O Sol de janeiro está brilhando lá fora, mas de maneira tímida. O calor é ofuscado pelas nuvens de um clima tipicamente nublado. E como poderia ser diferente? Esta é a Aldeia da Nuvem, localizada no País do Relâmpago. A maioria das construções nesta região se encontram acima de montanhas e cruzam as nuvens como agulhas perfurando algodão. Por isso, as manhãs quase sempre são frias mesmo quando a luz solar insiste em banhar os corpos abaixo dos céus.

No entanto, sem se importar com a temperatura ou potência da luz externa, Sakuya Shihoin observa o seu reflexo no espelho do seu quarto. Seus dedos passeiam por sua pele negra, mais especificamente sobre as marcas brancas na região do seu busto. Cada segundo realizando tal ato é como um memorando que refresca experiências dolorosas do passado, de um tempo no qual o vitiligo era um motivo de sua vergonha e insegurança. Na verdade, essas sensações não são totalmente passadas. Sakuya vem tentando ensinar a si mesma a se orgulhar de quem é, da cabeça aos pés.

— Senhorita Sakuya – se manifesta uma mulher de meia idade, pele clara, cabelos e olhos negros, além de trajes que indicam a sua função como secretária do lar. – Já está quase no seu horário.

A senhora é mais uma entre os tantos empregados da enorme casa Shihoin. Por isso, ela está parada diante da porta do grande quarto da jovem Sakuya, aguardando por sua resposta. Sem demora, a jovem de longos cabelos crespos ornamentados em belas tranças loiras até sua cintura lhe direciona o foco de seus profundos olhos escuros.

— Certo. Obrigada, já estou para sair.

— Com sua licença – pede a mais velha, despedindo-se com um breve curvar do próprio corpo.

Diferente da grande maioria dos clãs da Aldeia da Nuvem, os Shihoin possuem uma única casa para todos os membros da linhagem. Não, talvez o termo mais adequado seja “mansão”. Afinal de contas, o Casarão Shihoin, como é mais conhecido, é a maior estrutura presente em toda a região do vilarejo. Possui um terreno de 40 mil metros quadrados e cinco andares que se dividem em incontáveis quartos e outros cômodos. Por isso, é comum que determinados membros do clã cheguem a ficar dias sem se encontrar mesmo morando sob o mesmo teto.

— Hora de descobrir se é a minha vez de me chamar de Gennin ou se esperarei novamente até o ano que vem – diz Sakuya para o seu próprio reflexo, direcionando o olhar ao espelho instantes depois do afastamento de sua secretária do lar particular.

Há décadas, a influência econômica e militar do clã lhe conferiu um prestígio inigualável. O poderio dos Shihoin é tamanho que sempre puderam gozar do privilégio de ter um empregado para cuidar dos interesses individuais de cada membro do clã. Por isso, embora seja gigantesca, a mansão nunca está quieta durante o dia devido ao grande trânsito de secretários do lar, mordomos, cozinheiros e outros profissionais que atendem às necessidades dos indivíduos mais ricos de todo o País do Relâmpago.

Embora os moradores adultos da Aldeia da Nuvem respeitem bastante os Shihoin, esse fato não é uma verdade absoluta entre os mais jovens. Muitos dos aspirantes ninjas e até mesmo Gennins de pouca idade não gostam de toda a atenção e prestígio que os membros desse clã recebem. Pensar sobre isso enquanto se afasta do seu quarto é o que faz Sakuya se lembrar de forma mais vívida de algumas coisas que ouviu ao longo da infância… “Por que você acha que é melhor do que nós?”. “Até mesmo a sua pele te rejeitou! Ninguém do seu clã se importa com você!”. “Não aja como se fosse superior a todos. Você nunca será nada mais do que uma riquinha mimada sem méritos próprios”.

Se tornar Gennin e avançar em sua carreira ninja seria a melhor negação para tudo aquilo. Em seu âmago, ela sente como se fracassar não pudesse ser uma opção. É por isso que, ao se retirar do seu quarto, a estudante da Academia Ninja começa a correr às pressas pelos longos corredores do Casarão Shihoin. Após quase dois minutos, já se retirou das dependências da residência compartilhada. A próxima tarefa é saltar entre as montanhas que formam o caminho rumo à Academia Ninja da Nuvem. Logo, Sakuya avista alguns colegas de classe realizando trajetos semelhantes. Não apenas ela, mas todos os alunos estão ansiosos para descobrir quem foi aprovado como Gennin neste ano.

— Mas… Será mesmo que eu consegui passar…? – ela pergunta para si mesma em pensamento enquanto segue o seu trajeto com dedicação.

