Um Reino de Monstros Vol. 4 escrita por Caliel Alves


Capítulo 3
Capítulo 1: Sobre paz e guerras - Parte 2




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Era noite, o estábulo da Cavalaria das Dunas foi fechado por um jovem criado. Os cavalos, no entanto, se puseram a relinchar quando ele saiu. Curioso, ele voltou, pé ante pé, como se já esperasse pelo pior.

— Olá, tem alguém aí?

Ele acendeu o archote e iluminou as paredes de pedra do estábulo. Em meio a uma baia, o alazão de Rachid se deformava em uma horripilante criatura amorfa. O ser disforme se revolvia no chão como um limo negro e escorregadio.

— Por Al Q’enba, o que é isso?

O monstro emergiu do chão esboçando um sorriso assustador. Sua pele viscosa e negra adquiriu uma cor bronzeada e uma textura mais orgânica. Em pouco tempo já reproduzia as características físicas do jovem.

— Oh, não, meu deus...

Tunck, o archote caiu no chão, à palha seca pegou fogo em pouco tempo. Não demorou um minuto para todo o lugar arder em chamas. Centenas de cavalos relinchavam ao mesmo tempo. O döppelganger voltou os seus olhos para o castelo do sultão e ironizou:

— Ora, ora, ora, quem diria que eu a veria tão cedo, minha cara Rosicler...

***

A ordem havia sido dada de modo muito expressivo e assustador: “não saiam do quarto, se forem vistos vagando sozinhos por aí, minha guarda real terá o direito de matá-los”.

Letícia se via num enorme espelho. Por um momento, não se reconheceu. Sua pele estava escurecida, os pêlos dos braços haviam ficado dourados.

— Aí, parece que eu estou com toda a areia do deserto nas minhas roupas. Isso já está me agonizando.

Após tomar um banho numa tina de mármore, a alquimista se lembrou das palavras do barão de Alfonsim. Talvez se o seu desejo de acompanhar o grupo não fosse tão grande, teria renegado a missão.

Ela olhou para o seu dedo, uma simples gota de sangue a havia livrado da morte certa. Repudiara o sultão, tão pouco ele simpatizara com ela.

Após terminar de se enxugar, ela viu que em sua cama havia um lindo vestido tradicional oasiano.

— Hã, espere, quem pôs isso aqui?

Ela tomou uma pistola em suas mãos e vasculhou o seu cômodo com segurança.

— Seja lá quem for, é melhor aparecer. Vamos, não tenho a noite toda.

Voltando para o vestido, ela achou um bilhete ao lado do traje e o leu. Um rubor tomou toda a sua face. Se ela não fosse acordar os outros, ela teria descarregado todo o pente das pistolas.

***

Puxa, mas que chatice, eu estou cansada de ficar trancada aqui nesta masmorra...

E saltando da cama, ela esgueirou-se pelo quarto e foi até a janela. À noite, o vento frio do deserto lançava fortes rajadas no castelo, pois era a construção mais alta da capital.

— Hunf, eles fecharam as janelas com um cadeado e correntes, mas de que adianta isso, veio? Esses sistemas de segurança poderiam talvez impedir a entrada de um grifo, mas não uma mina desembolada como eu!

Usando um pequeno clipe, ela abriu o cadeado e arrastou as pesadas correntes silenciosamente. Depois abriu as janelas suavemente.

Fuuu, o vento soprou os seus cabelos cacheados, se a bandana não estivesse bem amarrada, teria sido lançada longe e nunca mais seria recuperada.

— Bem, agora vamos entrar com o pé direito, ou melhor, a mina aqui vai dar um rolezinho.

A gatuna com muita agilidade, se dependurou na janela e buscou pontos de apoio nas paredes de pedra. Por sorte, as pedras eram irregulares, permitindo que as suas ágeis mãos agarrassem as rochas gastas pelo sol e pelo vento.

— Adoro as construções de pedra bruta, se liga, são as mais fáceis de escalar.

E alcançando uma janela com varanda, a garota subiu até ela e olhou para baixo consternada. Para àquelas horas da noite, a rua em volta da sede do governo estava bem agitada.

— Hihihi, a vida social dos oasianos é bem barulhenta, hein!

A ladra abriu a janela, pelas suas deduções, aquela janela dava num corredor onde ficava o quarto real do sultão. Desde muito cedo ela desconfiava que algo ruim estivesse acontecendo. Do mesmo modo que saíra dos seus aposentos, ela adentrou no novo recinto, silenciosamente.

