The One That Got Away escrita por Polaris


Capítulo 3
Ameixas


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, como estão? Espero que estejam bem.

Terceiro capítulo postado, embora seja o segundo na cronologia hahaha. Participar do desafio de Drabbles sempre me dá um gás absurdo para postar outras histórias, e foi o pontapé inicial para me dar coragem e postar essa aqui. Se você me conheceu pelas drabbles, seja muito bem vindo e espero que goste da história.

Boa leitura!



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05 de julho de 1941

Não hesitei em momento algum quando decidi que entraria para o exército. Sabia muito bem os riscos envolvidos e não me arrependo de minhas escolhas, porque estava lutando pelo meu país e por aqueles que amava.

Ainda assim, estaria mentindo se dissesse que não tive medo quando vi a preocupação refletida em seus olhos naquela noite.  

✧♡✧

AQUELA MANHÃ ESTAVA MAIS QUENTE QUE O NORMAL. Tanto que, enquanto observava o movimento da feira, Jane sentia a cabeça latejar — embora não soubesse dizer se era pelo sol a pino do meio-dia, efervescente e tão típico do início do verão, ou se o rosto da televisão estava assombrando-a outra vez. Os dois, provavelmente. 

Homem de ferro. O que sabia sobre o Homem de Ferro, afinal?

 Bem, sabia que ele era um Vingador, um dos homens mais ricos — e aparentemente, inteligentes também — do mundo e que vendia armas para o governo, até que um incidente específico o qual não se lembrava os detalhes, o fez mudar de ideia.  Mas isso não ajudava muito com sua situação.

Ela olhou de canto para Anton, que parecia entretido demais com a barraca de legumes para notar o quão inquieta estava. Não queria estar naquela pequena aglomeração que a feira de produtos orgânicos se tornava naquele horário, principalmente quando não conseguia deixar de pensar no incidente do café. Mas também não deixaria o amigo sozinho, sabendo que provavelmente subiria à rua mais tarde com quase um terço de seu peso em frutas e legumes.

— Acelga ou repolho? — resmungou ele.

— Sério Anton?

Ele a ignorou.

— O repolho está mais bonito. Mas a acelga é maior. Qual dos dois vale mais a pena?

Jane deu uma risadinha. Ele sempre fazia aquilo. Anton sempre ficava ao menos quinze minutos parado naquela barraca, ponderando entre acelga e repolho para o sarmale — mesmo que no fim sempre comprasse folhas de uva, alegando que não deveria mudar a receita original.

Então voltou a olhar para a rua, onde barraquinhas cobriam a calçada até onde conseguia enxergar. Era uma feira bem grande. Além de legumes, também havia comidas de todos os tipos, artesanato local e uma lojinha que se destacava das outras. Era como um mini sebo de livros, Jane percebeu. Livros diversos, sobre assuntos diversos e que poderiam ajudar. Provavelmente. Quer dizer, pessoas famosas costumam aparecer em livros, não parecia tão improvável assim. Ela alternou o olhar entre Anton e a loja, uma visitinha não faria mal.

— Vou dar uma volta — disse ela, deixando a barraca.

Anton não respondeu. Parecia concentrado demais nos legumes.

Jane por um instante refletiu que talvez fosse mais fácil e prático encontrar a informação que queria pela internet. Mesmo que tivesse suas ressalvas quanto a usar métodos de pesquisa virtuais, tinha certeza de que em menos de quinze minutos conseguiria acessar algum site de artigos, jornais ou fofocas e teria a vida inteira daquele homem em mãos. Assustador, mas conveniente, como a maioria das coisas daquele lugar.   

Só que por alguma razão ela simplesmente preferia seguir a moda antiga. Procurar o que precisava no sebo, sentindo a textura do papel em seus dedos e o cheiro dos livros tinha sua magia. Existia um prazer nostálgico em fazer anotações nos rodapés das páginas, assim como em marcar algumas frases a lápis, para depois reler trechos favoritos. Era algo que tecnologia alguma jamais poderia substituir.  

