O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 30
Capítulo XXVIII - Escapismo.


Notas iniciais do capítulo

Oi oi hunters, como vão as coisas ein?
Espero que bem!
Esse capítulo tem como objetivo principal aprofundar as relações entre alguns personagens, preparando o terreno para o futuro. Também é mais transitório, pois muita coisa vem aí ♥


Boa leitura, gente ♥



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Ponto de vista de Hazel Laverne.

Chegamos a Junction City ao entardecer, todos exaustos por tantas horas na estrada, e só de imaginar que iremos enfrentar um período ainda maior de tempo amanhã até chegarmos a Lawrence, tenho vontade de cavar um buraco no chão e desaparecer.

Estou sentada em um bar com Jo Harvelle. Dispensamos os meninos para procurarem um hotel decente para passarmos a noite, e confesso que foi empolgante subir na garupa da moto de Jo, sentindo o vento no meu rosto e a liberdade que a brisa trouxe consigo.

Durante toda a minha vida, me senti completamente elétrica a todo e qualquer pequeno vislumbre de liberdade. Sempre assisti as cenas dos momentos de desprendimento e descontrole como se observasse um teatro pegando fogo. Não é exatamente bonito, mas o caos é tão atraente que não é possível desviar os olhos. Acho que isso é simples de se explicar, olhando para trás e pensando em quem eu me tornei. Refém dos outros, de mim mesma, aprisionada como uma maldita besta em uma jaula. Então, é claro... vou aproveitar cada vislumbre que puder.

Vou me permitir perder o controle. Mesmo que isso me apavore até os ossos.

 Harvelle abre a tampa de uma Budweiser usando os dentes, e ajeita os cabelos loiros ondulados enquanto me olha em expectativa.

—E então... vai me contar tudo o que aconteceu desde a última vez que nos encontramos, novata? – Jo ergue as sobrancelhas para mim, dando um gole generoso em sua cerveja. Respiro fundo, tamborilando os dedos na bancada.

—Vou, só preciso de um incentivo. – Ergo o indicador no ar e me viro ao bartender – Moço, vocês têm tequila?

O homem tatuado e com traços asiáticos pisca para mim, acenando com a cabeça enquanto me serve uma dose em um shot. Agradeço e sorvo o líquido de uma vez, fazendo uma careta. Jo dá risada, impressionada.

—Ué, achei que não bebia, Laverne! – Ela diz, divertindo-se com a minha óbvia falta de costume.

—E não bebia mesmo, mas aí eu virei caçadora...e as coisas mudaram. – Dou de ombros, e após um longo suspiro e mais um shot de tequila bem servido, sinto o álcool dançar em meus lábios – Bom, Jo.... depois que nos encontramos na roadhouse, muita coisa aconteceu...

XXX

Jo fica em silêncio durante toda a minha narração. Conto a ela sobre tudo o que aconteceu até chegarmos aqui, sobre tudo o que está em jogo. Joanna tem um olhar analítico e experiente que me passa confiança. Quando termino de dizer tudo o que tinha para contar, ela assente com o seu olhar castanho pensativo.

—Não vou dizer palavras de conforto a você porque não acredito que façam bem algum... – Ela começa a dizer, com sua voz levemente anasalada, sua postura firme com os ombros alinhados – Mas eu vou te dizer o seguinte, pode contar comigo. Vou ajudar vocês nessa loucura toda.

Ambas minhas sobrancelhas se erguem, surpresa por suas palavras.

—Por que se arriscar com a gente, Jo? – Questiono, confusa. Bebo mais um shot, começando a sentir minha cabeça ficando zonza e a ponta dos dedos dormente. Estou confusa porque, desde que experimentei a vida na estrada, conheci mais estranhos dispostos a me ajudar do que em toda a minha vida. Todo mundo que vive essa vida parece disposto a arriscar a sua própria em prol de salvar mais algum degenerado que esteja perdido ou enrascado. As vezes, acho que nasce mais companheirismo da miséria do que da abundância – Nada de bom vai sair dessa história, garanto a você. – Advirto a ela, em vão.

Ela sorri de lado, e aquiesce.

—Ah, eu sei, acredite em mim, novata. Mas caçar é a minha vida, ajudar as pessoas me dá um sentido que outras coisas não conseguem dar. – Ela dá de ombros, bebendo mais um pouco da sua bebida, olhando ao nosso redor, inspecionando o bar e as pessoas. Caçadores estão sempre atentos— E você e os Winchesters me parecem estar precisando de muita ajuda.

Assinto, pensativa. Sorrio e busco algo em meus bolsos para mostrar a ela.

—Lembra quando me deu isso? – Seguro o canivete enferrujado em minhas mãos, e assim que coloca os olhos nele, os olhos de Jo se acendem e um sorriso se forma em seu rosto – Mesmo sendo uma desconhecida, você deixou claro que ajudaria quando pudesse. Obrigada por isso, Jo. Sei que sabe dos riscos, então nem vou ficar dando uma palestra do porquê ir com a gente é uma enrascada...

—Isso, me poupe da palestra! – Ela ri, erguendo a garrafa em mãos, brindando com meu shot de tequila – Um brinde ao fim das palestras!

Dou risada e assinto, guardando o canivete novamente em meu bolso.

—Certo, um brinde a isso! E bem-vinda ao time, Harvelle. – Sorrio, bebendo mais um gole generoso, me afogando nisso prazerosamente.

