Era Uma Vez... Uma Ilusão escrita por Landgraf Hulse


Capítulo 9
8. Me sinto sozinha, como se não pertencesse a esse lugar... uma estranha.




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Três dias, quatro considerando que era quase meia-noite, era o tempo necessário para se entender como uma família funcionava, ou, pelo menos, foi o tempo que levou para Cathrine entender qual o lugar dela na casa dos Bristol.

Os Bristol tinham uma hierarquia bastante simples: Richard sempre vinha primeiro, ele era o soberano da casa e mantinha tudo em ordem e paz; Anne vinha depois, e, por ser senhora da casa, ela cuidava de tudo, inclusive dos irmãos; Robert e Mary estavam na última posição, eram os caçulas da família, cujas únicas obrigações estava em estudar e serem obedientes.

Mas e Cathrine? Qual a posição dela na casa dos Bristol?... Respirando fundo, Cathrine colocou um grande sorriso no rosto e entrou na sala azul. Sendo imediatamente recebida por três pares e meio de olhos curiosos, a marquesa parou onde estava e tentou ao máximo manter o sorriso. Graças ao Cristo, porém, os olhares foram rápidos e eles logo voltaram ao que faziam antes.

O único que ainda a fitava era Richard, por isso mesmo Cathrine foi rapidamente sentar ao lado de Mary, que lia atentamente um livro. Suspirando, o marquês voltou ao livro que tinha consigo. Estando a sala em silêncio, Cathrine olhou para Robert, deitado num sofá com um livro sobre o rosto, depois para Anne, tentando bordar, e, por fim, suspirou melancolicamente.

Uma estranha, era basicamente assim que Cathrine se sentia. Quanto mais tempo passava, mais a princesa sentia que era vista apenas como uma estrangeira, a esposa dinamarquesa do marquês e nada mais que isso. Quase nunca Cathrine era incluída nas conversas... nem ouvida ela era em alguns momentos.

— Você sabe tocar, Cathrine? — A princesa imediatamente voltou-se ao marido e franziu, confusa, o cenho. Como? Percebendo a situação, Richard repetiu sorrindo calmamente: — Você sabe tocar o pianoforte?

— Oh, isso... sei sim. — Uma filha da duquesa Sophie Friederike não poderia ser completamente desprovida de talento. Cathrine percebeu então que Anne e Mary também a encaravam. — Suas irmãs não?

— Eu sei tocar o pianoforte muito bem, apenas não gosto de demonstrar. — Que resposta mais enfática essa de Anne. Olhando para baixo, a fim de esconder um sorrisinho, a marquesa assentiu. — Quanto a Mary, ela...

— Não tenho talento para essa coisa de música. — Tendo voltado ao livro, a princesa caçula respondeu desinteressadamente. Entretanto Cathrine discordava, tocar era expressar em notas que ninguém mais deve saber. — Dizem que o talento é um dos maiores atrativos de uma dama, mas eu não preciso disso para conseguir um marido. Richard encontrará um por mim.

— Tudo tem um limite, Mary. — Inclusive a influência do "insignificante" príncipe de Niedersieg. Negando, embora também divertido, Richard voltou-se novamente a esposa e sorriu. — Poderia tocar para nós, Cathrine?

Algo nela dizia que o início da conversa já prenunciava esse pedido, mas tocar para Richard e os irmãos dele? Isso parecia tão... olhando para Mary lendo, depois para Anne bordando e, por fim, para Robert dormindo, Cathrine decidiu que a timidez não valeria a pena nessa situação, vergonhoso seria negar.

— Será uma ótima distração... e treinamento também, claro, faz tempo que não toco. — Percebendo o que disse, ou melhor, vendo o sorriso dele tremer, Cathrine levantou-se rapidamente e, indo ao piano, corou de vergonha. Ela não poderia deixar transparecer. — A-alguma preferência musical? Talvez Barroco ou Clássico? Na Dinamarca...

— Mozart. — Anne respondeu sem ao menos tirar os olhos do bordado. Não era isso que Cathrine... mas tudo bem.

Sentando ao piano, Cathrine escolheu a Sonata para piano nº 10 e começou a tocá-la. Inicialmente as notas saíram hesitantes e desajeitadas, mas, ao passo que as alegrias de Christiansborg e Amalienborg foram retornando a lembrança da princesa, ela começou a tocar mais naturalmente, assim como mais emocionada. Nesse momento Cathrine regressou a sua infância, aos felizes momentos passados com a família, com a mãe, principalmente, em Christiansborg.

