O Homem que Perdeu a Alma escrita por Willow Oak Acanthus


Capítulo 21
Capítulo XIX - Sobrenatural.


Notas iniciais do capítulo

Oi Hunters. Foi tão difícil escrever esse capítulo.
Tive um bloqueio pesado por esses dias, somado ao cansaço e a exaustão mental do trabalho. Mas aqui está!

OBS: Eu ando estudando a mitologia cristã para incrementar a história, assim como tenho certeza que Kripke fez antes de escrever a série. Todas as referências feitas, foram minuciosamente escolhidas.

Boa leitura ♥



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 Ponto de vista de Sam Winchester.

Vou recobrando a consciência aos poucos. Tudo está turvo quando tento abrir os olhos, e sinto uma dor ardente no meu rosto. Bem onde fui nocauteado, antes de desmaiar.

Tudo aconteceu rápido demais no terraço. Hazel e eu não tivemos a mínima chance.

Tento identificar onde estou, olhando para os lados com dificuldade. Estou no chão de um quarto de uma casa abandonada recentemente, deduzo isso pela aparência das coisas que me circundam. Me ergo do chão de madeira velha, meio a poeira, e cambaleio. Me apoio na parede amarelada, e quando sinto um cheiro de ferro passo as costas da minha mão no meu rosto, tentando limpar o sangue que escorre do meu nariz, quente e viscoso.

Ouço gritos vindos do que aparenta ser o sótão, bem acima do teto.

Os gritos dela.

Sem pensar em mais nada além da urgência de encontrá-la, derrubo a porta trancada com apenas um chute. Minhas veias estão ardendo de raiva, e o suor me escorre pela testa.

Meu peito se comprime ao ouvir mais um grito vindo da garganta dela. Enquanto vagueio desesperadamente pelo corredor da casa coberta pelo entardecer entristecido e nublado, tenho certeza de que meu olhar se enegrece.

Vou salvá-la. Tenho que salvá-la.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Quando desperto do desmaio percebo o local ao meu redor que é vazio e empoeirado, com apenas uma janela solitária no topo.

Parece um... sótão?

Apoio a mão na minha nuca, onde sinto uma dor ardente e pulsante, bem onde fui atingida no terraço, antes de desmaiar. Quando olho para as minhas mãos, estão cobertas de sangue fresco. Sinto uma tontura ao tentar me levantar, e consigo me erguer com muito esforço.

O demônio de olhos brancos e pele negra está sentado em uma cadeira de balanço gasta pelo tempo, os dreadlocks compridos lhe caem pelos ombros largos, e ele segura uma espécie de cajado ao lado do corpo, feito de madeira.

Ouço os ventos uivantes, e o som que parece com o de um cavalo relinchando. Talvez haja um estábulo por perto, podemos estar em uma fazenda afastada da cidade...

Onde nunca seremos encontrados.

Sinto um estado de confusão mental enquanto o demônio me encara, sem expressão alguma. E então eu me apavoro.

—Onde está o Sam?! – Pergunto, cambaleando e me apoiando na parede de madeira corroída por traças – O que fizeram com ele?!

—Que bom que acordou, Hazel Laverne... – O demônio se levanta e vem em minha direção, o cajado em suas mãos, ignorando minhas perguntas. Dou alguns passos para trás, encostando as costas na parede onde fica a janela – Permita-me apresentar a você. Sou Beleth, servo fiel do seu pai.

—Não tenho pai. – Sibilo com raiva na língua – Nunca tive.

No momento que digo isso, a expressão de fúria no rosto de Beleth é assustadora, e antes que eu possa fazer qualquer coisa, o demônio me disfere um tapa no rosto. Arde tanto que chega a queimar onde seus dedos e o seu anel de prata me atingiram, e me sinto tonta pelo impacto. Vejo tudo embaçado por um momento, enquanto tento me recompor.

—Cuidado com a língua, Laverne. Tenha mais respeito para falar do seu pai, e para falar comigo... – Ele aponta para o próprio peito, as unhas enormes e esbranquiçadas em um formato afiado – Somos próximos, Astaroth e eu. Quase como irmãos, pode-se dizer. Tão próximos que ele recorreu a mim, anos atrás, para ajudá-lo a escolher o seu nome.

Sacudo a cabeça de um lado para o outro, em negativa.

—Minha mãe foi quem escolheu o meu nome. - Digo isso com os olhos cerrados e o lábio inferior ardendo e pulsando sangue, onde seu anel me atingiu durante o tapa. Ele dá uma risada carregada de escárnio.

—Você é muito ingênua, criança. Sabe esse meu cajado? – Ele muda o cajado de mão, dando ênfase no objeto – É feito sabe do quê? Madeira de aveleira. – Ele sorri, o tipo de sorriso bizarro cujo os olhos não sorriem junto, e eu sinto um arrepio de pavor me percorrendo – Soa familiar? Sabe, sua mãe foi muito bonita. Quando estava grávida então, você tinha que ver... seus pais tiveram muita sorte, eu mesmo a cobicei quando a vi. – Inflo as narinas com raiva pelo modo como ele fala da minha mãe, sem respeito algum. Ele dá de ombros e continua a falar, após umedecer os lábios – De qualquer forma, um dia ela estava em uma praça, pensativa. As mãos repousando na barriga enorme, com você dentro. Havia uma árvore de aveleira de frente para ela, e eu me sentei ao lado dela, não que ela soubesse quem eu era, claro... e eu disse...ah, espere! – Ele se aproxima mais de mim, e puxa o meu braço com sua mão, contra a minha vontade - Veja você mesma, Hazel.

Ele encosta a mão na minha, e eu dou um grito de dor quando sinto uma tontura descomunal e sou transportada para a sua mente, para uma visão.

Vejo o parque ao redor da minha mãe, que está sentada em um banco, e ela parece triste.

Está tão nova. Tão linda.

