Dualitas escrita por EsterNW


Capítulo 29
Capítulo XXIX




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― Parece que seu pai realmente não me conhece, Matias ― Rui gargalhou, o som se espalhando no interior da carruagem. ― O meu sótão fede a magia sombria à distância e ele realmente acredita que eu deixaria isso como está por uma quantia de dinheiro? ― Fez um barulho com a língua, indicando reprovação. ― Nem que ameaçassem expor minha vida de estudante em praça pública eu faria isso, de jeito nenhum!

Matias absorveu a informação calado, enfiando-se mais para dentro do próprio casaco não para se proteger do frio, mas como se pudesse realmente se esconder ali, em um gesto instintivo. 

Sabia que a culpa pela atitude do pai fora dele próprio, por ter arriscado sondá-lo em busca de alguma informação. Coisa que a Srta. Gutiérrez discordaria com veemência, recordando-se de uma das conversas que tiveram nos últimos dias. 

Segundo o próprio Rui opinara, durante os longos minutos desde que deixaram para trás a residência dos Salazarte na carruagem dos Aquino, valia a pena o risco de pressioná-lo contra a parede e arriscar tudo de uma vez. Era direito de Matias, como filho, saber o que estava se passando com a própria família, no entanto, tudo dependia dele estar disposto a isso ou não.

No fim, Matias decidiu que conduziria a situação à própria maneira e, ao menos naquela madrugada, seguiria Rui onde quer que fosse o fim de mundo que ele dizia ter conseguido alguma informação sobre o tipo de feitiço que a tia poderia ter utilizado. 

Mesmo que — quando o visitara — Rui tenha dito que aquele assunto deveria ficar enterrado, quem o conhecia bem sabia que aquilo não duraria por muito tempo. Rui não poderia ver o elefante na sala e deixar de cutucá-lo. 

― Suponho que meu pai queira poupar a família de mais escândalos ― Matias opinou ―, mesmo que faça uso dos piores meios possíveis para isso. 

― Isso, meu caro primo desnaturado, significa uma coisa: seu pai sabe muito bem o que nossa tia andou aprontando ― Aquino acrescentou, o sorriso brincalhão murchando aos poucos. Até mesmo ele parecia estar disposto a encolher-se mais dentro do próprio casaco. E não pelo frio. ― Eu apenas me pergunto como.

― Acredito que minha mãe também tenha descoberto. Meredith me contou que as duas se afastaram nas últimas semanas antes da morte de nossa tia ― Salazarte acrescentou a informação pela metade. Sentia que aquele era um tópico sensível demais para compartilhar com alguém, mesmo com alguém da família. Era uma informação amarga e que possuía muitas pontas que não se conectavam. 

Torcia para que a expedição daquela noite ao menos clareasse um pouco a situação. 

― Bem, isso talvez explique ao menos uma das perguntas dessa noite. ― Rui meneou a cabeça, parecendo considerar as possibilidades para si mesmo. 

― Acredita que estamos chegando? ― Matias questionou enquanto afastava uma das cortinas para olhar para o lado de fora. Não adiantava praticamente nada, pois o caminho era uma mistura do nada com construções humanas e escuridão. 

― Não tenho a mínima ideia. A única indicação que Hugo me deu foi um marco na estrada. Espero que meu cocheiro consiga se orientar ― Aquino retorquiu, sequer se arriscando a imitar o gesto do primo. ― Pelo que me parece, é algum ponto após os limites da cidade.

― Me espanta você ter conseguido essa informação tão facilmente de um dos Altos Membros do Conselho ― Salazarte comentou, recostando-se outra vez contra o assento.

Rui fez novamente o barulho de desaprovação com a língua. 

― Não é apenas o seu pai que consegue algumas coisas com um pouco de dinheiro. — Um sorriso de canto se formou rapidamente, sem nem uma sombra de divertimento. — Agora, com relação à magia sombria... Eu acho que é o tipo de coisa que alguém desmiolado como Hugo se envolveria, você não acha? ― Matias balançou a cabeça para o lado, um meio termo entre concordar ou não. ― Hugo procura por magia sombria porque é um idiota que não sabe em que buraco está se enfiando, mas nós também sabemos que nem todos de nosso clã são assim. Inclusive dentro do Conselho.

Salazarte absorveu a informação em silêncio, sabendo que o primo estava certo em cada uma de suas palavras.

Os livros de magia sombria foram aos poucos sendo proibidos e queimados um por um pelo Conselho, a portas fechadas. O que levantava a dúvida, para algumas pessoas, se realmente haviam sido destruídos ou não. Talvez a única pessoa capaz de responder isso fosse seu avô, que atuava como Líder do Conselho quando o último dos títulos foi completamente banido. 