Porém, no mesmo momento que a sonata começou seu segundo movimento, as outras lembranças também vieram. Primeiro Christiansborg pegou fogo e depois, como se não tivesse sido suficiente, a mãe de Cathrine morreu. A alegria tornou-se relativa, e mesmo com as brincadeiras, conversas alegres e risadas permanecendo, nada mais seria o mesmo... assim como o agora nunca seria como antes.

E isso... era tão... Cathrine mordeu fortemente os lábios e fechou os olhos. Tudo era tão diferente! Esses quatro desconhecidos eram tão diferentes! As notas da princesa começaram a ficar mais "fortes". Pareciam estar mais preocupados com suas próprias vidas, suas próprias distração, que nem ligavam para ela, para o sofrimento dela... tanto que nem perceberam quando Cathrine parou de tocar.

Um terrível silêncio tomou conta da sala, o que apenas tornava tudo pior. Apenas a respiração pesada de Cathrine poderia ser escutada, e apenas por ela. Eles não falariam nada!?

— Uma princesa nunca chora em público, Cathrine. — O que!? Arregalando os olhos, Cathrine voltou-se para Anne, ainda distraída com o bordado, e tocou os olhos... lágrimas! Havia lágrimas!

Tal ação foi o suficiente para fazer três dos irmãos se preocuparem. Richard imediatamente levantou e, com uma preocupada expressão, aproximou-se dela; Mary parou de ler e também levantou, preocupada, e Robert tirou o livro do rosto. Cathrine queria esconder o rosto.

— Oh, meu Deus, Cathrine! Algo está incomodando você? — Pegando gentilmente no ombro dela, Richard perguntou. A marquesa negou, embora... toda essa situação estava incomodando ela! — Pode dizer para mim, para nós. Somos sua família.

— Eu... não é... — A voz dela morreu com o semblante genuinamente preocupado de Richard, Cathrine até tentou virar o rosto, mas os outros, até Anne, também a encaravam assim. — Apenas lembrei da minha mãe. Todas as noites ela tocava para nós.

Não era uma mentira, pelo menos não completamente. Limpando suas lágrimas, Cathrine percebeu que as expressões de todos eles ficaram mais suaves, quase que melancólicas.

— É compreensível, Cathrine. Lembrar da companhia que não temos mais é... emocionante. — A única ação da marquesa foi assentir com as doces palavras de Mary, que encarou os irmãos e depois ela. — Sabemos como é.

— Era papai que tocava para nós, mas mamãe estava sempre nos abraçando. — A forma como Richard disse isso, o saudoso sorriso dele... ambos estavam na mesma posição, embora não completamente. O olhar do marquês encontrou-se então com o da marquesa, que virou o rosto fungando. — Você não precisa continuar caso não queira.

Richard até mesmo estendeu uma mão a ela, uma ajuda que ela aceitou receosa. Corando levemente, Cathrine levantou-se e foi rapidamente para o lado de Mary. Que situação mais vergonhosa essa, a princesa limpou os olhos e fungou, princesas nunca choravam. A sala, porém, retornou ao silêncio anterior. Seria preferível o choro ao silêncio?

Mary voltou ao livro, Robert também começou a ler, embora continuasse deitado e Anne, que havia deixado o bordado de lado, observava a noite pela janela. Havia Richard também, que fitava suavemente a marquesa, o que não tinha efeito algum nela. Cathrine suspirou e, olhando para o livro da princesa caçula, franziu o cenho.

— O que você está lendo, Mary? Parece muito com algo que conheço. — Essa capa parecia tão familiar, mas o título estava em inglês e Cathrine ainda tinha dificuldade em ler essa língua. — É um romance?

— A Bela e a Fera.

Oh, Deus! Apesar da indiferença de Mary, um esperançoso sorriso surgiu nos lábios de Cathrine. Ainda havia alguma salvação.

— Na Dinamarca...

— Oh, não, que Deus nos acuda! — Cheio de drama, Robert exclamou sentando. Mary irritou-se, enquanto Cathrine franziu o cenho. — Quantas milhares de vezes você já leu esse livro, Mary?

