Up all night I won't quit escrita por Arin Derano


Capítulo 1
[MIYEST] - Capítulo 1




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Tudo começou com uma notícia de casamento.

O meu casamento.

Sempre me descrevi como uma romântica sonhadora, mas nunca imaginei estar nessa situação com uma sensação ruim.

Meu pai e eu vínhamos vivendo bem até meu irmão mais velho, Soerin, se mudar para outro continente depois que a família da sua esposa mandou que ela voltasse a sua cidade e ajudasse na fazenda de lá. Nós também precisávamos de ajuda, mas Soerin achou mais importante ir com ela.

“Não vai demorar para o pai encontrar alguém para você se casar e você ajudar nas despesas daqui. Você vai entender quando se casar”, foi o que me disse ao se despedir.

Então por longos dois meses, meu pai têm estudado com quem eu iria me casar. Fui com ele a várias vilas perto e longe da nossa, em busca da minha companhia para a vida toda. No começo, eu gostei da ideia dele me ajudar a encontrar alguém que fosse bom para mim, nós anotávamos possíveis pretendentes e brincávamos quando a pessoa não tinha nada a ver comigo.

Todavia, os dias foram se passando e o dinheiro foi apertando. Já não tínhamos mais dinheiro para leite, pão nem para ervas curativas quando nossas cabras ficavam doentes, e as cabras doentes logo se tornavam cabras mortas, o que indicavam que estávamos ficando sem renda.

E sem renda, logo estaríamos mortos também.

Eu entendi o desespero do meu pai quando aceitou a primeira proposta que surgiu assim que enterramos nossa terceira e antepenúltima cabra da nossa fazenda. Aceitei mesmo que fosse um senhor de cinquenta anos, trinta anos mais velho que eu, mas diferente de mim bem de vida e com dinheiro. Era algum barão de um reino distante que estava disposto a se casar com alguém que lhe desse filhos.

Não me entenda mal, sempre adorei crianças. São almas tão cheias de vida e divertidas, sempre me diverti cuidando das crianças da vila. Mas não estava pronta para ser mãe. Não agora. Precisava ajudar meu pai primeiro, ter certeza de que nossa fazenda iria se reerguer e que ele ficaria bem.

No dia que meu futuro marido visitou a minha casa e a de meu pai para um jantar, ele me disse algo inédito:

“Você vai adorar o meu castelo. É bem melhor do que este casebre.”

Levei uns segundos para processar a informação. Ele estava não só desrespeitando o meu lar onde nasci e cresci, como estava dizendo que eu iria morar com ele. Olhei para o meu pai, em completo choque, e ele me parecia pleno demais para uma informação tão importante.

—Você sabia… — eu murmurei, e ele fingiu não escutar. — Você sabia e não me contou porque sabia que eu não ia aceitar.

— Esther, sente. Já falamos sobre isso e está tudo acertado...

— Não está acertado! Vai ser como o Soeris, que nem deve lembrar mais da gente! — exclamei profundamente chateada. É como se minha vida e meu futuro estivessem desmoronando na minha frente.

— Por favor, Es... — meu pai pediu. Eu entendia os motivos dele, mas eu precisava respirar.

— Preciso tomar um ar. — Eu disse simplesmente e saí de casa. Eu iria voltar.

Era para eu voltar.

Andei por tempo demais, tentando aceitar a ideia que eu provavelmente nunca veria meu pai de novo e muito menos meu irmão, que me vi no meio da floresta que cercava nossa vila. Uma mata que se estendia por todo o sul do continente da qual eu já estava acostumada, eu gostava de passar meu tempo livre estudando a seiva das árvores e as flores e frutas que surgiam dos arbustos.

Entretanto, algo estava diferente. Árvores tinham troncos mais escuros e retorcidos, as folhas tinham um formato diferente quase como se estivessem secas, e o luar foi ficando cada vez mais escondido nas nuvens cinzentas.

Ventos frios faziam as folhas farfalharem, e pude ouvir assobios de corujas ao longe. Era estranho, já que não era época delas estarem por aqui. Ou talvez pudessem ser algum pássaro com canto parecido.

Olhei por onde vim e a trilha não parecia mais a mesma. Me preocupei que eu poderia ter esbarrado em uma daquelas plantas com folhas alucinógenas, e minha melhor decisão agora seria sentar em um lugar seguro e esperar que o efeito passasse. Mas era como se algo me chamasse para mais dentro da floresta, como se eu fosse ficar mais calma com o que quer que fosse que eu encontrasse.

E foi o que fiz, até encontrar uma campina e, mais a frente, me deparar com algo intimidante e ao mesmo tempo fascinante. Um castelo de pedras em perfeitas condições, as janelas de vitrais coloridos de tons avermelhados e arroxeados e uma ponte ligando de onde eu estava até as grandes portas de madeira maciça de entrada.

Algo me dizia para voltar, que seria um caminho sem volta.

Bom, eu já estava ali, a poucos passos da construção. Que mal faria dar uma olhada mais de perto? Eu voltaria assim que confirmasse que não teria ninguém por ali. Apesar de estar em perfeito estado, parecia abandonado. Não havia luzes nem barulho algum lá dentro.

Eu verificaria e voltaria para casa, simples assim.

