Um Reino de Monstros Vol. 4 escrita por Caliel Alves


Capítulo 2
Capítulo 1: Sobre paz e guerras - Parte 1




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Nada saíra como o planejado, lanças afiadíssimas estavam apontadas para todos eles. O conjurador estava amordaçado, Rosicler estava totalmente atada com correntes, o livro havia sido tirado das mãos de Tell, e Letícia algemada, tentava reportar a mensagem da coalizão transmitida pela Resistência.

— Silencia-te, pois é anunciada a entrada do nosso adail.

Se eu tivesse com as minhas pistolas aqui, eu anunciaria a sua queda...

Tump, a porta contígua ao salão do trono se abriu para o sultão de Oásis. O homem vestia-se com tecidos finos, mas não usava nenhuma joia ou adereço de metal precioso.

Seu cinto possuía uma bainha enlaçada, e embainhada nela, estava uma bela adaga de lâmina curvilínea como uma serpente, o cabo era de marfim.

— Unfh, isso são horas de me amolar, meu caro alfaraz?

— Perdoe-me, meu adail, mas estes intrusos rodeavam terras oasianas e utilizaram de estranhíssimo sortilégio para combater os monstros, transformando os tais em meros humanos. Isso confere parecer verídico às notícias que vinham do Ocidente.

Esse homem de lata nos chamou de intrusos? Me segura, Nalab...

O servo de Nalab murmurava por trás da mordaça, os seus olhos estavam fitos no sultão.

Fuuh, após expirar profundamente, o monarca deixou-se cair pesadamente no dossel. Esfregando o seu rosto velho e manchado, ele pareceu rosnar entre os dentes.

— Bah, tolice, talvez o calor do deserto os tenha feito ver miragens. Nada mais há para ser resolvido aqui, basta, estou cansado, enfrentaremos um cerco em breve...

O líder dos cavaleiros se ajoelhou no chão e olhou o seu soberano nos olhos, e batendo o punho direito três vezes no coração, ele proclamou em alta voz:

— Se nós não tivermos visto esse jovem purificar os monstros restabelecendo vossa humanidade, que não vejamos o crepúsculo...

— Não! Retirai o que disseste.

Mas já era tarde, e todos os outros oasianos acompanharam-no no mesmo juramento se ajoelhando e batendo no peito.

— Imprudente, ousado, senil...

— Palavras que podem descrevê-lo muito bem nesse momento. Nós não atravessamos Lashra para ouvir insultos, como o senhor desta nação, esperamos uma recepção mais digna...

— Cale-se, sua insubordinada! Quem vos deu permissão para se pronunciar? Saiba que nesta nação, quando eu falo, até os ventos param para escutar-me, e mesmo as areias param de se locomover. Além do mais, quem exige respeito deve exercê-lo antes de pedir.

A alfonsina não se sentia tão envergonhada pelo seu destempero, mas sim pelos olhares lançados contra ela: os oasianos de indignação, os companheiros de sobressalto.

Saragat murmurou algo que pôde ser entendido como “ela acabou de matar a todos nós agora”. Por sorte, o guerreiro interviu mais uma vez:

— Escute-me, meu adail, não mais como um dos seus numerosos servos, mas sim como o seu filho único: dê-lhes a chance de serem ouvidos. Sabes muito bem que não gosto de me utilizar deste artifício, mas se faz necessário neste momento.

— Muito bem, Rachid al Názir, meu amado filho, espero que estejas certo sobre tudo o que falaste.

— Espere, al Názir, então você é sobrinho de Zared al Názir, “o Armeiro”?

— Façam calar esta mulher, ou então eu mesmo a silenciarei.

Saltando do trono, o sultão apontou o seu dedo de modo acusador para a alquimista.

Rachid foi até a militar e lhe pediu delicadamente que se calasse naquele instante, logo ela teria permissão de falar.

Após tudo esclarecido, retiraram a mordaça do mascarado e permitiram que este falasse pelos outros.

O encapuzado alisou a sua mandíbula e olhou fixamente para o sultão. O mesmo levou um piparote na cabeça de um dos oasianos, Saragat ficou irritado:

— O que foi dessa vez?

