joelhos e deu um beijo na testa suja do cavaleiro, como se fosse um irmão ou um amante.

— Eu o carrego — Disse o Lorde de Starfall, tirando a lama do homem caído com o manto roxo que usava. Olhou para os tios de Arya. — Já o fiz com Lorde Beric quando tentaram atacar o seu corpo. Eu o salvei, e posso salvar Gendry também.

— Não seja tolo, rapaz — disse Brynden. — Mesmo que o levemos até Correrrio, ele não sobreviverá a jornada no estado em que está.

— Talvez eu possa ajudá-lo — a voz com sotaque das sombras da Sacerdotisa vermelha pairou sobre eles. Ela se aproximou deles, com as vestes escarlates rasgadas. Ela montava um garanhão vermelho e segurava uma tocha, mesmo estando de dia.

Brynden franziu o cenho.

— E que pode fazer? — ele indagou, não crendo nas palavras da Mulher Vermelha. — Seu deuzinho não pode…

— Eu vi ela queimar um homem vivo — Edmure a defendeu. — E eu e você vimos do que o Deus da Luz é capaz.

Brynden olhou de soslaio para Melisandre.

— De fato — ele respondeu. — Eu vi as atrocidades das quais esse demônio vermelho é capaz de fazer. — Cuspiu. — Eu vi seus demônios.

— Quieto! — Ralhou Edmure.

Arya sabia do que eles falavam. Eles podiam não saber que ela sabia, mas ela sabia. Arya matou a mãe revivida. Revivida pela magia do mal do Deus de Melisandre.

— Não — Arya respondeu. — Não vai tocar nele.

Os olhos vermelhos de Melisandre a encararam com pena.

— Então seu amante está condenado, princesa — Melisandre respondeu. — Ele não estará apto para sobreviver a tal infecção.

Arya olhou para Gendry. Seu amante, cavaleiro e ferreiro estava inconsciente de dor. Edric tocou seu ombro.

— Eu sei que é tentador — disse Ned. — Mas eu não suportaria ver Gendry como um novo Beric... Ou você sabe quem… Ele merece mais do que isso, Arya.

Ela assentiu e voltou a fixar o olhar para a sacerdotisa.

— Não — ela disse. — Ned e eu o carregamos até ele acordar.

No fundo, Arya sabia que carregaria a dor de Gendry para sempre, mas preferia isso do que saber que ele poderia se tornar um monstro.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Harry sabia que devia ficar longe de Arya e de seus companheiros. Todos os lordes viram o seu rosto, mas eles estavam na dianteira, a maioria em cavalos, enquanto ele ia a pé com o restante da ralé andadora e morta de fome. Eram um bando de bocas inúteis.

Estava afastado, tentando esconder o rosto, mas não havia esquecido-se de que foi traído e tinha pessoas para se vingar. Quando a hora chegasse, ele os mataria, nem que fosse a última coisa que pudesse fazer antes de morrer.

Todos eles iriam lhe pagar por sua traição, depois de tudo que eles fizeram por ele.

Quando um cavaleiro andador caiu no chão de neve, todo enlameado pelos cascos de cavalo e pelo andar dos homens que pisaram no local e misturaram terra e neve, alguns olharam para ele, mas nenhum parou para ajudar. Talvez tivessem parado e dado-lhe auxílio anteriormente, no começo dos dias de andança, porém estes dias se foram.

Harry parou e foi até o homem, enquanto todos se afastavam. Tinha que ser rápido.

O homem tentava se erguer, sem sucesso, usando os braços, como se empurrasse o chão frio. Harry o empurrou pelo ombro com uma mão, fazendo-o focar de costas ao chão.

— Obrigado... — disse o homem, achando que Harry queria ajudá-lo.

— Não agradeça. Não foi nada. — Desceu a lança no estomâgo do velho, que abriu a boca, mas não gritou. Cuspiu sangue e pareceu engasgar com ele. Harrold torceu a lança e a retirou, fazendo as tripas do velho saltarem para fora, enroladas na ponta de metal afiada e triângular da arma. Enquanto este tentava repor o estômago que escapava para fora. Fazia um som de dor abafado; um tipo de chiado.

Um brilho se aproximou e Harrold virou para encarar, assustado.

— Ah, que bom que você já cuidou deste — disse um homem, segurando uma lâmpada a óleo. — Vamos, temos que ser rápidos, ou o acampamento vai sem a gente.

Harrold espetou a ponta da lança no chão, prendendo-a. O idoso ainda se debatia.

As bocas inúteis são as mais dificeis de morrer pelo visto.

Em silêncio, Harry e o homem se agacharam, um de cada lado do indigente. O corpo que se recusava a morrer tentou espantá-los com os braçso e falar algo, mas eles só o ignoraram; seus braços eram fragéis como galhos e a cabeça caia para trás, enquanto de forma lenta e o ferido parecia lutar para deixar os olhos abertos e manter a cosnciência.

Harry pegou o punhal e o cinto do difunto, enquanto o rapaz olhava as botas.

— Estão velhas. — o ladrão de corpos comentou, mas Harry nem dava atenção; estava ocupado, tirando o elmo com viseira da cabeça do corpo, que não se debatia, embora a boca se movesse, como se murmurasse algo. — Uma pena... — olhou para Harry.

O homem franziu o cenho ao encarar Harry e aproximou mais o lume, fazendo com que o antigo rei apertasse os olhos que eram machucados pela chama.

— Espere aí, mas que... — esbugalhou os olhos. — Pelos deuses, v...

O punhal atravessou com mais facilidade a carne e os músculos do homem com o lume do que a faca de osso havia perfurado a garganta do falecido carcereiro de Harry. Enquanto o homem gemia e levava a mão para o corte que expulsava sangue de seu corpo, tentando tapar a área, Harry pegou o lume de sua outra mão e a puxou. Levantou-se, enquanto o homem colapsava, engasgando-se no próprio sangue, e caia em cima do cadáver que haviam roubado.

Harry colocou o punhal no cintou e voltou a pegar a lança fincada no chão. Olhou para o grupo. Ainda podia alcança-los.

Ele percebeu que haviam olhos brilhantes na escuridão, então se afastou mais rápido. Que os lobos e os gatos-das-sombras se banqueteassem, junto das moscas papa-sangue.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Os batedores que Edmure enviara com os melhores cavalos que sobraram voltaram quando estavam há algumas horas de Correrrio, escondidos em uma clareira parcialmente queimada, com algumas árvores os escondendo e gramíneas que sobreviveram ao fogo e a neve, apesar de também estarem morrendo. Somente as moscas faziam barulho, zunindo fracamente. Restavam poucas para picar os feridos e os cavalos; apenas o calor corporal das vítimas das quais elas se alimentavam as mantinham vivas naquele frio.

Os soldados avisaram que conforme se aproximavam do castelo, perceberam que haviam navios perto do castelo. Alguns foram destruídos e jaziam no rio congelado, outros, firmes e com as presas.

— Eram enormes navios de guerra — revelou o batedor, usando uma libré dos Bracken —; todavia, não eram os Dracares de Euron Greyjoy, Milorde.

— Pelos deuses… — disse Edmure ao receber as notícias — Que houve com meu castelo? Invadiram? Destruíram as muralhas?

O homem mostrou as palmas da mão, indicando que não sabia.

— Estão muito próximos das ameias, mas não parecem querer invadir. Havia um acampamento em volta, mas não pudemos ver nada, pois quase encontramos os batedores dos inimigos.

— Vou averiguar — disse Arya.

Edmure e Brynden a encararam, horrorizados com a ideia.

— Está louca, princesa? — indagou Sor Brynden. — Não vai chegar perto daquele local.

— Relaxem, não serei eu quem vai chegar perto. — Afagou o pelo da loba.

Antes que pudesse fazer algo, porém, Nymeria levantou as orelhas e ergueu a cabeça, em sinal de alerta. Ao ver aquilo, Arya olhou na mesma direção da loba gigante.

— Tem alguém vindo — avisou Arya, olhando em direção às árvores da clareira que serviam como uma muralha que os escondia.

Seu tio-avô levou a mão ao cabo da espada, mas antes que ele pudesse desembainhar a lâmina, Arya o parou com um gesto da mão.

— Espere — ela pediu.