— E quantas vezes você já leu John Locke, Robert? — O príncipe imediatamente fechou o livro e fez cara feia a irmã. Quando Mary queria ser desdenhosa, ela conseguia. — Exatamente. Fique com o seu contrato social, empirismo e liberalismo, porque eu prefiro meus romances idealizados, em um mundo idealizado.

O príncipe fez uma careta e abriu novamente seu livro, mas que importância isso tinha!? Sorrindo amplamente, Cathrine voltou-se a cunhada mais jovem, Mary também gostava de romances! Isso parecia inédito, porque era sim.

— Então você também gosta de romances? São os meus livros favoritos. Amores impossíveis, obstáculos, vilões maléficos, fadas e o amor verdadeiro e a felicidade perfeita, amo isso! — O comentário dela saiu mais animado que o normal, tanto que ela ganhou olhares divertidos. Catherine arrumou-se em seu lugar. — Todas as noites eu lia para meus irmãos em Amalienborg.

— Pois eu não duvido. — Com um risinho, Mary respondeu, fazendo Cathrine corar envergonhada. A princesa fitou Richard e depois sorriu. — São a visão de um mundo perfeito, de um casal perfeito.

— Um casal impossível, isso sim. — Nem tirado os olhos do livro, Robert desdenhou. Mas Mary simplesmente negou.

— Não dê importância ao que ele diz, Robert não acredita no amor verdadeiro. — O tom dela foi terrivelmente condenatório, mesmo assim Kendal riu. Mary suspirou e voltou-se a cunhada. — Mas eu sim, Anne também... e Richard mais ainda.

Mesmo? Cathrine voltou-se surpresa ao marido e a Anne, que viraram os rostos completamente vermelhos. Sorrindo, a marquesa fitou novamente a risonha Mary. Que informação mais curiosa.

— N-não vou negar que acredito, — Ainda na janela, Anne respondeu gaguejando. — mas ninguém, a não ser eu mesma, precisa saber disso.

— Todos que acreditam no amor fazem bem. — Fitando diretamente o irmão caçula, Richard acrescentou.

— Veremos.

— Todos podem se apaixonar, e toda paixão pode virar amor, e todo amor, quando bem regado e cuidado, pode se tornar tão forte que nunca acabará. — Havia certeza e emoção nas palavras de Richard, mas... como ele sabia o que era amor? Nenhum deles aqui conhecia o amor romântico. — Mas não vamos soltar isso aos quatro ventos, por favor.

Após isso o assunto morreu e Lady Spencer veio logo em seguida avisar que o jantar seria servido, já passava das 23:00. Uma notícia ótima, logo chegaria a hora de dormir, onde ninguém incomodaria Cathrine. Mas, pelo menos, os Bristol disseram que ela ficaria muito feliz com a sobremesa da noite: um dinamarquês Hindbærsnitte.

*****

Final de outubro| Castelo de Windsor, Windsor

Rápido e velozmente, um cavalheiro cavalgava pelo Windsor Great Park rumo ao Castelo de Windsor. Era uma urgência tão grande que todos no parque abriam caminho para o cavalheiro. Por conta do chapéu usado por ele, e também pela rapidez, poucos foram os que realmente conseguiram identificá-lo.

Em dado momento, muito mais perto do castelo, as princesas Augusta e Elizabeth foram avistadas passeando de braços dados pelo parque. Ambas estavam tão imersas no assunto que conversavam, que nem mesmo perceberam o cavalheiro ao distante.

— ... ele não é muito bonito, mas tem um certo charme viril que... — Fechando os olhos, Elizabeth gemeu prazerosamente, ganhando imediatamente um olhar enojado da irmã. — Oh, Augusta, você não sabe quantas vezes já imaginei aquele homem...

— Elizabeth! Estamos no meio de um parque! — E até mesmo a franqueza tinha um limite. A princesa mais nova revirou os olhos, enquanto a mais velha negou. — Guarde sua imaginação para mais tarde. Somos mulheres puras e santas.

— Santas? Faça-me o favor. — Elizabeth riu desdenhosa. Os namoricos delas nunca haviam passado dos beijos, realmente, mas isso não as tornava santas e puras. Em silêncio, as duas aproximaram-se vagarosamente do cavalheiro, também devagar. — Eu gostaria tanto de beijá-lo, mas me disseram que ele prefere espiar Sophia sendo vestida toda manhã.

