Um Reino de Monstros Vol. 4 escrita por Caliel Alves


Capítulo 1
Prólogo: A Cavalaria das Dunas




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Parte 1

A criatura espreitava pelos corredores de pedra morta, até que chegou a uma sala com vários papéis rasurados esvoaçando, eram os cartazes de procurados de Tell e companhia.

O lobisomem os havia rasgado porque não faziam mais jus ao poder dos seus inimigos.

— Meu general, o senhor está sendo convidado a participar da reunião extraordinária... Glup!

O general atroz se virou arreganhando os longos e afiados caninos, mas percebendo quem o havia abordado, relaxou os ombros e depois a sua face lupina.

O seu subordinado se sentiu agradecido.

— Capitão Berserker, as más notícias voam mais rápido que os nossos mensageiros. O rei Zarastu cometeu um grave erro ao deixar o moleque escapar com o livro.

O interlocutor fez cara de assombro, como um bugbear, o seu corpo era o mesmo de um goblin com dois metros de altura, usando armadura de couro costurada com plaquetas de ferro. Berserker era o mais fiel soldado de Sirius.

— Agora ele quer remediar o próprio mal que causou ao Reino dos Monstros. Se minha fé em Enug não fosse tamanha, teria desejado outro rei que não este...

Fazendo continência, o opulento ser deu passagem ao licantropo. O mesmo se dirigiu ao conselho dos Generais Atrozes. Durante o caminho, os plebeus se prostraram.

A maioria da população da Cidade Real composta de monstros, os humanos eram meros escravos. De acordo com Enug, era a única forma que a humanidade tinha de servi-lo.

Os vitrais do castelo revelavam a derrota e a supremacia da Horda sobre os exércitos de Lashra. Vencido o longo corredor, o lobisomem bateu as suas garras na porta e um arauto o anunciou no conselho.

— Adentre, meu general, só faltava você.

Numa tábula oval, feita em carvalho negro, apenas o rei se assentava num dossel muito ornado, todos os outros cinco lugares estavam vagos.

— Perdoe-me, meu rei, mas, numa situação como essa, a presença de todos os nossos generais aqui não seria mais conveniente?

Os três Generais Atrozes restantes confirmavam presença através de telemagia. As esferas de tons iridescentes flutuavam sobre os assentos transmitindo a reunião aos monstros.

— Quem acha que eu sou, seu otário? Tá achando que eu vou facilitar pra esses pivetes, cara? Saí dessa, eu vou triturar os ossos deles com...

— Cale-se, Vicious! Você tagarela demais.

— Cucucucu, sempre hic-hic, você é que toma hic, a bronca primeiro, Vicious.

— Cala a boca tu, Cuca, sua vadia alcoolizada.

— Não, calem-se ambos, imediatamente!

O rei continuava impassível, apenas os seus olhos faiscantes e rubros podiam ser vistos debaixo da sua capa amarela. Vez ou outra o seu corpo estalava com espasmos musculares. Sirius sentia uma grande pulsação monstruosa vindo dele.

— Labatut morreu há apenas dois dias, não é hora para pânico, general Sirius, muito menos para a diversão de vocês dois, Vicious e Cuca. Estamos num momento avançado na infiltração de Oásis, se tudo correr bem, em meio ano nos já teremos o controle daquelas terras.

— Vossa Majestade, me perdoe o atrevimento, mas entenda as minhas preocupações: esse é quase o mesmo tempo que a tal Companhia de Libertadores levará para chegar até Oásis. Não seria prudente ir atrás deles primeiro? Oásis é um problema menor nesse momento.

O rei direcionou os seus olhos e apontou para o telemago com o dedo indicador que mais parecia uma garra. A voz vinda do telemago era a do general Anhangá:

— Sábio general, depois de perdermos a Cordilheira de Bashvaia, nós precisamos encontrar logo uma nova reserva de escravos e minérios, que agora nesse momento, só pode ser encontrado em abundância em Oásis. A Companhia de Libertadores não será problema maior para nós se acaso dominarmos aquele sultanato, encurralando todo o grupo nas terras desérticas. Além do mais, o caminho até lá está cheio de vilarejos controlados pela Horda, e embora sejam pequenos contingentes, será suficiente para retardá-los, nos dando o tempo necessário para derrotar Oásis.

— Recorro o prestígio de seu intelecto, general atroz Anhangá. Daremos alertas aos nossos postos de comando para interceptarem Tell de Lisliboux e seus asseclas.

