Dualitas escrita por EsterNW


Capítulo 11
Capítulo XI




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Matias bateu a aldrava mais uma vez, esperando por alguém que o atendesse. Não havia luz vinda das janelas, porém, não era como se os vampiros precisassem de iluminação com os sentidos apurados que possuíam. 

O céu ganhara totalmente os tons de azul escuro e inúmeras estrelas o pontilhavam; o vento batia-lhe nas bochechas e somente não sentia frio porque agasalhara-se bem. Os tempos no norte do continente lhe ensinaram algumas coisas boas.

A porta da frente finalmente foi aberta e Matias deparou-se com uma face pálida e cabelos pretos compridos e escorridos, junto de um casaco de veludo cor de vinho. Os dois lados tomaram alguns segundos para se analisarem. Salazarte foi encarado fixamente pelos olhos escuros, que estreitaram-se.

― Não parece um bom horário para visitas… ― ele começou e interrompeu o pensamento. ―  Eu ia perguntar se é um bruxo ou lobisomem, mas como estamos na lua cheia, a resposta é um tanto óbvia ― o outro gargalhou da própria afirmação, provavelmente percebendo que a tentativa de hipnose não teve efeito. ― O que deseja?

― Sou Matias Salazarte, filho do Dr. Salazarte e gostaria de conversar sobre o aluguel com o Sr. Vermont.

― Ora, está falando com ele mesmo. Vamos, entre. ― O vampiro abriu mais a porta, permitindo que o bruxo entrasse. Assim que ele passou, fechou-a atrás de si. Pelo que sabia daqueles inquilinos, Matias acabara de entrar num covil de vampiros e Vermont era o líder daquele clã. ― Ouvi falar do que aconteceu com o seu irmão, Sr. Salazarte, sinto muito.

Vermont fez outro gesto, guiando-o pelo corredor escuro e estreito para uma grande sala onde havia uma escada para o segundo andar, um vampiro adormecido de qualquer jeito sobre um sofá ― ainda em sua forma humana ― e outras duas rindo e conversando na beirada da janela, que oferecia o único quadrado de luz para o cômodo não estar completamente às escuras. Por sorte, as paredes de papel de parede damasco ajudavam um pouco a quebrar o tom sombrio.

― Antes que falemos sobre dívidas e valores, gostaria de expressar algumas reclamações que o seu irmão fez questão de ignorar por mais de um ano. ― O líder do clã continuou caminhando em linha reta, seguido pelo bruxo. Passado o cômodo, chegaram em outro corredor menor, cheio de portas fechadas. Uma foi aberta e entraram para o que parecia ser um escritório ou coisa semelhante, contendo somente uma mesa gasta e uma cadeira. ― Há infiltrações em diversos pontos da casa e uma goteira enorme em um dos quartos do segundo andar. Seu irmão prometeu diversas vezes que chamaria alguém para consertá-la e no fim tivemos que nós mesmos chamar um lobisomem para fazer isso.

Vermont fez um gesto para o outro ocupar a única cadeira do cômodo e cruzou os braços, um rápido esgar passando por sua face ao mencionar o lobisomem. 

― Eu sinto muito pelas promessas vazias que meu irmão fez, Sr. Vermont ― Matias disse enquanto analisava o assento antes de ocupá-lo. Estava empoeirado. ― Mas as manutenções na residência são de responsabilidade dos inquilinos. A não ser que o senhor já tenha alugado a casa nessas condições.

― Mas que salafrário mentiroso era o seu irmão ― o vampiro reclamou com outra gargalhada e Matias franziu a testa. Pelo jeito, ainda teria muito o que descobrir sobre Bernardo. ― Desculpe pela ofensa, Sr. Salazarte, mas estou sendo até um pouco econômico nos xingamentos depois de tanto tempo que o seu irmão nos enrolou. ― Ele novamente mediu o bruxo de cima a baixo, terminando com um sorriso de canto de boca. ― Ao menos ele era um pouco mais bonitinho, mesmo que o senhor também seja um tanto agradável para os olhos.

