O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 22
Capítulo XX - Abismo de coisas não ditas.


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, assim: Eu estava muito incerta sobre esse cap. Ele é bem transitório, é mais diálogo que qualquer outra coisa. E estava insegura por isso.
Mas aí parei para refletir e pensei... gente, mas isso é uma "Fanfic", então estamos aqui para isso mesmo, ué! Para ver a história mas também para acompanhar a ladainha dos nossos personagens, em um monte de pontos de vista, coisas que não temos nos livros.
F A N F I C
Eu preciso parar de me cobrar tanto (Disse eu, já me cobrando)
Os próximos capítulos terão mais acontecimentos. Tem um que tá B A B A D O com confusão e R O M A N C E, que já está quase pronto. Acredito que seja, sem ser o próximo, o outro.
Vamos ver.
Vaaamos ver como vai ser.

Boa leitura ♥



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Ponto de vista de Dean Winchester.

Estamos parados do lado de fora do quarto da Hazel, Sam e eu. Já se passou mais de uma hora do momento em que ele juntou os pontos e descobriu algo que não deveria, não dessa forma, pelo menos. Sei que não vai perguntar nada a ela por enquanto, por saber que não é a hora certa. Não com ela fragilizada assim.

Se pudesse arrancar a dor dele, arrancaria. Ele está sofrendo tanto... e sequer sabe como foi que aconteceu. Não sabe e nem sonha os detalhes. 

As vezes, quando me lembro do que Antonella Laverne fez, sinto vontade de vomitar. 

Não imagino como vai ser quando... ele souber. Olho para o meu irmão caçula, muito mais alto do que eu, e me lembro de quando éramos pequenos.

Se eu soubesse, ainda criança, que esse seria o destino que nos esperava... sacudo a cabeça em negativa, afastando a dor para longe. Preciso ser firme, por ele. 

—Como nos encontraram? Jesse e você, naquele lugar abandonado por deus? - Ele me questiona, o olhar devastado e a mão repousando na maçaneta. Respiro fundo, e olho para os nós dos meus dedos, as cores dançando entre o vermelho e o roxo.

—Torturamos um demônio, logo após invocá-lo. Foi difícil, mas...- Paro de falar por um momento. Jesse Turner é uma pessoa sombria, principalmente quando está desesperadamente tentando salvar a irmã. Aquele demônio nunca mais vai ser o mesmo, posso garantir isso - Conseguimos. Só é uma pena que tenhamos demorado tanto. Mas eu tentei, Sammy. Eu juro que eu tentei. 

Sammy me olha nos olhos, e isso até dói. Dói porque estão devastados. Ele me dá um abraço, me pegando de surpresa. O abraço de volta, batendo em suas costas. Ao se desvencilhar de mim, antes de entrar no quarto, ele diz:

—Não sei o que eu faria sem você, Dean. - Ele dá um longo suspiro de exaustão, as roupas completamente encharcadas de sangue, os olhos no limite do cansaço - Eu realmente não sei.

Sorrio de lado para ele.

—Essa é fácil responder, Sammy. - Dou de ombros, me afastando - É só você pensar o que seria de mim, sem você. 

Meu irmão sorri para mim, ternamente, e eu pigarreio. Que porcaria de momento emocional é esse? 

—Bom, vou indo e volto daqui a pouco com uma muda de roupas para você, vadia. - Digo, provocando-o. Ele rola os olhos para mim e ri.

—Vai lá, idiota. - Sam me responde, honrando nossa tradição de anos, de nos chamarmos assim.

Dou as costas, e o deixo em privacidade, para ver como está Hazel.

A garota que nós dois amamos.

Sinto um aperto no peito enquanto me afasto, mas faço com esse aperto o que faço com todo o resto.

Eu deixo para lá.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Ouço um barulho constante ao despertar. As luzes artificiais fazem meus olhos se apertarem, e sinto um pouco de desespero ao sentir tubos conectados em meus braços. Quando tento me mover, percebo que também tenho tubos conectados as minhas narinas, levando oxigênio para meus pulmões.

Viro o rosto levemente para o lado, sentindo todo o meu corpo se tencionando. Sam está sentado em uma cadeira de plástico, a cabeça afundada em suas mãos, as roupas cobertas por sangue seco.

Meu sangue.

—S-Sam? – Minha voz sai rouca e falha, e ele se move no mesmo segundo que escuta a minha voz. Suas olheiras estão fundas, os cabelos levemente bagunçados e ainda assim é o homem mais bonito que já pus os olhos. Ele se levanta e vem até mim, ficando de pé ao meu lado.

—Ei, não se esforce muito, ok? – Ele adverte quando vê que tento me mover, sem muito sucesso. Fico nervosa quando sinto uma pontada intensa ao tentar respirar fundo. O olhar preocupado de Sam recai sobre mim – Você está com a costela fraturada, El. O seu braço direito vai ficar imobilizado para ajudar na recuperação da fratura, e você vai precisar se tratar com analgésicos por um bom tempo. Tem alguns curativos pelas suas costas e seus pulsos, também. – Embora tente parecer firme ao me atualizar sobre o que está acontecendo, sinto sua voz vacilando um pouco – Você também perdeu muito sangue, mas felizmente, não o suficiente para precisar de uma transfusão.

Assinto, sentindo os pontos em meus pulsos repuxarem e arderem.

—Como entrou aqui? – Pergunto a ele, sabendo que hospitais tendem a dificultar as coisas quando os pacientes estão em um estado crítico como o meu. Já passei muito tempo em hospitais, no passado. Sam me disfere um sorriso.

—A princípio, tentaram me impedir. Mas depois de um bom suborno, eu consegui dar o meu jeito. – Ele ergue a mão para conferir o meu soro, que parece estar bem cheio. Depois disso, ele dá um longo suspiro – Não pude ver você no hospital, há quase cinco anos atrás... – Ele diz isso com o olhar pensativo. Estamos indo para o final de dezembro, portanto a cada vez mais, o ano de 2000 se distancia, se dissolvendo no passado – Na época eu era um garoto inexperiente e não tinha recursos. Agora, ninguém me impediria de ver você. – Ele coloca uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, ternamente e todo o meu corpo se arrepia com o seu gesto.

—Bom, os enfermeiros são fichinha perto da minha avó... – Comento, rindo e me arrependendo de rir no momento seguinte. Todo o meu tórax dói, e eu acabo soltando um “ai!” sem querer – Não vou poder rir por um bom tempo, eu acho... – Comento, fazendo uma careta de dor. Sam assente, com o olhar taciturno.

—Você precisa ter cuidado para respirar, também. Sua costela pode furar o seu pulmão se você não tomar cuidado. – Ele usa um tom cauteloso e preocupado, e eu me desespero.

—Quanto tempo vou ficar assim? – Questiono, a cabeça preocupada com o caso que estávamos indo solucionar. Despertar meus poderes foi a ponta do iceberg, preciso controlá-los perfeitamente se quisermos ter alguma chance contra Astaroth ou Crowley.

—Um mês e duas semanas, no mínimo. – Quando vê que arregalo meus olhos e franzo o cenho em frustração, ele se apressa a dizer – Ei, nem adianta você fazer essa cara. Você precisa desse tempo, não há discussão, ok? Não há nada mais importante do que a sua recuperação agora.

—Castiel não pode me curar? – Pergunto, a cabeça fervendo em preocupação. Um mês e duas semanas...

Crowley pode encontrar o purgatório nesse meio tempo. E isso é algo que não diz só respeito a mim, mas a toda a humanidade. Estaríamos perdidos.

Sem falar em Astaroth.