Ah, meu rei, não sei se o que o leva a ser assim, é sua arrogância ou a sua ingenuidade?

— Está bem, seja feita a sua vontade.

— Dispensados!

O lobisomem saiu do conselho, a gargalhada insana de Zarastu ecoou durante horas na sua mente.

Parte 2

Meses depois...

A Companhia de Libertadores havia atravessado o Norte de Lashra, e no caminho haviam purificado muitas vilas e cidades, de modo que muitas outras páginas do Monstronomicom haviam sido preenchidas com as enigmáticas formas monstruosas.

Adentrando no deserto, o quinteto se divertia relembrando suas recentes batalhas.

— Quando você derrotou aquele hobgoblin, Saragat, e disse “pronto, já acabou”, todo mundo ficou assim tipo, “nossa, veio!”, hihihihi.

— As pessoas mal acreditam que estão sendo libertadas, Rosicler. Mas o destaque mesmo vai pro nosso fedelho aqui. Ele derrotou a tropa sozinho, e ainda chegou a tempo de nos ajudar.

— Ei, eu não tive culpa, tá bom? Hahaha, vou tentar chegar mais cedo da próxima vez.

Letícia também sorria, pois, a experiência de manter a luta por mais tempo do que o necessário com o hobgoblin havia sido muito desgastante para o grupo.

Nesses seis meses de viagem até as terras desérticas, ela havia ensinado algumas outras alquimias a Tell, aliado aos exercícios de iluminação de Saragat, ele havia aprendido muitas técnicas rapidamente, até demais para alguém pouco versado na transmutação.

— Até agora uma coisa me intriga, pessoal: porque a monstruosidade é coletada no livro e se torna uma ilustração? Isso é tão misterioso!

— O inútil do Index ainda não te explicou, não?

— Não, às vezes se recolhe no livro para tentar liberar novos capítulos, mas nem sempre ele consegue trazer informações relevantes. Disse que só poderá acessar aquilo que a minha mente esteja apta a conhecer.

— Então a culpa não é só dele, tem muito de sua lerdeza também.

O encapuzado deu de ombros e o mago-espadachim soltou o ar poeirento da garganta.

Ali, naquelas terras áridas e vertiginosas, os heróis avançavam a passos trôpegos e enfastiantes. Até aqui só puderam ver comerciantes e acampamentos de refugiados.

Todos os nativos haviam sido levados para o Sultanato de Oásis, e adentrar em seus muros exigia cumprir alguns protocolos de segurança.

— Quando chegarmos a essa cidade, mano, a sola de minha bota já derreteu faz tempo.

— Nem me fale. Estou usando uma burca para me proteger do sol, mas a vontade que dá é sacudi-la fora e...

— Isso aí é strip-tease, amiga!

— R-Rosicler, p-pare com isso j-já.

— Hihihihi, vai que você descola um oasiano pra você.

A alquimista revirou os olhos com aquela declaração. Sua pele branca durante a viagem havia adquirido um tom bronzeado, deixando os pêlos de seus braços dourados.

Embora o calor castigasse, eles se sentiam motivados a continuar a andar. A vontade de deitar numa cama confortável e dormir era o sonho de consumo no momento. Continuavam a sua jornada, mesmo que um tanto perdidos, pois em meio as areias rubras e uniformes do deserto escaldante, não existe rota certa para os leigos.

— Esperem, estão ouvindo isso?

A ladina com os seus ouvidos apurados fez o seu grupo parar e ouvir atentamente.

— O que foi? Eu só escuto o uivo do vento.

A gatuna empreendeu uma corrida e subiu uma imensa duna e chamou o mascarado. O conjurador, junto aos outros, foram até ela, e quando lá chegaram...

— Mas isso é covardia.

— Todos os monstros são covardes em sua natureza, capa-preta.

Cinco cavaleiros acuados enfrentavam um enorme grupo de caveiras e salamandras. Estes monstros tinham aspecto reptiliano, as suas escamas emanavam um fumo escuro, como se queimassem eternamente. Caminhando sobre as duas patas, eles investiam vomitando fogo contra o quinteto oasiano. Suas garras e caudas ardiam em chamas.

— Temos que ajudar.

— Não me parecem que eles precisam de ajuda, Tell.