O bruxo sentiu as bochechas esquentarem, ao mesmo tempo em que as sobrancelhas subiam quase ao limite. Resolveu pegar o papel do bolso interno do casaco e encerrar aquele assunto de uma vez.

― Eu fiz uma soma de todos os aluguéis que o senhor deixou de pagar nos últimos dez meses. ― Ele passou o papel dobrado para o outro. ― Junto da taxa de juros, conforme o combinado no contrato que o senhor assinou. Pode ficar com o papel.

Vermont abriu o papel e grunhiu.

― Isso é alguma piada? Como o senhor espera que eu consiga esse valor de uma hora para outra?!

Matias sabia muito bem que a maioria dos vampiros costumava acumular dinheiro e bens ao longo da vida imortal e, a julgar pelas vestimentas de Vermont, podia supor que ele teria, sim, condições de pagar a dívida. 

― Há o prazo de um mês para que a dívida seja paga, caso contrário, terei que pedir a casa de volta ― o bruxo informou em tom ameno, assistindo o vampiro fuzilá-lo com os olhos. Àquela altura, estava começando a temer pelo próprio pescoço.

― Dê o fora ― Vermont soltou entre dentes. 

― Sr. Vermont, eu estou no meu direito como proprietário...

― Que o diabo o carregue com o seu direito de proprietário, caía fora da minha casa!

― Sr. Vermont...

Salazarte pôs-se de pé e, em um piscar de olhos, o vampiro cruzou a distância entre eles, quase encostando sua face pálida no nariz do outro. Quase podia sentir o frio que vinha dele. 

― Se o senhor tem algum tipo de apreço pela sua própria vida, dê o fora agora mesmo, porque pouco me importa quem o senhor é ou os Acordos. Caia fora! ― ele berrou, fazendo o bruxo se afastar alguns passos para trás e chutar a cadeira sem querer.

Matias não teve outra escolha a não ser atender o pedido de Vermont.

 

 

A brisa gelada misturada com o sabor da maresia trazia um certo ar refrescante e, no caso de Matias, era o que ele mais precisava.

Sua ida à residência do clã de Vermont terminou mais rápido do que o planejado, antes que seu pescoço fosse ferido de alguma forma ou coisa pior, cercado de vampiros por todos os lados. E, juntando com as reclamações que teve de ouvir de uma dupla de irmãs solteironas que visitou antes, das pragas que um comerciante lançou sobre cinco gerações de sua família ao ver o valor dos juros e de um casal que pediu por mais tempo para pagar a dívida, sua cabeça estava fervilhando com tantos problemas. Ao menos o casal que visitara por último fora gentil, mesmo que o pensamento de ter de despejá-los com um filho pequeno fosse de cortar o coração.

A faixa de areia estava quase vazia naquele ponto pelo qual passava, pois as obras à frente para colocar calçamento incomodavam algumas pessoas. Se não fosse Meredith usando a carruagem da família para ir até a antiga casa do avô, querendo começar a procurar alguns livros para a pesquisa com os Gutiérrez, ele certamente não estaria caminhando tão calmamente de volta para casa.

Usara uma carruagem de aluguel durante a tarde, contudo, resolvera dispensá-la, sabendo que precisava passar pela orla da praia e desejando sentir o vento e o cheiro de maresia. Mesmo que estivesse praticamente enjoado daquilo, o mar sempre seria sinônimo de calmaria. E de que uma vida de paz estava bem longe dali. 

Após mais alguns minutos, um veículo passou pela avenida à sua esquerda e parou, abrindo a porta. Matias olhou para dentro, vendo seu pai mantendo aberta a porta de sua sege. Não precisando de palavras para compreender o convite, ele entrou no veículo e o cocheiro colocou os cavalos para correr.

― Por que você não veio com a carruagem? ― Leônidas inquiriu, escorregando mais para o lado da janela e deixando sua valise sobre o colo.