— Você não deve olhar o nosso adail nos olhos, é falta de respeito.

— Desculpe...

O servo de Nalab respirou, e ajeitando a sua postura, se apresentou ao monarca.

— Vossa Majestade, nós estamos aqui com o único propósito de estabelecer um pacto de coalizão para a Aliança Internacional, para que assim Lashra possa respirar aliviada sem o julgo dos monstros.

— Bem dizes tu, hermafrodita, Lashra está em julgo, mas não Oásis. Estas terras áridas e arredias nunca estiveram sob o julgo de ninguém.

Tell ficou admirado com as palavras do sultão, a Segunda Grande Guerra era como um acontecimento alheio a terra natal do monarca.

— Mas, mas como Vossa Majestade pode dizer isso! A Horda não é inimiga de todos nós?

— Não foi lhes dado oportunidade alguma de falar, pequenino. Encolhe-te a tua ignorância.

Ah, todo mundo fala do meu tamanho, um dia eu vou crescer, sabiam?

— Tell, é melhor se calar por enquanto, perceba que a nossa situação não é nada boa.

— Tudo bem!

O sultão encostou as suas costas no trono e vagueou o olhar pela sala, aquelas pessoas não eram mais ameaças. Mesmo assim ele não podia punir os mensageiros. Eles precisavam de uma resposta, mesmo se fosse negativa, para terem certeza do poderio de Oásis.

— Durante esses seis meses, meus caros, a Horda tentou infiltrar döppelgangers numa tentativa de criar uma situação de medo e desconfiança, inclusive eu sofri um atentado... Mas o Esquadrão Assassino Secreto e nosso prestativo conjurador foram muito mais eficientes.

E abrindo a túnica na altura do peito, revelou uma longa cicatriz de punhalada.

— Nós torturamos todos os espiões e depois lhes decapitamos nas muralhas, entregando as suas cabeças para a Horda.

O alfaraz dissera isso e sorriu para Letícia, como que buscando a sua aprovação, mas a alfonsina virou o rosto desolada.

— Centenas de seres humanos mortos, foi só isso o que vocês fizeram, executar pessoas. Se tivessem nos esperado...

— Infelizmente os döppelgangers são muito ardilosos. Eles podem assumir a forma de qualquer pessoa, desde que tenham tido contato visual.

A ladra arregalou os olhos, ela tinha muito interesse nesse assunto dos metamorfos.

— E como vocês capturaram tantos desses monstros?

— Todos aqueles que manifestassem o desejo de entrar na presença do nosso adail, deveriam passar por um “teste de credibilidade”.

Saragat aproveitando que a gatuna estava totalmente acorrentada, fez cócegas em seu nariz, fazendo-a espirrar incessantemente.

O sultão fez um gesto fatigado e então pronunciou aos presentes:

— Não creio que a ajuda de vocês seja necessária. Aliás, posso mesmo suspeitar de suas intenções.

— Não precisa desconfiar deles, eles podem ser julgados pelo sangue.

— Cale-se, Rachid...

— Então nós queremos ser julgados pelo sangue.

O sultão sorriu, pois, a Companhia de Libertadores não sabia do que se tratava. O soberano mandou chamar o conjurador de Al Q’enba.

O encapuzado deu um sorriso por trás de seu brucutu.

Até que enfim alguém que fala a mesma língua que eu...

O tal conjurador adentrou a sala do trono real. Era um homem muito velho, com túnica rota e mesmo puída. Trazia à mão esquerda uma balança de ouro, e na direita um longo fuso de prata. Dentro do capuz, pupilas esbranquiçadas denunciavam a sua cegueira.

— Quem devo julgar primeiro, meu adail?

— Comece pelo líder deles.

Nossa, mano, o velhote é cego e mermo assim sabia que tinha mais gente, opaí!

— Bom dia a todos, o meu nome é Amir Ibin-Sawad. Sou o conjurador do deus da justiça e da educação, duas coisas que nossa nação presa sem igual. Vos, atenta-te que eu carrego um fuso e uma balança, esses são os artefactos dado a mim por Al Q’enba para exercer vossos mandamentos.

