Um Reino de Monstros Vol. 4 escrita por Caliel Alves


Capítulo 7
Capítulo 1: Sobre paz e guerras - Parte 6




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O sol vermelho e imperioso nascera atrás dele há algumas poucas horas. As feridas ardiam em suas costas. Tentara realizar a Cura Divina diversas vezes, mas a benção de seu deus Enug não o alcançava. As lâminas que o feriram estavam envenenadas, andar era um ato de coragem excruciante.

Seu sangue púrpuro se derramava em filetes grossos e caudalosos. Se não tivesse removido as lâminas, a hemorragia fosse menos perigosa. Porém, a queimação provocada pelo veneno era grande demais para suportar.

Para diminuir a hemorragia, ele entupiu as feridas com a areia do deserto, o que já lhe provocava uma infecção. Andava cambaleante.

Por um momento tropeçou nas dunas e caiu, rolando até lá embaixo. Quando se ergueu, estava às portas do acampamento da Horda. Duas sombras encobriram o sol, Fethc já sentia as vistas turvarem.

— Mas esses agentes do Batalhão Espectral são mesmos uns inúteis, além de não ter cumprido a missão, deve ter denunciado nossas ações ao inimigo. Mas quando se tem um covarde liderando o seu batalhão como Anhangá, não devemos esperar menos.

— O senhor está muito pessimista hoje, meu general. Essa postura não combina com o senhor. Vamos, o coloque na minha sela e o levaremos até o rei Zarastu. Só ele para curar esse infeliz, afina de contas, ele é a atual fonte do poder de Enug.

Uma garra lupina e poderosa agarrou o döppelganger pelo pescoço e o colocou como um saco na garupa do ser híbrido.

— É isso que me preocupa, ou melhor, me enoja, saber que um mero humano detém o poder do meu deus me dá calafrios.

— Ex-humano.

— Que seja, só não o matei com as minhas próprias mãos porque a mão do Meu Senhor pesaria contra mim. Mas se Zarastu falhar em sua missão, essas garras decapitaram a sua cabeça.

O lobisomem caminhou a passos seguros, sendo acompanhado pelo cavalgar macio do seu interlocutor.

— Um monstro que não consegue usar a Cura Divina não passa de um peso morto para a Horda.

Ambos continuaram até chegar ao acampamento. A organização ímpar do acampamento demonstrava o que antes inexistia na Horda: ordem. No centro, estava a tenda real, onde o rei Zarastu e seus conselheiros deliberavam sobre a guerra.

Havia um espaço específico para cada um dos monstros, e um catre para aqueles que provocassem briga. No acampamento, estavam cerca de 17 mil centauros armados de arcos e flechas, 12 tikbalangues armados de lança, além de salamandras, ifritas, faunos, abura-akagos, os rasteiros goblins, ogros deslocados do Batalhão Colossal e um gigantesco Boitatá, perfazendo o número de 94 mil monstros dispostos a combater pela tomada de Oásis.

Na entrada principal do acampamento, estavam dois ogros. O lobisomem os enxergava como brutamontes sem cérebros, e só havia permitido que participassem da campanha de cerco a Oásis por ordens expressas do rei. Mas no fundo ele os odiava, aliás, odiava todos os monstros dos batalhões alheios.

Quando passou pelos dois ogros, eles prestaram uma continência, ironizando o licantropo. Ele não respondeu, mas lançou um olhar tão feroz que petrificou a dupla. Depois de avançar por umas centenas de fileiras de tendas, eles chegaram até Zarastu. A dupla de monstros se ajoelhou.

— Vossa Majestade, o capitão Fethc retornou de sua missão.

— Adentre, general Sirius e capitão Íons.

Quando eles entraram na tenda real, viram com que opulência o rei se detinha, algo impensável para os antigos comandantes da Horda. Joias cintilantes, quadros representando a si mesmo, tapeçarias finas, cortinas de seda e uma rica mobília decoravam o local.

O rei estava envolto em sua longa capa de capuz amarela, antes o amarelo já foi símbolo de liberdade, agora, era signo do medo. Ele assentou-se em seu dossel e pediu para que o döppelganger fosse posto no chão. Os monstros obedeceram e o arfante Fethc foi posto nos tapetes.

— Nosso bom deus Enug nos deu o dom da magia divina, e nem ao menos precisamos recitar para que a magia seja conjurada, mas dentre nós, alguns ainda falseiam na fé...

— Em nome e honra de Enug, Cura Divina.