—Cas... não responde. Achamos que está preso em algum lugar, por causa de Raphael. – Ele diz isso em tom preocupado. Sei que Castiel é como família para os Winchester, então imagino que ambos estejam tensos por isso. E embora eu conheça o anjo peculiar de olhos azuis e sobretudo a pouco tempo, também me importo com ele – Sei que está preocupada com o caso, com seus poderes e... bom, com todo o resto. – Ele respira fundo e ajeita o próprio cabelo, coisa que ele faz muito quando está tenso – Mas não tem discussão. Vamos adiar tudo, El.

Respiro fundo, frustrada. Penso no quão ridículo é o fato de que, há horas atrás eu exterminei um demônio de alto calão com meus poderes aparentemente maiores do que eu sequer imaginava ou sonhava ser possível, mas que nesse exato momento eu seja frágil ao ponto de ser parada por uma mera fratura. Meu lado humano é quem eu sou de verdade, mas é difícil não ter raiva dessa “humanidade” por um breve momento. Ser humana é extremamente limitante.

—Sei que está decepcionada...- Ele continua a falar, ajeitando os lençóis para que eu fique mais confortável. Como ele sabia que eu queria isso? Acho que depois de todos esses anos, ele continua “lendo a minha mente”, como costumava fazer – Mas não há negociação.

—É tão... frustrante! – Digo, bufando de raiva. Faço novamente uma careta de dor ao sentir a pontada. Vou ter que regular até a respiração de agora em diante, aparentemente – Eu finalmente me senti útil, depois de tanto tempo me sentindo a porcaria de um fardo. E agora, olha só... adivinha quem virou um peso de novo?! – Falo isso com raiva de mim mesma. Sam me censura com o olhar.

—El, você literalmente abandonou sua vida e seus sonhos, aprendeu a se virar e treinou intensamente durante um bom tempo para sobreviver, enfrentou alguns dos seus piores traumas, como confrontar... ele. – Sam faz uma pequena pausa, dizendo a palavra “ele” com cautela. Não vai dizer o nome de George White, porque sabe como isso ainda me afeta profundamente – Para buscar respostas, e sobreviveu ao vale das sombras da morte, quando Crowley te enviou para lá...

Sua voz morre de novo. O nome do demônio, rei das encruzilhadas, sai entredentes e vejo uma fagulha de ira em seus olhos por um breve momento.

— O que quero dizer, é que você tem feito de tudo para sobreviver e lutar, mesmo com o mundo despencando na sua cabeça. E agora, despertou seus poderes... – Sam dá um suspiro de frustração, e me olha bem no fundo dos olhos – Sem você, eu teria morrido. Sabe disso, não sabe? – Sinto um frio na barriga quando seu olhar tempestuoso me olha tão fixamente, transbordando sentimentos demais para que eu compreenda cada um deles – Se não fosse por você, Beleth teria vencido. Acho que o que estou tentando te dizer é... se dê um pouco de crédito, ok? Você não é um fardo, é o oposto disso na verdade.

—Você me ajudou. – Me apresso a dizer, me lembrando do momento em que nós dois usamos nossa telecinese lado a lado, lutando por nossas vidas. Eu teria vergonha e medo de ser vista daquele jeito, mostrando quem realmente sou, para qualquer pessoa no mundo. Mas não para ele. Ele entende, como ninguém seria capaz de entender, o que é ser amaldiçoado assim – Se não fosse por você, nós não teríamos conseguido.

—Eu fui um idiota, Hazel. Isso sim... – Ele diz com raiva de si mesmo, o olhar contrariado e culpado – Eu devia ter previsto que o demônio que nos capturou não era um demônio qualquer no minuto em que vi os olhos brancos. Devia ter pensado em uma estratégia, não ido confrontá-lo direto depois de beber um pouco de... sangue. – Ele pigarreia, desconfortável por mencionar essa parte – Mas eu ouvi os seus gritos, e eu perdi a cabeça.

A sua voz embarga levemente, e ele olha para baixo por um momento. Depois de respirar fundo, torna a me encarar.

—Eu não penso direito quando se trata de você, El. E por culpa da minha estupidez, você está nessa cama de hospital. E eu nunca vou me perdoar por isso. – Seus olhos se enchem de água, mas ele contém as lágrimas. Posso ver que está se reprimindo ao máximo.

—Isso não é verdade, Sam. O que você podia ter feito?! – Digo isso com o coração se partindo ao vê-lo achar que isso é culpa dele – Sam, você literalmente acabou com um demônio sozinho, desarmado, só para me encontrar. Você abandonou a sua sobriedade para tirar a gente de lá. Não tinham opções para nós, você precisa entender isso. E quem foi que te convenceu a ir para o terraço, nos deixando vulneráveis, ein?! Eu! Então...

—Vocês estão disputando para ver de quem é a culpa, é isso mesmo? – A voz de Dean nos interrompe. Ele caminha da porta do quarto hospitalar até perto da cama onde estou, e dá um longo suspiro. Dean também parece exausto – Não foi a coisa mais brilhante do mundo ficar dando bobeira no terraço, isso é verdade... – Ele ergue as sobrancelhas, mas usa um tom leve e descontraído ao dizer isso – Mas poderia ter acontecido de qualquer jeito, não fosse no hotel, talvez nos pegassem na estrada. Eles deviam estar nos rastreando de alguma forma, se conseguiram chegar até vocês.

—Como não encontraram vocês, se nos acharam? – Pergunto, com um vinco em minha testa. Sam respira fundo, mas é Dean quem responde:

—Armadilha de demônio, debaixo dos tapetes. No nosso quarto e no de vocês. Quando você cochilou durante a viagem, pedimos a Jesse para cuidar disso, e ele o fez. Acrescentamos "cordas do diabo" nas janelas, também. Isso nos deixa temporariamente invisíveis para demônios. Não funciona só contra cães do inferno, seu irmão que me ensinou isso... – O olhar de Dean recai sobre mim, e vejo a preocupação externada em seus olhos verde-esmeralda – Mas é como eu disse, entende? Não fosse lá, poderia ter sido em outro lugar. Precisamos descobrir que erro cometemos para sermos rastreados para começo de conversa. Mas... teremos tempo para isso. – Dean suspira de cansaço, e aperta o próprio cenho com os dedos por um momento, parecendo tentar se organizar – Por enquanto, apenas parem de se martirizar, os dois. Vocês conseguiram se salvar, e isso é o que importa. E por falar em coisas que importam... – Dean retira uma mochila que estava em suas costas, e entrega uma muda de roupas para Sam – Sei que vai passar a noite aqui com ela, então trouxe isso para você, assim pode tomar um banho e ficar mais confortável, Sammy.

Os olhos de Sam se acendem com gratidão.

—Obrigado, Dean. Onde você e Jesse vão passar a noite? – Sam questiona ao irmão mais velho, que se ajeita em sua jaqueta de couro marrom.

Ele sempre usava essa jaqueta, me lembro disso. Mas na época, a jaqueta era muito maior do que ele. Hoje, lhe serve perfeitamente. Imagino que seja a forma que Dean encontrou de se sentir perto do pai, já que sei que essa jaqueta pertencia a John Winchester.

—Vamos dormir na Baby, no estacionamento, para o caso de algum sinal de perigo aparecer. Estaremos de guarda. – Me encolho, me sentindo mal por eles precisarem passar por isso. Olho para Dean com gratidão.

—Dean, obrigada por isso. E por falar em Jesse... onde ele está? Ele está bem? – No momento em que pergunto isso, vejo Dean e Sam se entreolhando. Dean pigarreia e se apressa a explicar:

—Ele está um pouco abalado, Hazel. Com toda aquela história dos... planos de Astaroth para vocês dois. Isso o desestabilizou um pouco, acho que precisa de um pouco de espaço. – Dean suspira e passa a mão nos cabelos loiro-escuros – Essa informação mexeu com ele.