A classe Gennin é a primeira categoria de graduação ninja. Antes de tornarem-se ninjas de fato, os jovens aspirantes são matriculados na Academia Ninja da Nuvem e permanecem praticando por pelo menos um ano até serem considerados elegíveis para o Exame Gennin. Esse exame nada mais é do que uma avaliação criteriosa feita pela alta cúpula de uma aldeia ninja para escolher, entre os nomes indicados pela diretoria da Academia Ninja, aqueles que ocuparão as vagas disponíveis de Gennins. O Exame Chuunin, que se inicia em agosto, é que define quantas vagas para Gennins estarão abertas no ano seguinte de acordo com a quantidade de Gennins anteriores que se graduarem como Chuunins. Neste ano, existem nove vagas abertas para a primeira categoria de graduação ninja na Aldeia da Nuvem.

— Você sempre estará sozinha…

Sakuya arregala os seus olhos, cessando os seus movimentos ao colocar os pés em uma montanha já bem próxima à Academia Ninja da Nuvem. Assustada, ela olha para todos os lados, observando os seus colegas que seguem normalmente rumo ao destino que traçaram. A garota sente seu coração disparar, assim como a certeza de que, na verdade, o que acabou de ouvir ecoou apenas em sua própria cabeça. Sendo assim… O que isso significa?

— Você sempre estará vulnerável…

Rapidamente, a garota se vira para trás se colocando em posição de batalha. Sua reação é meramente instintiva, uma vez que ela compreende que não há ninguém por perto falando tais coisas. A única alternativa é acreditar que há algo falando com ela por meios telepáticos. Contudo, ao refletir bem, Sakuya tem a sensação de que não é uma voz única, mas um aglomerado de timbres aparentemente masculinos e femininos. É como um coro de vozes distantes que ressoam em sua mente. O que está acontecendo, afinal de contas!?

— Ninguém jamais vai desejar sua presença ou afeto de verdade…

O corpo da garota começa a tremer sutilmente. Ela não sabe dizer o que está acontecendo consigo mesma. Do mesmo modo, ninguém por perto parece perceber. Não percebem porque é algo inexplicável ou nunca se importariam com ela de qualquer maneira?

— Fraca. Inútil. Patética. Miserável. Minúscula. Risória. Insignificante – e as palavras continuam ecoando em sua cabeça em um tom cada vez mais alto e incômodo.

Sakuya cai assentada sobre suas próprias pernas, tentando tapar os ouvidos olhando para todos os lados. Nada surte efeito. As vozes prosseguem torturando-a como uma sinfonia cruel que jamais poderá ser interrompida.

— Rejeitada. Abandonada. Amargurada. Solitária. Indiferente. Inexistente…

— Sakuya? – uma voz diferente interrompe o desespero da garota.

A jovem do clã Shihoin abre os seus olhos, ainda na mesma posição. As vozes pararam no instante em que ela sentiu o toque de uma mão sobre seu ombro direito. Ao virar seu rosto para essa direção, se depara com uma garota conhecida de pele levemente mais clara, longos cabelos negros lisos até a cintura, lábios grossos e olhos de um castanho claro muito envolvente. Trata-se de Aruhana Yotsuki.

— O que aconteceu? – pergunta a garota mais alta.

Por alguns instantes, Sakuya tem sua atenção capturada por completo pela pequena pinta escura do lado esquerdo do rosto de Aruhana, próxima ao nariz. Em seguida, desvia o rosto para onde percebe uma terceira pessoa. Logo atrás de Aruhana está um garoto de cabelos negros curtos levemente cacheados, olhos castanhos escuros, pele clara e estatura praticamente idêntica à de Sakuya. Quando ele é encarado por seu olhar, parece se sentir desconcertado e olha para outra direção.

— A direção da Academia Ninja solicitou que procurássemos por você. Já tem quase uma hora que comunicaram os estudantes aprovados como Gennins – explica Aruhana, ainda com a mão sobre o ombro da mais jovem. – O que estava fazendo aqui?

Os olhos da Shihoin se arregalam. Ela não é capaz de compreender o que aconteceu. Aquele fenômeno estranho, para sua noção temporal, não durara mais do que poucos minutos antes dos dois colegas de turma aparecerem. Mesmo assim, seguindo o que Aruhana acabou de dizer, tudo teria que ter durado muito mais tempo. Sem saber como explicar, Sakuya se levanta. Enquanto a outra garota afasta a mão aguardando uma resposta, a jovem do clã Shihoin se coloca de pé diante de Aruhana e sorri.

— Acho que tive uma enxaqueca e acabei perdendo a noção do tempo.

— Entendo – diz a mais alta, não completamente convencida do que acabou de ouvir. – De qualquer modo, temos que nos encontrar com o nosso professor em uma zona de treinamento. De agora em diante, nós três somos a Equipe 3.

Ouvir isso surpreende Sakuya ainda mais. Isso significa que ela finalmente foi aprovada como uma Gennin?

