Up all night I won't quit escrita por Arin Derano


Capítulo 4
[MIYEST] - Capítulo 4




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Acordei cedo no dia seguinte e Kimura me ajudou a me arrumar. Afinal, eu teria que fingir que estava casada.

— O que eu falarei para ele? — perguntei enquanto fazia a trança que meu pai tinha me ensinado.

— Diga que seu marido estava ocupado, mas te liberou para visitá-lo. — Ela procurava a combinação certa de vestido com sapato no armário do quarto. É como se nem ela soubesse o que tinha na própria casa.

— Mas e se ele me perguntar mais coisas?

— Sabe mentir?

— Eu não tenho certeza...

— Vai aprender hoje — ela analisou o vestido e o sapato uma última vez antes de sair. — Te esperarei no salão.

Me vesti com o vestido verde escuro e os sapatos de salto curto brancos que ela separou com dificuldade. Nunca tive um vestido, e muito menos sapatos de salto. Mesmo que não fosse tão alto, tropecei algumas vezes no tapete do quarto.

Kimura me esperava no salão. As portas estavam abertas, e pude ver uma carruagem semelhante a que tinha me levado embora me esperando do lado de fora. Até os cavalos pareciam ser os mesmos. Um dos trabalhadores do castelo estava vestido como cocheiro e afagava a crina dos animais.

— Eu tenho mais uma pergunta. — Ela me olhou, esperando. — O que fez com o sr. Frenn?

— Dei um jeito dele não incomodar você nem a sua família mais — admitiu. Tinha uma confiança nela que me deixava intrigada.

— E meu pai?

Ela sorriu.

— Você verá.

***

Quando cheguei, a casa estava diferente. O telhado estava inteiro e uma das janelas que não abria mais a anos estava aberta e aparentemente nova. Ao lado de casa, um cavalo branco comia o feno que tinha por ali.

Por um breve momento, achei que não fosse minha casa. Podia ser que meu pai tivesse se mudado, mas o cocheiro me confirmou que ainda era a mesma casa.

Bati na porta, e meu pai surgiu. Ele estava diferente... Mais radiante. Suas tranças estavam recém-feitas e pude sentir cheiro de pão fresco vindo da cozinha.

Meu pai não cozinhava há anos.

— Es? — seu olhar se iluminou, e eu só consegui abraçá-lo e chorar.

Entramos e nos sentamos na mesa de jantar, que era nova também. Para mim, tinham se passado cinco meses, porém vendo a casa e todas as coisas novas dela me fez imaginar que poderia ter se passado muito mais tempo.

— Como você está? — perguntou, segurando minhas mãos.

— Bem. Eu senti sua falta. Você parece estar muito bem nesses últimos meses — brinquei.

—  Ah, Es... O sr. Frenn foi realmente a pessoa perfeita para você, e para nós. Não demorou muito para ele começar a enviar moedas e objetos valiosos, alguns até muito raros para cá! Consegui trocar a maioria e reformar boa parte da casa. Temos pão de volta em casa Es! E consegui trocar uma joia de rubi e ametista pelo cavalo. Ele ainda está se acostumando. Comprei mais cabras, mas agora nem sei se precisarei tanto delas quanto antes, toda semana eu recebo mais tesouros e moedas para trocar — ele suspirou e apertou minhas mãos. — Eu senti tanta sua falta, mas imaginei que com o tanto de coisa vindo para cá, você estaria muito bem por lá também. Como é o norte?

— Frio. — Foi o que consegui dizer. Eu temia que se falasse mais minha mentira não se sustentasse.

Ele riu.

— Eu imagino. — Ele fazia carinho nas minhas mãos, da mesma forma quando eu era pequena. Ele baixou o olhar para meu dedo, e então lembrei que eu estava com uma aliança. Uma aliança falsa.

Um calafrio passou pelo meu corpo. No que eu estava me metendo?

***

Quando retornei para o castelo, contei tudo a Kimura e agradeci por sua ajuda. Eu sei que era ela quem estava dando todas aquelas coisas para meu pai, e desde que ele estivesse feliz, eu também estava.

Ela sorriu, distante, e disse que precisaria passar um dia fora. Não questionei, e quando ela partiu, mantive minha rotina de sempre.

Ao final do dia, passei pela biblioteca para concluir o livro que estava lendo sobre constelações e notei que o diário dela tinha ficado na mesa que costumava ficar quando estávamos juntas. Eu resisti a tentação de abrir e lê-lo, e finalmente ter a sensação de que a conhecia de verdade.

Cheguei perto o suficiente para perceber os detalhes da capa. Era um livro com capa de couro, e escrito em tinta branca estava um nome:

“Kimura, Miyake. 1859.”