A alfonsina apontou o dedo para aquele que parecia ser o líder dos cavaleiros, ele apeou da sua montaria e desfechou um golpe com a sua lança. Sua força só se equiparava com a sua agilidade, e aos poucos as criaturas foram tombando nas areias fugidias do deserto.

— Vamos lá, se continuar assim todos os monstros vão morrer, preciso purificá-los.

— Está bem, avancem!

O grupo desceu a duna, mas na metade do caminho Tell tropeçou e a desceu embolando, derrubando o servo de Nalab, que por sua vez esbarrou em Letícia.

Rosicler foi à única que se manteve de pé o tempo todo, e se divertiu com os companheiros descendo a duna daquela maneira pouco recomendável.

— Tell, qual é o seu problema, garoto?

— Desculpe-me, eu acabei tropeçando...

— Você tropeçou na areia fofa, seu idiota?

— Hã, pessoal, eu acho que a nossa ajuda não será mais necessária.

A ladra apontou para os guerreiros. O grupo de heróis percebeu que todos os monstros estavam derrotados, e para surpresa de Tell, vivos!

— Mas, mas o que é que eles estão fazendo.

— Podem estar se divertindo.

O conjurador rosnara furioso para o mago-espadachim. O jovem tomou à dianteira e foi ter com os oasianos. Os homens ficaram surpresos com a vinda dos encapuzados. Geralmente as pessoas costumavam fugir das batalhas contra os monstros.

Essas crianças do deserto são mesmo curiosas...

— Volte, pequenino, não há nada para vedes aqui.

Tell riu com a forma de expressão arcaica que ele havia utilizado. Esse tipo de formalismo não era visto há muito tempo. O servo de Nalab interferiu no diálogo.

— Desculpai-me, meu senhor, mas viemos aqui pra realizar benigna tarefa...

— Cala-te, não confio em mascarados. Muitos homens assim já derramaram o sangue do meu povo durante os séculos.

— É Saragat, tua fama tá em baixa por aqui, hihihi.

Aquele sorriso cheio de cinismo adentrou os ouvidos do encapuzado e o mesmo pareceu explodir por dentro.

Desacordados, o grupo de monstros soltava alguns grunhidos. O vento assoviava uma canção de ira e o sol iluminava a cena, de modo egoísta, sem deixar espaço para as nuvens.

Os ginetes se encaminharam para os recém-chegados com muita reticência por sinal. Aquela visita inesperada os havia deixado em alerta, pois podia ser uma armadilha.

— Considero-vos meros tolos, pois estais aqui a pôr-se em elevado risco.

— Saiba, oh, gentil cavaleiro, que nós viemos aqui purificar os monstros.

Os oasianos se puseram a rir do que o conjurador havia dito, embora ele não tivesse contado nenhuma piada. O líder dos cavaleiros o redarguiu:

— Isto é prosa imprudente, mascarado. Não sabeis que isto é ilusão? Meu pai já renunciou a essa ideia insana, vós abdicai dela também para...

— Seu pai é que deve abdicar desta ideia, e o único tolo aqui é você, oasiano.

Letícia, que se sentia castigada pelo calor e pela areia, retirou o seu capuz e revelou o seu belo rosto bronzeado. O guerreiro do deserto a olhou fixamente, como atraído por uma força gravitacional.

— Mas que falta de respeito a minha, senhorita. Saiba, oh, minha cara donzela, que a palavra de meu pai é como a promulgação de uma lei, pois ele é o sultão de Oásis. E assim como ele, não sou nenhum tolo. Somos pessoas prudentes, pois agimos sob os ensinamentos de Al Q’enba. O que não damos crédito é essa mentira de purificação que voa sobre as asas do vento.

— Dê uma amostra grátis a ele, Tell.

Os interlocutores continuaram a se encarar, o filho de Taran pegou o Monstronomicom sob olhares vigilantes e proferiu os versos misteriosos que purificavam os monstros.

A luz iridescente fez volteios no ar e passou a absorver a monstruosidade. Mais veloz que o vento do deserto, a humanidade reapareceu aos olhos estupefatos de cinco cavaleiros. Eles não puderam acreditar na proeza há tanto tempo negada por sua nação.

— Acho que agora está provado que o Monstronomicom existe, funciona, e o seu portador merece ser respeitado. Agora exigimos a presença do chefe de Estado oasiano.

— Pois não, senhorita, vosso grupo será bem recebido em nossa nação.


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