— O que foi? — indagou Gendry, nervoso. Ele não teria como sobreviver a um ataque.

— Não creio serem inimigos — Arya explicou. Sua loba estava calma, Nymeria não era calma com inimigos.

Dois homens de armadura montados cavalgaram para fora dos troncos das árvores. Um deles usava uma cota de malha, ao invés de uma armadura completa como o companheiro, o cavalo também era mais magro e mais rápido. O outro cavaleiro usava um meio-elmo com forma de peixe. Ambos hastearam mastros de bandeiras nos braços: um era uma truta prateada num fundo de ondas azuis e vermelhas; o companheiro levantava uma bandeira púrpura com uma espada e uma estrela cadente prateadas.

— Um deles é dos Tully — observou Edmure, enquanto os homens chegavam perto, apertando os olhos para poder enxergar —, e o outro…

— É a minha casa! — disse Ned Dayne, quase pulando da sela. — É o símbolo da casa Dayne!

Edmure franziu o cenho.

— O que fazem os Dayne tão ao Norte? — ele indagou. — Ainda mais do lado oposto do mapa? Starfall fica do lado Oeste de westeros.

— Tiveram de cavalgar bastante — disse Brynden, parecendo estar desconfiado.

Ned passou a perna por cima da sela do cavalo e saltou para o chão. Ajeitou o manto púrpura sobre os ombros.

Quando os cavaleiros se aproximaram, os dois soldados Braken ficaram entre eles e o Lorde Edmure.

— Deixem-os — Edmure os ordenou. Apesar de duvidosos, os soldados assentiram e se afastaram, deixando os homens se aproximarem. Ambos saltaram das montarias e se ajoelharam na neve.

— Milorde Edmure — disse o homem que usava o elmo dos Tully —, tenho a honra de ser Sor Edmyn…

— Deixe disso — cortou Sor Brynden —, fale logo a situação em que se encontra o castelo de minha família, sor!

O homem assentiu e disse:

— A frota dos Dayne salvou-nos dos homens de ferro — revelou o homem —; eles estavam prestes a conseguir invadir o castelo quando os navios de Dorne vieram os atacaram com balistas e saltaram para cima do inimigo atordoado.

Edmure olhou para Edric:

— Você os chamou? — indagou Edmure, surpreso. — Ora, rapaz, por que não me avisou?

— Eu os mandei para Norte, Milorde — explicou, e virou-se para encarar o enviado dornês. — Que fazem no Tridente? — Exigiu saber.

— Milorde, o Rei do Norte mandou-nos para cá — ele respondeu. — Nós, junto de alguns outros apoiadores do Norte, viemos para cá para defender o que podíamos do Tridente.

Arya ficou chocada.

— Jon enviou vocês? Então ele vem para cá? E a rainha dragão?

Os dois soldados se entreolharam antes de responder.

— A rainha Daenerys virá com ele, princesa — respondeu o homem que usava as armas Tully. — Eles vão derrotar Euron, Olho de Corvo, juntos.

Arya pareceu nem ouvir o que o homem lhe disse. Seu rosto ficou petrificado, fixado nele.

— O quê? — ela perguntou, parecendo perdida. — Que merda você está falando? — Sua loba eriçou os pelos e rosnou para o homem.

Todos se entreolharam, preocupados com o que viria a seguir.

— Deixe, Arya — pediu Gendry, com uma voz embargada, colocando o rosto no ombro dela. — Por favor, pense nisso depois, princesa.

Arya olhou para ele. Pode ver o seu rosto doente e inchado, seus olhos azuis estavam febris.

Ela aquiesceu.

— O príncipe Rickon também estará aqui logo — o homem continuou.

Arya arqueou as sobrancelhas.

— O quê? Rickon? Mas como?

— Enviamos um corvo para nossos últimos navios para Skagos, Princesa, assim que derrotamos o inimigo — o homem explicou. — Logo deve estar aqui, talvez amanhã ou depois. — Continuou: — A Princesa Shireen está com ele; ambos estavam escondidos em Skagos.

Peixe Negro indagou:

— Não temem dragões? Podem deixar as dúvidas de lado, eles existem e…

— Ouvimos relatos, Sor — Edmyn disse. — De qualquer forma, o dragão não ousa, teme as balistas nos navios, e estamos colocando algumas nas muralhas de Correrrio.

Sor Brynden não parecia tão seguro assim.

— Tem certeza de que isto funciona?

O cavaleiro assentiu.

— Os Braavosi disseram que deram trabalho para o gigante negro da rainha, deve ser pior para o branco, pois não achamos que é tão grande assim. — Continuou: — Embora hajam relatos de que partiu para longe após Harrenhal.

Peixe Negro franziu o cenho.

— E minha esposa? — indagou Edmure, ignorando as indagações do tio. — Roslin está bem?

— Sua esposa está bem, Milorde — respondeu sor Edmynd. — O filho de vocês está bem também, sugando avidamente o leite da mãe e sempre sorrindo.

Edmure pareceu quase chorar ao ouvir aquilo, soltando um profundo suspiro. Parecia ter perdido um peso nas costas. Ele ergueu a cabeça, olhando para o céu nublado, sentindo a neve tocar seu rosto.

— Obrigado por ouvirem minhas preces. — Virou a cabeça e a montaria para os lordes. — Estamos salvos, Milordes! Os deuses ouviram nossas preces, e finalmente chegaremos em Correrrio!

Os homens bradaram, alegres com a notícia do Lorde Supremo do Tridente; finalmente poderiam descansar.

— Sua montaria está fraca, Milorde — disse o homem dornês. — Aqui, tome meu cavalo.

Edric assentiu e pegou as rédeas. Edmynd fez o mesmo gesto para auxiliar o Mestre Supremo do Tridente.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Correrrio encontrava-se entre as águas, com neves cobrindo as amaias e merlões vermelhas, deixando-as com formatos distorcidos e brancos.

O acampamento que cercava o castelo Tully era dividido em três lados, quase como se fosse um cerco, se encontrando dos três lados do castelo. Alguns brasões que Arya reconheceu eram o sol de inverno dos Karstark; o gigante quebrando corrente dos Umber; as seis bolotas dos Smallwood; a espada e a estrela de prata em um fundo roxo dos Dayne e a lagosta verde que segurava um arpão negro sobre um fundo branco da casa Magnar, uma casa nobre de Skagos.

Estou ficando boa nisso, pensou, orgulhosa por estar aprendendo a memorizar as casas; antes tinha dificuldade de memorizar todas, pois deixara de estudar após ir para a Capital.

Havia um brasão, porém, que Arya não reconhecia: um sol de disco marrom e chamas vermelhas. Havia visto esse símbolo antes, em Winterfell, mas não sabia qual era a casa.

— Se os Smallwood estão aqui — disse Edmure —, então a esposa de Theomar fugiu do castelo.

— Não me surpreende — Arya respondeu. — O castelo é pequeno e feito de madeira, e pouco fortificado, dúvido que tivessem chance contra os homens de ferro, quem dirá contra um dragão.

Quando chegaram perto do acampamento, os soldados fizeram reverência para Arya, Edmure e Edric conforme eles andavam. A jovem Stark reconheceu que alguns eram selvagens, entretanto, estes eram um tipo diferente: usavam armadura de escamas de bronze, ao invés de pele e couro fervido, ao estilo dos primeiros homens.

Havia também pessoas pequenas e magras entre os membros do acampamento. Seguravam lanças com ponta de obsidiana e usavam folhas como roupa. Arya achou que eram de alguma tribo selvagem de pessoas pequenas, até que percebeu que os olhos de âmbar eram cortados como os de um gato, a pele era pintada como a de um veado e tinham apenas quatro dedos com garras.

Edmure e os outros os olhavam com espanto.

— O que são estas criaturas? — indagou Peixe Negro, estranhando os pequenos seres.

Arya deu de ombros.

— Filhos da Floresta, talvez? — Ela sugeriu.

Edmure meneou a cabeça.

— Não, não é possível… Isso são só lendas.

— Havia um gigante peludo em Winterfell, tio — Arya o lembrou. — Não creio que muitas coisas das lendas possam ser tidas como falsas atualmente.