― Preferi deixar que Meredith a usasse. E por que Bernardo fazia tantas promessas para nossos inquilinos­? ― Antes que o pai pudesse questioná-lo o porquê da atitude, emendou em uma nova pergunta. ― Ele sabia que nossa responsabilidade é apenas cuidar da casa antes que o inquilino se mude, depois disso a responsabilidade é deles com os reparos.

O médico moveu os lábios, parecendo pesar a informação.

― Você tem perfeita noção de que eu não tenho tempo para lidar com esses assuntos. Isso é responsabilidade sua agora.

― Vamos precisar dar mais tempo para alguns inquilinos pagarem as dívidas.

― Eles sabiam de todas as cláusulas quando assinaram o contrato.

― E Bernardo sabia ainda mais de todas as cláusulas quando fez promessas que não podia cumprir! ― Matias exclamou irritado, sem querer acertando uma mão na lateral da sege. Preferiu deixá-la ali, batucando os dedos enquanto era encarado com surpresa pelo pai. ― Eu não entendo... Ele não era assim.

― Você sabe como seu irmão podia ser preguiçoso às vezes. E nossos inquilinos estavam cientes de todas as cláusulas quando assinaram o contrato, não podemos abrir exceção para ninguém. Isso certamente não era algo que eu esperava ouvir de alguém que estudou tanto para se tornar um advogado ― Leônidas bronqueou com um olhar breve para o filho. Matias fixou os olhos na janela ao lado dele, mesmo que não conseguisse ver muito na noite misturada com a velocidade.

― Bernardo possuía muitos defeitos, mas ser irresponsável não era um deles.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos e ele continuou evitando encarar o pai ao seu lado. Sabia que o questionamento oculto em sua frase fora compreendido muito bem.

― Seu irmão mudou muito ao longo do último ano. Preferi não preocupá-lo com assuntos onde não poderia interferir.

― Eu poderia tentar fazê-lo ter mais bom senso ― Matias retrucou sem nem pensar duas vezes, ainda encarando as formas disformes através da janela. Trocara poucas cartas com o irmão ao longo dos cinco anos fora e, agora que parara para pensar, elas foram escasseando com o passar do tempo. Em nenhuma delas foi mencionado os problemas que aconteciam em Tantris.

― Não, não poderia. Sua própria mãe não teve sucesso em nenhuma das tentativas.

Com a mera menção da mãe, Matias esqueceu completamente do interior da sege e olhou para o pai, vendo-o encarar um ponto da carruagem com um olhar perdido e parecendo um tanto contemplativo. Ele engoliu em seco, sentindo o peso cair ainda mais sobre seus ombros.

Bernardo sempre estava em seus pensamentos, afinal, tinha que resolver o que o irmão deixara inacabado e tentar ocupar a posição que antes fora dele, enquanto a mãe... A mãe sempre fora uma figura que não era capaz de se imaginar sem, afinal, quem conseguiria colocar aquela casa e aquela família em ordem? Pelo visto, nem ela estava conseguindo nos últimos tempos.

E nem mesmo ela mencionara uma única palavra alarmante que fosse em suas cartas. Pelo contrário, Brigite mais perguntava do filho do que qualquer coisa. 

― O que aconteceu naquela noite? O que de fato aconteceu? ― Matias questionou de súbito, fazendo o pai virar o rosto para ele no mesmo instante, e parecendo não demonstrar surpresa nenhuma pelo assunto trazido à tona. ― Pergunto-lhe isso porque até o momento tive apenas relatos das meninas sobre o que aconteceu.

― Se suas irmãs lhe contaram o que aconteceu, creio que não há muita informação que eu possa acrescentar. ― A resposta veio no tom habitual de Leônidas, contudo, seus dedos acariciando nervosamente a alça da valise sobre o colo mostrava que não estava tão confortável como queria aparentar.

― Bernardo retornou para casa naquela noite?

― As notícias correram rápido.

― E o que os dois discutiram?

O questionamento pairou por alguns instantes, com o médico medindo o filho com seu olhar sério.