— Então nós três somos Gennins agora? – questiona, tentando ter certeza sobre isso.

— Sim, não é demais? – se manifesta Aruhana, fechando os olhos e esboçando um caloroso sorriso. – Espero que nós três possamos nos dar bem de agora em diante.

— S-sim – concorda o garoto Romoku Mutou, um pouco mais afastado de suas duas colegas.

Sem muita demora, o trio se dirige ao local designado para a equipe. Após alguns minutos de saltos entre montanhas e um corre-corre empenhado, os três recém-graduados como Gennins chegam a um vale localizado entre duas grandes colinas do vilarejo.

— Aquele poste é o nosso professor!? – questiona Sakuya no momento em que já se torna possível avistar um homem muito alto de braços cruzados à espera deles.

— Sim. Caius Lao Bistail – Aruhana a responde.

— Bem-vindos – articula o sujeito com incríveis 2,50m de altura, olhos púrpuras, pele negra e cabelos de um loiro quase tão claro quanto a neve. – Pela demora, achei que tinham desistido.

Enfim, os três se aproximam o suficiente, parando a poucos metros do gigante diante dos seus olhos. Aruhana o conhece graças às conexões próximas entre o clã Bistail e o clã Yotsuki, mas seus dois colegas demonstram espanto diante do simples fato de uma pessoa tão alta existir. Apesar da altura e dos músculos bem evoluídos camuflados por vestes brancas e vermelhas aparentemente caras, Caius sorri gentilmente para os Gennins. Diferente do que imaginaram à primeira vista, o Jonin não demonstra nenhuma hostilidade. Ao menos não por enquanto…

— Como sabem, eu serei o tutor desta equipe de agora em diante. Seremos conhecidos como Equipe Caius ou Equipe 3 – ele explica com calma. – No entanto, primeiramente precisam vencer uma pequena tarefa que preparei para vocês.

— Pequena tarefa? – questiona Sakuya, curiosa e levemente preocupada com o que acabou de ouvir.

— Sim. É simples – garante o mais velho ainda de braços cruzados diante dos mais jovens. – Ficarei nesta mesma posição sem me mover. Vocês deverão trabalhar em equipe para conseguirem me tirar do lugar.

— O quê? – Aruhana é quem se manifesta agora, um tanto quanto incrédula.

— É isso mesmo, nada mais – garante o Jonin, encarando-a com a mesma feição inquietantemente gentil. – Não é simples?

— Quanto tempo temos para isso? – pergunta o único garoto entre os três Gennins.

— No máximo, uma hora. Se apressem porque teremos nossa primeira missão depois. Isso, é claro, se passarem nesta tarefa – garante o líder do clã Bistail. – Lembrem-se: trabalho em equipe costuma ser a chave para o sucesso de qualquer missão ninja. Comecem!

Aruhana é a primeira a se mover, correndo em direção ao mais alto. Como integrante do clã Yotsuki, ela possui uma força física natural extremamente elevada. Ainda que seja uma jovem de 13 anos, a sua força é muito superior à grande maioria dos ninjas adultos. Graças a ela, esteve cotada entre os nomes elegíveis para o Exame Gennin três anos seguidos. É pensando sobre isso que Aruhana se move, confiante na possibilidade de afastá-lo da posição em que está somente com sua força bruta.

— É imprudente atacar um inimigo de maneira tão aberta e óbvia, mas a tarefa é sobre retirá-lo do lugar. Sendo assim, não é uma batalha normal – pensa Aruhana, eliminando os metros de distância com o seu avanço, concentrando toda a sua força no punho direito. – Basta atacá-lo com tudo!

Enfim, a garota mais velha do trio acerta um soco do seu punho direito na barriga de Caius, uma vez que seria impossível para ela atingir o seu rosto. A técnica utilizada é simples, mas efetiva quando o objetivo é afastar o oponente. Seu ataque é tão forte que desloca o ar com o avanço do seu punho, gerando breves ondas de choque ao redor do braço direito de Aruhana. No entanto, para o espanto tanto dela quanto dos seus colegas, Caius sequer demonstra sentir o ataque. Seu corpo não se move e ele permanece sorridente, encarando-a.

— Soco Explosivo, hein? – questiona o mais alto enquanto a garota permanece com o punho conectado à barriga dele. – É uma boa tática considerando a natureza dessa tarefa, mas você se equivocou. Deveria ter pensado melhor, porque veja bem… Se o adversário, enquanto um Jonin, propõe um desafio relacionado à durabilidade física, por qual motivo uma Gennin sozinha poderia resolver a questão com um único ataque?

— Vocês poderiam continuar tentando atacar? – questiona Romoku, alternando o olhar entre Sakuya, ainda próxima, e a distante Aruhana.