***

Por questões de segurança, Saragat e Tell foram alojados no mesmo quarto. O conjurador temia que o pente fino dos alfarazes oasianos tivesse deixado escapar algum döppelganger, afinal de contas, eles podiam se transformar em qualquer um.

— Saragat, tá dormindo?

— Você nunca dorme, não é, seu pivete?

— Index voltou...

— E daí?

Ainda cochilando, o servo de Nalab se ergueu e falou com a voz ainda pastosa:

— Uahg, eu espero que seja importante.

— Diz pra ele, Index!

A criatura de orelhas imponentes rodopiou no ar e parou na frente do mascarado.

— Como conjurador, você sabe a dinâmica do fluxo mágico? Todos os seres possuem uma reserva de energia mágica, os humanos conseguiram utilizar a magia de diversas formas, dentre elas: a conjuração, método de canalização de magia divina; e a magia arcana, onde o mago utiliza de sua própria energia mágica pra lançar as magias...

— Sim, eu sei tudo isso. E assim como há uma corrente sanguínea, nós humanos possuímos uma corrente de energia mágica. O que isso tem haver?

O guardião e o mago-espadachim se entreolharam entusiasmados por Saragat não entender o que eles diziam. Armado do Cajado Nebuloso, eles os forçou a falar.

 — Escute ele, Saragat, ao menos essa vez.

— Tá bom, fala, vai, bola de carne.

— Pra o Monstronomicom ser usado, Tell precisa ativá-lo com uma fórmula mágica e aplicar um pouco de sua energia mágica. Um processo normal para utilizar artefactos de grande complexidade e de uso contínuo. Entretanto, há uma energia mágica vinda do livro, uma força grande e pulsante, que está emanando de volta pra Tell.

O encapuzado alisou o rosto com as duas mãos e exclamou em alta voz:

— Quer dizer que tem alguma coisa no Monstronomicom retransmitindo magia pro Tell?

Duas cabeças concordaram que sim. Diferente do conjurador, o jovem Lisliboux estava mais excitado que assustado.

— Mas que tipo de energia mágica ela é? Ofensiva, maligna, má?

Afinal de contas o livro coleta a monstruosidade, a essência negativa em estado puro.

— Não, na verdade ela é suave. Quentinha, na verdade, eu a sinto mais quando estou concentrado ou, às vezes, até dormindo.

— Há quanto tempo você vem sentindo ela?

— Desde que saímos de Bashvaia.

O servo de Nalab assumiu uma postura de análise. Infelizmente Letícia estava longe demais para debater sobre este assunto.

Tell e Index se abraçavam, e festejavam, Saragat fez questão de jogar um balde de água fria neles.

— Esperem um pouco, porque estão tão felizes?

— Pode ser uma nova mensagem do meu vovô.

— Como também pode ser algo ruim despertando, Tell. Esse livro é estranho, nunca ouvi dizer que um artefacto pudesse emanar energia mágica para o usuário continuamente, sem necessidade de uma recarga ou uma energia tão neutra...

— Eu confio no meu avô, Saragat, você deveria confiar também.

O garoto estava sério e olhava para o mascarado fixamente, o mesmo deu de ombros.

De repente, a atenção deles se voltou para a porta. Um guarda berrava para outro que se dirigia apressado pelo corredor.

Tap-tap-tap, o encapuzado pediu para que os outros dois ficassem em silêncio, queria entender o que estava acontecendo.

— O quê? Quem invadiu o quarto do adail?

— Não, o do senhor Amir? Foi à ladra?

— Maldita seja essa ladra!

O grupo se dirigiu até a porta. O mascarado a esmurrou firmemente. O mago-espadachim estava com o coração palpitando.

— Aquela idiota ousou roubar o castelo do sultão. Ela colocou todos nós em risco.

— Olha, eu não sei por que, mas acho que dessa vez não foi ela.

— Me diz só o porquê, Tell?

— O irmão já se mostrou ser a coisa mais importante pra ela, e não tem como ela reencontrar o seu irmão mais velho abandonando a gente.

O conjurador olhou para os olhos do jovem guerreiro e confiou nas suas palavras. Com uma das suas magias divinas, ele arrombou a fechadura e o trio se dirigiu para o corredor. Dezenas de guardas se dirigiam para o quarto de Amir.


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