Sinto um aperto no coração ao vê-la, os cabelos ruivos em ondas perfeitas e enormes, o vestido estilo hippie e as botas marrons. Sinto vontade de abraçá-la, mas não posso. Sou apenas um fantasma em uma lembrança de um estranho.

Ela tem as mãos repousadas em sua barriga, redonda e enorme. Deve estar grávida de oito ou nove meses. A vejo encarando a árvore de aveleira em sua frente, quando um estranho se senta ao seu lado.

Beleth.

—Sabia que a aveleira é um símbolo de reconciliação? – Ele diz a ela, com um papel e um lápis de carvão em mãos. Ele está se passando por um artista de rua, pacífico e simpático. Ela olha para ele, curiosa sobre o que ele acaba de dizer.

—Verdade? – Os olhos verdes dela se iluminam, e um pequeno sorriso se forma em seu rosto, mas logo ele desaparece – Eu não sabia disso.

—É, é verdade. Tem vários significados, mas a reconciliação é o mais forte deles. Dizem que a aveleira traz o perdão. Estou a desenhando por isso, veja...- Ele mostra a folha para ela. Me aproximo, e vejo os detalhes dos galhos pincelados perfeitamente no papel.

No canto inferior da folha, um recado.

“Para a sua Hazel,

Com carinho, um estranho”

Minha mãe arregala os olhos, surpresa pela mensagem. Ela ergue os olhos para o estranho, e sorri para ele:

—Hazel é um nome lindo. E tem um significado tão lindo quanto... – Ela olha para a árvore, pensativa – Tive uma briga feia com meus pais hoje. Acho que... acho que não vou vê-los por um longo tempo.

O estranho dá de ombros.

—Quem sabe a sua Hazel não te traz a reconciliação de que precisa? – Ele sugere. Minha mãe assente, uma lágrima escorrendo de seus olhos.

—Qual o seu nome? E, como sabia que era uma menina? – Ela aponta para a barriga. O estranho sorri para ela:

—Considere isso um sinal, e quanto ao meu nome... pode me chamar de Eth, é meu apelido. – Ele se levanta, e dá a ela um aceno – Boa sorte, com sua família.

E tudo se transforma em névoa quando a lembrança se desfaz.

XXX

Estou no chão, tremendo. Meu nariz sangra com muita intensidade, e a minha cabeça lateja com força. Nunca havia entrado na cabeça de um demônio antes, e sinto que isso exigiu demais do meu poder.

Assimilo tudo o que vi por um breve momento, enquanto a dor me consome.

Tudo, até mesmo o meu nome, foi calculado pelas forças das trevas. Não sobrou absolutamente nada de verdadeiro na minha história.

Nem. O. Meu. Maldito. Nome.

Beleth sorri e faz com que eu me levante, batendo as minhas costas contra a parede.

—Você entende agora, Hazel? – Ele dá ênfase no meu nome, como um sibilo de uma serpente – Você pertence ao seu pai, pertence a nós que servimos a ele. E não estamos muito contentes com o seu desdém...

—O que você quer de mim? – Digo com a voz fraca e vacilante pelo impacto das minhas costas contra a parede.

—Primeiro, precisa saber que seu pai está... foragido, por assim dizer. Um anjo está na cola dele, e ele precisou sair de cena. Sabe, Astaroth teve uma grande queda, no passado. Azazel o caçou e o enfraqueceu, na antiga disputa. Por esse motivo mesmo você esteve na surdina por todo esse tempo, Hazel. Seu pai estava se recuperando...- O demônio sai de perto de mim, e começa a andar enquanto continua seu aparente monólogo – E agora está forte, como antes. Mas até o mais forte de nós precisa ser cauteloso...e com a falha no plano medíocre do Crowley, você finalmente voltou para nós, pronta para ser treinada, pronta para ter seus poderes desbloqueados. Pronta para servir a Astaroth, como sempre devia ter sido.

Sorrio um sorriso carregado de raiva.

—Então pode me matar, Beleth. Eu nunca, nunca, vou servir a ele. Não vou ser uma peça nos jogos vis dele, nem de nenhum demônio! – Dou um passo a frente, e seco o sangue do meu nariz com a manga da blusa – Façam o que fizerem, eu escolho ser humana. Não me importa o sangue que corre em minhas veias...- Dou de ombros, com raiva no olhar – Não importa se você escolheu a porra do meu nome ou o que Astaroth tenha possuído o meu pai para me conceber. Nada disso muda quem eu sou, quem eu escolho ser. E se eu tiver de morrer por essa escolha, que seja.

Um sorriso vai crescendo no rosto do demônio ao ouvir minhas palavras.

—Sabe, comovente você dizer isso. Porque era de se esperar, sabe? – Ele dá de ombros e segura o cajado de aveleira com ambas as mãos – Porque você deve acreditar que nenhum de nós, nem mesmo o seu pai, te mataríamos, por ser preciosa demais, estou certo? Claro, seria o lógico, não? – Ele dá um passo à frente – Já que o seu irmão está morto e você é filha única, trágico, não é? – Ele dá uma risada coberta de ironia e fixa os olhos sem íris nos meus – Mas e se eu te disser que estamos suspeitando que ele não esteja morto? E se eu te disser que acreditamos, inclusive... que você sabe onde ele está?

Disfiro a ele um olhar sério, e tento manter uma expressão morta no rosto, como se não soubesse do que ele está falando.

—Jesse Turner deixou rastros em New Orleans, sabia disso? Foi descuidado, depois de se fingir de morto por quatro anos como um truque de mestre, ele cometeu um deslize quando foi atrás de você e dos seus amigos, os Winchester. Um demônio o viu, e você sabe como essas coisas são, não sabe? Uma teia perfeita de informações... – Ele se apoia no próprio cajado, e desfaz o sorriso do rosto, assumindo uma postura ameaçadora – Eis o que vai acontecer, Hazel. Opção número um, você colabora, nos diz onde está Jesse, vocês dois cumprem os seus propósitos e vivem uma vida de glória e honra... – Ele respira fundo, e continua – Opção número dois, eu te torturo até você me dizer onde ele está e forço vocês dois a cumprirem seu propósito e vocês são punidos pela eternidade, por terem sido tão infiéis.... e opção número três, eu te torturo e você não me diz onde seu irmão está e eu te mato, chegando até ele por outros meios. E ele assume o papel sozinho. É você que escolhe, Hazel.