― Talvez nós encontremos mais alguns rostos conhecidos essa noite ― Rui murmurou, tentando inutilmente enxergar algo do lado de fora. Estavam realmente no meio do nada.

A carruagem continuou por mais alguns minutos, até parar após uns bons metros chacoalhando sem parar, sinal de que havia deixado a estrada suave. Matias e Rui desceram e deixaram o cocheiro ir se aliviar no meio do mato. Viram-se envoltos por árvores na escuridão e um paredão de pedra, indicando que não havia outra saída a não ser aquela pela qual vieram.

― Mas que diabo de lugar é esse?! Não tem nada aqui! ― Rui exclamou abrindo os braços, tomando-se por enganado. 

― Parece que há algo entre as pedras. ― Matias apontou na direção do paredão. ― É um tanto difícil de enxergar.

Rui seguiu a direção do olhar do primo, estreitando os olhos como ele. 

― Bem, nunca adivinharíamos que haveria uma porta no meio de um monte de pedras. ― Ele franziu a testa. ― É como se eu sentisse meus olhos doerem apenas por tentar olhar para lá por muito tempo... ― Balançou a cabeça. ― Vamos resolver isso de uma vez. 

Os primos aproximaram-se do paredão, vendo uma entrada praticamente esculpida na rocha, era como uma pequena caverna. Ou uma casa de passarinho feita de pedra. Rui colocou a cabeça para dentro, vendo um cômodo único. Os únicos objetos eram uma mesa, um lampião, um copo com o que parecia vinho e quatro cadeiras, onde quatro homens jogavam cartas. As paredes de pedra mostravam símbolos feitos em uma tintura vermelha, e os quais nem Rui nem Matias conseguiam desvendar o significado com uma única olhada.

― Viemos aqui através de Hugo Brontes ― Aquino anunciou, os dois sentindo os olhares dos quatro ocupantes sobre eles. 

Enquanto um virou o rosto para confabular com os outros, que murmuraram algo entre si, o último somente sorriu, encarando Salazarte como se estivesse encontrando um conhecido na rua. 

― Deixem que eu resolvo isso, senhores ― o homem sorridente anunciou, se levantando. ― Apenas peço para que os dois primos se retirem, pois acredito que não queiram discutir assuntos de família na frente desses senhores. Aviso desde já que há a grande possibilidade de amanhã o Submundo inteiro estar sabendo dos segredinhos da família Salazarte se continuarem aqui dentro. Alguns desses senhores não sabem controlar a própria língua ― ele riu para si mesmo, os cabelos compridos balançando com o movimento de cabeça. 

Matias e Rui se encararam de canto de olho, silenciosamente perguntando um ao outro o que estava acontecendo. 

― Que pena, adoro uma fofoca. ― Um dos homens à mesa riu, bebendo um gole de seu copo e, ao perceberem os dentes tingidos de vermelho, tornou-se óbvio que aquele líquido não era vinho. 

Os três homens saíram da cabana de pedra e voltaram para a noite escura, onde somente uma coruja solitária piava em uma de tantas árvores. O homem encostou-se contra a parede de pedra, encarando os primos ainda com o sorrisinho de triunfo no rosto, e o qual parecia que ele não queria tirar tão cedo.

― Eu já te vi antes. Você faz parte do grupinho do Hugo ― Rui começou. ― Pelo visto são verdadeiros os boatos de que ele se juntou a vampiros e lobisomens em suas confusões. 

― Por que está falando desse jeito, Aquino? ― o homem riu, movendo os ombros largos. ― Ouvi dizer que você e seu outro primo aprontaram tanto quanto ele. Ou a falha de caráter dele seria uma amizade com outros clãs do Submundo e mundanos? 

― Por que nos fez vir até aqui? ― Matias questionou, manifestando-se pela primeira vez desde que chegaram. 

― Eu estava apenas querendo ser gentil, Salazarte. ― Ele voltou-se para o bruxo novamente com seu sorrisinho de escárnio. ― E pelo que soube de sua irmãzinha, papai anda mantendo uns segredinhos de vocês... ― Matias sentiu como se o homem estivesse puxando-o pela camisa para fazer parte da conversa. ― Achei que podia colaborar com algumas coisas, sinto-me um tanto generoso. ― Levou um dedo ao queixo quadrado e com uma fraca cicatriz, como se estivesse pensativo. ― Ou talvez eu queira ver essa família maldita pegar fogo de uma vez. 