Esse era o nome dela então: Miyake. Me perguntei por que ela não tinha me contado antes. Já nos conhecíamos a meses, não sentia mais a necessidade de chamá-la pelo sobrenome.

De qualquer forma, deixei passar e segui com os estudos.

***

Mais meses se passaram. Eu podia ter certeza agora que o sr. Frenn nem ninguém iria me incomodar com a ideia de casamento mais. Meu pai estava bem e tinha se tornado um famoso mercante do sul. Ele podia viajar como papa fazia e me escrevia cartas das suas aventuras. De alguma forma, Miya conseguia me trazer essas cartas sem que meu pai desconfiasse de que eu estava bem longe de onde eu deveria estar.

Eu comecei a chamá-la de Miya em minha mente. Não sabia se ela iria gostar, então deixava apenas para mim. Eu já conhecia todo o castelo, e acabávamos sempre passando o tempo juntas quando dava, as vezes sem querer, fossem encontros nos corredores ou na floresta ali próxima, quando ela treinava ao ar livre.

A esse ponto, eu tinha plena certeza de que ela era uma mercenária de algum tipo. Já tinha encontrado armas e dispositivos que nem conhecia pelo castelo, e sempre a noite ela voltava com respingos de sangue - que sempre disfarçava quando notava que eu percebia – e cansada.

Algo me dizia que se eu perguntasse o que ela fazia, eu poderia me arrepender. Então preferi acreditar que era disso que ela vivia.

No primeiro dia de inverno, estávamos na varanda do meu quarto observando a aurora astral que se formava quando ela começou:

—O que você acha que eu faço para sobreviver? — seus olhos desviaram do céu para mim.

Pensei em falar com cuidado. Uns segundos se passaram, e decidi que falar muito não ia ajudar.

—Mercenária.

Sua expressão mudou de serenidade para surpresa.

—Mesmo? — Eu assenti. Ela me analisou por um tempo. — Você chegou na parte da biblioteca sobre lendas e magia?

— Não tudo ainda. Tem muitas palavras difíceis que eu não conheço ou entendo.

— Mas já ouviu sobre vampiros? — sua expressão era solene agora.

E eu entendi. Entendi de repente porque ela saía a noite e voltava com sangue na pele ou roupas, que raramente saía na luz do dia e porque dos dentes mais afiados. Me senti uma idiota por não ter me tocado disso antes.

Ela pareceu perceber minha realização, porque nada disse. Voltou a olhar para o céu sem mais aurora, apenas alguns pontos brilhantes aqui e ali.

— Sinto muito não ter te contado isso antes.

— Está tudo bem. Você tinha seus motivos. — Eu sorri. Ela abriu um sorriso fraco.

— Não está com medo? — perguntou pausadamente.

— Depois de passar meses aqui? — soltei uma risada. — Miya, você teve todas as chances possíveis para me matar, e não o fez. Não preciso do medo.

Quando notei que tinha falado seu apelido que tinha dado para ela na minha cabeça, tensionei. Todavia, a resposta pareceu pegar ela desprevenida. Os olhos violetas mais abertos, e o sorriso tenso se tornando mais leve.

— Você tem um ponto.

Nós rimos juntas. E começamos a conversar como se nada tivesse mudado, porque não tinha. Eu apenas a conhecia por completo agora, tanto quanto ela já me conhecia. Ela começou a me contar do que fazia a noite e como saciava sua sede. Não matava pessoas, apenas monstros – pessoas muito ruins – e animais já machucados. Por isso as vezes demorava mais para voltar. Era um “trabalho” seleto e que exigia paciência.

Foi assim que ela lidou com o sr. Frenn, e todas as pessoas que estavam ligadas a ele e que poderiam machucar a mim e a minha família.

Boa parte das coisas que tinha dado ao meu pai eram dele. Já que estava morto suas coisas estavam em desuso, e ela não queria deixar aquelas coisas perdendo seu valor em um castelo distante.

— Você pensou em tudo! — elogiei, e se eu não tivesse enganada, pude ver ela corar. — Muito obrigada, de verdade. Não era assim que imaginava o fim dos Frenn, mas gostei mais da versão que você deu a eles.

Nós rimos de novo e de novo até me cansar. Era começo da madrugada quando decidi dormir. Ela me acompanhou até a porta do quarto, e diferente de mim não parecia nem um pouco com sono.

— Nos vemos amanhã. — Ela se aproximou mais do que jamais tinha chegado e me beijou na bochecha. — Já sei que não posso mais esquecer meu diário por aí. Você não o leu, leu?

Não consegui dizer nada, mas neguei com a cabeça. Ela tinha perguntado isso porque tinha a chamado pelo apelido que pensei, o que queria dizer que tinha chegado mais perto do diário do que deveria.

Além do mais eu esperava tudo dela, menos um beijo.

E eu certamente não esperava que fosse gostar de recebê-lo também.


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