Enquanto subia a rua de paralelepípedos pensando sobre isso, Jane enxergou de relance seu reflexo pelas vitrines das lojas. A blusa que usava pela manhã tinha ficado na academia, dando lugar às roupas casuais que havia ganho de Anton, anos atrás. Uma camiseta marrom folgada e uma bermuda branca, que cobria metade das coxas. Involuntariamente, puxou a barra um pouco para baixo com uma careta. Ela até gostava do conforto daqueles tecidos, mas sentia como se aquilo não estivesse certo, como se estivesse mostrando pele demais.

Franziu a testa. Será que sempre usou roupas assim? Seria ela do tipo que preferia peças formais, como as moças que trabalhavam no escritório? Ou quem sabe vestidos longos e leves de chiffon, como a moça virando a esquina? Eram perguntas insolúveis que Jane fazia em momentos assim. Talvez porque se sentisse desajustada naquele lugar, com aquelas roupas.

Sabia que a moda em si não era o problema. Não conseguia se interessar pelas revistas da Runaways que ficavam na bancada de Lana e o único item de maquiagem que levava na bolsa era um batom escarlate, comprado em uma promoção do shopping, já que a última tentativa de usar cílios postiços havia sido um desastre total. Jane xingou baixinho. Céus, como odiava aquilo. Se sentia um peixe fora d’água.

 Quando percebeu que já estava em frente ao sebo, respirou fundo. Não valia a pena remoer aquilo, então focou na loja. Homem de ferro. Precisava de um livro sobre o Homem de Ferro. Sua vida. Sua trajetória. Uma biografia ou uma revista de fofocas sobre celebridades, seriam suficientes. Algo para sanar sua curiosidade, ou que pudesse fornecer alguma pista sobre suas origens, na melhor — embora improvável — das hipóteses.  

Olhando ao redor, Jane percebeu que apesar de pequeno, o lugar era charmoso. Parecia como um antigo vagão de trem, mas adaptado para parecer uma biblioteca, com um pequeno caixa no fundo.

De onde estava, ela conseguia observar as poucas prateleiras de livros usados, em sua maioria didáticos, mas também havia alguns livros de autoajuda e romances policiais de autores famosos, como Agatha Christie, todos empoeirados, como se o dono não tivesse o menor interesse em mantê-los conservados. E como não sabia exatamente por onde começar, achou prudente iniciar a procura pelos títulos escritos em romeno por ordem alfabética, na esperança de achar algo de útil. Então ela procurou.

Olhou as  capas.

Leu as contracapas.

Só que…

—Nada — ela resmungou, frustrada— como é possível não ter nada?

Jane se virou para o caixa. Talvez ele pudesse ajudar, isso é claro se estivesse acordado. Seus olhos estavam fechados. Ela fez um ruído com a boca, tentando chamar a atenção, mas ele não esboçou reação. O homem continuava encostado contra a parede, nem um pouco interessado em sua presença.

Scuzați-mă— ela pediu licença, em romeno, já que era pouco provável que falasse inglês, de qualquer maneira — aici sunt cărți despre Iron man?

Jane se sentiu orgulhosa em como conseguiu perguntar se tinha algum livro sobre o Homem de Ferro sem gaguejar. O homem, no entanto, apenas abriu os olhos preguiçosamente e fez uma careta.

Nu știu — ele respondeu que não sabia, mas também não deu indícios de que a ajudaria a procurar, ou se levantar — Acestea sunt toate cărțile pe care le am.

Quis revirar os olhos. 

Havia percebido que aqueles eram os únicos livros disponíveis, mas precisava ser tão rude? Jane não perguntou mais nada e voltou a procurar nas prateleiras e após mais de quinze minutos folheando livros, concluiu ser em vão. Os volumes de economia moderna eram vagos demais, e tinha quase certeza de que não encontraria as respostas que precisava com a autobiografia de um suposto gênio do século vinte chamado Howard ou Howl ou Harry, quem sabe? Era difícil distinguir com aquelas letras apagadas e o sobrenome estava borrado também. 

 

Estava quase desistindo. 

Talvez fosse melhor pesquisar pela internet no fim das contas. E o que estava pensando, afinal? Arg, que grande perda de tempo. Era melhor voltar à feira e encontrar Anton antes que acabasse voltando para casa com todas aquelas compras sozinho. 

