Dor.

Era o que Naruto sentia ao despertar. Mais uma vez, naquela noite, tinha apagado. Primeiro, com um soco da Sakura. Agora, por… Uma mordida de cobra?!

As lembranças vieram como tsunami em sua mente, fazendo com que se sentasse assustado.

Sasuke, pensou. Orochimaru está aqui e não desistiu dele.

Precisava avisar a vovó Tsunade, ao Velho Tarado, mas… Sentia-se exaurido, como se tivesse acabado de lutar uma batalha intensa.

Tocou o próprio pescoço, sentindo uma forte pontada onde havia sido mordido. O sangue havia coagulado de alguma forma, porém ainda estava fresco.

Olhou ao redor, notando estar num lugar completamente diferente. Parecia uma sala vazia e mal iluminada, cercada por espelhos, todavia nenhum deles o refletia. Como tinha ido parar lá? Não fazia a menor ideia, mas precisava sair o mais rápido possível. A Vila estava em perigo.

— Acordou? Que bom! Temi que Orochimaru tivesse pegado pesado demais e fosse perder o grande momento da noite.

Aquela voz… Era a mesma do beco.

— Você… É o cara que estava perturbando a Hinata. Onde ela está? Onde eu estou? — indagou, procurando onde estaria o sujeito.

Percebeu um vulto, o que foi motivo suficiente para ficar de pé e pegar uma kunai dentro de sua bolsa ninja.

— Guarde isso. Só vai acabar se machucando ainda mais, garoto.

— Quem é você?

— É ofensivo que não se recorde do meu nome. Pode me chamar de EL.

Enfim pôde visualizar com mais nitidez a figura encapuzada que estava à esquerda, dentro de um dos espelhos. Num lampejo, lembrou-se de onde havia visto algo semelhante. Haku. Entetanto, ele estava morto. Tinha certeza disso.

— Imaginei que fosse um fracote para ficar rodeando Hinata e tentá-la pegar desprevenida, porque ela por si só é bem forte, mas se unir ao Orochimaru? É golpe muito baixo. — Naruto provocou.

Uma risada ecoou.

— Parcerias são feitas a partir de interesses semelhantes. Sem contar que o cometa passa uma vez a cada 50 anos. Eu também merecia a chance de aproveitar um pouco, não acha?! Por isso, se ele estava se oferecendo de bom grado a me ajudar a capturar o Uchiha, por que não?!

— Você é o responsável por todos esses casais sem sentido? A Vovó Tsunade estava perseguindo o Sábio Tarado. Com certeza tem alguma coisa de muito errada acontecendo.

— Que curioso você perguntar sobre eles e não sobre o momento enamorado acalorado seu com Sasuke. — deu uma risadinha. — Sim, sou eu.

— Teve isso também. — Naruto mordeu o lábio. — O que fez comigo? Me colocou em algum genjutsu ou algo do tipo?

— Depende. Quem você estaria beijando no genjutsu? Nós dois sabemos que você tinha consciência de que estava lutando com Sasuke naquele momento. Digamos que eu dei apenas um empurrãozinho.

— Mas você também manipulou ele. Isso não tem nada de bom.

— Quem disse?

EL deslizou de um espelho para outro com naturalidade.

— Sei que Orochimaru quer o corpo de Sasuke para conseguir o sharingan, mas o que você quer dele? E de Hinata? Onde ela está?

— Entenda, Naruto. Estou fazendo um trabalho muito nobre aqui. O cometa não passa sem motivo. Tenho certeza que ouviu falar dos boatos de confissões no festival. O amor é assunto da vez e não está errado. Minha missão nada mais é que semear o amor. Algum problema nisso?

— Claro que tem. É errado forçar as pessoas amarem alguém. Não é verdadeiro. Não tem valor nenhum. Que tipo de poder é esse que faz com que se apaixonarem?

— Geralmente, o aroma característico de almíscar junto a um elemento secreto faz as pessoas se renderem, dá coragem àquelas que possuem medo de revelar seus sentimentos. Dessa vez, contudo, tive uma ajudinha.

— Orochimaru? Aquele ali sabe nada sobre amor. Por isso tudo está uma bagunça.

— Nada disso. — EL deu um sorriso presunçoso. — Bastou dar um pouco de esperança a seu coração apaixonado e jogar um pouco de elemento secreto na comida. Se inalado alimentam amores genuínos, ingerido supera as possibilidades que circundam nossas mentes. Aliás, você gostou bastante quando provou, até mesmo elogiou e incentivou a dócil Rani a declarar seus sentimentos pelo esquisito dos insetos.

A comida.

Sentiu-se idiota por não ter pensado naquilo, mas toda situação era uma loucura. De toda forma, tinha comido na companhia de Choji quando a garota lhe pediu conselho de como se declarar para Shino, antes que perseguisse EL e encontrasse Sasuke.