As criaturas pequeninas, os selvagens e os skagosi cavalgavam animais variados: cavalos, unicórnios enormes com um chifre na ponta e cascos sujos, lobos, lobos gigantes, Gatos-das-Sombras, ursos das cavernas e ursos polares, e alces gigantes. Mas, sem dúvidas, os animais que mais chamavam atenção eram os predadores que os pequenos Cranogmanos, pessoas que viviam nos pântanos gelados do Gargalo, cavalgavam como se fossem cavalos: os lagarto-leões — poderosos crocodilos de escamas verdes tão escuras que pareciam pretas; o corpo do animal não era muito grande, chegando até dois metros, e sendo lentos; mas o que chamava atenção e dava tamanho ao predador era a cauda: dois metros de cauda, superando o torso do animal, e podendo ser usada como um chicote gigante e capaz de quebrar ossos.

Arya nunca vira tantos animais em um só local. Alguns eram bem raros — ela vira um lagarto-leão apenas uma vez na su vida, anos atrás, quando estavam de viagem para Porto Real, junto da comitiva do falecido Rei Robert. Seu falecido colega, Mycah, filho açougueiro, lhe mostrara um.

— Vivemos tempos estranhos — Edmure comentou, ao ver um grupo de mulheres guerreiras com armadura de ossos e crânio de cachorros e cabeças de homens apodrecendo em cima de lanças. — Questiono-me: quanto tempo até vermos Snarks e Gramequins? — O tio de Arya fez o sinal da estrela de sete pontas, como se se besuntasse contra aqueles pagãos e suas criaturas mágicas, como se fossem demônios.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Correrrio não era um castelo comum, tendo apenas três lados ao invés de quatro, em contraste com a maioria dos castelos Westerosi. Também não era particularmente grande. Suas paredes eram de arenito vermelho e as torres de vigia eram redondas com tetos triangulares. As torres principais, como a torre de menagem, eram triangulares como o próprio formato do castelo.

Um das utilidade da geografia e do tamanho do castelo era sua defesa: abrindo as comportas, a água enchia um amplo fosso e deixava o terceiro lado do castelo inundado, deste modo, o Castelo dos Tully era como uma ilha, sendo praticamente inexpugnável. Qualquer cerco que fosse feito teria de ser feito dos três lados do rio e ultizando barcos para a conexão. Qualquer bote que passasse por perto das muralhas vermelhas do castelo era alvo de flechas e pedras enormes que os soldados Tully jogavam contra eles do alto das muralhas.

Arya, Gendry e Edric foram os primeiros a entrar num barco, ao lado de Edmure e Peixe Negro. Passaram pelo Portão d’água e atravessaram o aro de arenito vermelho, com espigões de ferro enferrujados pingando sobre eles. Atrás deles, viam os Blackwood e depois os Redfort, com o corpo do pai morto. Atrás destes, vinha Lorde Bracken, o novo Lorde Mallister, e todos os outros sobreviventes. 

Nymeria ficou do lado de fora, com a sua alcateia, uivando em direção da dona. Da barca, Arya acenou com a mão, sentindo o medo e o anseio dela. Esperava que pudesse trazê-la para dentro depois, para que ele pudesse ter a ninhada em segurança.

A “escada d’água” — um apelido para um caminho d’água do rio — levava para o interior do pátio do castelo, onde um meistre aguardava prontamente. Arya e Edric ajudaram Gendry a subir para a terra firme, cada um pegando-o por um braço. Poucas moscas sobravam naquele momento, mas ainda tinham que espantar algumas do rosto do cavaleiro.

— Precisa tratar dele, urgentemente — disse Arya, sabendo que ele dificilmente levaria um qualquer como Gendry tendo outros lordes mais “importantes” para tratar primeiro. — Perdeu muito sangue, e creio que moscas botaram ovos de larvas nele.

O meistre assentiu e falou para eles o seguirem até a sua torre.

— Descanse, Arya — disse Ned, ainda segurando Gendry. — Eu levo Gendry.

— Eu não vou deixar…

— Vai, Arya — disse Gendry, tentando soltar o seu braço do dela. — Eu ficarei bem. Descanse um pouco, princesa. Se aqueça.

Edric o puxou e um dos homens de armas de Correrrio o ajudou quando Arya soltou o braço do amante, a contragosto. Edmure botou uma mão em seu ombro.

— Acalme-se, princesa — ele disse —, meistre Vyman é bom no que faz, vai curar o teu amante logo, logo. Eu prometo.

Arya assentiu. Olhou para o rio e viu os rapazes Redfort, com o barco já atracado, levantando com cuidado o corpo do pai morto, descendo do esquife, afundando os pés na água congelante do rio e erguendo o barco nos ombros, fazendo água pingar e escorrer em grande quantidade sobre eles; o cadáver estava inchado e fedido, com um aspecto escuro e haviam estranhas moscas roxas, do tamanho de abelhas picando-o, assim como picavam os rapazes que erguiam o barco — ela imaginou que o corpo no esquife devia ser uma grande incubadora de ovos. O mais velho dos irmãos parecia ter mais dificuldade em erguer o esquife, parecendo esbaforido e prestes a desfalecer a qualquer momento. Moscas também picavam a sua nuca e seu couro cabeludo vermelho, e o lorde fazia de tudo para ignorar a dor, embora fosse visível em seu rosto que ele estava em grande agonia.

— Eu prometi dar a eles um esquife para colocar o pai deles — disse Edmure. — Bem, poderiam esperar este secar, ao invés molhar o septo, ou esperar um menor, mas que seja. Vamos deixá-los no septo e eles farão sete dias de vigília. — deu um suspiro, parecendo cansado. Havia uma crosta de insetos esmagados em sua nuca.

— Se tivermos tempo — comentou Arya. Achava que seria melhor o mais velho dos irmãos, agira Lorde Redfort, não fazer a vigia, pois estava muito doente. Ela sabia reconhecer algumas doenças quando entrou na casa do preto e branco; aquele rapaz precisava de cuidados sérios, ou logo precisariam de um esquife para ele. E ele ainda vai piorar por se deixar molhar com água tão fria, observou, achando que não tardaria daquele infeliz senhor do Vale se unir ao seu pai e passar o posto de lorde para algum dos irmãos.

— Só espero que deixem as irmãs silênciosas cuidarem do corpo — comentou Edmure, olhando os Redfort levarem o barco pelo pátio, molhando o caminho e fazendo uma trilha de água no chão. — Se é que sobrou alguma para cuidar.

— Lorde Edmure — uma jovem mulher usando as cores Tully se apresentou, com os olhos lacrimejados, segurando uma pequena criança nos braços, que segurava o pescoço, evoltando-o com os braços pequeninos de bebê, não devia ter mais de um ano, e tinha leves cabelos acobreados e os olhos azuis dos Tully. Ao lado deles havia uma mulher de pele escura e a Lady Smallwood.

— Ah, Roslin — Edmure exclamou, emocionado ao vê-la. Ele foi até ela, mas parou abruptamente, ao lembrar o estado em que estava. — Ah, bem… — ele enrubesceu. — Lamento, esposa, não estou em bom estado para lhe abraçar, nem ao nosso filho.

Roslin deu um sorriso simples e acenou com a cabeça, mostrando que entendia.

— Venha Milorde — ela disse. — Vou levá-lo até vossos aposentos.

Edmure assentiu e voltou-se para Arya.

— Os servos podem levá-la até o quarto de Catelyn e Lysa quando eram crianças, princesa — ele disse. Olhou de relance para a esposa e sorriu. — Isto é, caso minha esposa não queira ficar no meu aposento e deixar o quarto da Lady de Correrrio disponível, para que possamos compensar o tempo perdido — disse — e, quem sabe, dar um irmão ou uma irmã para o pequeno Robb?

A jovem esposa do Lorde Supremo do Tridente acenou novamente, um pouco corada, entendendo a proposta do marido.

— O quarto de minha falecida mãe está de bom tamanho, tio — respondeu Arya. Olhou para a viúva de seu irmão Robb. — Talvez Jeyne fique melhor com ele.

— Ora, se você acha, mas… — Edmure pareceu ter algo a mais a dizer, e equilibrou o peso do corpo em um pé e depois no outro, parecendo ansioso. — Creio que você precisa de um quarto maior para as suas… — limpou a garganta — necessidades, princesa. E Edric precisa de um cômodo para fazer jus a sua importância.