Sakuya compreende o recado e começa a correr em direção ao Jonin. Caius direciona o seu olhar para Sakuya enquanto Aruhana, mais uma vez, utiliza o Soco Explosivo com a mão direita. Quando mais próxima do seu alvo, Sakuya chuta o ar com a perna direita e a esquerda. Com isso, duas pequenas facas extremamente afiadas, produzidas pelo clã Shihoin, são atiradas de ambos os pés da garota. Saltando para longe, Aruhana abre espaço para que as facas atinjam a barriga do gigante Jonin.

Romoku, por sua vez, após ativar um selo manual, aponta as mãos para Caius e dispara uma descarga elétrica como um fluxo de chakra linear e concentrado. O ataque de longo alcance viaja rumo ao homem que sorri observando algo curioso: há uma pequena tarja explosiva anexada a uma das facas atiradas por Sakuya. Embora sua pele não seja penetrada pelas facas, a descarga elétrica em linha reta criada por Romoku ativa o explosivo. A tarja explosiva, combinada à energia elétrica, detona uma explosão considerável no local enquanto os três Gennins se afastam o suficiente para não serem afetados por nada.

— Funcionou!? – questiona Sakuya, ansiosa pelo momento em que a fumaça erguida pela explosão desapareça.

Instantes depois, quando Caius volta a estar visível, ainda de braços cruzados, os três jovens sorriem animados. Há um rastro de poucos centímetros no chão causado pelos pés do Jonin. Afinal, embora as técnicas combinadas tenham conferido pouquíssimo dano ao gigante, a potência de dispersão foi suficiente para empurrá-lo.

— Parabéns. Excelente trabalho em equipe. Vocês passaram – garante o mais velho presente no local. – Acredito que já estão prontos para partirmos para a primeira missão da Equipe 3!

…/–/–/…

Enquanto isso, em algum lugar desconhecido longe dali…

Um homem alto, de pele negra, olhos castanhos e cabelos da mesma coloração, mas com um penteado incomum, caminha entre os corredores do que parece um velho castelo. Uma marca marrom cruza a sua pele da região do couro cabeludo até perpassar a extrema esquerda do seu olho esquerdo e se encerrar quase na linha das narinas. Suas vestes são completamente prateadas, assim como os brincos de meia lua carregados por suas orelhas. Metros atrás do homem, uma figura de vestes parecidas se diferencia unicamente pelo capuz que utiliza e a máscara branca que cobre o seu rosto. A figura parece seguir o outro como um servo que acompanha alguma inquestionável autoridade.

— Sumo Sacerdote, meu senhor… – se manifesta a pessoa de face oculta. – Seus homens estão preparados para partir rumo ao Vale da Lua de Prata.

— Ótimo – garante o homem à frente, sem olhar para trás. – Informe-os de que a missão deve atrair o mínimo possível de atenção. A Aliança Shinobi não pode desconfiar dos nossos objetivos. O ideal é que acreditem que os Bestiamorfos são o grande e único desafio.

— De acordo, senhor – garante o seguidor, acompanhando-o sem cessar. – Se a antiga profecia estiver correta, a chave é uma Gennin. Mas de qual aldeia?

— Isso não importa. Não tem importância se os nossos rituais de contato não nos deram pistas suficientes sobre a identidade dela – articula o outro. – Sabemos que ela estará no Vale da Lua de Prata dentro do período estimado. Nessas circunstâncias, só teremos quatro equipes de Gennins da Aldeia da Folha e quatro da Aldeia da Nuvem. Entre os Gennins, uma kunoichi é a correta. Sabermos disso é o suficiente. Desde que os enviados não ajam de maneira leviana, encontraremos a pessoa da qual precisamos.

O homem na frente para de caminhar. Erguendo as duas mãos, nas quais utiliza um par de luvas brancas, ele empurra duas grandiosas portas de madeira com algumas estranhas marcas prateadas espalhadas. O ranger das portas abre espaço para que a dupla adentre um enorme salão iluminado somente pela luz do dia que, por sua vez, atravessa alguns vitrais vermelhos à direita e à esquerda. No fim do extenso salão há uma estátua de mármore representando uma figura mascarada com duas grandes asas, uma lança erguida para o alto com a mão direita e um escudo sobre o antebraço esquerdo.

— Louvado seja, Deus da Luz – se pronuncia o lacaio, mantendo-se distante da pessoa sem máscara, baixando o rosto e curvando-se diante da visão da estátua. – Abençoados são aqueles escolhidos para difundir a sua santa palavra.

— Em breve, o mundo cairá perante o mal encarnado. Sacrifícios são necessários para que possamos alcançar a luz criadora – fala o líder, caminhando enquanto mantém o olhar fixo à estátua. – Eu, Azuma Senju, farei o que estiver ao meu alcance para salvar a humanidade. Custe o que custar…

Arco 1 - Vale da Lua de Prata… Começou!