—É, mexeu comigo também. – Digo, sentindo um frio me percorrendo só de me lembrar de Beleth dizendo tudo o que disse, enquanto acariciava a minha barriga, me fazendo sentir repulsa do seu toque. Respiro fundo, mas guardo meus medos e angústias o mais fundo de mim que consigo. Não sou capaz de processar isso agora— Mas eu entendo. Cuide dele, Dean, por favor? Jesse tem essa casca de frio e sarcástico, mas por dentro...

Minha frase se quebra no meio, porque eu acabo de falar como se o conhecesse há muito tempo e soubesse mais do que realmente sei. Mas existe algo, lá dentro de mim, que Jesse não conseguiu apagar junto com as minhas lembranças. O nosso vínculo.

—Eu sei, fica tranquila. Vou cuidar dele, Hazel. – Dean me disfere um sorriso reconfortante, depois se virando para Sam e apontando para as roupas nas mãos do irmão – Vai lá, Sammy. Eu fico de olho nela até você voltar.

Sam assente, e um olhar indecifrável dele recai sobre Dean e eu. Ele parece querer dizer alguma coisa, vejo até mesmo a sua boca se entreabrindo. Mas ele desiste, apenas se virando e indo em direção ao banheiro do quarto.

Dean me olha, de maneira tensa, depois puxa a cadeira em que Sam estava e se senta ao meu lado.

—Como você está? – Ele usa um tom preocupado e fixa os olhos cheios de dor nos meus. Esse olhar dura pouco tempo, porque um sorriso sarcástico o invade como se tivesse visto graça em alguma coisa – Foi uma pergunta idiota, essa que eu te fiz. Vou fazer uma pergunta melhor: Em uma escala de um a mil, quão fodida da cabeça você está?

Dou risada, mas faço uma careta de dor e gemo no mesmo instante.

—O que aconteceu? – Ele questiona, as sobrancelhas erguidas em confusão, sem entender porque senti tanta dor ao apenas rir.

—A minha costela foi fraturada. Dói para respirar e para rir também. – Quando digo isso, o olhar de Dean se enegrece.

—O demônio de olhos brancos quebrou a sua costela? – Ele questiona, incrédulo. Aquiesço.

—Sim, foi uma das várias coisas que ele fez para tentar arrancar a localização de vocês de mim. Mas ei, não é como se fosse a minha primeira costela fraturada, não é mesmo? – Tento usar um tom de deboche para me referir ao que meu pai fez comigo, anos atrás, no dia em que descobriu tudo sobre meu relacionamento com o Sam. O dia que tentou matá-lo...

O dia em que John Winchester lhe ensinou uma lição. O dia em que foi preso.

Às vezes, digo meus traumas em voz alta como se eles não me machucassem mais, só para o caso de fingir isso tão bem ao ponto de que se torne realidade. Dean fica sério, e parece cerrar os punhos por um momento.

—Nós vamos cuidar de você. Vai ficar novinha em folha. – Ele sorri um sorriso fraco, que eu retribuo. Dean se ajeita na cadeira, e olha de rabo de olho para a porta do banheiro. Ele parece prestar atenção no som do chuveiro, se certificando de que está ligado, e então umedece os lábios  olhando para mim – Hazel, preciso te falar uma coisa. O Sammy está suspeitando.

—Suspeitando sobre o que? – Sinto um gelo em minha espinha. São tantas coisas horríveis que estamos tentando poupá-lo de saber que sequer consigo imaginar ao que Dean esteja se referindo.

O caçador em minha frente me olha fixamente, e posso ver que está transtornado.

—Sobre meus sentimentos por você. – Essa frase sai sussurrada, como se ele estivesse falando um palavrão. Vejo a dor da culpa em seus olhos, e me contraio. Odeio que esteja sofrendo com isso. Odeio – Antes que pergunte, não, não contei a ele ainda. Estou esperando o momento certo, mas honestamente... ele está ligando os pontos.

—Ele me perguntou... algo sobre nós dois, ontem, no terraço. – Me remexo levemente, me ajeitando na cama dura de hospital – Eu fiquei nervosa, e ele percebeu.

—Se ele te confrontou sobre isso, eu sou o próximo. Mas eu vou aguentar o tranco. – Ele me olha obstinado, dando um sorriso confiante. Dean odeia que o vejam sofrendo – Ok? Não precisa se preocupar com nada. Além do mais... sou eu que estou apaixonado por você, você não fez nada de errado. Eu que fiz...

Mesmo que isso seja verdade, não consigo evitar o sentimento de culpa. Talvez seja por saber que eu e Dean nos beijamos e que Sam não faz a mínima ideia disso?

Ainda assim, não é justo. Não nos beijamos por escolha nossa.

—Quero contar a ele sobre o beijo, Dean. – Olho com dor nos olhos para Dean. Ele assente, compreensivo, e eu umedeço os lábios antes de continuar – Mas estou em conflito, porque se eu contar a ele sobre isso, precisarei contar sobre Ruby. E se eu contar a ele sobre Ruby...

—Se contar a ele sobre Ruby e a tortura, então vai ter que contar a ele sobre o que Crowley fez com o corpo dele, e o que o corpo dele fez com você. – Dean completa, vendo que minha voz morre. Aquiesço, e ele suspira -Vamos resolver tudo isso, prometo, Hazel. Quando ele souber a verdade, quando a verdade o quebrar... – Ele para de falar por um momento, buscando as palavras certas. Dean me olha obstinado quando parece encontrá-las – Nós estaremos lá para pegar os pedacinhos, um passo de cada vez, ok? Você precisa pegar seus próprios pedacinhos agora, senhorita. – Dean aponta para os meus curativos – Certo?

—Certo. – Digo, pensativa.

Odeio esconder tantas coisas de Sam. Mas estamos o protegendo o máximo que podemos. O cavaleiro da morte construiu um muro na mente de Sam, e isso é o que está o mantendo são. A última coisa que queremos é ruir esse muro contando todas as verdades de uma vez.

Não quero que se lembre do inferno. Não quero que se machuque.

Dean vê meu sofrimento, mesmo que eu não tenha dito nada. Ele sabe que quando se trata de Sam, fico vulnerável. Dean segura a minha mão, gentilmente, e me olha com aquele olhar típico dele.

O olhar que diz que vai ficar tudo bem.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Estremeço debaixo do chuveiro quente, e tento me concentrar no vapor que me envolve...

E não no sangue dela que escorre do meu corpo em direção ao ralo, enquanto me esfrego. Minhas veias pulsam, assim como a minha garganta, que parece queimar.

Enfio a cabeça debaixo da água e fecho os olhos. Queria ser limpo.

Querer ser limpo é o meu desejo mais antigo. Me sinto impuro desde que...

Desde sempre.

E agora, sedento e viciado em sangue de demônio, especialmente pelo sangue dela...

Não poderia me sentir mais sujo.

Respiro fundo, e tento manter a mente firme.

Saio do box do chuveiro e prendo a toalha em meu quadril, e me coloco de frente para a pia. O espelho está embaçado pelo vapor, de modo que meu reflexo seja apenas um vulto disforme. Respiro fundo, tentando manter toda a minha angústia enterrada no meu peito. 

A tortura que ela sofreu, diante de mim. A minha incapacidade de salvá-la. Eu ter bebido o sangue dela. Todos esses fatos ficam me pinicando por dentro, como pequenos alfinetes fazendo um voodoo macabro no meu coração.

No topo das minhas inquietações, está o que eu descobri na sala de espera.

Ela estava grávida, no dia do incêndio.

Tenho tantas perguntas, tantas. Sacudo a cabeça de um lado para o outro, e passo a mão pelo vapor no espelho para conseguir me ver melhor.

O que vejo, no entanto, me faz cambalear para trás.