Respiro com dificuldade, tentando esconder que estou tremendo.

—Vai me dizer onde ele está? – Ele pergunta, abrindo os braços no ar. Permaneço de pé, em silêncio, o desafiando com o olhar. Não vou entregar meu irmão. Ele respira fundo, e dá um passo a diante – A escolha é sua, Hazel. A escolha é sua...

Tudo é rápido demais. Ele me puxa pelo colarinho e me joga no chão com força. Assim que me estatelo, ele chuta a minha costela com muita força, e eu a sinto se quebrando. Dou um grito involuntário, que vem do fundo da minha garganta, quando sinto o osso se rompendo e a carne se machucando.

A dor é tão profunda que desperta lembranças antigas e enterradas em minha mente.

De repente, é como ter dezessete anos de novo. É como estar nas mãos do meu pai novamente, é revisitar o dia que ele me espancou com tanta força que fraturou meus ossos. É uma viagem no tempo para quando Harvey Talbot quase matou o Sam, em minha frente. Sentir esse chute foi ver tudo isso novamente, diante dos meus olhos.

—Você não pode morrer como humana, o que aumenta as possibilidades do que posso fazer com você, isso não é incrível? – Sua voz ressoa no ambiente, enquanto me contorço no chão.

Estou me encolhendo e respirando com dificuldade quando ouço a porta sendo arrombada, e mesmo por entre as lágrimas nos olhos embaçando a minha visão, consigo ver Sam entrando no ambiente. Está com a boca machada de sangue, o olhar enegrecido e as veias estão saltadas.

Atrás dele, no chão do corredor, posso ver a demônio loira estirada no chão, morta e com a jugular rasgada. Ele usou o sangue dela para conseguir enfrentar quem quer que fosse. E isso irá lhe custar caro depois.

Quando seu olhar repousa em mim, vejo a fragilidade em seu olhar.

Somos o calcanhar de Aquiles um do outro. Mesmo depois de todos esses anos.

Mesmo depois de tudo.

Ele dá um passo a frente, e ergue a mão no ar, na direção de Beleth. O vejo fazendo uma força descomunal, invocando seus poderes, sua herança de Azazel. Vejo o seu suor escorrendo, o rosto em uma careta de dor, os dentes machados de vermelho, seu olhar em fúria.

—Você vai se arrepender por ter colocado as mãos nela! - Sam grita para Beleth, a voz encharcada com ameaça - Já exorcizei mais demônios que a porra do vaticano inteiro. E matei alguns, também. Você será o próximo.

Beleth começa a rir de um jeito espectral. Sam e ele se encaram, frente a frente. 

Mas o que Sam ainda não sabe, é que Beleth não é um demônio comum.

E mesmo assim, está disposto a arriscar tudo. Por mim.

—Você é bom, Sam Winchester. Devo admitir. Contra demônios comuns, é claro... – Beleth dá um passo a frente e olha para a comparsa morta no chão de madeira com um certo desprezo – Alguns peões têm que cair, não é? Assim é o xadrez. – Ele se vira para Sam, que continua tentando afetá-lo com seus poderes – Eu não sou um peão, Sam Winchester. Eu sou a porra da rainha.

Beleth ergue a mão no ar, e faz um movimento suave, como se não lhe custasse nada. O grito de dor que Sam emite faz com que minha espinha se gele, e eu o vejo caindo primeiro de joelhos, depois completamente no chão, como eu. Está se retorcendo de dor, Beleth está o torturando com seus poderes.

—Você era minha cartada final, Sam... – Beleth repousa o braço ao lado do corpo, pacificamente, e vejo Sam parando de se contorcer no mesmo momento, sua respiração muito pesada enquanto ele se recobra do que acaba de sofrer. Estamos condenados— Sabe, depois que eu brincasse com a Hazel até eu me cansar, você era o último botão que eu ia apertar, por isso mesmo trouxe você junto. Por sua serventia...- Ele suspira, e se apoia em seu cajado, com um olhar de tédio recaindo sobre nós. Sam se arrasta pelo chão, tentando chegar perto de mim, mas Beleth me ergue em seus braços, e eu grito de dor no minuto em que estou em seu colo, seus dedos cravados bem próximos a minha costela quebrada – Mas planos mudam, não é? Vamos, vamos mudar a nossa festinha lá para baixo...

XXX

Meus braços estão acima da minha cabeça, presos em algum tipo de corrente. Meus pés estão no chão, então não estou exatamente pendurada, só estou presa. Sam está amarrado em uma viga de madeira antiga do porão, com correntes ao redor do seu corpo. Ele tenta se soltar, se debatendo com todas as suas forças, mas não consegue se libertar. Estou zonza, a fratura em minha costela começando a inchar, a dor insuportável acometendo todo o meu corpo. Beleth começa a assobiar, enquanto me rodeia.

—Vamos ver quem quebra primeiro? – O demônio de olhos brancos diz, apontando uma faca em direção a Sam.

—Não toque nele! – Grito, tentando me soltar das correntes, em vão. Beleth começa a rir, passando a faca levemente pelo rosto dele, deixando um rastro fino de sangue em sua bochecha.

Sam o encara com ódio, e não demonstra nenhum sinal de fraqueza. Beleth então caminha em minha direção, e se coloca atrás de mim, e sem tirar os olhos dos de Sam, sinto a faca deslizando pelas minhas costas e rasgando a minha carne superficialmente, fazendo-me gritar.