Só que quando estava prestes a sair pela porta, sentiu o olhar irritado do dono da loja queimando em sua nuca. Ele provavelmente esperava que ela comprasse alguma coisa, considerando o tempo que passou ali, como se Jane estivesse atrapalhando a preciosa soneca matinal dele.

—Só pode ser brincadeira— ela sussurrou. 

Ele franziu as sobrancelhas, incisivo. 

Cât costa? — ela perguntou o preço do livro que segurava, torcendo o nariz.

✧♡✧

Jane desceu a rua mal-humorada, resmungando sobre o quão mesquinho aquele homem era. Ainda não conseguia acreditar que pagou vinte e nove léus naquele maldito livro. Ela nem gostava de biografias, tampouco jogar dinheiro fora desse jeito.

Ela passou pelas barraquinhas procurando por algum sinal de Anton. Agora precisaria mesmo procurar por aqueles sites com muito cuidado e provavelmente pedir a ajuda de Lana, se quisesse ter certeza de que estava colhendo informações verdadeiras — porque, aparentemente, era muito fácil espalhar mentiras pela internet — e tentar entender como (ou se) o Homem de Ferro se encaixava em sua história confusa. 

E mesmo que descobrisse alguma coisa relevante, o que faria depois? 

Certamente não iria atrás dele. Primeiro porque nem saberia como começar a procurar por um Vingador, uma figura pública. Seria tão ridículo quanto tentar contatar Franklin D Roosevelt. Segundo: alguém como o Homem de Ferro deveria estar muito ocupado fazendo coisas que bilionários playboys filantropos como ele fazem. Indo a festas de gala, salvando o mundo, depois destruindo  e coisas do tipo. Uma mulher desmemoriada comum certamente não parece com algo que chamaria sua atenção. Além disso, era muito improvável que ele a conhecesse — ou se lembrasse dela— de qualquer maneira.

E mais uma vez, Jane sentiu como se estivesse andando em círculos. Tinha prometido que deixaria aquilo de lado, seu passado, seus sonhos. Mas ela simplesmente não conseguia.  E como poderia? Como deixar sua essência, toda sua vida de lado e fingir que nunca aconteceu?

Não parecia certo.

Não parecia justo.

         Estava respirando muito rápido, o mundo ao redor girava. Ela parou em frente a uma barraca e balançou a cabeça, precisava se acalmar. Olhou ao redor e agradeceu a conveniência, estava em frente ao único lugar onde vendia as ameixas que gostava. Uma ou duas daquelas doces frutinhas poderiam melhorar seu humor, concluiu. 

Jane então seguiu lentamente até a bancada e deixou aquele cheiro das ameixas se impregnar em suas narinas. Estavam tão maduras e firmes que sentiu a boca salivar. Jane perguntou o preço para a vendedora e começou a pegar algumas, dando preferência àquelas que pareciam doces.   

Se distraiu tanto, que não percebeu quando outra mão se esticou para pegar a mesma ameixa que estava de olho — a maior de todas, em um tom diferente de púrpura bem no topo do monte e, que parecia muito mais suculenta que as demais.

— Desculpe — disse uma voz rouca.

Era um homem, falando em inglês. Jane levantou uma sobrancelha. Não era comum encontrar turistas naquela região.

— Pode pegar — ela ofereceu, também em inglês.

— Você chegou primeiro — ele respondeu, afastando a mão — é toda sua.

— Que cavalheiro.

Ele riu de um jeito familiar. Jane então ergueu os olhos da ameixa e virou em sua direção.

O mundo girou outra vez e as cores sumiram, exceto uma.

Azul.

Tudo que conseguia enxergar era azul. Não azul-claro como o céu daquela manhã; não azul-piscina como a água da fonte da pracinha. Aquele era um tom de azul único, muito familiar. Porque aquele era exatamente o mesmo que via em seus sonhos, o mesmo azul que tentava tirar da cabeça. Próximo, e ao mesmo tempo, desconhecido. 