Será que isso tem alguma influência naquele beijo? Só podia ser isso, não é?!

Veneno ou genjutsu, a verdade é que EL estava brincando com todos na Vila.

— Você a usou. — Naruto reclamou. — Não se brinca com os sentimentos das pessoas. A coitada deve estar destruída por não ter sido correspondida, porque sei bem que Shino não caiu nesse seu papinho de cheiro ou comida envenenada. Quem você pensa que é para manipular os outros assim? Achar que pode mandar e desmandar nos sentimentos das pessoas?

— Sinceramente, é uma história longa e você fala demais. Meu trabalho é muito maior do que é capaz de imaginar. Você só está aqui por ser a terceira parte de um triângulo curioso e complexo.

— O que quer dizer?

— Tenho Hinata e Kiba sob meu poder, mas preciso que ela colabore com meus planos, entende?! Você talvez seja a peça chave para convencê-la.

— Por isso sequestrou Hanabi? Pois é melhor desistir. A qualquer momento, outros ninjas vão invadir isso aqui e resgatá-la. Quando isso acontecer, eu mesmo vou acabar com você.

— Garanto a você que isso não acontecerá. Antes que tenham ideia de onde estamos, terei partido há muito tempo. Enquanto isso, por que não conversarmos sobre um de seus assuntos favoritos? Sasuke Uchiha.

A imagem do rapaz surgiu no espelho ao lado de EL.

Sasuke estava da mesma maneira de quando o viu pela última vez. Vestido de preto, braço enfaixado e olhos completamente vermelhos. Aquilo com certeza não era nenhuma variação do sharingan, pelo menos não que conhecesse. O amigo por si só parecia… Débil, quase hipnotizado.

— O que fez com ele?

— Sabe, uma mosquinha me contou que seu mestre contou a você e seus coleguinhas sobre a pérola do nevoeiro e seus poderes de influenciar nos sentimentos do usuário. Acredita nisso?

Naruto não disse nada, nem mesmo precisou. EL prosseguiu.

— Acho curioso que os humanos saibam disso, já que a pérola é recolhida sempre após a colheita, mas… — deu de ombros. — E se eu disser que existe uma pérola específica para os Uchihas?

— Hyugas, Uchihas… Plano bem específico o seu, hein?! Não me parece alguém em missão de paz de promover amor. Parece mais sede por poder.

— Orochimaru, com toda certeza. Eu, não. Apenas estou sendo pontual com aqueles que descendem o chakra Otsukisuki.

— Oti o quê?

— Antepassados poderosos que perpetuaram seus poderes oculares. Como falei, isso é bastante história que duvido muito que entenderia e não vem ao caso. Minha missão é coletar amor a fim de alimentar a Árvore Divina e ceder parte à deusa Kaguya. Ela sim tem seus favoritos. Por isso as pérolas.

Aquilo era tudo muito confuso. Não sabia onde EL queria chegar, tampouco estava ansioso para descobrir. Tudo que precisava era interromper seus planos antes que obtivesse sucesso e resgatar Hinata e Sasuke.

— A pérola branca é nomeada de nevoeiro. A vermelha, de sangue. Bem característica quanto aos seus doujutsus. Elas têm como objetivo facilitarem o contato, que o amor se funda ao chakra e seja sentido da lua, onde Kaguya está selada.

— E como isso funciona? A pessoa simplesmente toca e fica sob seu comando?

EL bufou.

— Quem dera fosse tão simples assim. A menina Hyuga está me dando mais trabalho que o esperado e por culpa sua. Já o Uchiha… Tão simples que sequer precisei ir atrás. Orochimaru deu conta do recado.

— Sabe que esse cara é uma cobra, não é?! — Naruto alertou. — Ele não quer ajudar você. Está apenas procurando uma forma de conseguir o que quer e te dar um golpe. Quando menos esperar, ele vai trair sua confiança.

— E quem disse que confio nele? Na verdade, jamais teria chamado alguém como ele para me ajudar, mas foi uma breve recomendação de outro parceiro.

Outro? Naruto se questionou. Quem mais está envolvido nisso?

Encarou novamente o amigo através do espelho. Nem de longe parecia o Sasuke que conhecia.

Olhou ao redor, tentando disfarçar enquanto procurava alguma falha ou forma de escapar dali. Se por acaso aquilo tudo fosse um jutsu semelhante ao de Haku, como se lembrava, os espelhos não quebrariam tão facilmente. Lutaram juntos e Sasuke quase morreu naquela ocasião. Estava mais forte agora, contudo não fazia ideia de como EL poderia atacá-lo caso tentasse algo. Ainda mais com ele tendo o Uchiha e Hinata sob seu controle.