Se você fosse mesmo nosso verdadeiro líder, não precisaria invocar as magias divinas de Enug.

Sirius observou o sangue parar de jorrar das costas do moribundo, as feridas se fecharem de modo automático e a criatura amorfa voltou a controlar a sua respiração.

Fethc abriu os olhos verdes e opacos. A sua pele tinha um brilho oleoso e uma textura gosmenta, ele contorceu-se e virou-se para Sirius e Íons. Depois, se recompondo, se ajoelhou e disse:

— Vossa Majestade, o capitão Fethc se apresenta, tenho informes...

— Como se sente depois de ser curado por mim?

Glup, o som foi audível em toda a tenda real. O döppelganger passou a tremer.

— Perdoe-me tê-lo incomodado a tal ponto, Meu Rei.

— Conseguiu matar Amir Ibin-Sawad? Creio que dar cabo de um velhote não seja tarefa difícil para que um döppelganger não possa realizar.

— E-eu, s-sinto muito Vossa Majestade, mas... houve um imprevisto.

— De que tipo de imprevisto estamos falando?

Com um movimento veloz, Sirius pôs as suas garras afiadas da mão direita logo após abaixo do queixo do relator, o monstro congelou.

— Traduzindo: você falou que foi um incompetente. Deixe que eu o mate aqui mesmo, rei Zarastu.

— Não se precipite, meu bom Sirius, além do mais, é desvantajoso um monstro do Batalhão Espectral especialista em coleta de informações lutar corpo a corpo com um general atroz do Batalhão Furioso, a elite da Horda.

Não tente me bajular, Zarastu, você não engana ninguém. A confiança que você deposita em mim é a mesma que depósito em você, ou seja, estamos empatados.

— Tudo bem, desembucha, Fethc!

— Deixe-me, general Sirius, isso é forma de tratar um capitão que nem é seu subordinado?

— O tratamento que dou aos outros equivale ao seu nível de competência. Sou o mais fiel seguidor da meritocracia, os fracos e incapacitados não merecem viver.

— Basta, essa discussão é muito enfadonha. General Sirius, capitão Íons, agradeço o favor de ter trazido o capitão Fethc aqui, mas cabe mim julgar se ele falhou ou não. Vocês dois estão dispensados.

Sirius contraiu o focinho, estava irritado, o centauro pôs a mão em seu ombro impedindo que o seu superior tomasse alguma atitude que contrariasse o rei. Quando eles saíram da tenda real, Sua Majestade fez um gesto com as mãos para que o capitão prosseguisse o relatório.

— Relate-me tudo, não esconda-me nada, capitão Fethc.

— Vossa Majestade, cumprindo as ordens da missão delegada a mim diretamente pelo senhor, eu pus fogo no estábulo real criando uma distração. Fui até o castelo real e tentei matar o conjurador de Al Q’enba. Entretanto, Rosicler Cochrane estava lá, não sei o porquê, mas ela apareceu onde eu estava e atrapalhou. Fugi por pouco, tentei chamar a menor atenção possível, mas acabei falhando, maldita Companhia de Libertadores.

— Rosicler, à gatuna irmã de Reinaldo, Huohuohuo? Ela pediu para ser transformada em monstro para proteger o irmão, a história está prestes a se repetir novamente...você não foi o primeiro a falhar, e nem será o último, mas não torne isso um hábito. O meu humor é tão volúvel quanto as marés... dispensado, você agora está sob ordens de seu general atroz.

Tremendo dos pés à cabeça, o döppelganger se inclinou e saiu da tenda real, caminhou sem olhar para trás. A risada gutural do rei ecoava em seus ouvidos.

Continuou até sair do acampamento, venceu as dunas escaldantes com a mesma resignação que cumpria as ordens de Anhangá e do rei Zarastu. Ele retirou um telemago de dentro do corpo e transmitiu para o seu general.

— General atroz Anhangá, a missão faliu. O rei me dispensou, peço desculpas ao senhor por esta falta. Tudo por causa de Rosicler, aquela maldita ladra me atrapalhou!

De dentro do telemago escuro, duas pupilas amareladas o olhavam de modo perturbador. Era possível também ver uma cruz negra, porém, invertida.

— Rosicler Cochrane? Perdê-la para a Aliança Internacional foi uma pena, mas estou mais preocupado com o futuro da incursão militar em Oásis. Caso a Horda não tenha sucesso, o futuro do Reino dos Monstros pode estar com os dias contados.