― Seu irmão estava embriagado naquela noite, não estava no perfeito juízo. ― Aquilo de fato soava como uma resposta coerente, mas era apenas isso? Pelo olhar que o pai sustentava, fazia acreditar que sim. As frases eram sucintas e, ao contrário de Meredith, não deixava espaço para perguntas e descrições. ― As notícias seguintes vieram ainda no final daquela manhã. Seu avô agiu o mais rápido possível.

― E ele condenou o lobisomem injustamente?

Leônidas arqueou uma sobrancelha.

― Eu esperava que você conhecesse o suficiente de nossas leis para não acreditar nas teorias de sua irmã. Ou todos os anos que gastou em seus estudos foram à toa?

― De forma alguma acho que foi uma condenação injusta. Apenas quero entender por que ele foi afastado do cargo. Privilégios dentro do Conselho não assustam quem conhece como as coisas funcionam.

No interior da carruagem, podiam sentir uma leve mudança nos sacolejos, indicando que estavam saindo do terreno liso e às vezes lamacento das ruas da cidade. Provavelmente estavam chegando em casa. Se fosse considerar por uma breve pausa que o cocheiro fizera para abrir o portão, definitivamente estavam de volta.

― Seu avô possui os próprios inimigos. E como isso aconteceu é uma resposta que somente ele poderá dar.

Matias não teve outra escolha a não ser contentar-se com a resposta evasiva. Por fim, abriu a porta da sege, encerrando de vez qualquer diálogo entre os dois.

 

 

― Eu não acredito que você deixou que Matias usasse uma carruagem de aluguel para cobrar os inquilinos! Como você é egoísta! ― Matilda provocou a irmã, brincando com um dos babados do corpete do vestido.  ― O que eles iriam pensar de nós?

Os três irmãos estavam reunidos na sala de estar, Matilda ocupando uma poltrona de couro avermelhado, enquanto os outros dois ficaram no sofá que fazia conjunto, em um dos cantos do ambiente de papel de parede azul-escuro. Já prontos para o jantar, esperavam pelo pai, para que assim pudessem começar a refeição.

― Eu aconselhei Meredith a tomar a carruagem no meu lugar. ― Matias se apressou numa resposta, antes que a garota ao seu lado se manifestasse, pois somente o movimento de ela endireitar-se no sofá indicava que não deixaria aquilo passar barato. ― Não seria prudente deixá-la voltar sozinha quando anoitecesse.

― Oh, como ela é indefesa. ― Matilda cruzou os braços. ― Não podia sequer esperar para ir no dia seguinte e...

A mais nova dos Salazarte continuaria insistindo em tirar a irmã do sério se não tivesse percebido o olhar do irmão voltar-se a algum ponto acima dela e a própria Meredith ficar de pé. Leônidas acabava de adentrar o cômodo.

― Paizinho! ― a caçula exclamou e logo correu para agarrar o braço do pai. ― Você ficou sabendo do que a Meredith fez?

O médico fez um gesto com a cabeça para o mordomo, que estava encostado à parede ao lado do arco de entrada. O empregado saiu, sinal de que os quatro deveriam rumar para a sala de jantar.

― Sua fofoqueira! ― Meredith exclamou, aproximando-se dos dois em dois passos. ― Por que você não fala das cartas que está trocando com aquele rapaz mundano?

― É mentira! ― Matilda devolveu, o rosto e o colo adquirindo um tom avermelhado. ― Você está inventando coisas contra mim porque não quer que eu conte que você continua brincando com magia elemental!

― Menti...

― Chega! As duas! ― Leônidas exclamou, voltando o rosto para a outra filha. ― Em silêncio para a sala de jantar ou irão subir de volta para o quarto.

― Mas, pai, ela... ― Meredith tentou começar.

― Em silêncio.

Com o decreto, a garota fechou a cara e fuzilou a irmã cheia de raiva, sendo somente ignorada e vendo-a dar um breve sorriso, enquanto ia de braços dados junto do pai para o outro cômodo. Matias seguiu os três em silêncio.

Na sala de jantar, mordomo e lacaios haviam posto a mesa, restando para os Salazarte somente sentar-se. O único som pelos próximos três minutos foi de talheres contra porcelana. 