De pé, ao meu lado, por um breve momento, está Lúcifer. Sorrindo de lado, os olhos brilhando em fogo. Pisco várias vezes, e sinto meu coração batendo tão forte que torna a minha respiração difícil. Com as costas presas na porta e os olhos arregalados, vejo que ele desapareceu completamente.

Como fumaça.

XXX

Já vestido e determinado a desligar meus pensamentos em prol de cuidar da Hazel, saio do banheiro. E no momento que abro a porta, meus olhos recaem imediatamente para a mão do meu irmão mais velho, que segura a mão da garota que eu amo.

Embora eu seja covarde demais para dizer isso a ela.

Fico encarando os dois por alguns segundos, e Dean recua, soltando a mão dela quando vê a minha expressão confusa. Passo a toalha pelos meus cabelos molhados, e ando em direção a janela, olhando para a noite lá fora, como se não estivesse queimando por dentro.

O que eles estão escondendo de mim?

—Sammy, eu vou indo. – Dean diz, vindo em minha direção e colocando a mão em meu ombro, fazendo com que eu me vire para ele – Me ligue qualquer coisa.

Aceno com a cabeça, o olhar analítico nos olhos dele. Não sei se consigo esconder minhas suspeitas fundo o suficiente, mas espero que sim. Os olhos dele me examinam, tentando entender o meu olhar. Mas se ele nota alguma coisa, não diz.

Entre Dean e eu, há um abismo de coisas não ditas.

—Você também, ligue se precisar de algo. – Digo, de maneira quase robótica. Meu irmão assente e se retira do quarto, após olhar para Hazel mais uma vez.

Como se ela fosse a coisa mais importante no mundo para ele nesse exato momento. Fecho meus punhos, pressionando as unhas contra as palmas das mãos.

Eu confio em Dean, eu confio em Dean, eu confio em Dean...

Pressiono as unhas com mais força ao mentalizar isso como um mantra. Eles não fariam isso comigo, eu estou ficando louco.

Aperto as unhas até sentir a minha pele arder.

—Você parece até que viu um fantasma. – A voz cadenciada de Hazel me desperta das minhas paranoias, e eu paro de pressionar as unhas em minha carne. Dou um sorriso fraco e ando para perto da cama dela.

—Achei ter visto algo no banheiro, mas era coisa da minha cabeça. – Digo, tentando convencer a mim mesmo – Anos e anos caçando coisas podem ter me deixado meio maluco, eu acho. – Digo em tom de brincadeira.

Me sento ao lado dela, recosto as minhas costas na cadeira e fico fitando-a intensamente. O corpo coberto pelos lençóis brancos, os tubos saindo de um de seus braços, conectando-a a um soro. O rosto pálido, o olhar exausto. As narinas envoltas por tubos que a ajudam a respirar, os cabelos compridos caindo pelo travesseiro...

Odeio vê-la ferida assim. Odeio saber que não pude evitar isso.

—El, eu...- Começo, incerto sobre quais palavras dizer. Ela faz uma expressão de tristeza, e balança a cabeça de um lado para o outro em negativa.

—Não, Sam. Não precisamos falar sobre o que aconteceu naquela casa. – Sua frase sai com um tom de súplica. Respiro fundo com as sobrancelhas erguidas em um vinco de preocupação, e umedeço os lábios.

—Precisamos sim. Sobre algumas delas, pelo menos. A primeira coisa que eu preciso desesperadamente que você saiba é que sinto muito, El. – Minha voz sai encharcada de uma sensação pesarosa, mas procuro ser firme. Os olhos verde-floresta dela me olham atentamente, receosos – Sinto muito pelo que aquele nojento fez com você.

Ela absorve as minhas palavras, os olhos quase se fechando pelo cansaço.

—Eu estou bem, Sam. – Ela afirma, tentando transmitir firmeza na voz.

Respiro fundo. Sei que está o oposto de bem.

—Não está. E não precisa fingir estar, El. Não para mim. – Me ajeito na cadeira, apoiando os braços na cama, ficando mais perto dela – Ser torturado é...é algo que deixa marcas, para além das físicas. E eu daria tudo para que você nunca tivesse passado por isso, Hazel. Acredite em mim. Aliás, vê-la inserida nesse mundo, no meu mundo... – Suspiro, o peito ardendo só de pensar em tudo o que está por vir – Me deixa maluco.

—É o meu mundo também, Sam. Sei que você pensa que eu poderia viver uma vida normal, mas... – Ela suspira com dificuldade – Acho que a essa altura, depois de tudo o que você viu, dá para entender que não seria possível, não é?

Assinto, pensativo.

—Sim, eu sei disso. Mas é tão estranho, El. Tão estranho...Me lembro como se fosse ontem, entende? Quando nos conhecemos, quando eu tinha a plena certeza de que podia te proteger de todo o mau do mundo. Eu era tão jovem e estúpido... – Sacudo a cabeça levemente em negativa, como se pudesse negar e impedir tudo o que dói dentro de mim – Tão ingênuo.

Meu olhar se torna pesaroso, e me perco em meus pensamentos por alguns segundos.

—Você se culpa demais, Sam. Nós dois erámos jovens e estúpidos. E ingênuos. E estávamos condenados, desde sempre. Eu não escolhi a minha maldição, e tenho certeza de que você não escolheu a sua. – Ela me encara, e eu retribuo o seu olhar, sustentando-o. Suas bochechas se coram quando ela percebe que não vou interromper nosso contato visual, e eu sorrio.

Sorrio por saber que há ainda em seu coração algum espaço reservado para mim. Não sei o tamanho ou a intensidade desse espaço. Mas ele existe.

—Que foi? – Ela pergunta, desconcertada. Sorrio ainda mais.

—Nada, só estava... te olhando. – Digo, com o coração acelerado, morrendo de vontade de dizer a ela um monte de coisas. Mas não vou. Não ainda. Não enquanto eu não souber toda a verdade.

—Eu estou uma bagunça. – Ela diz, desconfortável e se ajeitando um pouco na cama – Não queria que me olhasse quando estou...assim.

Sorrio para ela, ternamente.

—Você não está uma bagunça, El. Está...linda. Não importa que esteja em uma cama de hospital, ou o que seja. Sempre está linda. – Digo isso timidamente, sentindo meu próprio rosto queimar. Olho para baixo por um momento, e depois torno a encará-la – E por falar nisso, você sabe que não é verdade, não é? O que ele disse.

—Do que está falando? – Ela questiona, confusa e desconcertada por eu ter a chamado de linda.

—Do que Beleth disse, quando...- Respiro fundo, procurando as palavras certas – Quando ele te expôs daquele jeito.

—Ah. – Ela desvia o olhar do meu, e percebo o quão fundo isso lhe feriu – Tudo bem.

—Hazel, olhe para mim. – Demando, e tenho vontade de segurar a sua mão, mas fico incerto sobre isso. Reluto sobre essa decisão, mas decido ceder ao meu impulso, afinal... se Dean pode segurar a mão dela, por que eu não poderia? No momento que sinto seus dedos em contato com os meus, é como se minha pele formigasse. Meu deus... queria tocá-la por completo, todo o seu corpo. Queria percorrer a minha mão por tudo nela, se pudesse. Ela me olha, e percebo um sentimento em seus olhos que me deixa louco. Vergonha, ela está com vergonha de mim. E é tudo culpa daquele demônio idiota. Respiro fundo, decidido a arrancar esse sentimento dela. Me lembro perfeitamente do termo que ele usou para se referir as queimaduras dela, as chamou de repulsivas. Vou exorcizar esse termo da mente dela – Me escuta com atenção, El. Nada em você é repulsivo, nada. Suas queimaduras... elas não são repulsivas, Hazel.

—Você não precisa dizer isso, Sam. Eu sei a verdade. – Sua voz está cheia de dor, e eu faço que não com a cabeça, desesperado para que ela acredite em mim.