Não! – O grito de Sam consegue ser ainda mais alto, ainda mais gutural. Beleth ri, enquanto sinto o sangue quente descendo pelas minhas costas, manchando a minha roupa e a minha pele. A ardência é enlouquecedora —Se afaste dela! – Sam grita, a vulnerabilidade agora clara em seus olhos que me encaram, com lágrimas brilhando em sua retina. Lágrimas que ele parece segurar com dificuldade – Se afaste dela e eu...

—N-não diga nada a ele, Sam...- Digo com a voz morrendo, o interrompendo – Ele quer Jesse, mas não vai hesitar em matar Dean. Não diga nada, Sam.

Sam me olha em desespero, claramente sem saber o que fazer.

—Que dilema moral, Sam Winchester... – Beleth diz, andando ao meu redor. Estou tremendo por completo, sentindo dores tão profundas em tantos lugares que pareço estar entrando em estado de choque. O ambiente ao nosso redor é escuro e sufocante, com apenas uma lâmpada iluminando o ambiente com seu tom âmbar. Beleth vai calmamente até Sam, e segura o rosto dele em sua mão, fazendo-o encará-lo – Vai denunciar onde estão Jesse e Dean para salvar Hazel? Que escolha difícil...ou será que não?! – Beleth rasga um pedaço da manga de sua blusa e amordaça Sam, para que ele não consiga falar mais nada – Vai assistir ela sofrer, quietinho. E tenho certeza de que quando eu retirar essa mordaça de você, vai ser um bom garoto e vai me dizer exatamente o que quero saber.

Sam se debate, e tenta se livrar da mordaça em sua boca, em vão. Lágrimas se misturam ao seu suor enquanto Beleth caminha em minha direção.

O demônio alto e assustador me solta das minhas correntes, e eu caio no chão sem forças graças a toda a violência que sofri. Não consigo me recompor nem por alguns segundos, e Beleth me puxa pelo braço, me fazendo ficar de pé. Ele me arrasta agressivamente para perto de Sam, que tem os olhos carregados de dor e desespero.

Não consigo sustentar seu olhar. Dói demais.

—Está calor aqui, não acha? – Beleth diz perto do meu ouvido, entredentes, com raiva. Seu hálito quente tocando a minha pele – Tire seu casaco, Laverne. Acho que não adianta mais você esconder suas cicatrizes. Mostre a ele, Hazel. Mostre o que Azazel fez a você, por culpa dele.

Estremeço. Isso é tão cruel.

Tão, tão cruel.

Não me mexo, em estado de choque. Vou desligar, como fazia quando apanhava. Vou fingir que estou fora do meu corpo.

Vou fazer isso para sobreviver.

Beleth perde a paciência, e puxa com as próprias mãos o meu casaco, arrancando-o do meu corpo com agressividade, me deixando apenas com a regata preta que eu estava usando por baixo. Olho para o nada, tentando não sentir essa dor.

O choro que eu estava escondendo durante tudo isso foge, me escapa. As lágrimas caem, e Beleth segura com suas mãos frias o meu rosto, me forçando a encarar o rosto de Sam.

—Queimaduras são repulsivas, não acha, Winchester? – O demônio diz, passando a mão por meu braço esquerdo, fazendo-me encolher. Sinto uma vertigem no mesmo segundo.

Nunca deixei ninguém tocar meu braço assim, depois do acidente. Ninguém.

Nem eu mesma ousava tocá-lo, se pudesse evitar.

Não focalizo o olhar nos olhos de Sam. Não quero ver o que seus olhos podem transmitir ao ver isso, a minha maior insegurança, meu maior fardo. A lembrança daquela noite que me assombra todas as noites.

—O que foi, querida?! Te magoei? – Beleth diz, limpando algumas lágrimas minhas com suas mãos repulsivas – Que tal me falar onde seu irmão está?! Diga, Hazel. Diga e tudo isso acaba.

—Vai... para... o... inferno. – Sussurro entredentes, quase sem força na voz.

—Você é uma tola, Hazel. Uma grande tola. Onde Jesse Turner estava quando você precisou, hm? Ele não protegeria você dessa forma...- Beleth sibila, enquanto me puxa para trás, me levando para perto de uma mesa de ferro que ele puxa para perto de nós dois.

No minuto em que me prende nela com violência, sei que enfrentarei o pior. Olho para o teto, e me concentro nele.

Vou me concentrar apenas nisso. Como se nem estivesse aqui. Uma lágrima quente me escorre o rosto, e eu digo a mim mesma mentalmente o que sempre me disse quando algo horrível ia acontecer com o meu corpo,

Aguente firme.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Minha pele está quase em carne viva de tanto que me debato nessas correntes, tentando me libertar. O gosto da minha saliva e do meu suor se misturam em minha boca enquanto tento me livrar da mordaça que o demônio colocou em minha boca, em vão. Sou inútil.

Ele está machucando a única garota que eu já amei diante dos meus olhos, e eu não posso fazer nada. Nada. Apenas assistir.

Não, Hazel não é apenas a única garota que eu já amei. Ela é mais do que isso. É a garota que eu ainda amo, embora eu não esteja pronto para encarar isso, porque dói demais.

O olhar quebrado dela, ausente e devastado enquanto aquele nojento a expôs daquela forma...

Todo segundo que ele coloca as mãos nela, infligindo dor e violência por seu corpo, é pior do que qualquer dor física que eu tivesse sentido. Continuo me debatendo e tentando gritar, enquanto ele a prende em uma mesa metálica, um braço de cada lado, as pernas juntas e presas. A mesa tem rodinhas, então ele a traz para mais perto de mim, bem na minha frente. Respiro com dificuldade, e vejo os olhos dela vidrados no teto.

Está desligando. Está ausente. Está quebrada.

O demônio sem íris ergue a mesma faca que havia usado para rasgar as costas dela no ar, sorrindo. E no segundo seguinte, corta o pulso direito dela, verticalmente. Ela não grita, não geme, não reage.

Lágrimas silenciosas escorrem pelo seu rosto sem expressão.