Sem querer vejo meu reflexo em um espelho que fica no fundo do bar, e me contraio. Por um momento, ao prestar atenção em meus detalhes, penso em meus pais e isso me dá um arrepio na espinha, fazendo eu me sentir um fantasma deles. Sempre os julguei por suas escolhas idiotas, mas nunca parei para pensar em como é fácil cair em tentação e aliviar os fardos de se ter um coração pulsante dentro do peito e toda a miséria com estímulos sintéticos. Talvez eu não seja muito melhor do que eles, afinal.

Talvez eu sempre tenha evitado entrar em contato com qualquer substância por saber que geneticamente estaria disposta a ceder aos vícios, mais fraca e suscetível que os demais. Sou um amontoado de talvez.

—Ei, por que ficou toda sombria de repente? – Jo me questiona, amarrando os próprios cabelos loiros em um coque, se ajeitando em sua jaqueta de couro preta – Não estávamos comemorando?

Dou a ela um sorriso fraco e concordo com a cabeça, virando mais uma dose. Isso vai me custar caro amanhã de manhã, mas dane-se. Tenho coisas demais em minha cabeça agora. Toda a minha preocupação com Sam, com meus poderes... e com Lawrence.

Maldita Lawrence. Cidade que mais parece uma criatura viva, com a boca cheia de dentes bem aberta, pronta para me engolir e me cuspir.

A minha ferida mais profunda e inflamada, o começo de tudo.

—Estávamos sim, tem razão. Sabe, tudo o que tenho feito é... me afundar em toda a porcaria que eu te contei agora a pouco! – Solto um suspiro longo, pensando em tudo o que tenho suportado até aqui. Percorro mentalmente meu corpo, todas as minhas cicatrizes que levarei para sempre. E ainda é apenas o começo, sabe-se lá quantas mais irei colecionar ao longo do caminho. Isso, para não falar das piores cicatrizes, as invisíveis – Estou tão cansada, Jo. Tão cansada.

Seus olhos castanhos são um mistério. Eles oscilam entre compreensão e identificação.

Joanna Harvelle é o tipo de pessoa que a gente olha e simplesmente sabe que passou por muita coisa.

—Não é fácil, não é? Perder tudo e agir como se estivesse tudo bem. – Ela diz isso com um sorriso triste em seu rosto fino e pálido, uma mecha de seus cabelos caindo perfeitamente do coque, emoldurando seu rosto. Ao ouvir suas palavras, me sinto abraçada, compreendida – Não é justo ser tão jovem assim e sentir tudo isso. Veja elas, por exemplo... – Sigo com o olhar o indicador de Jo, que aponta para algumas jovens a alguns metros da gente, que conversam despreocupadamente e riem sem parar. Dou um longo suspiro. Um pouco de normalidade viria a calhar— Podem cometer um monte de erros idiotas e começar de novo amanhã. Nada de monstros, ou de maldições ou tripas ou sangue. Só... problemas idiotas de todo o tipo, e tempo perdido com garotos idiotas.

Dou uma risadinha, de forma amargurada.

—Bom, esse último item eu tenho. Isso me faz pelo menos dez por cento normal? – Questiono, as sobrancelhas em um vinco. Jo Harvelle dá uma risada longa, e bebe mais um pouco da sua cerveja.

—Faz sim. E somando os nossos dez por cento cada... – Ela aponta de mim para ela, sorrindo – Acho que podemos dizer que somos duas garotas vinte por cento comuns.

Assinto, rindo disso mais do que deveria. O álcool está fazendo cócegas em mim.

—Ei, Jo... por falar nisso, você ficou de me contar sua história com Dean, lembra? – Jo se engasga com a sua cerveja, me fazendo rir mais ainda – Desembucha, Harvelle!

—Tá, mas só porque eu te prometi... – Ela diz, limpando a boca com as costas da mão. Jo dá um longo suspiro e apoia a cabeça em seu braço, apoiado no balcão – Dean e eu tivemos um tipo forte de conexão há anos atrás, e minha primeira caçada oficial foi com ele. Bom, com os dois idiotas... – Ela se corrige, e pigarreia – Eu tive uma queda gigantesca por aquele cretino assim que pus os olhos nele, mas acabei descobrindo um esqueleto no armário sobre nossos pais que me fez... me afastar dele.

Olho para ela atentamente, sem dizer uma palavra. Ela assimila sua própria história por alguns segundos, e então umedece os lábios antes de continuar.

—O pai dele foi responsável pela morte do meu, novata. Em uma caçada... – Seu olhar se torna sombrio, e eu respiro fundo, querendo abraçá-la. Querendo abraçar Dean, também. Só posso imaginar como ele se sentiu descobrindo isso.

Logo ele, que se culpa por tudo.

—Eu... sinto muito, Jo. – Digo isso com a voz baixa, por não saber o que mais dizer. Ela assente, e toma mais um gole da garrafa, o olhar afiado, como se isso não a machucasse mais. Mas eu sei que machuca, e sempre vai machucar.

—Tudo bem, foi há muito tempo. Eu era imatura e não entendia que Dean não tinha nada a ver com o que tinha acontecido. De qualquer forma, o tempo passou. Não nos vimos por muito tempo... – Seu olhar se torna nostálgico, e ela sorri para baixo, como se uma doce lembrança lhe invadisse por um momento – Até que fui caçar em Tupelo, no Mississipi. Se tratava de um ninho de vampiros, e adivinha quem também estava na cola deles?

—Dean Winchester, claro. – Presumo. Ela faz que sim com a cabeça.