Jane não conseguia parar de encarar aqueles olhos cercados por fios de cabelo escuros e um boné preto, que cobria o resto. Estava meio curvado, mas era alto e grande — tão grande que facilmente poderia ser confundido com um armário — e caramba, ele era bonito pra cacete. Sua cabeça começou a martelar outra vez. A mesma sensação que teve com o noticiário no café voltou, com força total.  

Jane o conhecia. Não sabia de onde, não sabia o porquê, mas ela conhecia aquele homem. A questão era:

— Quem é você? — sussurrou. 

— Finalmente te achei — disse alguém. Anton, acreditava — peguei folhas de uva desta vez. Para que mudar a receita original, não?

Não prestou atenção no que ele dizia, pois não conseguia tirar os olhos daquele homem, que parecia tão consternado quanto ela. Seus lábios se movimentavam, como se quisesse dizer alguma coisa, mas nenhum som saiu. Em vez disso, dedos fortes tocaram o rosto dela com uma gentileza inesperada. Era aconchegante e familiar. Jane queria dizer alguma coisa, mas também não conseguia. Não enquanto ele a olhava como se estivesse diante de um fantasma e a tocava como se quisesse assegurar de que ela era real, como se pudesse evaporar a qualquer momento.

Ele sussurrou alguma coisa que ela não entendeu. Mas parecia um nome, dito várias e várias vezes, como se não acreditasse no que via. Jane tinha tantas perguntas. Será que se conheciam? Será que Anton estava certo? Será que ele estava sentindo o mesmo aperto no peito que ela?

— Jane? Jane, o que está…

A voz de Anton estava longe, porque naquele momento, tudo que Jane conseguia enxergar era o azul daqueles olhos. E então:

— Sargento Barnes ao seu dispor, doçura.

Era como um de seus sonhos, como se Jane fosse outra pessoa e ao mesmo tempo não. Seu corpo não respondia a seus comandos, ela apenas podia observar a cena que se desenrolava. Ouviu uma risada e viu aqueles olhos outra vez. Ele usava uma farda militar completa e caminhava em sua direção com o sorriso mais devasso possível, mas ela (a mulher) parecia gostar daquilo, embora não demonstrasse. 

— Eu não acredito — disse uma voz feminina — achei que não fosse partir até o próximo semestre.

— Houve uma pequena mudança de planos. Essa é minha última noite no Brooklyn.

— Então isso quer dizer que está indo para…

— 107ª Infantaria — completou ele, com a sobrancelha arqueada — As garotas adoram a farda.

Ficaram um tempo em silêncio. Jane notou que a mulher estava apreensiva. E irritada.

— Sei o que está pensando.

Será que sabia? A mulher parecia duvidar. Especialmente quando lançava aquela piscadela enviesada, como se não tivesse a menor noção do que estava prestes a acontecer.

— Em que estou pensando?

— Está preocupada comigo. Prometo que serei cuidadoso.

Não havia medo em seu tom, mas Jane notou que seus olhos transmitiam algo parecido. Ele então segurou suas mãos, ou melhor, as mãos da mulher e olhou em seus olhos, como se fosse uma garantia de que tudo ficaria bem. E pelo visto ela escolheu acreditar nele.

Jane puxou o ar com dificuldade. 

Sentiu seu coração parando. Depois acelerando. E então parando outra vez. Tudo queimava, como se seu corpo estivesse à beira do colapso. Seu peito pesava uma tonelada. Não sabia o porquê, mas ela queria gritar com aquele homem desconhecido. Queria também tocá-lo e, acima de tudo, queria chorar. Mas tudo que saiu de sua boca foi um sussurro:

— É vocêas ameixas em suas mãos caíram no chão — patife?

E sentiu o corpo amolecendo. De repente, tudo escureceu.

 


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Notas finais do capítulo

As traduções dos trechos em Romeno estão bem ao lado, embora não literalmente. Espero que tenha ficado bem claro para vocês hahaha. É sempre um deleite para mim escrever com Bucky Barnes, meu personagem favorito da Marvel, que vai finalmente vai aparecer mais por aqui.

Sempre estou aberta à comentários, adoro saber o que vocês estão achando da história ♥ ♥

Por enquanto é isso. Um beijão e até mais!



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