Me debato com mais intensidade, o sangue dela escorrendo em gotas direto para o chão de cimento inacabado. O demônio faz um corte semelhante no pulso esquerdo dela, e o líquido carmesim despenca em alta velocidade.

O corpo de Hazel entra em choque, e ela começa a tremer, a cabeça se retorcendo de um lado para o outro enquanto ela morde os lábios, segurando seus gritos dentro de sua garganta, suas lágrimas brilhando em seu rosto pálido.

Eu vou matá-lo. No minuto que conseguir me soltar, vou matá-lo. Vou matar todos que fizeram algum mau a ela.

 Esse é o único pensamento que divide espaço com a minha angústia ao vê-la sofrendo.

Desejo por vingança.

—Onde está Jesse, Hazel?! – O demônio grita com ela, sua voz reverberando por todo o porão escuro e úmido.

Quero gritar, quero contar a ele, quero que ele se afaste dela e a deixe em paz. Dean e Jesse conseguiriam se defender, tenho certeza absoluta disso. A única coisa que importa agora, é ela.

Hazel sacode a cabeça de um lado para o outro, em negativa. Seu sangue continua pingando no chão, violentamente. No minuto que sinto o cheiro de ferro, sinto uma sensação estranha.

Sede. Fecho os olhos, sentindo ódio de mim mesmo. Nunca havia parado para pensar muito no fato de que, ela é metade demônio e, portanto, seu sangue atiça o meu vício tanto quanto o de um demônio completo, talvez mais. Com a ira me suprimindo por dentro, consigo jogar a porra da sede para o fundo da minha garganta, afastando-a de maneira que nunca havia feito antes.

Só ela importa agora.

Estou desesperado. Já rezei para Castiel milhares de vezes, mas nada adiantou. Deve estar detido por Raphael ou algum de seus servos, longe de contato. Não sei o que fazer.

Os olhos do demônio encaram os meus, e eu suplico com o meu olhar.

Suplico o máximo que consigo, deixando claro que vou abrir a boca no minuto que ele me permitir, que irei contar tudo a ele, desde que solte ela.

Ele sorri de lado, sádico.

Ele ergue um pouco a regata dela, passando a mão na barriga de Hazel, e ela se contorce no momento que o sente a tocando.

Meu sangue ferve.

—Sabia que Astaroth quer que Hazel seja a Eva dele, Sam Winchester? – Franzo o cenho, horrorizado e confuso, enquanto o demônio continua a falar – E que Jesse seja Adão? Está vendo essa barriga? Ela é o futuro do armagedon. É o início do fim. Quando Hazel e Jesse servirem ao pai deles como sempre devia ter sido, eles irão representar o fim da humanidade. – Ele continua a acariciar a barriga dela, me cobrindo de desespero enquanto ela se contorce com repulsa, e eu me sinto desmoronando por dentro - Quando Jesse colocar um filho na barriga de Hazel, e todos os demônios fiéis saudarem Astaroth como o novo rei do inferno, a humanidade sucumbirá. E apenas híbridos como Hazel e Jesse existirão, a partir dos filhos deles. E dos filhos dos filhos deles, e assim por diante até que o inferno não seja mais um lugar reservado aos mortos, mas sim a própria terra.

Sinto vontade de vomitar. Sinto vontade de gritar.

—Isso nunca vai acontecer. – Hazel diz, quase sem força alguma, a voz rouca, suas forças a deixando junto de seu sangue que não para de escorrer.

Se não fizer algo logo, ela vai visitar o vale das sombras novamente. Ficando presa lá por vinte e quatro horas, vulnerável a Crowley, mais uma vez. Preciso fazer alguma coisa.

—É adorável que você pense que tem escolha, Hazel. É realmente adorável... – Ele se apoia na mesa metálica, olhando para os olhos de Hazel, e franzindo o cenho para ela – Sabe, Azazel pensou que podia fazer o mesmo, naquela noite em outubro de 2000. Quando o demônio de olhos amarelos foi em sua casa colocar um fim em sua vida, para enfraquecer Astaroth ainda mais, ele lhe deixou escapar. Você se lembra, Sam? – Ele me olha, se dirigindo a mim – Que a pegou no seu colo e a tirou da casa em chamas, bem a tempo? Por que acha que Azazel não lhe impediu, hm?! Você sabe a resposta, não sabe, Hazel? – Ele torna a olhá-la. Franzo meu cenho, perturbado e confuso com o que ele está dizendo.

—Pare...por favor. Não diga...nada. – Hazel suplica a ele, com sua voz fraca. Olho para seus olhos, buscando entender ao que ela se refere. O que ela sabe? O que ela não quer que eu saiba? O demônio começa a rir e coloca o indicador na frente da própria boca.

—Oh, me desculpe. Não sabia que era segredo. Que rude da minha parte... – Ele abaixa a mão, e torna a rir ironicamente – De qualquer forma, Antonella Laverne fez o que lhe foi ordenado e resolveu o problema. Uma mulher muito útil, sabia? A sua avó...

Hazel me olha, no mesmo momento. Não entendo o seu olhar, o seu significado. Estou tão confuso e minha cabeça está fervendo tanto com toda essa situação, que não consigo juntar os pontos na minha mente, não agora.

Talvez fosse isso que ela estivesse transmitindo em seu olhar. A realização em meus olhos, queria saber se eu tinha entendido.

—Bom... de qualquer forma, seu destino será cumprido, Hazel. Quer você queira ou não. Queremos a criança para setembro, o verdadeiro anticristo. Então, pela última vez, eu lhe pergunto Hazel... onde está Jesse Turner?!

—Quando eu sair daqui, e eu vou...- Hazel diz, o olhar desafiador disferido ao demônio – Você vai saber onde ele está. Vai saber onde eu e ele estaremos, porque vamos voltar para pegar cada um de vocês. É uma promessa que eu te faço, Beleth.

