Escuridão.

Acima de si, uma luz forte se acendeu, quase o cegando. Pouco a pouco, outras luzes se acendiam, revelando diversas versões distorcidas de si. Um Kiba mais esticado, outro baixo, mais estreito, mais largo.

Os espelhos distorciam sua imagem.

Menos um.

Kiba olhou para frente e viu a si mesmo. Vestia a mesma roupa de sempre e um sorriso arrogante que ele próprio não exibia naquele momento. Um reflexo com vida própria.

Num puxão, o outro Kiba trouxe Hanabi para perto de si, mantendo uma kunai bem próxima a seu pescoço, a ponto de dar espaço para que uma gota de sangue escorresse pelo pescoço alvo da garota e atingisse o tecido amarelo do vestido.

Ao piscar os olhos, a imagem mudou de Hanabi para Aoi, com olhos cheios de lágrimas e naquela mesma condição. Em seguida, era Hinata que estava ali.

Rapidamente tentou se libertar do genjutsu, mas não conseguiu. Talvez não fosse um.

— Ora ora ora... Parece que temos companhia. A que devo a honra dessa intromissão?!

Aquela voz... Era estranhamente parecida e diferente da sua ao mesmo tempo, como se destilasse um veneno que ele jamais possuiu. Era como se ecoasse não apenas no breu como em sua mente.

Hanabi. Aoi. Hinata.

Seus olhos mantinham-se vidrados na cena que se passava a sua frente, contudo não mais a enxergava.

— Até onde eu sei, existem certas expectativas quanto à educação. Não entrar sem ser convidado, não se intrometer onde não foi chamado, responder às perguntas que fazem...

Não estava entendendo o que se passava, contudo de forma alguma podia demonstrar vulnerabilidade. Akamaru tinha sumido. Hinata, Hanabi e Aoi estavam em perigo. Precisaria dar seu jeito de saírem dali o quanto antes.

— Kiba Inuzuka... Conhecê-lo estava na minha lista de curiosidades para essa noite. O rapaz e seu cachorro que sempre se rastejam pela mente de Hinata como se quisessem marcar território.

— Quem é você?

O outro Kiba mantinha um olhar divertido, como se o analisasse.

— Meio óbvio, não?! Eu sou você.

— Nem vem. Essa daí não cola comigo.

A sua versão deu um sorriso ladino.

— Então quem sou eu?

— Um idiota qualquer, mas acho que te chamar assim não seria justo enquanto tenta usar meu rostinho lindo para parecer melhor.

— Quanta arrogância...

— EL, não é?! Você está desde cedo perturbando a Hinata, sumiu com a irmã dela e agora estamos aqui nesse lugar estranho. Qual a tua?

— Parece que dois ou três neurônios seus estão funcionando. — provocou. — Acho que a Hinatinha deve ter falado com você e o caladão sobre mim. Gosto disso.

O sorriso presunçoso parecia se acostumar no rosto do outro Kiba, exibindo um de seus dentes mais pontiagudos. EL estava brincando com ele.

— O que você quer com Hinata?

— Acho que aqui não cabem meias palavras, mas... Ela quem me procurou. Parecia querer saber mais sobre o que se passa em seu coração dividido entre Naruto e você...

— Mentira.

— É. Talvez seja. Tudo mentira. Feliz? Achei que tivesse mais garra, garoto cachorro. Parece conformado com o fato dela preferir o loirinho a você.

— Cale a boca! Você não sabe nada sobre o que sinto. Seus joguinhos não funcionarão comigo. Anos de treinamento com a Kurenai sensei.

— Ah... Devo admitir, Kurenai é mesmo boa. Trabalhou duro para torná-los mentalmente capacitados. Notável ao ver o quanto você se garante sendo o mais inflamável do time. — EL fez uma breve pausa. — Hinata... Shino... Simplesmente adorei ver a declaração que ele recebeu. Aquela jovem o fez perder a postura por um momento e foi divertido de ver. Aliás, isso não estava em meus planos, mas é delicioso o gosto de emoções genuínas. Foi como uma brisa fresca.

— Então você também está por trás dessa coisa toda de cometa do amor?!

— Sim e não. Nem todos os casais foram formados por mim. Passagens de cometa são mesmo lindas chances do amor florescer.

— Isso é ridículo! — Kiba protestou. — Você está juntando pessoas aleatórias só para formar pares. Não está considerando os reais sentimentos delas. Que droga de pegadinha de mau gosto é essa? E o que o cometa tem a ver com isso?

Seu reflexo deu um passo em sua direção, porém não deixou o espelho. Seja lá quem fosse, EL mantinha-se seguro ao falar e agir. E estava orgulhoso disso.