Arya franziu o cenho, sentindo-se estúpida por não estar entendendo o que o tio lhe dizia. Edmure arqueou as sobrancelhas e abriu mais os olhos e acenou para o bote que os trouxe para dentro, parecendo irritado com a lentidão da sobrinha.

Quando entendeu que o tio estava falando de Gendry e Edric, Arya sentiu as bochechas arderem, e percebeu que estava enrubescendo na frente de todos. Tentou não se irritar com o comentário do tio, expondo-a na frente de todos.

— Er, sim — ela respondeu, gaguejando. — Sim sim, claro, seria bom. Obrigada, meu tio. Ficarei no pequeno quarto de minha mãe até Lady Roslin arrumar suas coisas.

O tio e a esposa assentiram e Edmure foi até a esposa, mas parou ao ver Lady Ravella Smallwood.

— Vosso marido está vindo, milady — disse ele, apressado, querendo sair logo dali. — Suas terras foram muito atacadas?

— Tive de sair antes dos invasores chegarem, Milorde — respondeu Lady Smallwood. — O castelo era muito pequeno, e…

— Sim, sim, eu lamento — interrompeu Edmure. — Er, bem… Seu… Seu marido vai ajudá-la logo, eu garanto. Com vossa licença. — Ele saiu andando, apressado para se arrumar.

Após ele se afastar, Lady Smallwood foi até Arya. A mulher já estava bem mais velha do que quando Arya a viu, com o cabelo variando entre castanho e cinza.

— Quando te vi pela primeira vez, fiquei chocada quando soube que era uma nobre — disse a velha Lady, usando um vestido preto e branco, com um cisne branco na parte preta e um cisne preto no fundo branco. — Agora ficou ainda mais incrédula que você é uma princesa e parece ainda mais selvagem! — A mulher riu.

Arya deu um sorriso.

— Creio que estava certa ao me dar as roupas de seu filho — disse. — Combina mais comigo.

— Esta é a sua “agulha para costura”? — indagou a Lady, apontando para a espada na bainha de Arya. — É parecida com as que usam em Braavos, creio.

Arya desembainhou a lâmina e a colocou entre as mãos para que a mulher pudesse ver.

— Ainda não é relaxante usá-la, imagino?

Arya ruborizou.

— Infelizmente.

Ravella deu um sorriso triste.

— Imaginei. — Suspirou. — O importante é que está bem, princesa. — Lady Smallwood fez uma vénia.

— Pode me chamar de Arya, Milady — disse. — Estas etiquetas são mais a cara da minha irmã e não estamos em algum discussão polítca da corte.

O Ravella assentiu com a sua cabeça. Estava realmente bem mais velha do que da última vez que se viram.

— E a sua filha? — indagou Arya.

— Ela ainda está na abadia, com a tia-avó, em Vilavelha — respondeu. — Aparentemente elas ainda não foram atacadas pelos homens de Ferro, com a graça dos deuses. — Continuou: — Mandei um corvo para elas, falando que estava vindo para cá, e ela já me respondeu.

— Ravella! — um homem gritou, conforme o barco se aproximava do pátio. Ele estava acenando de dentro do esquife, em pé.

— Ah, é o meu marido! — disse Ravella. — Até logo, Lady Arya.

Arya acenou e deixou a mulher se afastar.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

A viúva de Robb ajudou Arya a ir até o cômodo onde Lady Catelyn vivia quando ainda era jovem e o dividia com sua falecida irmã Lysa. O quarto era consideravelmente grande, de forma quadrada ao invés de triangular como o resto do castelo.

— Eu tenho dormido junto de Roslin, ao pé da cama dela — comentou jeyne quando entraram no quarto. Ela pegou o casaco de Arya e o colocou em um gancho. — Vai gostar do cômodo da Lady de Correrrio também, é bem grande. — Continuou: — E temos alguns vestidos aqui, de quando sua mãe e Lady Lysa eram jovens e moravam aqui. Pode usar algum de meus vestidos também, caso queira algum. Devem caber em você, creio, mas, caso não, podemos usar alguns alfinetes.

Arya anuiu e retirou as luvas de couro com forro de pele de carneiro. Andou até uma cadeira na frente de uma mesinha e retirou as botas sujas de lama e sangue. Seus pés estavam duros como couro e cheios de bolhas.

— Pode ficar com o cômodo maior se quiser, Jeyne — comentou Arya, esticando as mãos para ficarem por cima de um braseiro e absorverem o calor. — É de uma posição maior que a minha e eu não preciso de muito espaço mesmo.

A princesa negou com a cabeça. Arya nunca tinha visto Jeyne, apenas ouvido falar; a jovem era bonita, com bochechas altas e cabelo e olhos castanhos, um rosto em forma de coração. Tinha a pele oliva, revelando a descendência estrangeira por parte de mãe. Uma moça bela e esbelta. A jovem usava preto e tinha o cabelo trançado para cima, em um nó de viúva.

Mesmo após tantos anos, ela ainda sente falta de Robb, pensou. Arya também sentia falta do irmão. Na verdade, parte dela ainda achava que talvez ele de alguma forma ainda estivesse em Correrrio, esperando por ela, junto da mãe deles. Sentia falta dos dois. Queria poder saber se eles sentiam falta dela, se estivessem em algum lugar além da vida.

— Creio que vou me resguardar aqui — respondeu Jeyne.  — Eu não tenho pretensões de um quarto maior e nem preciso.

— Mas vai permanecer aqui até o fim da guerra? — indagou Arya. — Seu tio é o novo Lorde de Castamere, mas ainda não tem herdeiro. A linhagem deve ir para o seu irmão… Ele está aqui?

— Raynald morreu no casamento vermelho — ela revelou. — Mas Rollam está aqui. Eu pedi para que ele ficasse nos aposentos, para o caso de alguém reclamar de ter aliados Lannister no pátio. Ele, em teoria, é o lorde do Penhasco, mas não está em condições de ir ao Oeste reivindicar as terras. Não por agora. Nem sei se Aegon não deu a terra para algum outro lorde.

Arya assentiu.

— Você também seria bem-vinda no Norte — Arya disse. —  Lá todos ainda lembram bem de você, afinal é a rainha viúva de Robb.

A jovem viúva abaixou os olhos.

— Tenho dúvidas — ela disse. — Robb e eu não tivemos um casamento de conto de fadas como nas canções.

— Você o fez feliz?

Ela assentiu.

— Você era feliz?

Ela assentiu novamente e Arya deu um sorriso.

— Então é tudo o que importa — Respondeu. — Vá para o seu irmão, vossa graça. Eu me viro aqui.

A Rainha Viúva fez uma vénia e a deixou, embora Arya achasse que era ela quem deveria fazer uma vénia para Jeyne.

Levantou-se da baqueta e foi até uma arcada. Puxou a gaveta e viu alguns vestidos que estavam dobrados e guardados. Apesar de velhos, estavam bem cuidados e perfumados.

Puxou um pequeno vestido verde e florido e o levou ao peito. Devia ser de sua mãe, quando esta ainda era jovem e vivia correndo pelos corredores de Correrrio ao invés de ser uma mãe em Winterfell. Pelos bordados de morcego, imaginou que talvez fosse de sua falecida mãe, mas Arya não sabia o nome e nem a qual casa ela pertencia.

Queria saber mais sobre os avós, mas todos morreram quando ela ainda nem havia nascido… O único avô que ainda estava vivo quando ela nasceu era Lorde Hoster e ele veio a morrer antes que eles pudessem sequer se falar.

A bem da verdade, Arya tampouco sabia sobre sua tia também. Sansa tinha pouco a dizer sobre Lysa, parecendo não gostar de tocar no assunto. Edmure e Brynden eram estranhos para ela, com eles pouco se falando desde que se conheceram.

Também não conhecia bem minha mãe, pensou, mas pelo menos sei que ela me amava, apesar de todas as críticas a mim. Pelo menos era isso que ela queria acreditar. Sabia que a mãe teria orgulho de Sansa, mas e de Arya? Como reagiria se a visse agora, usando couro fervido e botas?

Talvez tenha sido melhor ela morrer, pensou, ou provavelmente eu a mataria de desgosto.