Beleth?! Minha espinha se esfria. Já li sobre esse demônio em meu livro de demonologia. Ele é um dos mais poderosos, e isso explica o motivo de eu não ter conseguido detê-lo com meus poderes, lá no sótão. Matar demônios comuns é relativamente fácil para mim, quando bebo o sangue deles. Mas demônios como Beleth...

Eu precisaria de muito sangue, e de estar praticando por meses, como fiz antes, anos atrás, com Alistair.

Ou com a ajuda de alguém poderoso.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Todo meu medo e a minha dor são dissipados por raiva.

Todas as palavras que saíram da boca de Beleth, me ditando o meu aparente destino, me fizeram sentir náuseas, e algo mais forte do que qualquer sentimento.

Revolta.

Minha mente fica enevoada, e sinto o meu sangue começando a ferver, de maneira física, quase queimando a minha pele. Não conheço a sensação que me percorre por completo, parece que estou entrando em combustão. Começo a respirar com mais dificuldade, mais fundo, como fazemos quando estamos nos afogando. O suor frio que escorre pela minha pele faz com que eu me arrepie, estremecendo.

O que está acontecendo comigo?

—E se eu brincar de açougue com o seu namoradinho, será que você abre a boca? Ele não precisa de todos os dedos da mão...não acha?!- Beleth diz, despertando a minha atenção quando ele se aproxima de Sam com a faca ensanguentada.

E então eu perco a cabeça.

Flashs de tudo o que as mãos de Beleth fizeram hoje dançam em minha retina, como um filme. Cada corte, tortura psicológica, revelação, cada gota de sangue minha que caiu no chão.

Meu nome. Meu nome será meu, nem que eu precise recuperá-lo eu mesma.

Toda a minha ira se mescla com minha vontade de proteger Sam das mãos do demônio de olhos brancos, e a sensação fervente que percorre as minhas veias se intensifica, e não só o meu corpo começa a tremer muito, mas a mesa a que estou acorrentada também. Beleth, que se aproximava de Sam com a faca, arregala os olhos e fica paralisado quando as correntes que me prendiam se quebram, me libertando. Eu fiz isso?!

Uma força desconhecida por mim faz com que eu consiga levantar, mesmo tão fraca, mesmo com a vertigem me cobrindo pela perda de sangue.

Pela primeira vez, não me sinto humana.

Me sinto sobrenatural.

Ergo a minha mão esquerda no ar, sentindo dor por todo o corpo, como se mil agulhas estivessem correndo pelo meu sangue. É o poder, implorando para sair.

Jesse estava certo. O medo, a ira e a necessidade de proteger alguém fizeram com que os cadeados dentro de mim se destrancassem.

O sangue escorre dos meus pulsos por todo meu braço enquanto faço uma força descomunal, e uma ventania começa a emergir no ambiente, como se os meus poderes alterassem tudo ao meu redor. Sinto o poder me atravessando, irrompendo de mim e me causando uma dor que me faz gritar.

Deixo a meu grito livre, como nunca fiz antes.

No momento em que o grito escapa do meu peito, alguns frascos de vidro esquecidos em uma prateleira se estilhaçam em um milhão de pedacinhos, e o corpo de Beleth é atirado contra a parede, por mim.

Eu estou fazendo isso.

Enquanto mantenho a mão esquerda erguida no ar, a minha mente focada em prendê-lo ali, cambaleio e estico a mão direita na direção de Sam. Em questão de segundos, as correntes que o prendiam se quebram, o libertando. Ele rasga a mordaça que estava ao redor da sua boca imediatamente, e me olha com os olhos arregalados, tentando entender tudo o que está acontecendo.

O demônio de olhos brancos grita, preso à parede pela minha telecinese, tentando se desvencilhar com sua própria força. Sinto o meu suor frio pingando no chão enquanto me concentro, sentindo todo o meu poder explodindo por dentro das veias, da carne.

—Não consigo detê-lo por muito tempo! – Grito para Sam, sentindo que meus poderes irão me trair a qualquer momento. Beleth parece tentar invocar a própria força contra a minha, e posso sentir as energias dos nossos poderes se chocando no ar. O meu é quente, e o dele... frio. Frio como a ausência.

Sam parece ponderar todas as suas opções. Olho para seus olhos, e o vejo relutante, porém inclinado a tomar uma atitude. Quando vejo que ele está encarando o sangue que escorre de mim com um olhar pensativo e lógico, entendo o que ele quer fazer imediatamente.

—Sam?! Pode fazer! – Digo, o mais rápido que consigo, sentindo minhas forças se esvaindo, deixando claro que sei exatamente o que se passou pela mente dele e que sei que é a única saída. Só conseguiremos detê-lo juntos, unindo nossas forças – Rápido! – Grito para ele.

Ele reluta por um momento, titubeando. Sei que não quer fazer isso. Posso ver no seu olhar.

Estico o braço direito para ele, ainda concentrada em Beleth, uma careta de dor em meu rosto, todas as minhas forças sendo utilizadas em sua forma máxima. Sam dá um passo à frente, e segura meu pulso com cuidado em direção a sua boca. Vejo o olhar que ele me disfere, o de sofrimento por precisar fazer isso.

Parece pedir desculpas com os olhos.

Ele cola os lábios no meu pulso, e suga o máximo de sangue que consegue, enquanto eu continuo detendo Beleth, toda a ventania sobrenatural nos cobrindo, as energias nos circundando. Sinto tanta dor no corpo todo que mal consigo diferenciar ou identificar cada uma individualmente. Nesse exato momento, me torno a própria dor.

Assim que ingere meu sangue, vejo suas veias se sobressaltando, enegrecendo. Vejo seu rosto se inclinando um pouco, sentindo o poder o invadindo. Ele fecha os olhos por um segundo, e então os reabre.

Estão completamente negros, como os de um demônio ficaria.

Me lembro de tudo o que Jesse disse, sobre eu e ele sermos mais fortes que demônios normais por sermos híbridos. Imagino que meu sangue seja mais potente, também.