— Tudo! Simplesmente tudo. Como não sabe disso? As pessoas se declaram em ocasiões especiais, principalmente sob o luar. Não é por acaso. De onde venho, nós trabalhamos muito para as coisas darem certo.

Kiba passou a mão nos cabelos antes de soltar uma risada incrédula.

— Mesmo? Porque o que está acontecendo aqui é um desastre.

— Minha missão aqui é de paz.

EL ergueu a mão como um sinal de sinceridade. No entanto, Kiba pôde ver o sarcasmo cintilar nos olhos de seu "outro eu".

— Sério? Porque o Iruka sensei estava fugindo desesperado. Kakashi sensei parecia prestes a atacá-lo.

— Não diria que ele estava realmente desesperado ou com medo de Kakashi... Talvez da plateia. — EL sorriu ladino. — Gosto de explorar as possibilidades.

— Minha irmã beijou o Gai sensei. — Kiba elevou a voz, desacreditado.

— Eu não disse que todas as possibilidades eram boas. — o reflexo deu de ombros. — De toda forma, esse foi apenas um incidente. Hana já possui outra pessoa no coração.

— Como?

Os olhos arregalados de Kiba foram como encontrar ouro para EL, que sorriu vitorioso.

— Ah... Verdade. Você ainda não sabia sobre os sentimentos dela por Genma, certo?! — fez uma breve pausa, analisando-o antes de prosseguir. — Não se preocupe. Eles se gostam.

— E quem disse que acredito em você?

— Falei antes e repito: Nem todos os casais foram formados por mim. Talvez devesse repensar sobre seus senseis também... — o outro Kiba abriu um de seus sorrisos orgulhosos. — Enfim, o amor está no ar.

— Só pare com isso. — exigiu o Inuzuka. — Por que não deixa que aconteça naturalmente?

— Como esperar você se confessar para Hinata por vontade própria? Ou ela dizer algo ao Naruto? Ou a pequena Hyuga se dar conta que seu coração não tem mais certeza de seus sentimentos pelo loirinho? Hm... — fingiu pensativo. — Não. Meu tempo aqui é contado. Eu gosto de me divertir e conseguir o que quero.

Kiba pegou uma kunai de sua bolsa ninja, sempre amarrada em sua perna.

— Para quem diz ter pressa para conseguir o que quer, você está conversando demais. Acho que está tentando me enrolar para evitar que eu acabe com seus planos.

EL sorriu.

No espelho, não havia Hanabi, Aoi ou Hinata ferida. A imagem de qualquer uma delas tinha desaparecido. Restava apenas a imagem de Kiba, o reflexo assombrado.

— Estou somente fazendo meu trabalho, mas nada impede que me divirta um pouquinho.

O outro Kiba virou de lado e sumiu do espelho.

— E também gosto de conversar.

O reflexo agora estava em outro espelho, a sua esquerda. Conforme se movia, o outro Kiba permanecia intacto, deixando para trás versões distorcidas do próprio Inuzuka.

— Devo dizer que gosto de sua persistência. Quer proteger as meninas, descobrir como resolver a onda de amor que se espalha pela Vila e, no fundo, acha que isso pode ajudá-lo a virar Hokage. Talvez até arrebatar de vez o coração de Hinata.

Kiba respirou fundo. A iluminação era parca, mas tinha seu faro e audição. Precisaria mais que nunca contar com eles, visto que EL parecia querer usar seus olhos para enganá-lo. Sabia que havia algo errado e não poderia ficar com a guarda baixa.

— Hinata também está sendo bem resistente mesmo com a pérola, o que é admirável. Créditos ao trabalho de sua sensei, suponho, ou talvez do próprio treinamento do clã Hyuga. — o outro Kiba continuou. — Seria uma pena se isso a consumisse também. 

— Mais uma parte do seu plano, não é? Por isso ela emanava um cheiro estranho durante o festival.

— Ah... você sentiu? Aquilo foi um toque pessoal meu, como um cartão de visitas.

EL retornou ao espelho diante de Kiba. Numa breve olhada ao redor, o rapaz ainda conseguia ver os olhos ferozes dos demais reflexos distorcidos, como se estivesse a ponto de ultrapassar a barreira de vidro que os separavam.

— Façamos um breve jogo. Te mostrarei Hinata nos espelhos. Terá apenas uma chance de acertar qual delas é a verdadeira.

— E então? — Kiba inquiriu.

— Não é como se você tivesse outra escolha. Se deseja mesmo poder ver Hinata, apenas dance conforme a música.