— Então quer dizer que Sasuke está assim por que sugou todo amor que tinha nele? É o que acontece depois que faz a sua “colheita”?

— Não. A maioria das pessoas não sente nada. Nunca recolhemos todo sentimento, apenas uma centelha, o essencial para a manutenção de ambos os lados. Até porque o amor se conecta a essência do indivíduo. Sugar todo seria como arrancar seu chakra, transformá-lo num zumbi. Não estou aqui para matar ninguém, ainda que tenha ambições maiores que minhas antecessoras.

— Quer dizer que você não é tipo a pessoa supervelha que aparece a cada 50 anos para sugar almas?

— Amores. E não. As Estrelas Lunares são como uma constelação muito exclusiva. A cada evento, uma é selecionada. Só que nem todas têm contato direto com a deusa. Por isso, pretendo fazer um trabalho louvável aqui.

— Você fala demais, sabia? Diz que está com Sasuke, mas só vejo uma imagem por trás do espelho. Hinata sequer apareceu. E ainda fica contando histórias querendo me enrolar. Por que não sai de dentro dessa caixa de vidro e me enfrenta de uma vez?

No instante seguinte, Naruto sentiu uma mão agarrar seu ombro e afundar os dedos na ferida da cobra, soltando o que mais parecia uma descarga elétrica que percorreu todo seu corpo.

— Devia dobrar sua língua rapaz. Você pode olhar ao redor e tentar escapar, mas não vai conseguir. Está no meu território.

EL havia desparecido mais uma vez.

Ao redor de Naruto, por outro lado, os espelhos estampavam Hinata e Sasuke alternados. O Uchiha permanecia quieto, como se estivesse mortificado, enquanto a garota estava agachada no chão, agonizando de dor, tentando desesperadamente arrancar a pulseira de seu punho.

— A maldita pérola. — resmungou.

— Seria muito mais simples se ela colaborasse, mas nem mesmo Hinata sabe o que se passa em seu coração. É uma boa garota, cheia de sentimentos calorosos, porém não canaliza o que eu preciso e, quando a pérola não recebe o que quer, pune.

— Como assim?

— Isso que escutou. A pérola tem como objetivo agilizar o processo de colheita dos escolhidos. No entanto, o de Hinata está lento. Não sei como ela resiste, mas, se não ceder logo, há sim a possibilidade da pérola consumir seu chakra em vez de amor.

— Está dizendo que ela pode morrer? — Naruto exasperou.

— Tudo é possível e diria que parte da culpa é sua também. Onde já se viu abandonar a garota num festival tão importante quanto esse? Se tivesse arrebatado seu coração e dado a chance que se confessasse, nada disso aconteceria.

— Confessar? Está dizendo que…

— Não vai me dizer que não sabia sobre os sentimentos da menina Hyuga? Ah… Pobre Hinata. Quase entendo agora o motivo de ser tão difícil abrir seu coração. Seria como se declarar para uma porta.

— Cale a boca! Você não sabe nada sobre meus sentimentos por Hinata.

— Acho que nem mesmo você sabe. — a voz de EL soou como um sussurro em seu ouvido, o que o sobressaltou. — Apesar de ter balançado os alicerces de Sasuke, creio que teria conseguido coletar seu amor sem aquele espetáculo de luta e beijos no beco.

— Vai dizer agora que Sasuke também está apaixonado por mim?

— O que você acha?

Mais um sussurro. Dessa vez, Naruto virou-se rapidamente e lançou a kunai, a qual atravessou o vazio e chocou-se contra um espelho que refletia Hinata, o qual se estilhaçou. A imagem desapareceu.

— Não se preocupe tanto. Sasuke está suscetível ao efeito da pérola. Costuma ser mais fácil em Uchihas em geral. Sabe, um clã volátil, com muito amor e propenso ao ódio, o outro lado da moeda. Bastou ele reencontrar sua maior desilusão amorosa para que deixasse tudo fluir.

Naruto sentiu como se tivesse acabado de levar um soco. Como se não bastasse Hinata sofrer por causa dele, Sasuke também?

— Ele está assim… Por minha causa? — murmurou.

— Ah, não. Amor próprio é bom, mas não se ache tanto, loirinho.

A silhueta encapuzada surgiu novamente num dos espelhos, colocando uma das mãos no ombro do então débil Sasuke.

— Há um ponto muito mais sensível na vida desse rapaz. Uma perda que ele ainda não superou. Um dos amores mais intensos e tristes, aquele que se perde em meio ao ódio e se mistura com a culpa. Uma vingança concluída, mas que não trouxe a paz desejada.

Itachi.

Naruto lembrou-se de ter a sensação de vê-lo mais cedo. Um jutsu simples de transformação, mas possivelmente teria mexido com a cabeça de Sasuke. Aquela vingança era seu objetivo desde que se tornaram um time. Após ser concretizada, mesmo tendo o resgatado de continuar um ninja renegado, não sabia como ajudá-lo. O próprio Uchiha parecia querer certa distância.