—Não, El. Não sabe! Eu sei que você provavelmente não ama as suas queimaduras, principalmente por se lembrar do que elas representam... – Começo, meus olhos carregados de sinceridade – Sei que você tenta escondê-las do mundo ao seu redor, e talvez de si mesma. E eu odeio que a primeira vez que eu as tenha visto tenha sido daquele jeito, com aquele idiota fazendo você se sentir tão violada. Eu queria ter visto elas com a sua permissão, do jeito certo. Mas já que essa oportunidade nos foi tirada, eu quero dizer o que eu quis dizer naquele momento, quando as vi. Eu as acho lindas, Hazel. Como tudo em você. E você não precisa acreditar nas minhas palavras agora, ok? Eu sei que deve ser difícil, porque nós temos dificuldade de acreditar que alguém possa achar algo doloroso em nós, belo. Mas se eu tiver oportunidade de mostrar a você algum dia de que o que digo é verdade...eu agarrarei essa oportunidade. Suas cicatrizes são parte de você, Hazel. E tudo o que faz parte de você, para mim, é lindo.

Ela ouve as minhas palavras com os olhos marejados. Por um momento, não diz nada. Acaricio sua mão com o meu polegar, e coloco uma mecha do seu cabelo para trás da orelha.

Meu deus. Queria tanto poder beijá-la.

—Ninguém tinha tocado nelas, sabe? – Ela diz, o olhar angustiado ao se lembrar de Beleth passando os dedos por todo seu braço, por suas cicatrizes – Nunca. Eu não queria que ninguém as tocasse, Sam. E me mata que tenha sido ele o primeiro.

Meu coração se parte.

Eu devia ter sido o primeiro. Eu devia ter tocado suas cicatrizes antes de qualquer pessoa.

—Pode me prometer uma coisa? – Proponho, tentando conter meus batimentos cardíacos. Ela me olha curiosa.

—Que coisa? – Ela questiona, confusa.

—Quando você se sentir confortável o suficiente, vai me deixar provar a você que o que digo é verdade. Pode me prometer isso? – Fito seu olhar intensamente, e ela parece relutante.

—Depende. O que pretende fazer para me provar isso? – Ela especula. Dou o sorriso mais malicioso que consigo, percorrendo o corpo dela inteirinho com os olhos. Quero que não restem dúvidas nela, sobre o quanto ainda a desejo. Vejo seu rosto se enrubescendo, e digo:

—Você vai saber, na hora certa. Apenas me prometa, e no dia que eu for te provar que digo a verdade, não vai sobrar dúvida alguma dentro de você. – Acendo meu olhar para ela, para que entenda que, se e quando me quiser, no minuto em que eu tiver o sinal verde, vou abalá-la por completo, do melhor jeito possível – E depois disso, prometo que não vai se lembrar de que aquele idiota foi o primeiro a tocar nas suas cicatrizes. Garanto a você que você vai sentir, para sempre, que fui eu o primeiro a tocá-las.

Vou fazê-la entender como é inteiramente linda.

Fazê-la entender fisicamente.

Hazel fica desconcertada, e dá um sorriso tímido, olhando para baixo por um momento.

—Sam Winchester, você está flertando comigo? – Ela me olha, de maneira tímida – Enquanto estou em uma cama de hospital?! – Ela usa um tom de falso ultraje, e eu sorrio de lado para ela.

—Eu?! – Coloco a mão no meu peito, totalmente dissimulado – Claro que não. Sou um garoto comportado, Laverne. Jamais flertaria com você ferida desse jeito! Seria muita falta de respeito da minha parte, não seria?

—Seria sim, Winchester. – Ela responde, cerrando os olhos para mim, desconfiada.

—Quando estarei liberado para flertar com você, então? – Pergunto, o meu rosto levemente corado. Ela fica pensativa por um momento.

—Vou pensar direitinho, e aí eu te comunico, pode ser? – Ela pergunta. Dou uma risadinha e coço a minha nuca.

—Pode ser. Até lá, então... vou me comportar direitinho. – Digo, fingindo seriedade.

—Sério? – Ela pergunta, desconfiada. Faço que sim com a cabeça.

—Sério. Prometo isso do mesmo jeito que prometi ao seu pai, anos atrás, que ficaria longe de você. – Sorrio malicioso para ela, que também sorri para mim, os olhos com as pupilas levemente dilatadas.

—Você não cumpriu essa promessa, Sam. – Ela observa. Assinto.

—Exatamente. Deu para entender então, né? – Respondo. Ela rola os olhos para mim, ainda sorrindo.

—Deu sim. Deu para entender bem. – Assim que responde isso, Hazel boceja de cansaço. Ajeito os lençóis dela, deixando-a quentinha para passar a noite fria. Também me levanto e coloco o meu casaco aberto por cima dos lençóis, para reforçar o conforto dela.

—Agora, preciso que descanse, El. – Digo, preocupado com ela – Ok?

—E quanto a você? – Ela pergunta, os olhos quase se fechando. Hazel está cheia de analgésicos no sangue, por isso deve adormecer a qualquer momento.

—Estarei aqui quando acordar. – Respondo, me ajeitando na cadeira – Não se preocupe comigo.

Ela assente, quase caindo no sono.

—O problema é que eu estou sempre preocupada com você...- Ela sussurra, fechando lentamente os olhos. Sorrio, e a observo enquanto ela adormece. Respiro fundo e me levanto, resolvendo fazer uma coisa. Me aproximo do seu rosto, e dou um beijo na testa dela, de maneira terna. Só por sentir meus lábios na sua pele, já me arrepio por completo. Depois de fazer isso, volto a me sentar – Sam?

Dou um sobressalto. Ela diz meu nome com os olhos fechados, sonolenta. Eu tinha certeza de que ela tinha adormecido.

—Sim? – Respondo, desconcertado. Ela sorri, ainda com os olhos fechados.

—Você acabou de beijar a minha testa... – Ela responde, quase que murmurando. Sorrio, constrangido, e sinto o meu coração se acelerar.

—Que bom que você sentiu esse beijo na sua testa. Espero que durma melhor, agora. – Sussurro para ela. Ela assente, e respira fundo com cautela. Deve ser frustrante precisar regular até mesmo os próprios suspiros.

—Eu vou sim...- Hazel diz, antes de adormecer.

Depois de um tempo, apoio a cabeça na cama, e fecho os olhos. Com a minha mão segurando a dela, adormeço.

XXX

Ponto de vista de Dean Winchester.

Abro a porta do Impala 67, me sentando ao lado de Jesse, que está com a cabeça encostada no vidro com um olhar distante. A neve que cai do lado de fora é fina e escorregadia.

Odeio neve. Só serve para deixar o motor dos carros preguiçosos.

—Ela perguntou de você. – Digo, cautelosamente. Se eu tivesse recebido a informação que Jesse recebeu, estaria tão perturbado quanto ele. Turner assente, se encolhendo em seu sobretudo preto.

—Eu vou falar com ela, assim que estiver pronto. – Sua voz é rouca e baixa, e ele disfere os olhos escuros na minha direção – Eu sabia, Dean. De tudo isso. E me mata saber que agora ela sabe também.

Franzo o cenho para ele, surpreso.

—Como assim você sabia disso? – Digo, levemente indignado – E não achou importante contar para nós?!

Fico levemente irritado. Saber os planos de Astaroth é algo importante e que diz respeito a todos nós nesse momento. Jesse não se intimida com o meu jeito incisivo, e mantém o olhar sério.

—Não, não achei, Dean. Queria protegê-la dessa droga toda! – Sua voz sai ríspida, e vejo a irritação tomando conta dele – Por que acha que eu tirei as lembranças dela, para começo de conversa?  - Ele me olha com os olhos cheios de raiva e dor – Vocês não entendem, não fazem ideia das coisas que fizeram com a gente. Éramos só duas crianças, porra!