— Isso é preocupante, não? — Se entreolhando, ambas assentiram. Há apenas alguns passos do cavalheiro, porém, Augusta acrescentou em desdém. — Desista dele, não é um homem de confiança. Afinal, Fátima, ele prefere a anjinha.

Dessa vez nem o apelido zombeteiro de Elizabeth fez efeito, afinal, todos os homens pareciam preferir a anjinha, tanto que isso se tornava algo irritante. O silêncio instaurou-se entre as duas, principalmente quando passaram pelo cavalheiro, que as comprimentou com a cabeça. Nenhuma delas respondeu, apenas continuaram a andar.

— Augusta, Elizabeth, vocês são dois amores, sabia? — Ouvindo essa irônica voz, as princesas pararam, se entreolharam e voltaram-se para trás: o príncipe de Gales, e numa posição bastante relaxada. — Como vai o passeio?... Onde está Sophia, ela não deveria estar com vocês? E Mary?

— Não reconhecemos você, perdão. — Soltando-se da irmã, Elizabeth foi a primeira a aproximar-se do irmão e estender uma mão, que George aceitou e beijou. A princesa sorriu. — Esse chapéu é um disfarce? Porque não funcionou, da próxima vez que fugir de papai melhore.

— Por favor, Augusta, deixe George e sua ilusão em paz. — Augusta também aproximou-se, com a mesma ironia, embora disfarçada, e ganhou um beijo na mão. — Sophia está em Lower Lodge, recuperando-se de um resfriado, enquanto Mary preferiu não vir conosco.

O príncipe de Gales assentiu as irmãs e depois voltou a cavalgar rumo ao castelo. Então o rei realmente faria... oh Deus! Augusta e Elizabeth se entreolharam e depois fitaram o cada vez mais distante irmão. Alguém não sairia feliz de Windsor hoje...

— ... estamos mobilizando nossos diplomatas para conseguirmos o maior número possível de aliados. — Já no Castelo de Windsor o barão Grenville, o secretário dos negócios estrangeiros, fazia seu relatório ao rei. — Está sendo difícil convencer a Rússia, mas ouso dizer que antes mesmo do ano acabar uma nova coalizão já terá sido formada.

— Um fato triste, mas não podemos permitir esse expansionismo francês inconsequente. — De costas para Lord Grenville, observando uma janela, George III respondeu melancólico. Deixar a França livre seria o mesmo que suicídio. — Precisamos da ajuda russa, ela é vital para termos a Áustria e, consequentemente, todo o continente conosco.

— Estamos trabalhando, meu rei, logo esse... Bonaparte será apenas passado. — Um bom ou ruim? Essa era a questão. Grenville parecia muito confiante, ele tinha muita influência consigo, mas nada o rei diria. — Estamos vencendo o cerco de Malta, a França não controlará nem o Mediterrâneo e muito menos a Síria e o Egito.

— É um alívio, estamos barrando uma França na Europa e no Oriente, embora eu me sinta um tirano enviando meu povo a guerra, mas... é por um bem maior: a proteção da Europa e, principalmente, dos britânicos. — A reação de Grenville foi desconhecida ao rei, mas logo em seguida ele voltou-se ao político. — E Dundas? Como vai a saúde dele?

— Está... — Antes que Lord Grenville pudesse falar sobre o secretário da guerra, a rainha Charlotte entrou na sala… com o príncipe de Gales.

Então chegou a hora. Fitando Grenville, que fazia uma mesura a rainha e ao príncipe, o rei sinalizou para o barão esperar um momento do lado de fora. Logo os três estavam sozinhos na sala, e Charlotte posicionou-se bem ao lado do marido. A frieza e fragilidade desse momento era imensa, tanto que pai e filho nem mesmo se encaravam.

— Amélia está cada vez melhor, papai, talvez ela até esteja comigo no Natal, em Brighton. — Tal coisa era inconcebível. George fitou Charlotte e negou, mas ela apenas pegou a mão dele. — Caso o contrário, ela se juntará a vocês em Weymouth.

— A decisão final será tomada após o conselho dos médicos. — Fria e séria, a rainha respondeu, fazendo o silêncio instaurar-se em seguida.