Os pratos foram esvaziados e seguidos pela sobremesa, o tempo todo em um silêncio que era quebrado aqui e ali por comentários amenos. Talvez ainda sentindo o efeito da repreensão do pai, nem Matilda e nem Meredith insistiram em uma provocação uma contra a outra, apesar dos olhares carregados de fúria contida que trocavam quando acabavam se encarando sem querer.

Era o quinto dia desde que retornara para Tantris e Matias compartilhara refeições suficientes com o pai e as irmãs para perceber que aquele clima de frieza não iria mudar. Sua mãe, Bernardo e Betina faziam falta à mesa, certamente, mas o que tanto acontecera para chegarem àquele ponto? As duas caçulas da família sempre tiveram uma relação carregada de faíscas, contudo, a coisa parecia ter piorado e muito ao longo daqueles cinco anos.

Encerrada a refeição, Matilda partiu novamente de braços dados com o pai em direção à sala de estar. Antes que Meredith os interpelasse, não custando muito para supor o que a garota dizia a Leônidas, o irmão tocou seu ombro.

― O que conseguiu agora à tarde? ― ele questionou e pararam ainda na sala de jantar, enquanto os lacaios vinham para limpar a mesa.

― Amanhã eu irei à biblioteca com os irmãos. Tentei dar uma olhada em alguns livros, mas é muita coisa. Será mais fácil fazer o trabalho em companhia. ― Tendo a resposta que queria, o bruxo mais velho assentiu. ― Eu mandei um bilhete para avisar a Srta. Gutiérrez e o irmão o horário em que passarei na casa deles com a carruagem... Espero que você não precise dela amanhã.

― Fique à vontade. ― Matias colocou a mão nas costas da irmã, guiando-a para fora do cômodo. Mesmo que ainda tivesse alguns inquilinos para visitar, daria um jeito.

Enquanto caminhavam pelo corredor iluminado pelas velas em seus lugares sobre os castiçais, ambos ouviram seus nomes serem chamados pelo pai na sala de estar, talvez sendo ouvidos ou avistados através do arco de entrada, ao passarem pelo corredor. Matilda e Leônidas ocupavam juntos o sofá menor, restando para os outros dois o móvel maior.

― Questiono-me se seria prudente sua ida junto dos Gutiérrez para a biblioteca de seu avô, Meredith ― o médico expressou.

― Não é nem prudente um de nós andar junto deles, paizinho! ― Matilda se intrometeu. ― O senhor sabe como aquela família é.

― Não vá me dizer que acredita em histórias de piratas, irmãzinha? ― Meredith provocou a outra junto de uma gargalhada fingida.

Era um fato que a procedência de alguns tecidos da loja dos Gutiérrez não vinha exatamente de onde eles diziam vir, contudo, ninguém sabia dizer exatamente onde e quando surgiram os boatos de que eles mantinham negócios com piratas para contrabandearem tecidos. Ao menos gerava algumas risadas dentro e fora do Submundo, para infortúnio da família e principalmente da Sra. Gutiérrez.

― O que você planeja procurar na biblioteca? ― Leônidas ignorou os comentários das filhas e continuou os questionamentos.

― O Sr. Gutiérrez, seu paciente, gostaria de tirar algumas dúvidas sobre magia e eu disse que a biblioteca do nosso avô era o melhor lugar para isso. O pobrezinho tem tido muitas dificuldades em aprender sobre feitiços com objetos.

― E era você quem estava falando de mim e os rapazes, veja só...

― Não é prudente os dois irem sozinhos ― o mestre de poções interrompeu a provocação da filha mais nova, ignorando-a solenemente. ― O avô de vocês costumava manter certos volumes questionáveis em sua biblioteca pessoal e não quero que tenha contato com essas leituras.

― Mas a irmã dele irá junto, então não ficaremos sozinhos...  ― Leônidas continuou negando com a cabeça. ― Mas, pai, eu apenas quero ajudá-lo...