― Mas que diabos você... ― Aquino começou, aproximando-se do desconhecido enquanto estufava o peito.

― O que você sabe sobre minha irmã? — Matias cortou qualquer exclamação do primo e ignorou o ódio que o desconhecido parecia nutrir pela sua família. A lembrança de Matilda pronta para sair às escondidas dias antes voltou à mente e ele estremeceu com o mero pensamento. 

O homem olhou de soslaio para Rui e endireitou a própria postura, ainda encostado contra a pedra. Ergueu os ombros e voltou a sorrir.

― Achei que você soubesse que sua irmã mais nova dá suas escapadas durante a noite para encontrar o mundano que roubou seu coração. ― Enquanto o homem ria, Rui virou a cabeça na direção do primo, o ar de ameaça sendo perdido pela surpresa. ― Matilda anda tão solitária que não foi difícil fazê-la se abrir sobre a própria família. Você tem se comportado como um péssimo irmão mais velho, Salazarte.

― Do que ele está falando, Matias? ― Aquino questionou em voz alta, aproximando-se mais do outro bruxo. Parecia a ponto de sacudir um dos dois em busca de explicações. ― Que história é essa da Matilda ter se apaixonado por um mundano?

Matias tentou abrir a boca, porém o comando não passou de um pensamento, pois a única coisa que conseguiu fazer foi encarar assombrado o homem à sua frente.

― Parece que o filho aprendeu com o papai a guardar segredinhos da família ― o outro riu. ― A história de amor é que sua priminha tem se comportado como uma das inúmeras amantes que você costumava ter, Aquino.

Salazarte sentiu o sangue sair de seu rosto, e teve certeza que deveria estar ficando mortalmente pálido, enquanto o de Rui ia se avermelhando na direção das têmporas, onde uma veia começava a pulsar. Em um rompante, Aquino fechou os punhos e se jogou na direção do homem.

― Ela tem dezessete anos, seu bastardo!

Aquino acertou um punho diretamente na boca do homem, desiquilibrando-o e fazendo-o apoiar as mãos contra a pedra por alguns segundos. Enquanto Matias gritava o nome do primo, que agarrou o outro pela camisa para jogá-lo contra o chão, o homem deu um soco na lateral do rosto de Rui, digno de fazê-lo perder o equilíbrio. Ele se aproveitou disso para socar novamente o bruxo e Matias viu-se obrigado a correr para tentar meter-se entre os dois.

Furioso, Rui tentou acertar outro golpe no desconhecido, que se esquivou, e Salazarte tentou segurar o primo para afastá-lo, vendo que os outros três homens saíam do casebre de pedra, atraídos pelo barulho da briga. Percebendo o rosto de Matias tão perto, o homem aproveitou para acertar-lhe um soco, que só não foi tão forte porque o vampiro chegou para segurá-lo, fazendo uso de sua força superior à dos bruxos. Outro dos homens veio para ajudar-lhe com Rui e Salazarte levou uma mão ao rosto, sentindo começar a latejar.

Aquino trovejou xingamentos para o homem que se dizia amante de Matilda, enquanto ele somente ria, mesmo que estivesse com os dentes manchados de vermelho pelo sangue.

― Que coisa linda tentar defender a honra da prima ― o desconhecido cuspiu na direção dos primos.

― Chega, Baltazar! ― O único homem que não estava contendo ninguém gritou na direção do dito Baltazar, que foi quase arrastado pelo vampiro de volta para o casebre no meio das pedras. ― E vocês dois, caiam fora daqui.

― O que?! ― Rui gritou e o sujeito que o segurava apertou seu braço com mais força. Do outro lado, Matias tentou puxar o primo para trás.

― Não há nada para vocês aqui depois dessa confusão ― ele se aproximou e quase colou seu rosto no de Aquino. ― Caiam fora ou faremos questão de mandá-los de volta para onde vieram. E não nos responsabilizamos pelo que vai chegar até a família de vocês.

Rui bufou e forçou os dois que o seguravam a soltá-lo. O cocheiro finalmente apareceu, olhando para os lados e tentando entender o que acontecera. Aquino bufou e deu as costas para todos, indo em direção à carruagem estacionada alguns metros atrás. Matias olhou para os homens que o ameaçavam apenas com os olhares e decidiu seguir o primo. O cocheiro voltou para seu lugar e o veículo entrou em movimento assim que a porta foi fechada.

― Por que diabos você não me ajudou a bater naquele desgraçado? ― Rui grunhiu, enquanto o primo se aproximava para tentar observar o estrago feito no rosto dele. ― Ele estava falando da sua irmã ali!