Ele enfia a cabeça nas mãos, transtornado. Respiro fundo, confuso e preocupado.

—Jesse, foi mal, ok? Foi indelicado da minha parte. – Digo com sinceridade. Acho que eu pisei na bola, falando com ele desse jeito.

—Foi, foi indelicado para caralho! Como se sentiria se soubesse desde pequeno que forças malignas querem que você engravide a sua irmã, Dean? Ein?! O que acha que isso faz com a cabeça de um cara?! – Ele me olha com raiva, e eu me sinto muito mal. Existem horrores no passado desses dois, horrores que eu não consigo sequer imaginar.

Com esse pensamento em mente, coloco a mão no ombro dele.

—Turner... se precisar contar sobre isso para alguém, pode contar a mim, ok? – Digo isso com a voz baixa, e com sinceridade. Os olhos escuros dele me fitam, dançando entre a raiva e a calma – Eu sei como é quando sabemos uma verdade terrível sobre...alguém que amamos. Isso come a gente vivo.

—Eu agradeço, Dean. – Ele diz isso de maneira sombria, e faz uma expressão de desprezo, uma expressão que parece ser direcionada a si mesmo ao se lembrar de algo – Mas eu prefiro manter isso só para mim. Já me basta o nojo que eu sinto de mim mesmo. Não preciso que outras pessoas sintam repulsa de mim também.

Sinto vontade de insistir, mas não faço isso. Respeito o que ele disse, e o observo se encostando no vidro novamente. Minha mente começa a formular um milhão de coisas, que podem ter acontecido com os dois ao ponto de fazer o Jesse se sentir assim.

Coisas que foram tão profundas que o fizeram apagar da mente da irmã, ainda criança.

Sacudo a cabeça de um lado para o outro, afastando isso da minha mente. Se tiver relação com os planos de Astaroth para os dois...

Meu corpo ferve, quando uma suspeita passa pela minha mente. Só de imaginar que ela e ele podem ter sido...

Não. Não pode ter sido isso. Respiro fundo e resolvo recostar a minha própria cabeça no banco.

Decido afastar tudo da superfície da minha mente. Principalmente a dor que senti ao vê-la no estado que está.

A dor ao ver o olhar de Sam sobre nós dois, quando segurei a mão dela. O meu irmão definhando ao descobrir uma das várias coisas que irão machucá-lo profundamente...

E a porra do sentimento dilacerante que devora o meu coração todas as vezes que coloco os olhos nos dela.

Quero esquecê-la. Quero parar de sentir dor quando os vejo juntos.

Quero parar de sentir tudo.

XXX

Duas semanas depois – Casa do Bobby, Kansas.

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Ficar com o braço imobilizado perto ao corpo e precisar prestar atenção até mesmo na intensidade da minha respiração é enlouquecedor.

Desde que voltamos de Wichita, redobramos os nossos cuidados. Não conseguimos descobrir como os demônios conseguiram nos encontrar, mas Jesse tem usado a manipulação de sombras para nos esconder e nos proteger. É o poder mais difícil de controlar, segundo o que ele disse, e é como uma cortina de fumaça. A manipulação de sombras é algo que o drena muito, então ele está mais quieto e distante do que nunca.

Não consegui conversar com ele sobre as revelações de Beleth. E na verdade, o fato de eu não ter sequer tocado no assunto o fez parecer aliviado.

Talvez eu também não esteja pronta para falar sobre isso. Talvez seja melhor assim.

A neve já está cobrindo o mundo ao nosso redor, e o frio está tão forte e violento que passamos algumas horas do dia em volta da lareira de Bobby, quase todos os dias. Sam tenta não ficar sozinho comigo, sempre se certificando de que uma terceira pessoa esteja presente. Não sei porque ele está me evitando tanto.

Estamos todos preocupados com Castiel. Dean parece ser o mais aflito sobre isso, já que são mais próximos um do outro do que os demais de nós. Tentamos invocar um tal de Balthazar, para reunir informações, mas foi impossível.

Nenhum anjo parece disposto a falar.

Voltamos à estaca zero. E não há nada pior do que voltar ao ponto inicial, nos sentindo completamente impotentes diante da calmaria antes da tempestade.

XXX

Estou sentada em um carro no ferro velho olhando o sol se pôr no horizonte. Me encolho no casaco que me cobre, que Sam deu para mim.

Tem o perfume dele.

A neve que cai ao meu redor tingindo o mundo em branco me acalma. O frio sempre me acalmou.

—Posso me juntar a você? – Me sobressalto ao ouvir a voz rouca de Sam. Ele está de pé ao lado do carro, e eu não o vi chegando. Os cabelos castanhos levemente compridos lhe caem no rosto, e seus olhos que dançam entre o verde profundo e o azul escuro ficam destacados pela neve, já que a luz dela contraí a sua pupila, exibindo suas cores. Ele tem as mãos nos bolsos, levemente contraído.

Sam, diferente de mim, não se dá muito bem com o frio.

—Pode sim. – Digo, tentando ignorar o fato de que fico nervosa todas as vezes que ficamos próximos assim um do outro. Ele assente, deslizando a mão pelo capô do carro a que estou sentada, para remover o excesso de neve, e se senta ao meu lado – Achei que estivesse me evitando... – Digo de maneira levemente amargurada, o fitando. Ele suspira, com uma expressão tensa no rosto.

—Não estou evitando você, El. Só... só é difícil, ficar perto de você e não poder lhe fazer as perguntas que eu quero fazer. – Ele me olha com um olhar angustiado, e eu franzo o cenho.

—É por isso que tem evitado ficar sozinho comigo? – Questiono. Ele assente, esfregando as mãos para espantar o frio.

—Não quero pressionar você, com tudo o que está acontecendo. Mas é difícil quando as perguntas estão me devorando vivo. – Ele constata, dando de ombros. Aquiesço, pensativa – Sei que vocês devem ter medo de me contar essas coisas, por causa do muro que o Morte disse estar na minha mente. Mas eu preciso saber a verdade, você entende? Todo esse mistério tem me deixado louco, Hazel.

Sinto um nó na minha garganta, ponderando a situação. Sei que estamos o protegendo, mas... até quando? Até quando poderemos protegê-lo da verdade?

Não tem sido fácil para Sam. Sentir que todos sabem de algo que ele não faz ideia.

Suspiro, pesarosamente, já sentindo uma ardência no peito pela decisão que estou prestes a tomar.

Há uma ordem, para as coisas que preciso contar a ele. E nessa ordem, a primeira da lista é uma das mais dolorosas de se dizer em voz alta. Mas ele merece saber.

—Sam, tem... tem várias coisas que eu preciso te contar. E nenhuma delas é... fácil. – Respiro fundo, trêmula. Sustento o olhar dele o máximo que consigo – Tenho medo do que cada uma dessas coisas vai fazer com você, com a sua mente. Mas eu quero te contar uma delas, agora. – O olhar dele se acende ao me ouvir dizer isso, como se mal pudesse esperar por esse momento. Eu o olho com dor, e respiro fundo, reunindo coragem dentro de mim – Mas antes preciso que me prometa que não vai me odiar, Sam.

Ele franze o cenho, e percebo que até empalidece por um momento. Não sei o que se passa na cabeça dele, mas parece deixá-lo fragilizado.

—Só há uma coisa que poderia me deixar louco ao ponto de te odiar, El. – Ele diz, parecendo relutar dentro de si sobre algo que parece estar remoendo faz tempo. Meu coração se acelera – Só me responda uma pergunta antes, e só então eu vou te prometer o que você acabou de me pedir, Hazel. O acordo é esse, ok?