Cansando rapidamente desse silêncio, o rei encarou logo o príncipe de Gales, que retribuiu, ambos num olhar frio e longe da ternura. Decisões importantes deveriam ser tomadas, ações teriam que ser feitas a fim de evitar estragos e nem sempre os sentimentos poderiam ser levados em total consideração.

— Algum problema... papai?

— Além da sua fuga para Worthing? Eu queria dizer que não, mas existe sim um problema, muitos, na verdade. — A indiferença no rosto de Georgie era terrível, porém não o suficiente para calar o rei. — Mas eu não falarei isso, muito pelo contrário, darei logo minha ordem.

— Ordem? — O príncipe perguntou confuso, assim como desconfiado. George assentiu.

— Exatamente. Como rei e pai, tenho prerrogativas e está no meu direito usá-las, quando necessário. — A voz do rei nem mesmo falhou. Charlotte abaixou levemente a cabeça, ela mostrava assim seu apoio. — Foi decidido entre sua mãe e eu que você convidará Caroline para passar o Natal em Brighton. Essa é a ordem e, caso não seja seguida, trará consequências.

George e Charlotte finalmente fitaram o filho que, com os olhos arregalados, negou veemente e afastou-se para trás. Parecia até uma sentença de morte. Mas estava decidido e nada poderia mudar esse fato. O príncipe de Gales buscaria uma reconciliação com a princesa... mas ela aceitaria?

*****

Final de outubro| 1798 Palácio de Hampton Court, Londres

Debaixo de uma pequena tenda armada no Jardim Privado de Hampton Court, enquanto os irmãos de Richard passeavam e brincavam entre as estátuas, o marquês e a marquesa tomavam chá com o barão Linzmain, o atual enviado de Niedersieg em Londres. Estava uma linda tarde de outono, praticamente inverno, e a expectativa inicial de uma boa conversa... não aconteceu.

— A ameaça de uma nova guerra continental está preocupando muito o barão von Frieden, principalmente pela falta de um exército em Niedersieg. — Toda a perfeição dessa tarde foi destruída por Linzmain e seus relatórios. Suspirando entediado, Richard assentiu desatento. — A única proteção que temos é a Guarda do Príncipe, que serve apenas na capital. Em caso de ataque, Niedersieg seria...

Calando o enviado, uma grande folha amarela entrou na tenda e lentamente pousou em cima do bolo que anteriormente Linzmain comia. Que cena mais curiosa. Sorrindo divertido, Richard pegou a folha e fitou o barão.

— Veja, barão, Carpo lhe deu um presente, acho que ela gosta do senhor? — Rindo consigo mesmo, Richard comentou. Linzmain, porém, permaneceu sério, fazendo então o príncipe negar. — Não devemos nos preocupar com a guerra, barão, nem com Bonaparte, ele quer o Egito, não Niedersieg.

Que benefício um principado alemão insignificante traria à França? Além do mais, os austríacos protegeriam Niedersieg, pelo menos foi o que o imperador prometeu e Richard não iria contradizê-lo. Novamente suspirando, ele entrou a folha para Arthur Irvington, o 1⁰ visconde Irvington, um dos cavalheiros do marquês, e voltou-se ao enviado. Linzmain não parecia nada satisfeito.

— Estou apenas relatando o que von Frieden mandou, meu príncipe. — Mesmo tentando esconder, era perceptível o descontentamento de Linzmain. Mas von Frieden enviava muitos relatórios, talvez ele estivesse cansado após servir três gerações de Tudor-Habsburg. — Mais uma coisa: as obras para a ligação do Canal Königsieg já estão em andamento.

— Eu analisei as plantas e parece-me uma obra bem ambiciosa, toda a renovação urbana de Niedersieg e Königsstadt parece, na verdade. — O que era estranho considerando que não faziam nem 50 anos desde a última reforma. Richard pensou e deu os ombros, era para o bicentenário da capital em 1800. — Estou curioso com o resultado.

O barão simplesmente assentiu, suspirou e, levando uma xícara de chá a boca, encarou os dois Bristol mais jovens correndo pelo jardim, tudo usando da mais pura indiferença. Tentando ao máximo manter alguma seriedade, Richard fitou Cathrine, ao lado dele, e revirou os olhos. Linzmain estava agindo como sempre agia, ela não precisava ficar preocupada.