Sansa nunca saberia como Arya se sentia; nunca saberia a dor que carregava por ser imperfeita, o pecado de matar uma parente, e de ser uma pária no mundo, uma estranha. Sua irmã mais velha brilharia em banquetes e teria homens dizendo o quanto era bela sem serem irônicos; Arya, mesmo em uma multidão enorme, sempre se sentiria deslocada, totalmente solitária.

Apesar de odiar vestidos, Arya retirou a roupa de couro e colocou o vestido de seda por cima da cota de malha. Era uma moça pequena, e a veste quase serviu perfeitamente nela, só precisaria pedir para Jeyne ou alguma serva diminuir o tamanho da saia com alguns alfinetes.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

O meistre Vyman expeliu o pus da ferida de Gendry e o despejou em uma tigela. Ele retirou as sanguessugas que havia colocado sobre o rosto do rapaz e as botou em uma bacia.  Jogou vinho fervido na região — Gendry se recusou a tomar leite de papoula para aliviar a dor, então rangeu os dentes e fez uma careta ao sentir o líquido quente entrar em contato com a sua pele exposta. O meistre secou e limpou com cuidado o sangue e o restante de pus com um pouco de linho branco molhado, passando o tecido com cuidado na região. Apesar de tais esforços, a bochecha cortada ainda estava muito inchada e o pus ainda crescia, avolumando a região.

— Por sorte, consegui retirar qualquer ovo de moscas que estivesse impregnado na ferida — disse o meistre. — Infelizmente, a infecção já avançou muito. — Entregou mais um pouco de leite de papoula, mas o cavaleiro negou novamente. 

— Não diga, gênio — ralhou Gendry.

— Sor, por favor — Ned tentou acalmá-lo. — O meistre…

— O meistre não falou nada de novo — interrompeu. Voltou a encarar o meistre, franzindo o cenho. — Que pode fazer?

O homem colocou os panos de lado.

— Creio que terei de cauterizar — respondeu o velho meistre. — Mas a ferida logo vai necrosar logo, e, se for assim, bom, será difícil resolver, pois é um pedaćo da sua bochecha e qualquer corte pode fazer uma abertura até a boca; todavia, temo que a necrose cresça e venha a afetar também o seu nariz. — Continuou: — Estava muito suja e mal cuidada, Sor.

Gendry se irritou com aquilo.

— Eu sei disso, velho bobo e incompetente! — xingou e virou-se para o seu escudeiro. — Melisandre pode cauterizar isto melhor do que qualquer meistre idiota, vá buscá-la.

Ned hesitou.

— Não creio ser prudente, Sor — disse o escudeiro. — É melhor deixar…

— Não ligo para o que você crê e o que não crê — rebateu Gendry. — Faça o que mando!

A contragosto, o rapaz foi fazer o que lhe era mandado.

— Melisandre? — indagou o meistre. — A sacerdotisa de Stannis?

Gendry assentiu e o meistre abanou a cabeça.

— Pelo menos tome um copo de leite de papoula — advertiu o meistre. — Cauterizar uma ferida dói muito.

— Não preciso temer as chamas — garantiu o cavaleiro. — São uma graça de R’llhor, não devo temer o calor e a luz dele, não importa o quanto doa.

O meistre abanou a cabeça novamente.

— Como meistre, não me cabe julgar a religião dos outros — disse Vance. —  Porém, devo lhe dizer: Religião é para acalmar os corações e dar felicidade; nada de bom pode sair de uma religião que só o atormenta.

— Como poeta é um ótimo meistre — Gendry levantou-se da cadeira, mas logo ficou tonto e voltou a sentar-se.

— Fique parado, ainda está muito fraco — advertiu o meistre. — Espere até o seu escudeiro voltar.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Harrold estava usando um elmo com viseira, cobrinado o rosto, deixando apenas os olhos azuis expostos. Usava um gibão com o símbolo dos Waynwood cozido no peito.

— Finalmente — disse seu primo Rolland, vendo mais um barco se aproximar. Era o barco que os levaria para dentro. Seu primo se virou e disse: — Todos os que estão afiliados com a minha causa, venham, agora.

Com prazer, pensou Harrold. Estava particularmente irritado com o primo, talvez mais até do que com Arya e seus comparsas, pois nunca nem gostou deles; mas Rolland? Ele era seu primo, seu sangue. Ambos cresceram juntos e treinaram espadas, aprenderam com os mesmos meistres, e foram cuidados pelos mesmo servos. Pelos Deuses, Harrold havia lhe dado uma boa posição como seu fiel servo!

Não. Aquela traição não seria perdoada. Rolland tinha de pagar.

Harry e os outros seguiram seu mestre até o barco. Harrold sentou perto do primo, em silêncio, enquanto este nem sequer o reconhecia.

— Estou feliz de finalmente poder deixar este inferno gelado para trás — comentou o primo, quando o barco se pôs em movimento com um leve solavanco. — E de me afastar destes bando de selvagens do Norte — disse, se referindo aos nortenhos do acampamento.

Os homens usando o brasão de armas concordaram com a cabeça. Harry acenou também, embora o primo nem prestasse atenção nele. Estavam de frente um ao outro, mas Rollando olhava para o castelo, querendo deixar aquelas terras devastadas paras trás e entrar logo.

Harrold levou a mão até o cinto e segurou o cabo do punhal, pronto para usá-lo no momento certo.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Edric voltou ao pátio.

Enquanto andava por lá, passou os dedos pelo queixo, sentindo-o coçar, e percebeu alguns pelos ralos nele. Tinha de cortá-los, não tinha a menor vontade de barba. Além do mais, Arya parecia gostar de seu corpo nu e sem pelos, ao contrário do corpo de Gendry, pois ela sempre passava os dedos pela sua pele alva e parecia gostar de apertar e lamber seus mamilos rosados, do mesmo modo que Gendry fazia nos seios dela.

Na primeira vez de Ned e Arya juntos, Gendry ainda estava longe, e ele estava com outro grupo da irmandade, afastado da Lady Cat… Da Senhora Coração de Pedra, e tentando outro método de justiça.

Entretanto, quando Ned tirou a virgindade de Arya, ele sabia que ela e Gendry já estavam enamorados.

Lembrava-se de percorrer os dedos pelas cicatrizes de Arya com os dedos, tanto com pena quanto por admiração pelas marcas; ela percorrera os dedos pelo seu corpo também, e apertara seus mamilos dele, mas ele não reclamou pois descobriu que gostava da sensação. Recordou-se de como Arya cheirava a fumaça e de quando ela sussurrara “você foi meu primeiro” — assim como ela fora a dele — e que ela nunca tinha tido um orgasmo antes, seu coração amolecera e ele a respondera:

— Sempre vou te amar — jurara, abraçando-a contra si. — Nunca vou amar mais ninguém, Arya, juro por todos os deuses.

Nem quando Arya e Gendry ficaram juntos ele quebrou a promessa — isso o deixava um tanto mal, pois sempre que os dois brigavam em Winterfell, ela e Ned passavam uma noite juntos; ele não poderia negar nada a ela.

Ned também tinha sentimentos por Gendry, mas sabia que nunca seria correspondido pelo cavaleiro. Nunca sentiria aqueles braços fortes em volta dele, ou o seu membro viril dentro dele, aquecendo-o com sua semente forte como fez com Arya.

Sentia-se mal por mentir para Gendry, pois este provavelmente achava ter sido o primeiro de Arya

Um barco trazia Lady Melisandre para a terra firme e Edric correu até ela. Após a corda ser presa em um anel de ferro, a mulher vermelha pegou na mão de Ned, que a ajudou a sair do barco. Sua pele era pálida, contrastando com o cabelo e olhos de um vermelho vivo. O rubi em sua gargantilha brilhava. Ned beijou-lhe a mão num gesto de galante.

— Meu mestre precisa de vossa ajuda, Milady — disse Ned.

A sacerdotisa assentiu, mas antes que eles pudessem fazer algo, um grito foi ouvido no bote que se aproximava, fazendo ambos olharem para trás, na direção do som.

Um corpo caiu na água, gemendo de dor. Melisandre reconheceu o feio Sor Waynwood, mas não era ele quem caiu na água e se afogava; ele estava agarrando o braço de outro homem, também com o símbolo Waynwood, que tentava acertá-lo com uma adaga. Os dois estavam em pé no barco, e dois homens que os faziam companhia tentavam parar o algoz de Sor Rolland.