― Estava nos provocando de propósito! ― Matias reclamou, segurando o rosto do outro ocupante da carruagem e tentando enxergar algo mesmo com a iluminação pobre. A única certeza era que o lado direito estava inchado e que teria sérios hematomas dali algumas horas. ― Tente aplicar compressas com casca de salgueiro para o inchaço não piorar.

― Acha que não sei disso? ― Rui riu e fez uma careta, sentindo a dor. Salazarte se afastou, sentindo ele próprio o incômodo quando tentava mover o lado direito do rosto. ― Mas é verdade o que ele estava falando? Matilda realmente tem...

― Meredith acusa Matilda de manter correspondência com um mundano e há alguns dias a flagrei indo para o que parecia um encontro.

― E você não disse nada para o seu pai, Matias?! ― Aquino exclamou, batendo a mão na parede da carruagem. ― Mãe misericordiosa, homem, você tem boca para que? Se o seu pai não faz nada, vá você mesmo resolver isso, oras! Ou vai deixar aquele bastardo destruir a reputação de sua irmã?

― Eu não sabia que Meredith estava falando a verdade! ― Salazarte também ergueu a voz, se irritando. ― As duas se provocam o tempo inteiro...

― Então que fosse tirar isso a limpo com Matilda, seu idiota! ― Rui bufou novamente, se afundando contra o assento. ― Quer saber? Tudo isso que está acontecendo também é culpa sua, que não tem um pingo de vergonha nessa sua cara para agir como homem e colocar as pessoas contra a parede! ― Matias ignorou a dor no rosto para movê-lo em indignação. Antes que rebatesse, o primo continuou. ― Eu estava há mais de dez anos sem te ver e você continua o mesmo medroso de antes e quer saber mais? Dessa vez os seus problemas não vão ser dois idiotas te batendo, mas a sua família que vai continuar ruindo, está me ouvindo? E não espere que o seu pai resolva isso, porque nós já sabemos que ele...

― Chega! ― Matias gritou e bateu contra o teto da carruagem. No mesmo instante, o cocheiro chicoteou os cavalos para irem mais rápido.

― Ah é? Não aguenta ouvir umas verdades? — Rui riu em deboche. — Então que resolva sozinho os seus problemas! Porque eu já vou ter os meus para explicar isso aqui para a minha esposa. ― Aquino cruzou os braços e virou o rosto na direção da janela.

Os primos seguiram o resto da viagem em silêncio, remoendo cada um a sua própria raiva. Quando a carruagem dos Aquino deixou Matias em frente à residência dos Salazarte, sequer se despediram.

 

 

A luz cinzenta do amanhecer do fim de outono entrava pela janela do escritório de Leônidas e Matias não conseguira pregar os olhos por um minuto sequer durante a noite.

Chegara em casa por volta das duas e meia da manhã e se atirara na cama sem nem pensar em tratar o próprio machucado. Como consequência, estava com um belo hematoma e inchaço abaixo do olho direito. Não que a dor física realmente importasse de alguma coisa em comparação com a última noite.

A discussão com Rui sequer pesava muito em sua mente ― pois tinha certeza que iriam se reconciliar cedo ou tarde ―, no entanto, as palavras do primo não deixavam de vir com o peso que lhes era devido. Rui não dissera nenhuma mentira e elas ainda estavam se mostrando mais uma vez verdadeiras, com sua recusa de responder com algo que não fosse um “chega” às acusações.

Havia um limite entre sua personalidade retraída e pacífica e a covardia, e infelizmente estava pendendo para o limite do segundo.

Porém, mais do que um orgulho ferido, Matilda fora a principal razão por não conseguir dormir por um instante que fosse e ainda se ver obrigado a descer ao escritório do pai para beber um pouco de whisky. Não fazia ideia de quanto tempo ficara ali, mas com certeza fora muito, a considerar a garrafa quase vazia. Apesar de começar a sentir uma dor de cabeça, poderia beber mais, se fosse para esquecer as palavras do dito Baltazar.

Não, ele não podia esquecer.

Como esquecer que a irmã caçula estava sendo seduzida e manipulada por um patife que parecia ter um ódio profundo pela família Salazarte? Rui realmente dissera somente verdades. Sua família estava ruindo e, agora que ele estava de volta, colaborava com isso.

Um ruído às suas costas indicou a porta sendo aberta e Matias lentamente virou a cabeça para trás, sentindo-a pesada.

― O que você está fazendo aqui? ― Leônidas questionou, ainda parado na entrada. O filho tentou processar o presente, sentindo o raciocínio lento. ― O que aconteceu com seu rosto? ― Junto da pergunta quase sibilada, com as possibilidades provavelmente passando pela cabeça do pai, ele fechou a porta e caminhou em direção à mesa.