—Bingo. Acho que Sam e ele não estavam se falando na época, alguma briga idiota por causa das decisões de Sam... – Assinto, imaginando muito bem que tipo de decisões fizeram com que Sam se afastasse temporariamente de Dean, no passado. O sangue de demônio, e Ruby, provavelmente. Isso faz meu sangue ferver de raiva e ciúmes, mas jogo tudo isso para debaixo do tapete da minha mente – De qualquer forma, acabamos caçando juntos. Eu o convidei para ficar no hotel que eu estava ficando, e...

As bochechas de Jo se tornam vermelhas, e ela sacode a cabeça de um lado para o outro, como se sentisse vergonha das próprias atitudes.

—Contando desse jeito, parece que eu me atirei nele, né? – Ela constata, e depois dá de ombros – Acho que meio que me atirei mesmo, mas ele flertou comigo de maneira infernal durante toda a caçada, em minha defesa! Foi uma má escolha, o que aconteceu depois...

—Jo? Confie em mim, não estou te julgando. Se tem uma pessoa que tem feito más escolhas ultimamente, sou eu. – Digo isso com vergonha de mim mesma, sabendo que tenho passado por cima de todos os meus princípios simplesmente porque não consigo resistir o toque de Sam, meu desejo por ele sendo mais forte que toda a moral que construí ao longo da vida.

Como se, por mais que todas as flechas do destino apontem para o norte, e ele estiver ao sul, eu vou em direção ao sul.

—Bom... então sabe como essas coisas são complicadas. Ficamos em Tupelo por uma semana, só... ficando. – Ela pigarreia, desconfortável, completamente coberta por um tom bordô em sua pele, o constrangimento a tingindo assim como um quadro – Foi intenso. Mas tivemos uma discussão calorosa, no fim de tudo. Dean sempre larga tudo e todas as coisas em prol de Sam, sempre foi assim e suspeito que sempre será assim. E não demorou para tudo aquilo de “quase apocalipse” acontecer, meses depois. E ele correu para os braços de outra, não para os meus. E acho que isso resume o que quero dizer, que é que Dean me machucou. Confesso que também o machuquei muito, nessa briga que te falei... – Jo assume um olhar sombrio, como se revivesse o momento em sua mente – Joguei coisas na cara dele que não deviam ser jogadas, como aquela história do meu pai, e fiz isso de propósito. A coisas sobre o Dean é que ele se comunica com os olhos, e vai por mim, Hazel... os olhos dele ferveram de ódio quando ele saiu por aquela porta. Enfim, é complicado...

Ela termina de falar e dá um longo suspiro, e ficamos assim por um tempo, em silêncio.

—Você ainda tem sentimentos por ele? – Pergunto isso já sabendo a resposta. Jo cerra os olhos, pensativa, contrariada consigo mesma.

—E dá para não ter? Todas as vezes que o vejo fico indecisa se quero dar um tapa na cara dele ou me agarrar com ele. Mas... o tempo passou, e a última coisa de que preciso é de confusão e complexidade. – Ela dá de ombros, e eu dou um sorriso irônico.

—Bom, nesse caso, fique longe de qualquer Winchester, não é? O sobrenome vem com confusão e complexidade junto, isso eu garanto. – Digo isso de maneira amargurada, e Jo me inspeciona com o olhar, curiosa.

—Você e Sam não se acertaram, né? – Ela especula. Faço que não com a cabeça, bebendo mais um shot. Vou sair daqui carregada se não parar logo.

E não podia me importar menos. Só preciso de um pouco de escapismo, de uma pausa.

—Estamos em um...maldito emaranhado de confusão, Jo. Odeio todas as decisões que ele tem tomado, mas o amo demais para ter respeito por mim mesma e ignorá-lo. Aliás, o amo tanto que mesmo estando louca da vida com ele, todas as vezes que ficamos sozinhos, não consigo resistir a ele! – Dou um longo suspiro, e prendo meu cabelo bagunçado também em um coque. Mesmo com o inverno em seu ápice, a tequila me faz sentir calor. Deus abençoe o álcool— E quer ouvir o pior? Das duas vezes que transamos desde que nos reencontramos, e, diga-se de passagem, foi logo após ele decidir que não podíamos ficar juntos, fui eu quem comecei tudo. E faria tudo de novo. E de novo... Simplesmente porque quando estou com ele, sinto tudo e todas as coisas em potência máxima, e quando não estou com ele... é como estar morta. Eu não sinto nada, Jo. Estar sem ele por perto é... – Respiro fundo, contrariada por admitir tudo isso tão facilmente – É frio.

—Ah, Hazel. Eu sinto muito por isso... – Jo apoia a mão cheia de anéis prateados e o esmalte preto desgastado em suas unhas em meu ombro, ternamente, o olhar de quem entende muito bem o que estou passando – Mas Sam está... em um momento delicado, eu não levaria a sério as decisões dele. Pelo que você me explicou, os muros dele estão ruindo, e isso deve estar o deixando louco.

Assinto, amargamente.

—Eu sei disso, e acho que é por isso mesmo que estou cedendo, me condenando a ficar com ele mais um pouco. Me torturando assim, que nem a porcaria de uma masoquista! – Estou começando a ficar muito bêbada, e por consequência meu filtro vai se perdendo junto com o juízo e o senso comum. Ótimo— Será que isso é falta de pai, ein?

—Oi?! Acha que estamos enroladas com os Winchester por ter daddy issues?! – Jo ergue uma sobrancelha para mim, rindo do absurdo que acaba de sair da minha boca. Faço que sim com a cabeça, rindo de maneira amargurada.