— O barão aceita mais bolo? — Porém a falta de preocupação não significava desconsideração. O diplomata, voltando-se a princesa, negou. Apontando então ao bule, Cathrine perguntou baixa e cansada: — Talvez mais chá, já que o seu acabou.

— Creio, na verdade, que já terei de ir, minha princesa. — Rapidamente o barão deixou a xícara na mesa e levantou. Talvez ele nem quisesse vir para início de conversa. — Irei comunicar a von Frieden sua decisão, meu príncipe. E agradeço muito pela gentileza da princesa.

Após beijar as mãos do príncipe e da princesa, Linzmain fez uma última mesura e então deixou a tenda, voltando para o palácio. A reunião havia finalmente chegado ao fim. Suspirando aliviado, Richard acomodou-se no assento e sorriu para Cathrine, que retribuiu com um pequeno sorrisinho. Qual o problema?

— Nem todos os enviados e embaixadores são assim, Cathrine. — A marquesa assentiu em silêncio e colocou chá para ele. Richard aceitou, mas isso não o calou. — O conde von Heingein, por exemplo, era muito carismático, apesar de afetado.

— E o que exatamente isso significa? Frankfurter Kranz? — Aceitando também uma fatia do bolo, o marquês deu os ombros. Essa parte os pais dele nunca explicaram. Cathrine sorriu e negou. — Bem, isso era de se esperar.

Como assim? Richard encarou curioso ela, mas Cathrine novamente negou e... começou a rir. Foi o suficiente para fazê-lo sorrir e logo rir também, embora fosse mais de encanto que diversão. Poucas, definitivamente poucas, foram as vezes que Cathrine riu nesses doze dias, e vê-la fazer isso agora... fazia o coração do marquês esquentar.

— Talvez von Heingein gostasse de teatro, ou fosse muito dramático. — Era um palpite, não? As risadas da princesa continuaram, parecia até bobo o que Richard falou. O sorriso dele apenas aumentou, tanto que ele provocou: — Tem alguma sugestão melhor, minha princesa?

— Talvez ele fosse um sedutor. — Richard fingiu pensar e assentiu, havia também essa possibilidade. Cathrine riu e... sorriu com uma ideia. — Ou... preferisse a companhia masculina a feminina.

— Não! — Richard negou mais em tom de surpresa que ceticismo, mesmo assim, Cathrine assentiu veemente. — A igreja condena, e a lei também, mas com prisão, claro.

— Eu já ouvi dizer que isso não impede muita coisa, — A surpresa do marquês foi imensa com esse comentário, não pela curiosidade em saber quem disse isso, mas sim pela dissimulação usada por Cathrine. — nem nos mais atrasados estados que ainda usam da tortura e pena de morte.

A surpresa, porém, tornou-se rapidamente uma divertida risada para ambos. Mas logo acabou e o silêncio instaurou-se entre os dois, principalmente quando Cathrine estendeu-se no recamier que estava e fechou os olhos. O único som escutado era o das risadas de Robert e Mary, pelo menos Anne e suas amigas eram mais silenciosas treinando para a apresentação a corte.

Tudo, porém, parecia muito mais distante do que realmente estava. A atenção de Richard estava em Cathrine, e unicamente nela. Sob as luzes do sol poente, o vestido branco de Cathrine dava uma impressionante visão do corpo dela, uma magnífica visão de beleza, e isso não simplesmente por desejo, mas sim pela paz e calma que Cathrine transmitia.

Nunca antes Richard encontrou-se tão submisso, pelo menos não por livre e espontânea vontade. Levantando-se da sua poltrona, o marquês sentou ao lado da esposa no recamier e, praticamente levado pelo sentimentos, acariciou a bochecha dela. Imediatamente Cathrine abriu os olhos, assustada, e a única ação de Richard foi sorrir em desculpa.

— Alguém já disse que você é linda, Cathrine? — Praticamente escapou da boca dele, mas de forma alguma Richard se repreendeu, ele voltou a acariciá-la.

— Apenas pessoas com opinião questionável. Você... é o único em que sinto alguma sinceridade. — Um sorriso amoroso surgiu nos lábios do príncipe. Os olhos deles estavam juntos, como pouquíssimas vezes esteve nesses dias, até que Cathrine sussurrou: — Eu queria tanto que todos os dias fossem assim.