Me aproximei da porta do castelo e bati com as alças de metal na porta, fazendo um som estrondoso ao redor e até assustando alguns pássaros nas árvores mais próximas. Um tempo considerável se passou, e ninguém respondeu.

Tentei forçar a porta, e ela abriu lentamente, emitindo um ranger e um eco no salão vazio do castelo. Passei pela fresta que consegui abrir e comecei a observar o lugar pela pouca luz da lua que iluminava o lugar. Havia tochas nas paredes, parecendo terem sido usadas recentemente, porém todas apagadas. Nos poucos degraus que tinham logo a frente, tinha um trono feito de carvalho e com um tecido vermelho escuro.

Havia duas entradas uma para cada lado do trono, que deviam dar para o restante do castelo. Se realmente não houvesse ninguém por ali, eu poderia dar uma explorada por lá também.

Senti um arrepio subir pelo meu corpo de repente, e ouvi alguém sussurrar no meu ouvido:

— É corajosa de entrar aqui.

Olhei para o lado e uma garota me olhava de volta com olhos violeta brilhantes. Parecia ter minha idade, talvez alguns anos mais velha, o cabelo preto quase chegando a um roxo bem escuro contrastando com a pele clara, vestimentas pretas com detalhes e alguns babados que se alongavam até o chão e mangas longas que a faziam parecer uma ave noturna.

— Desculpe, eu já estava de saída — menti.

— É mesmo? Achei que quisesse conhecer meu castelo — ela abriu um sorriso ladino.

— Bom eu até gostaria, mas preciso voltar... — processei o que ela disse. — Espera, é seu castelo? De quem você é filha?

— Está dizendo que eu não poderia ter conquistado tudo isso com meu próprio esforço? — perguntou, a cabeça levemente inclinada para o lado. Seu cabelo se movimentou, e era quase hipnotizante de observá-lo.

— Não! Eu...

— Estou brincando com você. Não sou assim. Me chamo Kimura, e você? — ela estendeu a mão para mim. Seus dedos eram adornados de anéis de prata, e suas unhas eram pontiagudas e pintadas de um vermelho sangue.

Apertei sua mão.

— Sardjoe. Esther Sardjoe.

— Hm. Sua família não é daqui, não é? — ela me analisava de cima a baixo.

— Não. Meu pai veio do continente do oeste.

— Interessante. O que trouxe ele para cá?

— Ele... — me interrompi. — Por que quer saber?

— Ah. Peço desculpas. Venha comigo, se quiser. — Ela começou seu caminho castelo adentro, em um dos corredores ao lado do trono.

O corredor parecia não ter fim, as paredes de pedra e tochas indo até onde meus olhos alcançavam. Por vezes, apareciam algumas altas portas de madeira das quais ela ignorava. Em uma dupla de portas, ela parou.

— É aqui. Bem-vinda a minha biblioteca. — Kimura abriu as portas e então vi a maior biblioteca da minha vida. Eram estantes em todo o entorno da sala, que iam até o teto, no qual um lustre ornamentado de velas iluminava o lugar. Logo a frente da porta, existia uma longa janela com vitrais que mostravam a lua cheia, o céu estrelado e uma cordilheira de montanhas abaixo. As estantes possuíam escadas, e no meio do ambiente tinha algumas poltronas, mesas, um tapete circular e mais velas.

— Isso é... — Ela me olhou com atenção, pude ver de relance — Incrível. É majestoso. Como conseguiu todos esses livros?

— Presente de pessoas, trocas em feiras locais.

— Você já leu todos eles? — Me permiti chegar mais perto das estantes. Elas pareciam intocadas de tão limpas. Os livros corretamente ordenados por tamanho e gênero.

— Bom... Ter muito tempo livre te dá essas vantagens — disse simplesmente.

— Mas... como? Levaria uma eternidade ler todos eles mesmo assim! — peguei um deles, de capa dura sobre botânica. Folheei algumas páginas, e tinham textos enormes e várias ilustrações até de plantas e árvores que nunca tinha visto.

Kimura deu de ombros.

Guardei o livro de volta na estante, ainda sem acreditar.

— Esse lugar é um paraíso. Tem todos os livros que preciso para ser curandeira, ou até ter meu próprio herbário! Eu... — a realidade me bateu de repente. — Não posso. Preciso voltar para casa.

— Você não parecia ter tanta pressa quando entrou aqui — comentou, uma das sobrancelhas arqueadas. Estava desconfiada.

Eu tinha uma estranha sensação de confiar nela, e ao mesmo tempo não confiar.

— Antes eu não queria voltar, mas preciso. Meu pai precisa de mim.

Ela me fitou nos olhos, e não pude sustentar seu olhar por muito tempo. Me dava calafrios.

— Tudo bem. Será bem-vinda aqui sempre que quiser. Só não traga mais ninguém. Venha sempre sozinha.

— Por que... — a olhei de volta, e ela ainda mantinha o olhar firme em mim. — Claro. Vir sozinha, entendi.

Kimura sorriu.

— Nos vemos, Sardjoe. — Se despediu e andou para o lado oposto do corredor por onde viemos.

Quando saí da biblioteca, ela não estava em nenhum lugar a vista.


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