— Pelos deuses — exclamou Ned, ao ver a cena —, o que está a acontecer?

Melisandre imaginava o que era tudo aquilo.

No fim, o homem que atacava Sor Rolland se desequilibrou após outro barco trazendo mais pessoas acabar batendo contra o casco do barco dele, fazendo-o soltar a lâmina e cair para trás, na água do rio que adentrava o castelo. Sor Rolland e seus homens também vieram a cair, mas já não corriam mais qualquer tipo de risco.

O homem que havia sido ferido boiava sem vida na água, que ficava vermelha com o seu sangue.

Quando outros homens entraram na água e puxaram os homens caídos para dentro do casco, os levando para o pátio, o capacete do algoz de Sor Rolland caiu e mostrou a cabeleira loira.

— Harry, meu caro primo — disse Rolland, pingando, quando ficou de frente ao primo, que foi colocado de joelhos no pátio. — Seu desgraçado. — Chutou-o com tudo na face com a ponta da bota de couro desgastado, fazendo sangue escorrer do queixo dele.

— Não creio que ele possa estar vivo — disse Edric, quando Sor Rolland e seus companheiros começaram a espancar Harry no pátio, deixando-o incapacitado. O rosto ficou empapado de sangue conforme o enchiam de golpes furiosos e agitados. Um homem o chutava nas nádegas com uma bota de couro duro. Quando terminaram os golpes, Harrold estava sangrando em todos os lugares da face e inconsciente. Um homem o pegou pelos pés e o arrastou pelo chão, provavelmente esperando que isso o machucasse mais.

— Os piores nunca morrem facilmente — Melisandre respondeu, enquanto carregavam o corpo espancado de Harrold para dentro do castelo. Os lordes cuspiam nele enquanto ele passava por ele. 

Voltou-se para Ned.

— Leve-me até Sor Gendry, Ned, veremos o que posso fazer por ele.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Arya estava deitada na cama de sua mãe quando ouviu batidas na porta e acordou. Virou-se e olhou na direção da porta vermelha esculpida em alto relevo com forma de estar sendo coberta com rendilhados de linho dobrados.

A porta se abriu e Edric e Gendry entraram. O cavaleiro tinha uma pequena criança nos braços.

— Olha quem eu achei — disse Gendry, com a Doninha embala nos braços fortes dele, dormindo.

Arya sorriu ao ver a garota, mas o sorriso morreu rapidamente ao ver o rosto de Gendry: uma enorme crosta carbonizada e enegrecida na bochecha que antes estava cortada e entumecida de pus. Saia fumaça do local.

— Que merda é essa no seu rosto? — ela indagou, irritada, enquanto Gendry se aproximava dela.

O ferreiro com uma cicatriz assustadora colocou um dedo entre os lábios 

— Xiu… Não assuste a neném — ele entregou Doninha para ela. Arya a aceitou, embora insatisfeita.

Doninha nunca aprendeu a falar. Ela era uma simples garota quando sua aldeia foi queimada. Sua mãe havia sobrevivido por um tempo, mas logo veio a falecer. Yoren, ainda vivo na época, a trouxe com ele e os outros rapazes para o Norte, mas este também veio a morrer.

Arya nunca soube o nome de Doninha. Ela só era chamada assim pois o jovem e falecido Lommy lhe deu aquela alcunha. Arya pensou ter perdido-a para sempre, mas a achou na irmandade sem bandeiras e mandou-a para cá quando voltou para o Tridente e foi até Harrenhal ajudar os tios — também havia enviado Torta Quente, visto que ele poderia fazer comida para o castelo e pagar a “hospedagem” da garota.

Deu um beijo no couro cabeludo da jovem. Fora da floresta, o cabelo da jovem pôde finalmente ser bem lavado e ela usava roupas modestas — entretanto, a fala parecia perdida para ela, sendo complicada demais para a jovem menina falar muitas coisas; embora não soubesse se Doninha nascera assim ou se fora do trauma sofrido.

Ela nem deve lembrar mais que é a mãe, mas lembra de mim, pois ainda agarrava a minha perna quando nos vimos. Deu um beijo na bochecha da menina.

Gendry sentou ao lado de Arya e alisou o cabelo de Doninha, como se fosse filha deles. Edric sentou-se do outro lado dela e pousou e colocou a mão nos ombros de Arya de forma acalentadora.

— Ela é bem fofinha — disse Ned.

— É, ela é — concordou Arya.

Queria ficar ali para sempre, com os dois homens que ela amava e sua pequena Doninha.

Ouviu mais uma batida na porta e os três olharam para ela. Arya sentiu um cheiro de Torta de maçãs.

— Torta Quente! — ela disse quando a prova se abria e o velho amigo entrava.

— Olá, amigos — ele disse, se referindo aos dois velhos companheiros, sem se referir a Edric. Ele trazia uma bandeja com tortas de maçã.

Os três se levantaram e foram sentar-se na mesa para comer as tortas e conversar.

— Fica para comer conosco, velho amigo? — indagou Gendry.

Torta quente fez que não com a cabeça.

— Infelizmente não posso, Sor — Ele deixou a bandeja na mesa. — Devo ir até as cozinhas, estamos com muitas pessoas para alimentar.

Gendry acenou com a cabeça para mostrar que havia entendido.

Torta Quente viu a Doninha dormindo na cama.

— Quer que eu a leve para os aposentos dela? — ele indagou. — Ela fica com as outras damas e servas, isso quando não está no meu quarto.

Arya negou com um meneio da cabeça.

— Não, não precisa — olhou para a jovem dormindo entre os lençóis de peles no colchão de palha. — Deixe-a descansar aqui. Talvez a Rainha Viúva a aceite por aqui, para fazer compainha.

O cozinheiro assentiu e saiu do quarto após fazer uma vénia desajeitada.

Quando ele saiu, Arya parou de sorrir e olhou para Gendry com irritação óbvia.

— Lá vem… — ele disse ao ver o olhar dela. Pegou uma torta com a mão e a levou até a mão.

— Que merda é esta na sua cara? — ela indagou novamente. — Tenho certeza que não foi o meistre!

— Tem razão, não foi — ele respondeu, cuspindo alguns pedaços de carne enquanto falava. — Foi a Melisandre.

Arya bufou:

— É incrível como se tornou um fanático — ela ralhou. — Desde quando deixa uma fanática mexer em seu rosto?

Gendry deu de ombros.

— O meistre sabia que não tinha muito o que fazer — gesticulou em direção a Ned. — Diga para ela, Ned.

Edric anuiu e ecoou as palavras de seu mestre.

— Ele diz a verdade — aquiesceu Edric. — Meistre Vance disse que talvez tivesse que arrancar bochecha e nariz, e que talvez nem isso parasse.

Arya, apesar de ainda irritada, apenas sentou-se na cadeira e assentiu. Gendry ofereceu uma torta e ela aceitou. Ele sabia que ela logo iria esquecer aquilo e eles se resolveriam com ele derramando sua semente grossa e morna dentro dela.

— O vestido ficou bem em você, m’lady — Gendry comentou, achando engraçado ver a amante vestindo algo que não fosse de couro fervido e curtido. Mordeu mais um pedaço de torta e bebericou um pouco de água que havia ali.

A face de Arya ficou vermelha.

— Era da minha mãe — ela disse, alisando o tecido. A renda preta tinha formato de morcegos.

Gendry ficou abalado com a resposta e abaixou os olhos.

— Desculpe, não foi…

— Tudo bem — ela disse, com um sorriso triste e deu tapinhas na grossa e peluda mão dele.

Ned pegou uma concha e afundou num balde d’água, enchendo-a. Depois, verteu o conteúdo numa caneca de estanho.

— Pessoal — disse Ned —, temos que tirar o elefante da sala. — Se corrigiu: — Bem, na verdade, dois.

Os dois o olharam, confusos.

— Harrold está vivo — ele revelou —, e está aqui.

Arya e Gendry arregalaram os olhos.

— O quê? — Arya não pareceu entender de primeiro momento o que Ned havia lhe revelado.

— Tem certeza? — Perguntou Gendry.