De repente, não havia mais qualquer reflexo de Kiba nos espelhos. As imagens que assumiram correspondiam a Hinata. Uma batia no espelho, parecendo clamar por ajuda para se libertar; outra chorava ajoelhada com a irmã desacordada em seus braços; uma terceira parecia assustada e perdida tal como mais cedo esbarrou nele, após encontrar EL.

— Alguém? Por favor! — gritava uma Hinata.

— Kiba? Shino? Socorro! — engasgava outra no próprio sangue.

— Não! — berrava em lágrimas mais uma versão da Hyuga. — Me deixe em paz!

Todos os espelhos pareciam ter ganhado voz para confundi-lo. Timbres idênticos a voz meiga que costumava escutar em missões, sendo sempre gentil e dando-lhe apoio, cuidando de todos os membros do time. Agora ecoavam desespero.

Havia uma diferente de todas. Num canto talvez mais escuro, havia uma Hinata que parecia calada, envolvendo o próprio corpo, encarando algo a sua frente, como se pudesse enxergar Kiba por trás daquela parede. Será que era isso?

Deu alguns passos em direção ao espelho que pareceu se iluminar. Os olhos perolados tinham um ar de medo, fazendo com que Kiba quisesse abraçá-la tão forte quanto possível e protegê-la de EL e qualquer outro que ousasse em perturbar sua paz.

Fechou os olhos e respirou fundo. Liberou o ar devagar antes de abri-los novamente.

— Ela não está aqui.

Demorou um segundo para que a voz de EL voltasse a ecoar em meio ao breu.

— Claro que não está. Tem um vidro que os separa.

— Sabe muito bem o que quero dizer. — Kiba se manteve firme, cerrando os punhos. — Nenhuma delas é a Hinata real.

— Resposta ousada... E perigosa.

Ainda mantendo seu jogo, EL surge das sombras ainda como um clone do Inuzuka atrás de Hinata, agarra seus longos cabelos e a arrasta consigo para fora do espelho. Ela tenta, em vão, escapar. Seus olhos enfim se encontram ao verdadeiro Kiba com uma mistura de medo e confusão.

— Por favor... Proteja Hanabi para mim.

No instante seguinte, uma kunai rasga sua garganta, fazendo-a se engasgar com o próprio sangue. O líquido vermelho espirra durante o corte, atingindo Kiba enquanto o restante se espalha pelo chão assim que seu corpo despenca, sem vida.

O Inuzuka desviou o olhar do corpo inerte para seu clone, cujo olhos assumiram um tom lilás intenso.

— Acabou? — Kiba quebrou o silêncio, recompondo-se.

— Deveria tomar mais cuidado com suas palavras, garoto.

EL estampa um sorriso ardiloso e Hinata muda para Hanabi, morta, seguida de Aoi.

— Parece que não era Hinata.

— Nem Hanabi ou Aoi. — Kiba completa.

A imagem da garota some, assim como todo sangue que até então se espalhava pelo chão.

— Deixe-me adivinhar. Você sentiu?

— Senti tudo. Os fogos de artifício, o aroma de comida, o almíscar que dominou as ruas e está fazendo as pessoas se apaixonarem. — Kiba deu um passo em direção ao seu clone. — O de Hinata também. Dessa vez, ela tinha um cheiro floral estranho, como a própria...

— Flor de lótus. — EL sorriu. — Você tem mesmo um dom, garoto, mas poderia ter sido mais poético e falado que sentiu com o coração.

— E senti. Estou com Hinata há bastante tempo para reconhecer o aroma de canela que sempre possui, mesmo após difíceis missões ou por trás desse cheiro almíscar e floral com que tentou me enganar. Eu a sinto e poderia encontrá-la até no fim do mundo.

— Nossa... Agora sim. — EL bateu palmas. — Parece que temos aqui alguém entrando no clima do amor.

Kiba avançou sobre EL, que desviou e entrou num dos espelhos, o qual foi atingido por um soco no rapaz. Um caminho vermelho deslizou entre o vidro quebrado, ainda de pé na moldura.

— Tão impulsivo! — a voz de EL ecoou mais uma vez. — Cumpro com minhas palavras. Queria ver sua garota? Cá está!

Os demais espelhos repentinamente se estilhaçaram, tendo estilhaços cortando o ar de maneira violenta.

Kiba se encolheu o mais rápido que pôde, sentindo alguns pedaços de vidro o atingirem. Por sorte, sem dores ou ferimentos graves. Apenas cortes superficiais, constatou antes de erguer o olhar outra vez.

Havia apenas um espelho intacto. Através dele, Kiba pôde vê-la. Respirou fundo.

Sim, aquela era a verdadeira Hinata.