― Eu posso acompanhá-los. ― Matias se manifestou na conversa pela primeira vez. ― Assim, eu e a Srta. Gutiérrez poderemos vigiá-los para que não vejam o que não deveriam.

― Você não tem alguns inquilinos para visitar, Matias? ― Leônidas perguntou. ― Não creio que tenha sido capaz de visitar todos em uma única tarde.

― Terei a manhã livre para isso ― ele retorquiu de súbito, recebendo um sorriso feliz de Meredith.

― E o que eu ficarei fazendo o dia todo sozinha em casa? Também quero ir ― Matilda reclamou e cruzou os braços.

― E não era você quem estava reclamando da minha companhia? ― a outra bruxa retrucou de imediato.

― E você ficará a tarde inteira junto de Matias enquanto eu mal o tenho visto desde que ele voltou. ― A mais nova dos Salazarte fez um bico na direção do irmão. ― Você passa o dia ocupado e quando tem um tempo livre sempre está com Meredith.

― Talvez ele passasse mais tempo com você se não fosse tão chata.

― Meredith! ― Leônidas a repreendeu e a garota se levantou, dando as costas para o pai.

Meredith saiu da sala com passos ruidosos, deixando os outros três a encará-la. Matias foi o primeiro a se erguer.

― Irei tentar conversar com ela.

― Antes que vá, gostaria de falar algo com você. ― O médico também seguiu o gesto do filho e, junto de um pedido através de um único olhar, os dois saíram para o corredor. ― Eu considerei sua sugestão de contratar uma preceptora para suas irmãs.

― E então?

― Suas irmãs estão grandes demais para isso, como te disse antes. Acredita que Meredith aceitaria receber instruções como uma garotinha?

― Não... ― Mesmo que fosse julgar pela Meredith que conhecia antes de partir, tinha de concordar que a irmã dificilmente aceitaria aquilo de bom grado.

― Mas irei procurar um tutor para treiná-las melhor em ervas e poções. Matilda não pode aprender tudo sozinha e sei que você não terá tempo para se dedicar com afinco a isso.

No passado, fora Brigite quem ensinara elementos da natureza e suas aplicações, a aptidão de sua família, e ervas e poções ― que ela aprendera melhor com o marido nos primeiros anos do casamento ― para os filhos. Mesmo que Meredith preferisse estudar outra área, seu desejo ainda era respeitado pela mãe e, com um pouco de conversa, Brigite convencera-a a aprender ao menos um pouco da aptidão da família materna.

― E quanto a Meredith e seus estudos em magia elemental? ― Matias questionou.

― Ela terá uma vida longa para aprender sobre isso, por enquanto é jovem demais para isso. Primeiro as artes da família, depois os seus desejos ― Leônidas declarou de forma rígida, em um discurso que o filho ouvira algumas diversas vezes ao longo da vida.

― Ela não receberá isso bem e o senhor sabe disso.

― Alguém precisa tentar frear sua irmã. ― O médico mediu Matias com os olhos por alguns instantes, analisando-o. ― O que me leva a crer que, melhor do que contratar uma preceptora, seria que você encontrasse uma esposa. Ela se tornaria parte da família e Meredith não se sentiria sendo tratada como uma criança. Não se as duas se tornassem amigas.

Matias pressionou um lábio contra o outro, pesando as palavras do pai dentro de si. Pensara sobre aquele assunto diversas vezes ao longo dos anos e, vez ou outra, ouvira um gracejo de Bernardo sobre o tema, já que, diferente do irmão mais velho, fazia mais o tipo romântico.

Diferente de mundanos, o casamento não funcionava como imposição após terem atingido certa idade, afinal, bruxos possuíam vidas tão longevas, então para que se desesperar? Porém, quando aquilo saía das palavras, em alguns casos, a situação era um tanto diferente.

― Irei pensar no assunto ― Matias respondeu após alguns segundos, conservando a expressão neutra.

― Sei que você fará uma boa escolha.

Ainda um tanto surpreso com a declaração do pai, ele somente assistiu-o afastar-se no corredor, deixando-o sozinho.




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