Ned acenou com a cabeça.

— É isso mesmo — ele insistiu. — Eu o vi quando Sor Rolland chegava no pátio através do pátio; Harrold tentou atacar ele, mas o espancaram e o prenderam.

Gendry ficou atordoado com a ideia de Harrold ainda estar vivo. Virou-se e encarou Arya:

— Temos que matá-lo.

A princesa selvagem o olhou de soslaio e fez um estalo com a boca.

— Não comece...

— Ele é uma ameaça! — insistou ele.

— Ele está preso! Guardas o vigiam agora! — rebateu ela. — Quer que eu faça o que sobre isso?

O ferreiro bufou:

— Eu mesmo o mato, então — disse, com os olhos azuis cheios de fúria e as sobrancelhas pretas juntas.

— E com que exército? — indagou ela, com desdém.

— Posso achar apoiadores.

Arya deu um riso amargo.

— É mais fácil eles o matarem então... — desdenhou ela.

— Arya — Gendry ainda tentava convencê-la —, me escute, com seus venenos...

— Pessoal! — interrompeu Edric, vendo que aquilo não iria levá-los a nada.

Os dois o olharam, irritados pela interrumpção.

— O quê é!? — ingaram, em uníssono.

— Tem algo maior que precisamos debater — Ned os lembrou. — Mais importante que o cunhado acorrentado de Arya.

— E o que poderia ser mais importante do que cortar a garganta de Harry? — questionou Gendry.

— Jon — o dornê respondeu. — Jon se aliou a Daenerys Targaryen.

Arya abanou a cabeça.

— Não é possível — ela disse. — Jon não faria isso comigo!

Ned pegou a sua mão.

— Arya…

— Não! — Levantou-se da cadeira e andou até meio metro de distância, sem conseguir se controlar. — Pelos deuses, não! — ela exclamou. — Ele não faria isto com o Norte ou com a nossa família! Aquela mulher louca é filha do homem que matou nosso avô!

Ned a olhou andar em círculos pelo quarto, esperando ela se acalmar. Quando tomou coragem, falou:

— Jon é rei — ele a lembrou. — Se ele acha que o melhor para o Norte é ela…

— Não é! — Arya berrou, sentindo-se uma garotinha outra vez. Suas bochechas ardiam e ela sentia lágrimas surgindo em seus olhos, queimando-os. — Aquela puta nunca será nada de bom!

— Arya — intrometeu-se Gendry —, precisa confiar em Jon; se ele acredita…

— Besteira! Tem que ter alguma pegadinha aqui! Alguma…

A porta foi aberta e um servo usando a libré dos Tully entrou.

— Sim? — indagou Arya, ríspida.

— O quarto novo já está disponível, princesa.

— Ótimo — ela agradeceu, irritada. — Pode sair, eu e meus colegas o encontraremos.

O servo anuiu e saiu, fechando a porta com relevos em formato de tecido.

— Devemos levar a Doninha? — indagou Gendry, acenando para a criança dormindo na cama.

Arya fez que não com a cabeça.

— Deixe-a, ela está com sono.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Harry estava acorrentado novamente, desta vez, nem o jogaram em uma boa cela como a de Harrenhal: estava em uma cela pequena e suja, com ar viciado e apenas a escuridão para fazer companhia. Estava jogado no chão frio, com apenas uma roupa de linho e culotes desgastados. Estava usando correntes novamente, mas estas não eram de ouro, como símbolo de sua alta posição, e sim elos de ferro comum que o impediam de andar livremente. Seu corpo inteiro doía pelo espancamento de seu primo Roland e seus malditos soldados. Seu lábio estava rachado, seu dente estava quebrado e caído, pulsando de dor. Um fio de sangue escorria pelos seus cabelos. 

 Havia um balde para ele fazer necessidades; estava usado e cheio merda velha e endurecida de algum prisioneiro anterior, mas ele sabia que logo teria de usá-lo para se aliviar.

Pensar naquilo o fez Harry formar uma careta na cara.

Estava sozinho, abandonado no escuro, como em Harrenhal. Só que sem os espíritos do infernal castelo o chamando. 

Foi então que percebeu:

— Aqui os fantasmas não cantam… — murmurou no canto da cela e deu um sorriso eufórico. — Aqui os fantasmas não cantam! — o grito ecoou na escuridão do pequeno aposento.

Harrold jogou a cabeça para trás e começou a rir sem, com a gargalhada ecoando nas paredes. Era como se sua voz fosse a de um fantasma agora, reverberando no ar. Estava até perdendo o folêgo.

Lágrimas rolaram e queimaram suas bochechas, mas ele nem se importou; finalmente estava longe de Harrenhal.

— AQUI OS FANTASMAS NÃO RIEM!

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

O antigo quarto de Roslin era bem grande e triangular como o solar de Correrrio. Tinha uma bela penteadeira, belamente esculpida, com belos entalhes; as paredes de cristal eram estreitas e lindas, dando para um parapeito do lado de fora, com vista para o rio, e a cama era enorme, com um lindo dossel azul sobre ela.

A cama dá para três pessoas, pensou Arya, sentindo-se um pouco divertida ao pensar algo tão devasso. De fato, ela sentia que o amor íntimo de Ned e Gendry era o que mais a relaxava quando não tinha irmãos com ela. Só assim seu corpo relaxava e ela se sentia sendo amada e menos tensa.

Edmure esperava por eles dentro do cômodo. Seu quarto ficava no andar de cima. Agora ele usava uma túnica vermelha com peixinhos de prata e linhas azuis na manga e na bainha e calções azuis almofadados. Seu rosto ainda estava inchado pelos hematomas escuros e havia profundas sombras embaixo dos olhos, mas a barba estava aparada e os cabelos acobreados estavam bem lavados e lustrados, e foram penteados para trás, e a pele pálida estava bem limpa e clara novamente, com exceção sem toda aquela sujeira acumulada dos últimos tempos.

— Espero que fique confortável aqui, princesa — ele disse, e olhou para os amantes dela. — E, er, seus amigos também.

Arya assentiu.

— Obrigada, meu tio.

Lorde Supremo do Tridente sorriu e assentiu. De repente, parecendo um pouco desconfortável, ele murmúrou:

— Infelizmente não vejo Pia desde que saímos de Harrenhal — disse ele. — Nenhum de vocês tempouco, imagino?

Os três responderem de forma negativa, meneando a cabeça.

— Uma pena — Edmure suspirou. — Eu gostava muito dela; não a poderia ter em minha cama na frente de Roslin, seria indecoroso demais de minha parte, mas podia ter arrumado um bom casamento para ela, e um bom saco de dragões de ouro.

É melhor que a puta esteja morta, pensou Gendry. Aquela prostituta era uma mulher que havia dado prazer a soldados Lannister. Ela merecia morrer por aquilo.

— Lorde Harrold não a teria visto? — indagou Arya.

Edmure bufou:

— Nem falei com aquele merdinha imbecil ainda — disse Edmure, com cólera. — Por mim, ele seria espancado de novo e seria jogado no tridente após ter a garganta cortada para servir de alimento aos peixes; porém, me recuso a manchar o mesmo rio onde meus antepassados descansam com o sangue daquele ser asqueroso. Ele é uma mancha para casa Arryn.

— Ele tem que ser julgado — disse Arya, ainda furiosa ao lembrar do cunhado. — Não suporto a ideia dele viver depois de tudo, ainda mais que minha irmã está presa a ele.

Edmure concordou com a cabeça.

— De acordo — disse. — Porém, não nos esqueçamos de que, mesmo odiado, ele ainda é lorde do Vale...

— A maioria o odeia — Arya o interrompeu.

— ...E, que apesar de ser muito odiado por todos — Edmure continuou, ignorando a interrupção da sobrinha —, ele é o único herdeiro de Jon Arryn que restou para o Vale; se Harry morrer sem herdeiros diretos de seu próprio sangue, o reino dele pode entrar em colapso.

— O irmã de Arya não serve? — sugeriu Edric.

Edmure negou a possibilidade com um meneio da cabeça.

— Jon é rei é do Norte e Lorde de Winterfell — respondeu. — E ainda tem o tridente e, claro, o próprio Vale de Arryn, mas ele não pode estar nos três reinos ao mesmo tempo. O leste precisa de um líder para sua região e herdar os castelos e terras pertecentes aos Arryn, tal qual eu faço com correrrio e as terras Tully.