—Acho, acho que é por isso mesmo.  – Constato, erguendo meu shot no ar para brindar com ela, que também se serve de um shot igualmente generoso, se rendendo a tequila – Um brinde ao nosso daddy issues, Harvelle.

Joanna brinda comigo, rindo, claramente ficando embriagada como eu.

XXX

Não sei quanto tempo se passa, nem como chegamos na pista de dança, mas Jo e eu estamos dançando igual duas malucas com uma música pop da Alanis Morissette nos embalando, e ninguém dança com as músicas dela, porque são feitas para desgraçar os nossos corações, e, no entanto, cá estamos nós. A tequila faz com que eu comece a cantar com raiva e embriaguez na voz, e Jo me acompanha, gritando o refrão comigo. Ficamos assim por um tempo, como se fôssemos só duas universitárias comuns com problemas comuns e lágrimas comuns para chorar.

Como se não fôssemos garotas que precisam se costurar e se remendar todos os dias como malditas bonecas de pano.

—Ei, tem uma cabine de fotos! – Sorrio, completamente suada e descabelada, apontando para uma cabine de fotos que fica em um canto do bar, perto dos banheiros e de uma área externa para fumantes.

—Eu nunca tirei fotos em uma dessas! – Ela responde, animada, me puxando pelo braço, tomando cuidado para não esbarrar nas minhas mãos, afinal... ninguém quer ter a mente invadida por mim. Nós entramos na cabine e fazemos diversas poses ridículas, como mostrar o dedo do meio para câmera e fazer caretas expressivas. Quase tropeçamos uma na outra ao sair da cabine, rindo sem parar. Enfio as fotos que saem da máquina nos bolsos, e me apoio nos ombros de Harvelle, que embora esteja bêbada, está melhor do que eu.

Joanna me conduz pelo bar, ambas decidindo silenciosamente que é hora de ir embora.

Enquanto vejo tudo borrado, as cores se misturando em minha retina, a voz de Alanis soando trivialmente no fundo dos meus tímpanos, fazendo parecer como se eu estivesse me afogando no mar revolto, penso em Charlie e em como sinto sua falta, em como ela teria se divertido conosco se estivesse aqui. Penso em como estar na presença de outra garota faz com que eu me sinta compreendida, menos solitária.

E me sinto grata por Joanna estar aqui, comigo, disposta a lutar do meu lado no meio de toda essa bagunça.

Paramos frente a sua moto, e nos entreolhamos, confusas. Não é uma boa ideia subir, não é?

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Assim que chegamos na porta do bar, meu queixo cai. Dean e eu nos entreolhamos, ambos incrédulos com o que temos em nossa frente. Nós dois nem estamos nos falando ainda, mas esse é o tipo de coisa que não dá para ignorar. Jo está segurando El pelos ombros, ambas com as pernas vacilando, rindo sem parar enquanto Joanna busca por suas chaves nos seus bolsos.

—Você ia dirigir nesse estado, tá maluca?! – Repreendo Joanna imediatamente, irritado e a beira de uma síncope pelas duas serem tão irresponsáveis. Elas ficam sérias por um momento, se entreolham e voltam a rir sem parar. Passo a mão pelo meu rosto, tenso e sem saber como proceder com essa situação.

Eu até sabia que iam beber, mas não sabia que ficariam nesse estado.

—Eu ia pegar a porcaria do meu telefone, Sam! – Joanna me responde, tirando o celular do bolso e erguendo ele no ar, sorridente – Ia ligar para vocês, não somos burras de dirigir embriagad-d-as! – Ela tropeça após gaguejar, junto com Hazel, mas nenhuma das duas cai. Meu sangue ferve de preocupação. Nunca vi El bêbada, na verdade, ela sempre foi extremamente contra esse tipo de coisa.

O que a vida da estrada está fazendo com ela?

O que faz com todos nós, uma voz me responde lá no fundo da mente.

—Não somos homens burros para dirigir por aí nesse estado! – Hazel diz isso cerrando os olhos e soltando os cabelos que antes estavam presos de um jeito desajeitado e fofo. Ela resolve se soltar de Jo e aponta para Dean com o indicador, com um olhar acusatório – Você é um bobo, Dean! – Ela diz, rindo e com a voz arrastada, se sentindo orgulhosa como se tivesse dito o pior palavrão do mundo – E você também, Sam! – Ela aponta então para mim, e depois cambaleia e volta a se apoiar em Jo, que não para de rir – Eu e a minha amiga aqui chegamos na conclusão de que não precisamos de vocês, s-sabia?

—Não tínhamos chegado à conclusão de que temos daddy issues? – Harvelle cerra os olhos ao perguntar isso, sussurrando no ouvido de Hazel, genuinamente confusa. Dean e eu nos entreolhamos novamente, ambos incrédulos demais para abrir a boca.

—Shhhh.... – Hazel sussurra com o indicador na frente dos lábios, rindo, as pálpebras dos olhos com dificuldade de se manterem abertas – Também. Mas agora a gente vai superar esses dois, vai sim... – Ela torna a apontar para nós dois, os olhos cheios de raiva e confusão.

—A gente devia é transar com alguns outros idiotas e esquecer esses dois, isso sim! – Joanna diz, provocando Dean com o olhar, e depois me disferindo um olhar ameaçador – Quer dizer, eu não! Eu nem ligo mais para você, Dean..., mas você devia, Hazel! Uma noite de sexo casual com o bartender que te devorou com os olhos a noite inteira e você esquece o S-sam...