Sam se coloca ao meu lado, e ergue sua mão no ar, como a minha.

Lado a lado, usamos a nossa força profana contra o demônio Beleth, e é possível sentir nossas forças se unificando, como se fossem uma só.

Quase posso ver nossa telecinese se completando.

Sempre fomos reféns de nossas maldições, Sam e eu. Mas nesse momento, contra o demônio de olhos brancos, elas nos servem como súditas.

Beleth grita mais alto, tão alto que chega a machucar meus ouvidos. Sinto que vou explodir a qualquer momento, como se a carga do que corre em minhas veias fosse demais para a minha carne sustentar. Sinto as lágrimas ardendo em meus olhos, tornando minha visão turva.

Quando atinjo o meu limite, junto a Sam, vejo a boca de Beleth se escancarar, seus olhos vazios e sem íris se arregalam, e de dentro deles, um brilho espectral se irradia enquanto ele se retorce como se estivesse sendo consumido vivo por algo terrível.

Em seu último grito, na última rajada que brilha de sua boca e seus olhos, seu corpo despenca no chão, sem vida.

Morto. Beleth está morto.

O único pensamento que cruza a minha mente agora, é que recuperei meu nome ao me vingar. Não me chamo Hazel porque ele quis.

Não mais.

Agora que o matei, me chamo Hazel porque é quem eu sou e ninguém vai tirar isso de mim, nunca mais.

Abaixo meu braço devagar, e Sam faz o mesmo. Começo a hiperventilar, meu peito subindo e descendo quanto a ventania cessa, e cambaleio para trás, sem força alguma. Sam me pega em seus braços, me impedindo de cair, e eu sinto a minha temperatura despencando.

Para zero.

E então, fica tudo escuro.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Sinto minhas forças sendo drenadas de mim, e a seguro em meus braços, ofegante.

Nunca havia sentido uma sensação tão forte de poder. O sangue dela é muito, muito mais forte do que o de qualquer demônio que eu já tenha provado, é a única explicação. E isso vai acabar comigo.

Foi fisicamente doloroso fazer isso, beber do seu sangue para conseguir ajudá-la. O simbolismo disso me machuca. Nunca queria ter colocado meus lábios em seus pulsos, como um maldito vampiro.

Mas foi preciso. E, graças a isso... Beleth está morto.

Ergo seu corpo em meus braços, e sinto sua pele esfriando cada vez mais. Preciso sair daqui o mais rápido possível. Subo as escadas do porão com ela nos braços, e chuto cada porta da casa abandonada que encontro no caminho, finalmente saindo do lado de fora. Estamos em uma casa velha meio ao nada, rodeados por um milharal e um estábulo.

Um cavalo branco de olhos vermelhos está do lado de fora, preso por uma corda. Um arrepio me percorre ao ver o animal. Nos livros de demonologia, Beleth é retratado com seu cajado e um cavalo branco, que julgo ser esse em minha frente.

Olho para os dois lados, e não encontro nenhum carro. Como vamos sair daqui? A cidade deve estar a quilômetros de distância, e não é como se eu pudesse pegar o cavalo-demoníaco emprestado.

Abaixo a cabeça para examinar a garota em meus braços, os olhos fechados e as vestes cheias de sangue, seu corpo assustadoramente frio. Entro em desespero.

Não posso deixá-la ir parar no vale das sombras novamente. Não posso.

Quase como um milagre, aperto os olhos para ver se estou enxergando direito ou se é uma miragem quando vejo o Impala 67 vindo em nossa direção. Dean para o carro após fazer um drift, e sai de dentro dele como se estivesse pronto para encarar um milhão de inimigos. Jesse Turner também sai do carro preto, com fúria no olhar.

—Sammy! – Dean grita, correndo em minha direção com uma arma em mãos.

—Dean, precisamos ir para um hospital, e precisa ser rápido! Precisa ser agora! – Digo com a voz falhando, e as mãos tremendo.

Estou em estado de choque.

Os olhos de Dean fitam Hazel desacordada em meus braços, e ele assente rapidamente, sem questionar. Em questão de segundos, Jesse abre a porta de trás do Impala para que eu entre com Hazel em meu colo, e Dean dá a partida, os pneus cantando na estrada enquanto meu irmão luta contra o tempo.

Fecho os olhos e beijo a testa de Hazel, meus braços a abraçando contra meu peito, o desespero me cobrindo por sentir sua pele gelada. Sinto meu corpo tremendo com o medo de perdê-la.

Se ela for para o vale das sombras da morte e Crowley a capturar...

Não. Isso não vai acontecer.

Não pode.

Uma chuva cinza mista a neve começa a cair do lado de fora, dificultando a estrada.

Aperto seus pulsos com as minhas mãos, tentando impedir o sangue quente de escorrer, mas nada parece realmente ajudar. Me sinto impotente.

A garota que amo está em meus braços, entre a vida e o vale das sombras, e não há nada que eu possa fazer.

XXX

Quando chegamos ao hospital mais próximo, fico de pé no corredor enquanto eles colocam Hazel em uma maca e a levam para longe, para dentro de um quarto de emergência, com uma bolsa de oxigênio e tudo, com Dean me impedindo de ir atrás dela.

Olho para as minhas mãos, meus braços, e roupas. Estou todo ensopado com o sangue dela. Jesse está sentado em um banco, as pernas tremendo, em silêncio desde que eu contei a eles tudo o que aconteceu, a caminho daqui.

Inclui todos os detalhes, inclusive os planos de Astaroth para os dois.

Dean me puxa, para que eu saia do meio do corredor. Estou em choque, portanto não reluto. As imagens de tudo o que aconteceu hoje me perturbam, me paralisam.

Dean faz com que eu me sente, e se senta ao meu lado.

—Ela vai resistir, Sammy. Ela...- A voz dele se estilhaça. Vejo uma agonia em seu olhar, desde que colocou os olhos no corpo desmaiado dela, quase tão aflito quanto eu – Ela não pode morrer como humana, se lembra?