― O senhor sabia que Matilda está se encontrando escondida com um mundano?

Leônidas, que estava pegando a garrafa de whisky na mão e pronto para enchê-lo com mais perguntas, parou de súbito e encarou o filho com horror.

― Do que você está falando? Matilda não se encontra com ninguém, isso é apenas provocação de Meredith. — Ele bateu o vidro contra a mesa com descuido. 

― Eu e Rui nos encontramos com um homem chamado Baltazar ontem à noite. Ele está difamando Matilda, fala dela como se fosse uma... ― Matias parou antes de usar a palavra “prostituta” para se referir à irmã. Sentia a língua um pouco mais solta, sinal de que estava um tanto menos sóbrio do que imaginava.

― Foi nesse lugar que você conseguiu isso? ― o médico devolveu, ainda parecendo horrorizado, mesmo na mistura do sono de acordar cedo.

― Sei que o senhor também não quer acreditar nisso, mas Meredith estava falando a verdade dessa vez. Matilda está se encontrando com um homem.

Leônidas soltou um suspiro alto e parou com uma mão no quadril, parecendo irritado. Fuzilou o filho com os olhos.

­― Acha que eu não saberia se sua irmã estivesse saindo às escondidas, Matias? Se recomponha! ― Ele apontou a outra mão para o filho. ― Você está bêbado, não está no seu perfeito juízo.

Irritado, o filho se levantou de repente e estapeou a mesa, fazendo o pai quase sobressaltar-se com o susto.

― Eu vi com os meus próprios olhos Matilda tentando sair quando você estava fora e me recusei a acreditar em Meredith como você, mas agora há um homem a difamando pelo Submundo! ― ele arfou ao soltar tudo de uma vez, sequer percebendo o uso do “você”, o pai ainda o encarando com o semblante carregado e parecendo não se dar por vencido. ― É de Matilda que estamos falando! O que o senhor acha que pode acontecer com ela se isso não parar?

Matias tentou apelar para o emocional e viu a fúria nos olhos de Leônidas parecer recuar por um instante, dando lugar à dúvida. Sabia que falar da filha mais nova sempre seria um ponto fraco para ele.

― Vamos tirar isso a limpo.

O médico deu as costas e saiu do escritório, restando ao filho apenas segui-lo. Pelo bater de um dos relógios, eram sete horas da manhã e, pelos corredores da casa, os empregados já se moviam para um lado e para o outro a pleno vapor.

Leônidas bateu com força na porta do quarto da filha e insistiu, pois sabia que ela estava dormindo àquela hora. Em um dos outros quartos do corredor, Meredith colocou a cabeça para fora.

― O que está acontecendo? ― Meredith perguntou sonolenta e com o cabelo ainda despenteado.

A garota não obteve sua resposta, pois a porta do quarto de Matilda foi aberta e a mais nova dos Salazarte apareceu ainda em suas roupas de dormir. No lugar de reclamar, franziu as sobrancelhas ao ver o pai e o irmão.

― Paizinho?

― Onde está? ― O médico foi entrando, passando os olhos por todos os cantos do quarto decorado em tons de branco e carmim. O filho entrou em seguida.

― Onde está o que? ― Matilda murmurou o questionamento, parecendo assustada. Matias não pôde evitar sentir pena.

― Onde estão as cartas que troca com o rapaz mundano?

No mesmo instante, o rosto da garota empalideceu e ela passou a gaguejar, parecendo que ia começar a chorar.

― No fundo do baú onde ela guarda aquelas roupas que o senhor encomendou da Europa ― Meredith respondeu pela irmã, encostando-se contra o batente da porta aberta.

― É mentira dela, pai, eu juro!

Matilda correu para tentar impedi-lo, porém Leônidas já havia se aproximado do baú ao lado da penteadeira sob a janela. Ignorando os protestos da filha ― que a denunciavam sem que ela se desse conta ―, revirou uma porção de saias e anáguas até tirar a mão de lá com uma pilha de papéis. Matias deu alguns passos na direção da irmã, com medo que ela desmaiasse, no entanto, a garota desatou a chorar e fugiu do cômodo, sumindo para algum dos cantos da casa.

― Eu não disse? ― Meredith soltou cheia de si, tendo entrado para o cômodo depois da irmã tê-la empurrando para correr.

Leônidas começou a passar os olhos pelos papéis em suas mãos e, pela primeira vez, Matias viu o semblante do pai como se ele estivesse prestes a desmoronar.


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