—Tá bom, já chega. – Digo, entredentes, o sangue fervendo no mesmo segundo. Sei que estão bêbadas e que provavelmente falaram mal de Dean e eu a noite inteira, mas preciso usar todas as minhas forças para me conter de ir lá dentro e amassar a cara desse tal bartender idiota... até porque nem tenho esse direito. Ando em direção as duas e seguro a mão de Hazel, gentilmente a puxando para mim. Ela se apoia em mim, se aninhando no meu peito instantaneamente, e eu a abraço por instinto, mesmo que esteja louco da cabeça por ficar imaginando se ela ficou com alguém essa noite ou não.

—Não quero esquecer ele, Jo! – Hazel resmunga, o rosto no meu peitoral, os olhos fechados – Não quero foder o bartender, não quero!

Reviro os olhos, irritado por ouvir ela falar desse maldito. Dean perde a paciência e segura Jo, a erguendo no seu colo, mesmo que ela relute e o xingue de uns dez palavrões diferentes por fazer isso.

—Eu consigo andar! – Ela protesta, nos braços de Dean, que dá uma risada irônica.

—Claro, estou vendo mesmo! – Ele a provoca, aninhando-a mais em seus braços. Viemos andando do hotel até aqui porque fica a apenas um quarteirão. Jesse ficou por lá, manipulando as sombras para deixar os quartos seguros e livres de intrusos. Em questão de segundos, faço o mesmo com El, carregando-a em meus braços. Ela se aninha encolhida, os braços perto do peito de maneira sonolenta, esfregando o rosto no meu peitoral como se buscasse por carinho.

Eu me derreto quando ela age assim, toda manhosa.

—Eu odeio beber, eu nunca mais vou beber... – Hazel resmunga, meio chorosa. Respiro fundo, doido para dar um sermão nela e ao mesmo tempo sabendo que talvez ela precisasse disso, de extravasar um pouco e tirar a cabeça de todos os problemas. Só fico irritado porque ela correu riscos, estando assim.

Infelizmente, o mundo não é seguro para as mulheres como é para os homens. Cerro os punhos só de imaginar alguém se aproveitando dela.

—Vai passar, linda. – Sussurro, beijando a sua testa. Olho para o lado enquanto ando carregando-a meio a neve e a noite que nos cobre, a lua alta no céu. Joanna finalmente se aquieta e para de se remexer no colo de Dean, também aninhando o rosto no peitoral dele, vez ou outra murmurando um xingamento em forma de sussurro. Dean e eu nos entreolhamos, e acabamos rindo. É uma situação inusitada e cômica.

Caminhamos por mais alguns minutos, Dean e eu, com garotas que estão morrendo de ódio por nós dois em nossos braços.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

Ela usa o mesmo perfume de que me lembro, doce e sombrio. Como era mesmo o nome? Black Vanilla. Jo Harvelle acaba cochilando nos meus braços, enquanto entramos pelo hall do hotel pequeno e pitoresco que conseguimos arranjar. Jesse está nos esperando, jogando algum joguinho em seu Nokia, estirado no sofá como se estivesse na casa dele. Turner se senta rapidamente ao nos ver, provavelmente assustado por ver Hazel e Jo desacordadas em nossos colos.

—O que houve? – Ele pergunta, se levantando em um pulo com o olhar preocupado recaindo sobre a irmã.

—Elas... beberam um pouco além da conta. – Sammy explica, contrariado – Estão bem, só precisam de uma... boa noite de sono.

Jesse sorri de lado aliviado, e coloca as mãos dentro dos bolsos do casaco preto.

—Quem diria, ein? Logo a Lavie, que é praticamente uma propaganda antidrogas ambulante... – Ele dá uma risadinha e se aproxima da irmã, a checando com o olhar cuidadoso, acariciando seu rosto com delicadeza – Vai ver isso foi bom, ela anda uma pilha de nervos.

—É, eu não sei não. – Digo, em contrapartida – Olha o estado das duas, apagaram! Sei que nenhum de nós três é referência em sobriedade, mas acho que amanhã elas deviam ouvir umas boas, viu! – Resmungo, irritado e preocupado na mesma medida.

—O que vão fazer? A respeito das duas belas adormecidas? – Jesse questiona, ambas sobrancelhas erguidas em confusão, apontado de uma para a outra.

—Vou cuidar dela, colocá-la na cama, me certificar de que vai ficar bem. Sei que ela vai ficar em um quarto separado, mas vou dormir na droga da poltrona para ter certeza de que ela não vai passar mal durante a noite. – Digo isso aninhando Jo mais firmemente contra meu peito, tentando ouvir se está tudo bem com a sua respiração.

Está. Nunca é ruim ser cauteloso demais.

—Eu vou fazer a mesma coisa... – Sammy diz, após um longo suspiro, fitando Hazel com preocupação.

—Nos vemos de manhã, então... – Jesse dá de ombros, suspirando. Ele se vira para o Sammy, e aponta o dedo na cara dele – Cuida direito dela, ouviu?

—Pode deixar, Jess. – Sammy responde calmamente, os dedos acariciando os braços de Hazel, ternamente – Fique tranquilo.

Sammy tranquiliza o irmão dela com o olhar, e Jesse assente com os olhos sérios. Ele pode não gostar de Sam, mas sabe que não há ninguém que se preocupe mais com Hazel do que ele.