Um outono cheio de vermelho e amarelo? Que pensamento mais... curioso, Richard sorriu. Esse olhar, porém, não manteve-se. Com um suspiro triste, Cathrine virou o rosto, ela voltou a expressão abatida e infeliz de antes. Talvez fosse paranoia, ele odiava o sentimento de culpa, mas Richard tinha certeza que a única coisa de tudo isso era... ele mesmo e seus irmãos.

— Você sabe que pode me falar tudo, não é, Cathrine? — Ela sorriu e assentiu. Richard poderia fazer algo, qualquer coisa, bastava Cathrine dizer. — Eu estou ouvindo.

— Não é nada, Richard... apenas saudades de casa.

— Sinto muito, mas não acredito que seja isso. — Ela simplesmente fechou os olhos, era um protesto. Mordendo os lábios, o marquês insistiu com cuidado: — Diga, por favor... É Anne, não é? Ela disse algo que...

— Não! Anne não me fez coisa alguma! — O desespero era visível nas palavras de Cathrine, mas foi Richard que negou. Era difícil acreditar! Por que ela não falava logo e acabava com isso!? — Eu apenas... não me sinto muito... amada aqui. Vocês quatro são tão unidos, perfeitos, que as vezes eu me sinto sozinha, como se não pertencesse a esse lugar... uma estranha.

Richard ficou sem reação, ele já sabia disso, era verdade, mas ouvir de outra pessoa era muito pior que saber. Por Deus! Como eles eram pessoas ruins, não era a toa que a maioria dos britânicos odiavam os Tudor-Habsburg. Fechando fortemente os olhos, Richard pegou ambas as mãos de Cathrine e a fitou fixamente.

— Eu prometo, pela honra que me foi dada como filho de reis e imperadores, que vou dar mais atenção a você, Cathrine. Eu não quero você triste, Cathrine. Não gosto de ninguém da minha família, de quem eu amo, infeliz. — Richard aproximou ainda mais seu rosto ao de Cathrine. Ela deveria ter confiança. — Eu não quero você infeliz.

— Tenho certeza que você me fará muito feliz. — A confiança na voz dela mostra isso. Os dois continuam se encarando fixamente, embora nada tenha acontecido. — Não vai me beijar?

As bochechas de ambos ficaram vermelhas. Segurando o queixo de Cathrine, Richard aproximou os lábios dos dela e a beijou. Talvez não tenha passado de alguns segundos, mas os sentimentos daquele momento com certeza.

— Ei, vocês dois aí! Nós estamos vendo, sabia!? — E Robert nunca deixaria de ser inconveniente!? Enquanto Cathrine ficou vermelha de vergonha, Richard encarou raivoso o irmão. — Faça-me o favor, não façam essas caras, a noite existe para algo!

Um dia, um santo dia, Robert também saberia o que é amar, ele saberia como é sofrer pelo amor.


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Notas finais do capítulo

* Vamos falar sobre Niedersieg? Eu gosto muito desse lugar e esse romance coloca muito mais foco nele do que os anteriores. O Canal Königsieg, que eu decidi não usar a palavra alemã para canal: kanal, significa "vitória do rei", se você perceber é apenas a junção da primeira parte de Königsstadt, com a última de Niedersieg, o que fica invertido na tradução em português. Eu gosto muito desse jogo de palavras alemão e também de sonoridade. Mas porque o canal não se chama Innkanal... porquê já existe um.

* Falando em alemão, vamos mudar nosso assunto para comida, e vocês, leitores, não sabem a dificuldade que foi encontrar sobremesas alemãs, austríacas e dinamarquesas que eram populares no final do século 18. Eu sempre faço as minhas pesquisas em inglês, justamente porquê a história acontece na Inglaterra, mas essas outras pesquisas são feitas em alemão e dinamarquês, línguas muito complicadas de entender. E não é só pesquisar comidas, mas também a história delas.

* Aqui também foi dado um maior foco nas princesas, em duas delas, na verdade. Eu achei introdução fazer isso, tornou-se uma parte bem mais dinâmica. Agora basta saber uma coisa... onde está Sophia?... e Amélia? Mary?

* "Era Uma Vez... Uma Ilusão" também está no Pinterest: https://pin.it/5X8NmLb



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