—Mas pode ir ao vale das sombras, Dean. E... - Sacudo a minha cabeça de um lado para o outro, me negando a pensar nisso. Se ela for parar lá, juro que me mato.

Me mato e me encontro com ela lá, me certificando que Crowley não coloque as mãos nela. Mesmo que eu fique preso lá para sempre, não importa.

Não vou deixar Crowley capturá-la.

XXX

Uma hora já se passou, e ninguém me deixa entrar no quarto para vê-la. Já briguei com três enfermeiros e um segurança, e fui forçado a aguardar onde estou, uma sala de espera branca e enlouquecedora, onde um relógio faz um barulho insuportável.

Tic tac, tic tac, tic tac...

Como se a porra de um coração mecânico bombeasse o tempo em essência para o mundo inteiro. Uma maldita ampulheta de metal.

—Aqui, beba isso... – Dean estica a mão e me oferece um copo de água, que eu reluto em aceitar, mas acabo cedendo. Todos que passam pela sala arregalam os olhos para mim, todo manchado de sangue.

—Dean... – Começo a dizer, o olhar agora recaindo sobre os olhos dele, com um pensamento martelando a minha mente, me recordando de algo que Beleth disse enquanto passava sua mão nojenta sobre a barriga de Hazel – Sei que você e Hazel ficaram próximos, e que ela te contou uma porção de coisas, não contou?!

Meu irmão mais velho engole seco, nervoso de repente. Cerro os olhos, estranhando a reação dele. Foi a mesma que ela teve, no terraço, quando eu mencione algo semelhante para ela. Sacudo a cabeça de um lado para o outro e afasto minhas suspeitas.

Agora não é hora para isso. Agora não é hora de ficar paranoico.

—Sim, ela contou. – Ele se limita a dizer, enfiando as mãos nos bolsos do jeans. Jesse continua sentado com a cabeça apoiada nas mãos, as pernas tremendo em ansiedade, o olhar vidrado para o nada. Respiro fundo.

—Beleth disse umas coisas desconexas, mas... Hazel pareceu saber ao que ele se referia. E parecia não querer que eu soubesse. Ele...- Fecho os olhos por um breve momento, revivendo cada segundo. Respiro fundo e reabro os olhos – Disse algo sobre a avó dela ter resolvido algo, e disse isso logo após mencionar aquilo que eu contei a vocês, sobre Astaroth querer que ela e Jesse tenham um filho...

Minha voz morre por um momento, sentindo um vazio me consumindo por dentro.

—O que você sabe, Dean? O que a avó dela resolveu? – Olho para o meu irmão de maneira suplicante, e vejo seu olhar se estilhaçando em pena, como se soubesse que eu irei desabar quando souber a verdade. Isso faz meu coração gelar – Ela...?

—Sammy, ela tem o direito de ser a pessoa a te contar isso, não eu. Eu jamais poderia tirar esse direito dela. – Os olhos do meu irmão encaram os meus com honestidade, e ele coloca a mão no meu ombro – Você entende?

Abaixo a cabeça, confuso. Confuso com tantos segredos.

Quero calar a minha mente barulhenta, mas não consigo.

As mãos de Beleth na barriga dela enquanto ele disse a palavra “resolveu” ficam rondando a minha mente, se chocando. Arregalo os olhos quando algo me vem à mente.

Azazel realmente não me impediu de carregar Hazel para fora da casa a tempo. Nunca pensei muito sobre isso, ou ao menos nunca quis pensar. Se Beleth disse que Azazel pensou em fazer o mesmo que Astaroth almeja fazer, e disse que a avó de Hazel cumpriu ordens...

Não...não pode ser. Não pode ser.

—Dean, Hazel estava grávida?! Quando o incêndio aconteceu?! – Minha voz sai quebrada e desesperada. As sobrancelhas de Dean se curvam, em compaixão e dor. Ele abre a boca para falar algo, mas as palavras não saem.

Meu coração dispara e todo o meu corpo fica gelado.

Coloco as mãos na cabeça, e dou alguns passos para trás. Cambaleio até as minhas costas tocarem a parede, absorto em choque.

—Sammy, se acalme... – Dean vem até mim, e diz com a voz mais branda que consegue, e vejo que está nervoso, seus olhos transmitem isso. Está estilhaçado por me ver sofrer – Ela vai acordar e ela mesma vai te explicar o que...

E ele continua falando, mas eu não escuto. Ouço apenas um chiado enquanto eu deslizo pela parede lentamente até o chão, as mãos na cabeça, em choque.

Fecho os olhos e respiro fundo.

Fico à deriva dentro de mim mesmo, sem reação.

Entorpecido.

 


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Notas finais do capítulo

Gente, "Hazel" em inglês, especialmente "Hazel tree", significa "Aveleira" ou "Árvore de aveleira". Por isso que quando Beleth mostra para Hazel que ele foi responsável por influenciar a mãe dela na escolha do nome, tem todo aquele simbolismo com a árvore e tudo mais.
Quando eu estava pesquisando demônios interessantes para retratar, escolhi Beleth por ele ser descrito com um bastão de aveleira. Eu falei "Isso vai encaixar direitinho".

Achei forte ela sentir que "recuperou" o nome dela por matá-lo, pelo simbolismo disso. Precisava dar esse gostinho a ela.
Eeee a Hazel despertou os poderes. Mas, ei, despertar é diferente de controlar, então vamos ver no que vai dar...

Olha, pesado o que Astaroth quer para o Jesse e para Hazel, mas eu planejei isso aí desde o inicio. Logo logo vocês vão ver nas lembranças que ele vai devolver para ela (eventualmente) que o trauma dos dois tem relação a isso. E é bem triste : (

O Sam juntou os pontos, galera... e a conversa dele com a Hazel não vai ser nada fácil. Vou ficar emotiva, tenho certeza.

Meu casalzinho sofreu muito nesse capítulo, fiquei abalada escrevendo, confesso.

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