Dou um longo suspiro antes de subir as escadas, com Joanna em meus braços.

XXX

Ponto de vista de Jesse Turner.

Caminho até a varanda do meu quarto e acendo um cigarro, contemplando a noite fria enquanto enveneno os meus pulmões.

As vezes, quando as estrelas estão altas no céu e o sabor da nicotina é a única em minha língua, eu me sinto tremendamente sozinho.

Esfrego uma mão na outra, tentando me aquecer, o cigarro pendendo dos meus lábios.

Sempre me imaginei como uma máquina quebrada, nunca capaz de sentir nada por ninguém profundamente. Talvez, uma máquina com medo demais para sentir coisas profundas, temendo quebrar por isso.

Nunca superei tudo o que vivi em Los Angeles. Nunca consegui enxergar sexo como as outras pessoas enxergam, como uma conexão. Sempre foi uma válvula de escape para mim, e sempre me senti sujo na manhã seguinte.

Nunca quero saber os nomes deles, e sempre saio da cama o mais rápido possível, deixando-os para trás. Sequer guardo seus rostos na memória.

Uma lágrima fria escorre pelo meu rosto, e eu a limpo com raiva.

Talvez eu seja como o maldito homem de lata, do mágico de Oz. Oco por dentro.

E talvez esse maldito oco tenha me mantido vivo, após tudo o que aconteceu.

Após aquelas mãos nojentas fazerem eu me tornar assim para sempre. Me sento, apagando o cigarro no chão, com ódio. Fico feliz de ter apagado as lembranças de Lavie. Assim ela não se lembra do escuro, das mãos... e de todo o resto.

Se ela se lembrasse, talvez fosse de lata assim como eu. Graças a sua amnésia, o coração dela funciona direito. É capaz de amar e ser amada.

Agarro os meus joelhos, e sinto falta da minha mãe.

Sinto falta de ser abraçado.

E sinto raiva por sentir tudo isso.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

A deito na cama, com cuidado. Vou até o banheiro e busco uma toalha, que eu molho com um pouco de água e limpo o rosto de Jo, com delicadeza. Ela começa a se remexer, e eu tiro suas botas marrons, tão características do Kansas. A cubro com as cobertas, e me sento na cama, pensativo.

—Você se lembra de Tupelo, Dean? – A voz sussurrada e arrastada de Jo me surpreende, e eu a olho, vendo que abriu os olhos castanhos, profundos e lindos. Dou um longo suspiro, e passo a mão pelos meus cabelos, nervosamente.

—É claro que sim, Jo. – Respondo, lembrando de tudo o que vivemos naquela semana intensa, quando as coisas entre mim e Sammy não estavam muito bem. Me recordo de todo o sexo, conexão e brigas que tivemos.

—Eu não quis dizer aquelas coisas sobre você, não foi sua culpa... você não é o John, Dean... – Ela resmunga baixinho, e eu me contraio. Me lembro muito bem de como as palavras dela me machucaram naquela última briga que tivemos. Me machucaram ao ponto de eu nunca mais querer vê-la de novo, na época. Suspiro, acariciando seu rosto e colocando uma mecha dos seus cabelos loiros para trás de sua orelha.

No minuto que se encontrou conosco, cruzando nosso destino, eu sabia que ficaria confuso. Jo Harvelle tem esse dom, de me deixar zonzo. E a última coisa de que eu precisava agora... era disso. Estou começando a superar a Laverne, sentindo que minha cabeça pode finalmente voltar ao normal...

E aí ela aparece, para causar o caos dentro de mim.

—Tudo bem, Harvelle. São águas passadas, loirinha. – Ela resmunga e franze o cenho, como eu sabia que faria. Ela odeia ser chamada assim, e fiz isso de propósito.

—Loirinha é a sua mãe! – Ela rebate, se remexendo mais.

—Pior que era mesmo, sabia? – Retruco, rindo da tentativa fofa dela de me ofender. Dou um longo suspiro e umedeço os lábios secos pelo frio – Você precisa dormir, Harvelle. Precisa estar inteira amanhã, ouviu? Aquela sua moto irada não vai se dirigir sozinha...

—Fique longe da minha moto! – Ela diz, cobrindo o rosto com o cobertor.

—Fique tranquila, Harvelle. Eu, mais do que ninguém, sei respeitar as máquinas alheias. Só descanse, ok? – Reafirmo, preocupado com o estado dela amanhã de manhã. Ela continua com o rosto coberto, mas vejo que assente com a cabeça.

Um pequeno silêncio se estende, e eu fico sentado, esperando ela adormecer. Joanna se mexe tanto que se descobre algumas vezes, e eu torno a cobri-la para que não sinta frio. Dou um sorriso fraco, me lembrando das noites que tivemos juntos, onde eu sempre acordava no meio da noite para cobrir nós dois, já que ela se mexia ao ponto de jogar as cobertas no chão.

Fico respirando fundo, com coisas demais na minha cabeça, assistindo Joanna dormir. Quando tenho certeza de que vai ficar bem, caminho até a poltrona retrátil que fica no canto do quarto e me sento nela, a cabeça apoiada em minhas mãos, a arma sobre o colo, caso seja necessário nos proteger de alguma coisa.

Adormeço, me sentindo um pouco mais tranquilo por saber que ela está ali.

Por saber que não estou sozinho.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Repouso o seu corpo na cama, e me sento ao seu lado, observando-a, completamente preocupado. Em questão de segundos, ela se aninha em mim, sua cabeça em meu colo, o corpo encolhido na cama, e eu começo a acariciar o seu cabelo, ternamente.