— Sasuke está de luto. Sente-se vazio. Matou o próprio irmão. Ele está ferido por dentro, pois, por trás de tanto ódio, havia muito amor. Você mais que ninguém deve entender como é ter amores não correspondidos, Naruto, e como família faz falta na vida de alguém. Na verdade, os Uchihas e Hyugas possuem muitas similaridades além de possuírem um doujutsu. Por isso estão aqui. A diferença é que foi fácil de abrir suas feridas. O que ele mais gostaria era ter a chance de reencontrar o irmão, de poder voltar no tempo para quando o massacre e todo resto não havia acontecido. — EL fez uma breve pausa. — Existem muitas formas de amor, garoto. O motivado pela saudade é um dos mais crueis, ainda mais quando se sabe que jamais poderá estar junto da pessoa novamente.

O loiro observou o estado de Sasuke. Todos espelhos refletiam uma expressão apática, que a priore parecia neutra, contudo seus olhos vermelhos contavam com um brilho extra. Aquilo seriam… Lágrimas?

— Os clãs Uchiha e Hyuga possuem uma ligação ancestral com a deusa Kaguya. Por isso são tão especiais. Conseguir colher seus sentimentos não é a tarefa mais fácil, por isso existem as pérolas. No entanto, com Sasuke foi tão simples que eu diria até ser deprimente. Quanto a Hinata, tão demorado que está se tornando irritante.

— Onde está a pérola de Sasuke?

EL segurou a mão do Uchiha e, fazendo um pouco de força, abriu, evidenciando a pérola de sangue, semelhante a que Orochimaru o mostrara anteriormente. Com certeza ele adoraria ter descoberto isso anos antes. Teria dominado talvez todo clã, enquanto ainda estavam vivos, e causado enorme destruição na Folha e em outras nações.

— Lamentável pensar que Sasuke pensa não ser mais digno de amor e, simultaneamente, ansiar por isso. Claro, todo seu histórico de relacionamentos será pautado em muita desconfiança, mas… Ele concordou.

— Como?

— Sasuke está “carregando” a colheita por livre e espontânea vontade. Quando nos vimos daquele beco, pouco antes de você aparecer, dei–lhe a condição. Enquanto ele se despede de Itachi numa espécie de genjutsu, a pérola drena o amor dentro de si. Isso, segundo ele, o tornaria mais forte, quando, na verdade, ele está com medo de amar e se permitir ser amado outra vez. Acho até que aquele seu beijo talvez tenha influenciado nessa decisão de alguma forma. Sinto que Sasuke deseja partir logo e cortar laços com você parece ser a melhor escolha para ele.

Partir. Outra vez.

A mera ideia de perdê-lo novamente fez com que Naruto se sentisse exausto. Diante de toda aquela situação, sentia-se um péssimo amigo. Para Sasuke, para Hinata, até mesmo para Kiba, por mais insuportável que pudesse ser às vezes.

— Não se sinta culpado, ainda que seja, em parte. — EL desapareceu do lado de Sasuke, surgindo agora num espelho junto à Hinata.

Naruto sequer conseguiu processar sua mudança de localização quando o viu agarrar o cabelo de Hinata e cortar uma mecha, a qual jogou através do espelho. Como se não houvesse nenhuma barreira entre eles, os fios se separaram e deslizaram calmamente pelo ar. Alguns caindo no chão, enquanto outros repousaram sobre a mão do loiro quando a esticou.

Imediatamente, lançou duas shurikens em direção ao mesmo, que se quebrou, como o outro. Nada passaria por aquele “vidro” se EL não quisesse.

— Então, Naruto. Você quer ser Hokage, um herói, não é mesmo?! Mas grandes líderes tomam decisões difíceis. Escolha! Quem você gostaria de salvar?

De repente, foi como se todos pensamentos se acumulassem na mente de Naruto, o bastante para que sequer soubesse distingui-los.

Encarou Sasuke. Não conseguia acreditar que ele tivesse chegado a tal ponto. Naruto não podia dizer que entendia a dor dele, mas estaria ao seu lado. Sempre esteve, mesmo quando o procurava, tentando salvá-lo dos planos de Orochimaru.

Entretanto, o que escutou a seguir o fez reestabelecer suas prioridades.

— Naruto-kun!

A doçura e timidez tinham dado lugar ao medo e agonia. Ele pôde sentir em suas palavras, notar ao observá-la encolhida através do vidro.

Precisava fazer alguma coisa. Tinha prometido encontrar Hinata e a irmã, salvá-las de quem quer fosse.

Voltar atrás em sua palavra? Jamais. Aquele era seu jeito ninja.