Ao ouvir fakar do irmão Jon, Arya sentiu seu estômago se enrolar e mordeu o lábio apreensiva.

— De qualquer forma — o tio finalizou o assunto —, o julgamento deve esperar até a chegada de meu rei e sua comitiva. — Suspirou, exasperado. — Pelos deuses, nem sei como manter tanta gente neste castelo, ainda mais sem os suprimentos do Vale!

Edmure olhou para Edric Dayne.

— Ah, eu já ia me esquecendo, os vosso servos já deixaram algumas vestes suas aqui, Milorde — avisou. — Estão guardados em sacolas perfumadas, embora tema que não sirvam para este inverno no qual estamos presos. — Edric anuiu e agradeceu. O lorde de Correrrio olhou para a sobrinha novamente. — Este era um dos vestidos de minha falecida mãe.

Arya olhou para a saia do vestido e a alisou com as mão. Mordeu o lábio.

— É muito lindo, espero que não se importe.

Ele fez um gesto com a mão, mostrando que não dava importância.

— Está linda, princesa — ele disse. — Combina com você. — sorriu. — Sua mãe estaria orgulhosa de ver a mulher que você se tornou.

Arya desviou o olhar, cabisbaixa.

— Disso tenha dúvidas…

— Besteira, você salvou a todos nós, acredite, sua mãe iria se orgulhar. — Deu tapinhas no ombro dela e se virou.

— Meu tio — chamou Arya, antes que ele partisse —, sobre o meu irmão, o Rei Jon…

Edmure suspirou.

— Bem, acho que isto é para você, princesa. — Ele retirou uma carta do bolso das vestes e entregou nas mãos de Arya, que rapidamente a abriu e leu o conteúdo escrito.

Era verdade: seu irmão iria casar com Daenerys.

Arya amassou a carta e a jogou na lareira.

— Arya? — indagou Gendry, vendo a reação de sua amada.

— Ele nos traiu — disse Arya. — Vai casar-se com Daenerys.

— Talvez seja melhor assim — disse seu tio.

Arya virou-se para encará-lo, incrédula com as suas palavras.

— Como pode dizer tal coisa? — questionou ela. — Ele acabou de se aliar a mulher que matou nortistas!

— E que também é a mulher que tem o maior dragão vivo — ele a lembrou. — Olha, eu gosto desta situação tanto quanto você, sobrinha, mas Aegon tem pelo menos dois dragões… Isto é, caso seja mentira que é Euron, olho de Corvo, quem tem o outro dragão, como ouvi falarem e como seu irmão nos diz na carta… E precisamos enfrentá-lo de alguma forma. — Concluiu: — Só nossos exércitos não são o bastante para derrotar tais feras aladas, precisamos do Dragão gigante de Daenerys para nos ajudar.

Arya odiava como as coisas estavam se seguindo, mas sabia que seu tio estava certo. Ela abaixou a cabeça, derrotada.

— Que seja — disse.

Edmure deu um beijo na testa de sua sobrinha e deixou o quarto.

— O que vai acontecer agora? — indagou Gendry quando a porta foi fechada. Ele foi até Arya e pousou as brutas mãos nos ombros dela.

— Parece que assim que Daenerys chegar ela vai tentar encontrar os dothraki e fazê-los se juntar a nós.

— Boa sorte para ela tentar — Gendry disse num tom irônico. Guiou Arya até a cama e a fez sentar-se. Dobrou um joelho e pegou nas mãos calosas e mortais dela, depois de beijá-las, ergueu a cabeça e olhou para ela. — Vai dar tudo certo, amor, você verá.

— Eu matei o estúpido amante dela — lembrou-lhe. — Ela nunca vai esquecer disto.

Ned cerrou as duas mãos, formando dois punhos.

— Então nós a matamos por você — ele disse, numa fúria fria.

Arya e Sor Gendry olharam para ele, surpresos.

— Não seja estúpido, Ned — Arya disse. — Não pode achar que…

— É assim que é, Arya — Ned a interrompeu. — Era assim com Harry e assim será com Daenerys; qualquer um que tentar ferir você, ou matar você, vai morrer pela minha lâmina.

Gendry assentiu e voltou a encarar Arya.

— Estamos aqui por você, Arya — ele ecoou as palavras de seu escudeiro. — Somos seus cavaleiros, nada vai nos deter quando se trata de amar e proteger você.

Arya sorriu e beijou a ferida carbonizada de Gendry e, depois, roçou os lábios nos dele. Sentindo o calor crescer nele, Gendry se ergueu e beijou Arya, empurrando a língua para dentro de sua boca, enquanto desamarrava os laços de seu vestido. A princesa desamarrou o cabelo, deixando-o solto.

Edric tirou o gibão sujo e rasgado por cima da cabeça, puxando junto sua caminha de linho e foi até os dois companheiros. Os três estavam sujos e fedidos pelos dias de caminhada, mas, apesar de Ned preferir se banhar com mais frequência do que seus companheiros, ele não se importou com isso naquele momento, sentindo a volúpia se entumecendo em seu corpo, fazendo seu falo emoinar e seu corpo arder. 

Arya arfou quando Gendry deslizou para dentro dela, arranhando as costas dele uma mão. Edric subiu nu na cama, indo se juntar a eles; unindo-se no leito de palha fofa, que se retesava sob seu peso, unindo-se aos outros dois. 

Ele sabia que eles teriam de resolver a questão de Harrold — e como deveriam matá-lo, pelo bem de Arya e do reino —, mas resolveu esperar; sua amada estava triste e acuada, e ele precisava fazê-la feliz, dar-lhe amor.

Ned sabia que Arya precisava de tudo, menos mais um golpe. Por sorte, logo o irmão mais novo dela estaria em Correrrio, e ela poderia desfrutar de sua companhia.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O

 

Os mares andavam tempestuosos, e o navio onde Osha estava andou tendo dificuldades para passar pelos cascos dos navios incendiados por Daenerys.

—  Está demorando muito! — ralhou Rickon, batendo o pé no chão. — Quero ir para Winterfell.

Osha franziu o cenho, cansada do humor do garoto.

— Pequeno príncipe sabe que não vamos para Winterfell!

— Mas eu quero ir! — insistiu Rickon e seu Lobo negro rosnou.

A princesa Shireen agarrou as saias de Osha, assustada com o animal.

Suspirando, Osha resolveu dar um basta naquilo.

— Vou ver o que posso fazer — mentiu e saiu da pequena cabine, com a princesa perto de si.

Osha não confiava na garota, mas jurou ao rei Stark que iria protegê-la e assim o fez.

Quando fechou a porta da cabine de Rickon e afastou-se dela, olhou para baixo, em direção da garota feia com rosto de ledra e disse:

— Vá para a sua mãe, princesa — disse. — Eu apenas falei aquilo para sair dali.

A jovem anuiu e fez o que ela disse, indo para outra cabine. Osha sorriu, era uma menina inteligente; tinha mais juízo do que o seu prometido.

 

Subindo para o convés, Osha sentia o chacoalhar do navio a deixando meio tonta. Detestava viagens ao mar, não estava acostumada. A neve caia e ela ergueu o rosto para sentir o toque frio dos pequenos flocos, que derretiam ao entrar em contato com o calor de sua pele. Fechou os olhos, se imaginando na para além-muralha de novo.

Por um momento, deixou de ouvir os marinhos berrando ordens e o som das ondas, deixou de sentir o balançar do navio lhe dando náuseas.

Tudo ficou em silêncio.

Tão rápido quanto veio, o silêncio pacífico foi interrompido com um sonoro ooowwww.., que fez os Osha abrir os olhos, assustada, enquanto seus ossos ardiam.

De dentro das nuvens escuras, surgiu um sol dourado, que rugia em direção ao navio. Todos começaram a correr ou a pular no mar, menos Osha; ela viu a criatura de pele branca e chifres de ouro rugir e descer em fúria ardente, hipnotizada e assustada por sua beleza.

O fogo dourado foi expelido, fazendo Osha finalmente voltar a consciência e gritar, enquanto sua pele queimava e seus olhos explodiam.

 

 


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