Dou um longo suspiro, contrariado. Sei que ela tem o direito de se divertir, e deve mesmo buscar algum escape. Mas não consigo não me preocupar tremendamente com ela, e isso me deixa em um paradoxo.

—Como está se sentindo, linda? – Pergunto, sussurrando para ela. Ela geme baixinho e se encolhe mais.

—Meu estômago arde. – Ela responde, e depois coloca o indicador na própria têmpora – E minha cabeça gira.

Assinto, acariciando seu rosto.

—O que você bebeu, El? – Pergunto a ela, especulativo e protetor. Ela dá de ombros.

—Tequila... – Ela responde, e eu respiro fundo. Porra... tinha que ter bebido justo tequila? Está para ser inventada uma bebida que mexa tanto com a cabeça das pessoas quanto a tequila.

—E você se certificou de que ninguém colocou nada na sua bebida, El? Ficou com a Jo o tempo inteiro, certo? – Especulo, extremamente preocupado. Ela abre os olhos e me encara, o cenho franzido.

—A única pessoa que colocou qualquer coisa no meu copo foi o bartender... e essa coisa era tequila! – Ela me responde, com um pouco de confusão mental evidente em seu olhar. Me contraio ao ouvir sobre esse maldito bartender novamente – E fiquei com a Jo a noite inteira! Ah! E com a Alanis também!

Franzo o cenho, confuso.

—Como é? Alanis, que Alanis? – Questiono a ela, que dá uma risadinha.

—Morissette, dã! – Ela responde isso como se fosse a coisa mais óbvia e engraçada do mundo. Dou um sorriso, e massageio sua têmpora com cuidado.

—Certo, você, Jo e a Alanis Morissette. Você vai ter uma baita dor de cabeça amanhã, mocinha... – Advirto ela, enquanto continuo a massagear sua têmpora com o polegar. Ela assente, se aninhando mais em mim.

—As vezes a gente tem que fazer merda, eu sempre faço tudo certo! Foi bom fazer o oposto do que eu faria, só para variar! Até fingi que eu era normal, acredita? – Ela diz isso com o olhar longínquo, e resolve se sentar de repente, ficando de frente para mim, os olhos semicerrados sensíveis a luz da lua, os cabelos castanhos muito compridos revoltos caindo pelos seus ombros até a sua cintura – Eu falei mal de você e ela falou mal do Dean, a noite inteira! E foi libertador!

Ela me disfere um sorrisinho adorável, que dança entre a maldade e o carinho.

Sorrio para ela, e acaricio sua mão.

—É, deu para notar. Fico feliz que tenha encontrado uma amiga para falar mal de mim... – Digo isso levemente amargurado por imaginar que tipo de coisa foi dita sobre mim, mas genuinamente contente por ver que ela e Jo se deram bem. Sei que Hazel deve se sentir solitária as vezes, sendo a única garota no meio de um monte de garotos, cruzando o país de um lado para o outro – E acho ótimo que tenha saído para se divertir. Mas você precisa tomar cuidado, ok? Existem caras idiotas que poderiam querer... machucar você. – Digo isso com cautela, meu polegar roçando a palma da sua mão, meu olhar sério encarando o dela.

—Ninguém tentou me machucar, Sam... – Ela diz isso com a voz arrastada, em um tom bem baixinho. Dou um suspiro de alívio, e assinto.

—Tudo bem, eu sei. Só... tome cuidado, caso haja uma próxima vez, ok? – Advirto ela, que se deita na cama, os pés apoiados em cima da cabeceira, os cabelos espalhados pelo colchão, as maçãs altas do rosto coradas pela quantidade de álcool que corre em seu sangue nesse exato momento.

—A primeira vez que eu fiquei bêbada foi com o Dean, sabia? – Ela comenta, bocejando e me encarando – Ele cuidou bem de mim...

Assinto, tenso e enciumado. Ela sabe muito bem o que está fazendo, sei que sabe.

Está me provocando.

—Ok, El... tudo bem. – Digo, mesmo sabendo que nada demais aconteceu naquela noite. Não importa... só de imaginar os dois perto um do outro assim, fico maluco.

Ela sorri para mim de maneira travessa, como se estivesse notando seu triunfo em me provocar.

Posso ver a ânsia por me deixar louco em seu olhar verde de pupilas dilatadas. Todas as vezes que encaro sua íris, me sinto perdido meio a uma floresta escura e cheia de mistérios, deliciosamente sufocado pelos salgueiros, pinheiros e carvalhos.

Quase posso ver as folhas balançando meio suas nuances.

—Dançamos a noite inteira, sabia? Eu e ele... – Travo o meu maxilar assim que ouço sua voz cadenciada dizer isso. Cerro meus punhos e respiro fundo – Sabia que ele segurou a minha cintura, Sam?

Me contraio e respiro fundo. Tudo dentro de mim arde.

—É, eu sei. Não quero saber os detalhes, ok? – Digo, com a voz mais calma que consigo usar. O sorriso dela cresce, como se pudesse sentir meu peito se contorcendo e isso lhe desse um prazer inestimável.

—Você tem ciúmes de mim, Sam? – Ela me provoca, rindo baixinho, suas bochechas vermelhas emoldurando seu sorriso de satisfação – Quer saber se eu beijei alguém hoje à noite?