O ancião continuou a explicar a função dos objetos. O fuso prateado iria espetar o dedo indicador da mão direita, ou esquerda, se a pessoa fosse canhota, e despejaria uma gota de sangue em um dos recipientes da balança. Após isso, o conjurador faria uma pergunta.

Se a resposta fosse positiva, o fiel penderia para o lado do sangue. Caso negativo, o fiel penderia para o lado do recipiente vazio.

— Tudo bem. Então, vamos terminar logo com isso.

— Deus que nos oferece a verdadeira sabedoria e nos rege com o braço forte da justiça... Julgamento de Sangue.

A balança e o fuso tornaram-se luminescentes, junto com os olhos de Amir. O idoso gesticulou para que o entrevistado erguesse o dedo indicador da mão direita.

— Você está comprometido com nossa vitória na Segunda Grande Guerra?

— Hã, mas que pergunta é essa?

— Dê-me a mão, não responderemos a essa pergunta com meras palavras.

O mascarado retirou a luva e revelou a sua mão, delicada, macia, porém, pálida como uma vela.

— Êta, isso é uma mão ou uma pata de lagartixa?

— Se você não calar a boca, sua larapia, eu vou dar com ela em sua fuça.

Ping-ping, a operação foi rápida, e consistiu numa picada no dedo do encapuzado. A gota de sangue caiu no prato de ouro e escorreu até o centro, o fiel da balança pendeu para o lado positivo.

— Pois, muito bem, esse é conosco.

O sangue evaporou tanto na balança, quanto na ponta do fuso. Depois disso foi à vez de Tell, o garoto odiou a sensação de ter o dedo espetado. A mesma pergunta foi feita, com o mesmo resultado positivo, o Monstronomicom foi entregue a ele.

— Agora é a sua vez, minha donzela.

— Não sou “sua donzela”, Rachid, e você não é meu cavaleiro montado num alazão branco.

— Eu tenho um alazão branco, e em nossa língua, alfaraz significa “cavaleiro destro e bem montado”.

A alquimista revirou os olhos. Ela estendeu o dedo e fez o mesmo processo, culminando no mesmo resultado.

E por último, foi à vez de Rosicler, entretanto, o resultado deixou uma incógnita na cabeça de todos os presentes.

— Mas o que é isso, nunca vi tal coisa em toda a minha vida de conjurador...

— Dê-me uma resposta exata, Amir, E AGORA?

— Eu sou cego, não surdo, meu adail, tenha mais respeito com a divindade.

A militar alfonsina sentiu um grande prazer quando viu o sultão se calar.

— Ela não tem nenhum comprometimento com a nossa causa. Se ela luta contra o mesmo inimigo que nós, como pode estar a favor dos mesmos?

— Desculpe-me, meu adail, mais essa leitura não cabe ao senhor. Primeiro, não conhece os desígnios de Al Q’enba como eu, e já incorreu em desrespeito para com ele uma vez, sendo castigado...

O sultão passou as mãos no rosto como que envergonhado e fez um gesto para que o outro se calasse.

— Não me lembre do meu infortúnio.

— Pois bem, e segundo, a leitura é exata, não pendendo ela para a nossa vitória, nem a nossa derrota. Isso quer dizer que há algo maior envolvido em sua busca.

— Pelo sim e pelo não, não irei executá-la, mas também não a deixarei livre. Sabe muito bem como ladrões são tratados em nossa nação. O seu grupo ficará aqui essa noite, mas enquanto estiverem aqui, Rosicler Cochrane não poderá andar em minhas terras sem que eu saiba onde os seus pés ligeiros irão pisar, e tenho dito.

O alfaraz foi até a presença do sultão e rogou pela gatuna com desespero na voz.

— Pai, não seja tão rígido com a pobre donzela...

— CHEGA! Estou cansado de debater inutilmente, vão, saiam da minha presença.

Eu, hein, mas que sultão mais estressadinho...


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