—Parece justo. – Digo, sentindo um nó na minha garganta. O que seria capaz de fazê-lo me odiar? Meu coração dispara quando ele me olha no fundo dos olhos, como se me desafiasse a mentir para ele – Pode perguntar, Sam.

—Você tem algum sentimento por Dean, Hazel? – Seus olhos dançam entre a raiva e o medo. Sua voz sai rápida e fria, e vejo seus punhos cerrados. Respiro fundo, nervosa.

—O que faz você perguntar isso, Sam? – Questiono. O olhar dele se enegrece.

Como se a escuridão que mora dentro dele estivesse procurando rachaduras para sair.

—Responde a minha pergunta, por favor. – Embora mantenha a voz fria, ele parece estar colapsando por dentro.

Os olhos não mentem sobre a sua turbulência interna.

—Não, Sam. Não tenho nenhum sentimento por Dean, além de amizade. O seu irmão se tornou uma pessoa muito importante na minha vida, Sam. E vou ser grata a ele para sempre. – Digo isso com a voz firme, deixando claro que estou falando a verdade – Mas não sinto nada romântico em relação a ele, se essa era a sua dúvida.

—Já sentiu em algum momento? – Ele não titubeia em perguntar, ainda não convencido.

—Não, Sam. Nunca. – Afirmo com honestidade. Ele fita os meus olhos pelo máximo de tempo que consegue, e só depois de buscar muito a fundo a verdade em minhas palavras, que ele finalmente suspira aliviado.

Sinto uma ardência por dentro da pele. O fato de vê-lo aparentemente com ciúmes, faz com que eu me sinta estranhamente bem. A última coisa que quero é que seja indiferente em relação a mim.

—Me desculpa, ok? Por ter sido meio incisivo... – Ele diz, sacudindo a cabeça em negativa, como se estivesse decepcionado consigo mesmo – Eu sou um idiota. Mas, todas as vezes que eu perguntei a você ou a Dean sobre a proximidade dos dois, vocês agiram esquisito, entende? E sei lá, eu fiquei paranoico.

—Então a única coisa capaz de fazer você me odiar era isso? – Questiono, com as sobrancelhas franzidas. Ele assente.

—Sim. Tanto a você quanto a ele. Isso seria como uma traição para mim. – O olhar dele é sério e frio – Sei que não tenho direito algum sobre você, não estamos... juntos. – Ele diz isso com pesar, e eu me retraio por um momento. Ele queria que estivéssemos? – Sei que é solteira e pode fazer o que quiser. Mas pela nossa história, se começasse a gostar justo do meu irmão mais velho, isso ia colocar um ponto final entre a gente.

—Não há um ponto final entre a gente, Sam? – Cerro os olhos para ele, em conflito. Ele me olha taciturno.

—Não. Não da minha parte. Só vai haver um se... você quiser. – Ele respira fundo quando sua voz morre por um momento.

—Não quero. Não quero que haja um. – Minha boca me trai, falando isso rápido demais. Os olhos dele se fixam nos meus, como um misto de felicidade e dor. Sam respira fundo, e vejo um conflito interno o consumindo.

—Quando eu souber tudo o que você tem para me dizer... – Ele sussurra, o seu olhar saindo dos meus olhos e recaindo sobre a minha boca. Sinto um arrepio me percorrer no mesmo momento. Vamos, Sam. Me beije — Quando não houver mais segredos entre nós...

—Só então, Sam? – Questiono, o interrompendo, também olhando para a sua boca, pronta para arriscar tudo. Pronta para me entregar – Só quando souber tudo?

Ele assente com dificuldade, balançado pela minha investida.

—Sim. Só assim. Essa é a minha condição. – Ele diz isso firme, e sinto todo o meu corpo se aquecendo ao saber que ele me quer de volta, talvez na mesma intensidade que eu o quero de volta.

Se eu o beijasse agora, ele recuaria? Pondero por um momento se eu é quem deveria dar esse passo em direção a ele. Sam não tira os olhos dos meus, e por um segundo, seu olhar se torna levemente vulnerável.

—Ei, não me beije. Por favor. Eu não teria forças para resistir a um beijo seu. Mas eu ficaria muito mal, El. – Ele diz isso com a voz quebrada, quase como uma súplica. Como ele sabia que eu estava planejando beijar ele? Respiro fundo. Eu não devia mais me perguntar isso depois de todos esses anos. Nossa dinâmica sempre foi assim, um parecendo ler a mente do outro – Eu não posso beijar você ainda, não antes de saber tudo o que há para eu saber. Enquanto houver segredos entre nós... eu não consigo, El. É como se fosse errado desse jeito.

Assinto, com o coração apertado.

Quero dizer tudo a ele. Quero contar todas as coisas que aconteceram, com todos os detalhes, mais do que tudo no mundo. Contaria agora, inclusive, e faria de tudo e todas as coisas com ele nesse capô do carro, agora mesmo, se ele quisesse. Mas não posso ser egoísta assim.

Precisamos ir devagar, pelo bem da mente dele. A segurança dele é mais importante do que os meus desejos em relação a ele.

Respiro fundo, sentindo uma dor quase física por não poder me entregar para ele.

Passei os últimos meses relutando sobre essa entrega. Dizendo a mim mesma que não iria, nunca mais, fazer isso. E cá estou eu, olhando para o oceano particular dele, vendo suas ondas se chocando na encosta de sua íris, enquanto tudo o que eu mais quero fazer é entregar cada grama de mim.

Quero me afogar nas suas ondas, da maneira mais masoquista possível.

—Pode levar um bom tempo, sabe? – Digo, com a voz triste – Pode demorar.

Ele dá de ombros, ainda com os olhos em meus lábios.

—Eu sou um cara paciente, El. – Ele diz, olhando agora para o último raio de sol que parece desaparecer no horizonte rosado, dando lugar para a noite escura que pinta o céu – Por falar em paciência... o que ia me contar, Hazel?

Meu coração se despedaça. Chegou a hora, não tem mais como adiar. Esse é o primeiro passo que preciso dar em direção a nós dois.

Desço do capô do carro, e limpo a neve da minha calça. Ele franze o cenho, e faz o mesmo que eu, se colocando de frente para mim. O olho com pesar, com culpa, com a sensação de que irei desmoronar.

—Você se lembra da nossa última noite juntos, Sam? – Decido começar por aí. Minha voz é trêmula, assim como todo o meu corpo. Ele faz que sim, com o olhar sério.

—Sim, no Impala, certo? – Ele questiona, parecendo querer ter certeza. Meu coração se contorce – A noite que soubemos que seu pai tinha sido liberado da prisão. A noite em que...

Sua voz morre. Acredito que a memória seja tão forte para ele como é para mim.

—A noite em que transamos pela...última vez. – Completo o que ele ia dizer, engolindo em seco pelo nervosismo. Mesmo meio ao frio, posso sentir as palmas das minhas mãos suando – Você se lembra que não tínhamos camisinha, mas que encontramos uma no porta luvas? – Ele assente, concentrado.

—Sim, eu me lembro disso. – Ele diz. Suspiro, desejando que fosse fácil dizer a ele o que estou prestes a dizer.

—Aquela camisinha deve ter estourado ou coisa do tipo, Sam. Não sei a quanto tempo ela estava lá, para começo de conversa...foi meio loucura da nossa cabeça ter usado ela. – Me contraio, e ele assente, dando um passo à frente, ficando mais perto de mim. Uma lágrima me escapa, e me sinto como se fosse me estilhaçar em mil pedacinhos.

—Ei, fica calma. – Ele diz com a voz baixa, erguendo o meu queixo com a mão para que eu o encare. Quando o olhar dele se encontra profundamente com o meu, Sam usa o polegar para limpar as minhas lágrimas que começam a cair sem parar. Com as duas mãos, ele segura o meu rosto gentilmente – Eu sei, El. Eu sei.