Maldito álcool. Ela não seria tão cruel assim sóbria, mas suponho que eu mereça todo tipo de dor que ela queira infringir em mim. Esfrego meu cenho, tentando me manter calmo. Meu peito sobe e desce, se contorce.

—Não, El. Não quero saber, prefiro não saber. – Digo, entredentes e com uma expressão de raiva tomando o meu rosto, machucado até os ossos. Ela caminha até mim, de quatro na cama, como se fosse um gato a minha espreita. Ela coloca os lábios na minha orelha, enquanto se apoia em meu ombro e sussurra:

—Não fiquei com ninguém, seu bobo. – Fecho os olhos e sinto o meu corpo se arrepiar por ouvir isso, sentindo um alívio gigantesco dentro de mim – Eu não tenho espaço dentro de mim para ninguém além de você, Sam.

Respiro fundo e reabro os olhos. Assinto, olhando-a fixamente nos olhos. Ela me deixa louco.

—Só queria te provocar, sentir que você ainda me quer tanto quanto eu te quero... – Ela diz, se afastando lentamente de mim e se encostando na cabeceira da cama, sentada – Fazer você sentir tanta raiva quanto eu sinto, Sam.

—Me machucar faz você se sentir melhor, é isso? – Especulo, a garganta ardendo de ciúmes. Ela dá um longo suspiro, o olhar triste e conflituoso.

—Não, eu queria que fizesse. Só isso...– Ela dá de ombros, e abraça as próprias pernas – Eu fico maluca te imaginando com outras garotas, Sam. Então, todas as vezes que lembro que não estamos juntos e que você pode sair por aí com qualquer vadia que aparecer, isso me enlouquece, e dói tanto que tudo o que eu consigo fazer é tentar fazer você sentir a mesma coisa, na mesma proporção, buscando algum tipo de alívio. Não sinto, no fim das contas... esse alívio que eu tanto busco.

Respiro fundo, triste por ela se sentir assim. Devastado por imaginar que, depois de tudo, ainda não acredita que é a única no meu coração.

—Escuta aqui El, vem cá... – Estico o meu braço em sua direção, para que ela se aproxime de mim. Ela o faz, segurando a minha mão, e eu a puxo para perto, sentando-a no meu colo, acariciando os seus cabelos e segurando o seu rosto para que me olhe no fundo dos olhos – Para de se torturar com isso, El. Para de tentar me torturar também, linda, por favor. Não entendeu ainda, não é? Eu amo você, Hazel. Você, entendeu? Não duvide disso por nenhum segundo, eu te peço isso do fundo do meu coração, ok? Se você soubesse os motivos... se eu pudesse fazer você entender...

Respiro fundo, frustrado por toda essa situação maldita. Não posso tê-la por que por entre as rachaduras de minha mente sinto que Lúcifer está se libertando da jaula e irá atacá-la na primeira oportunidade. Porque Azazel quase a matou uma vez, por minha culpa. Se eu pudesse dizer a ela essas coisas...

Mas não posso. Quanto menos ela souber, melhor.

—Você pode me fazer entender, Sam. – Hazel me diz com o olhar sério, enquanto ela acaricia os meus cabelos suavemente, seus dedos percorrendo a minha nuca lentamente – Só não vai.

Seu olhar é devastado, e isso me quebra profundamente.

E se eu cedesse? E se contasse a ela? E se eu procurasse por ajuda, antes que eu me afogue na minha própria loucura?

No mesmo segundo que esses pensamentos me invadem, sinto um frio repentino, o tipo de frio que sinto quando Lúcifer está me espreitando, pronto para me torturar com seus jogos mentais. Discretamente, aperto com força um corte recente do meu braço, e sinto o frio desaparecer.

Encaro isso como se fosse um aviso dele de que vai cumprir com sua ameaça, se eu for egoísta e ficar com ela. Cerro meus punhos, com um pensamento em mente.

Não vou ser egoísta, Lúcifer. Você não vai tocar nela.

Hazel inclina a cabeça para o lado, e a apoia em meu ombro. A abraço com intensidade, como se pudesse protegê-la de tudo, inclusive de si mesma.

—Você precisa dormir, El. – Sussurro em sua orelha, meus polegares acariciando os seus braços – Vem, me deixa te ajeitar...

A deito novamente na cama, tirando os seus coturnos e a cobrindo com o máximo de cobertas disponíveis. Acaricio sua testa, e dou um longo suspiro. Em questão de segundos, Hazel apaga.

Me deito ao seu lado, a uma pequena distância, e fico admirando o seu rosto, banhado pela lua. Esfrego meu próprio rosto, exausto. Só cochilei no Impala, mas se for analisar bem a situação, não durmo direito há quatro dias e estou a ponto de surtar.

Quando estou com ela, é como se todos os pesadelos fugissem de mim. É como se nada no mundo pudesse me ferir.

Com um sorriso no rosto, adormeço, finalmente.

Simplesmente por saber que ela está aqui.

E isso basta.


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Notas finais do capítulo

Eu estou deixando a personalidade da Jo aflorar da minha imaginação, já que vimos tão pouco dela na série. O que sei é que é determinada, arisca e ótima caçadora. E é isso! O resto eu vou tecer com carinho.

Gente, estou com o coração apertado pelo Jesse. Tem tanta camada dentro dele, tanta...

PS: Estou revendo a sétima temporada em busca de inspiração sobre como a mente do Sam vai colapsar, e já aviso que logo logo vem coisa tensa por aí. Ai ai.

Comentem o que acharam ♥
Abraços!
XOXO



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