— Como assim, meu general? O senhor não acredita que com Sua Majestade aqui nós não consigamos dominar os oasianos? Eu não gosto do general atroz Sirius, mas, considero-o competente, duvido muito que Oásis não seja conquistada nessa campanha. Até o momento os representantes da AI não conseguiram o apoio político e militar do sultanato...

— Não desconfio do poder do rei, nem da credibilidade militar de Sirius ou desconsidero as relações diplomáticas de Oásis e à AI. Mas é válido ressaltar nossa atual condição: primeiro, nós perdemos três territórios bastante importantes na geopolítica lashriana, são eles: Flandes, Alfonsim e a Cordilheira de Bashvaia; segundo, embora tenhamos relativa estabilidade numérica, viemos de algumas importantes derrotas, perdemos um dos mais poderosos integrantes dos Generais Atrozes, Labatut, mais um motivo para não subestimar os nossos inimigos; terceiro, o nosso contingente caiu cerca de 28% com as ações de purificação da Companhia de Libertadores, por mais que o rei Zarastu use e abuse de certos artifícios, o contingente humano aumentou; quarto, Oásis é nosso inimigo declarado, mas também não decidiu colaborar com a AI, se Tell e seus amigos convencerem o príncipe Rachid al Názir, há uma alta taxa de que o sultão de Oásis aceite a aliança; e por último, se Oásis aderir a Aliança Internacional, é provável que haja uma rebelião entre os tauamãs do Arquipélago de Vitória-Régia e que Wa-no-kuni, “o País dos Samurais” abandone a sua neutralidade em relação a essa guerra e se junte a AI, tudo isso provocado por um simples fator.

— E qual seria, meu general?

— O inesperado.

***

Um grupo de meia dúzia de centauros se faziam vigia nos limiares do acampamento da Horda. Acima delas, uma lua gigante que ocultava a luz de qualquer estrela. O frio da noite castigava o corpo dos seres híbridos.

Estavam perto de uma formação rochosa semelhante a uma caverna. Eles haviam sentido uma movimentação estranha. Poderia ser um inimigo.

Os monstros sobre liderança de um centauro chamado Kiros, pensaram em entrar na caverna, mas ninguém sentiu coragem suficiente para adentrar no escuro. Havia um certo receio de que fosse Saragat.

― Bando de covardes. Seja lá quem for, apareça, você está sob território de Sua Majestade Zarastu. Saia daí ou o mataremos.

― Oh, senhor! Eles ameaçam o vosso fiel, vede a miséria de vossos servos, pois não reconhecem o seu igual.

Um deles se aproximou. Ele ameaçou incendiar a caverna, mas Kiros interviu.

― Não prestou atenção, ele disse: “seu igual”, significa que ele é um monstro.

― Ele pode ser do Batalhão Espectral.

― Ei, apareça logo!

― Senhor Enug, tomai essas mortes como sacrifício de minha grande fé. Eles ouvem e não escutam. Falam e nada dizem. Veem e nada enxergam. São ignoras. A fé sem a obra é morta.

Os monstros ergueram as cabeças. Ele estava acima da caverna. Sua lâmina era negra, mas brilhava devido ao sangue que pingava do sabre.

― Mas, é ele...

― Ele quem, primeiro-tenente Kiros?

― O maldito monstro que matou os Tikbalangues perto de Nylack.

― Vamos matá-lo então!

― Ameaçar um fiel como eu é ameaçar o deus Enug pessoalmente. Morram pela sua heresia.

E saltando do alto da pedra, o monstro com cabeça de abóbora saltou da pedra. E com a sua lâmina, com movimentos rápidos, a cabeça de Kiros desapareceu. A rapieira foi movida em golpes perfurantes tão rápidos, que nem foi possível captar quando Kiros foi atingido.

― Mas c-como e-ele fez isso?

― Não importa, monstros, ataquem!

O quinteto restante pensou em alvejá-lo com flechas. Esticaram os seus arcos e atacaram. Com a sua agilidade e rapidez na esgrima, ele esfarelou as flechas disparadas contra ele, sem se mexer do lugar.

― Vocês não são dignos de servir a Enug, o deus dos deuses.

Flinsh, cinco golpes. Cinco corpos tombaram no chão. Todos desferidos no coração. A ferida queimava como uma brasa, impedindo a coagulação das feridas.

― Oh, senhor! Rogarei a noite toda em preparação a morte do rei Zarastu.


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