Franzo o cenho para ele, transtornada.

—O que?! O que você sabe? – Questiono, o peito ardendo. Seus olhos se enchem de água, mas ele tenta segurar as lágrimas. Está se mantendo firme.

Seu peito sobe e desce, parece respirar fundo. Buscar coragem dentro de si.

—No dia em que você estava no hospital, eu estava transtornado com tudo o que Beleth havia dito, Hazel. Frases soltas que ele disse, o jeito que esfregou a sua barriga, me olhando de um jeito sádico... – Ele pausa por um momento, com dificuldade de continuar. Meu rosto continua em suas mãos, que limpam todas as lágrimas que me escapam com ternura – Eu juntei os pontos, El. Tentei arrancar a informação de Dean, sem sucesso. Mas quando eu disse em voz alta o que eu suspeitava... – Ele sacode a cabeça de um lado para o outro, em negativa – Ele não negou, só tentou me acalmar. Então desde aquele dia, eu sei. Eu não falei nada porque...eu não queria te machucar com esse assunto. Eu não sei os detalhes, no entanto. Eu só sei que você estava... grávida, não é?

Assinto, dilacerada por dentro, meio ao choro e a tremedeira, tentando ficar firme. Tentando não desmoronar. Ele respira fundo, parece estar em sofrimento também.

—Estava. Eu não soube até... um mês depois que cheguei em Nova York. Quando a minha avó descobriu, foi um inferno. Ela queria que eu abortasse, e como você deve imaginar, mentiu para mim dizendo que tinha entrado em contato com você... – Minha voz morre por um momento, me lembrando de toda a dor que eu senti naquela época, achando que ele sabia e que não se importava. O olhar dele se enche de dor e de lágrimas que ele insiste em segurar.

—Você sabe que isso não é verdade, não é?! – Ele questiona, a voz cheia de dor. Faço que sim com a cabeça.

—Eu sei. Mas naquela época eu não sabia. E foi um dos piores momentos da minha vida. Eu só tinha dezessete anos... – Dou um passo para trás, e enxugo as minhas lágrimas com raiva – Só dezessete, pode imaginar? Mas eu não quis abortar. Eu segui com a gravidez. Mesmo te odiando até os ossos na época, queria um pedaço de você comigo. Consegui seguir por dois meses, e então...

Minha voz morre.

—Sua avó te convenceu a abortar? – Ele questiona, dando um passo à frente, eliminando a distância que eu havia colocado entre nós dois – Você sabe que eu não te julgaria, não é? Sabe que eu apoiaria qualquer decisão que tomasse quanto a isso, não sabe? Foi por isso que me pediu para prometer a você que não a odiaria? Eu jamais te odiaria por isso, El...

Faço que não com a cabeça, deixando as lágrimas caírem sem censura.

—Ela não me convenceu, eu não dei o braço a torcer. Eu sabia o que eu queria. – Afirmo, a voz vacilando por entre as palavras – Mas minha avó não aceita “não” como resposta. E pelo que Beleth disse, acredito que tenha sido ordenada a fazer o que fez...- Respiro fundo, e encaro seus olhos tempestuosos com uma tristeza que transborda por todo o meu corpo – Ela escondeu drogas abortivas na minha comida, Sam. E me deixou trancada, por um bom tempo, enquanto...bom, você sabe. Eu não quero te contar os detalhes, simplesmente porque eu não consigo. – Limpo as minhas lágrimas com raiva, enquanto ele me olha com um olhar devastado, em choque – E eu não tive forças antes, para te contar isso. Tinha medo de você me odiar por não ter sido mais esperta, por não ter fugido antes de ela fazer isso...- Dou de ombros, entregue completamente ao choro e a dor em meu peito – Medo de você me culpar, como eu me culpo. Medo de...

Sam não me deixa terminar de falar. Ele me abraça, me aninha em seu peito, me protege do mundo ao meu redor com seus braços que percorrem as minhas costas. As lágrimas continuam caindo pelo meu rosto, e ele beija a minha testa com ternura, e depois apoia o queixo na minha cabeça. Ficamos em silêncio por um momento, e eu me permito desabar na segurança de seus braços.

—Eu odeio que isso tenha acontecido com você, El... – Sua voz é carregada de dor e raiva. Quando me desvencilho do seu abraço, vejo que agora ele se rendeu as lágrimas – Odeio que eu não estive lá para proteger você. Odeio tanto a sua avó que eu rezo para nunca a ver na minha frente... – Ele respira fundo, as frases lhe saindo entredentes – Odeio que tenha passado por isso sozinha. Eu sinto muito, muito por isso, Hazel. Meu deus... – Ele passa as mãos pelos cabelos, e depois enxuga as próprias lágrimas, transtornado – Se eu soubesse disso, naquela época...teria ido atrás de você, mesmo acreditando que você tinha me mandado embora... – A voz dele morre, e o vejo respirando fundo. Ergo a minha mão em direção ao seu rosto, para limpar as suas lágrimas. Ele sorri um sorriso triste, e segura a mão que eu havia erguido para alcançar seu rosto, com a sua mão – E espero que saiba, de uma vez por todas, que não te odeio e nem te culpo por nada disso, linda.

Estremeço. “El” foi o primeiro apelido que ele me deu, anos atrás. “Linda” foi como ele começou a me chamar quando começamos a namorar. Ele percebe a minha reação, e sorri, constrangido.

—Escapou sem querer. É inevitável, a essa altura. – Ele diz, dando de ombros – Obrigado por ter me contado, Hazel. Não deve ter sido fácil, falar sobre isso.

Assinto, e ele segura a minha mão, entrelaçando os nossos dedos, me fazendo sentir um frio na barriga no mesmo momento.

—Não vai ser fácil te contar o restante também, Sam. – Advirto a ele, com o olhar pesaroso. Ele assente, pensativo.

—Fique tranquila, eu sou paciente...lembra? – Ele questiona, e eu sinto todo o meu abdômen arder só por estar assim tão perto dele – Vai ficar tudo bem, linda.

Sorrio e sinto meu rosto queimando ao ouvi-lo me chamar assim mais uma vez. Caminhamos em silêncio por um tempo por entre a neve, e sinto a minha cabeça borbulhando com tantas preocupações.

Uma coisa dentre todas as que ele me disse me chamou muita atenção. Ele odiaria a mim e a Dean. A mim ele não odeia, por saber que não sinto nada por seu irmão.

Mas quando souber sobre Dean...

Sacudo a cabeça e afasto esse pensamento. Ele não pode estar falando sério.

Sam não odiaria Dean, por nada nesse mundo. Certo?

Certo?!

 


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Notas finais do capítulo

Ai ai ai o barraco está armado.

Viu, eu não acho que a erva "Cordas do diabo" deixe as pessoas invisíveis de demônios de acordo com o lore de SPN, mas eu achei legal colocar esse detalhe. Durante a série a gente vê eles usando vários jeitos de se esconder de anjos e demônios, então eu quis fazer algo assim também.

Escuta, sei que vocês devem estar malucos com a enrolação dos dois, né? Mas acalma, a hora que acontecer também...
O sabor vai ser maior, prometo. Quando esperamos muito por uma coisa, a conquista é mais gostosa.

E o jeito que estou planejando que vai acontecer também... eita. Só quero que tenham uma coisa em mente, Sam girls: O Sam beija com raiva, vocês estão ligadas, né? Lógico que sim. Vocês são Sam girls, assim como euzinha que vos fala.
Tenham isso em mente. R A I V A.
PS: Quem aí sentiu nostalgia com "Vadia" e "Idiota"? Mais conhecido como "Jerk e Bitch"? Saborzinho do piloto da série ♥
Comentem, por favorzinho inhooo?

XOXO



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