As Crônicas de Aethel (II): O Livro das Bruxas escrita por Aldemir94


Capítulo 7
Calmaria




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Aquela noite não estava sendo das mais agradáveis para Aethel, ainda que até a pior das noites tivesse certa beleza aos olhos do santo imperador.

O incêndio atingiu parte do grande edifício do senado; felizmente, não houve feridos, além de dois desconhecidos (e do ego de Salazar e mais alguns senadores que, furiosos, já acusavam Nealie pelo desastre).

Por ordens de Aethel, Mabel foi mantida na ignorância quanto ao evento incendiário: a saúde da garota lhe faltava, de modo que o imperador não desejava enfraquecê-la com mais um desastre daquele dia que, teoricamente, deveria ter sido o mais belo e glorioso dos últimos vinte anos.

Sobre o incêndio, sua majestade – o imperador – escreveu em seu diário:

 

Quão estranho foi este dia, mais do que aqueles em que passei no Oregon, ou em qualquer outro lugar, desde meus dias mais primaveris, quando Merlin me ensinava a colher frutinhas silvestres ou dava-me aulas de astronomia e história antiga.

O edifício do senado (que já possui mais de dois mil anos de existência) sofreu com um incêndio que, segundo alguns, provavelmente foi obra de Nealie.

A despeito de meu momento de fúria ante a insolência da feiticeira, tentei afastar de meus pensamentos a possível culpa desta mulher, enquanto dava ordens às equipes de combate ao fogo para que evacuassem os edifícios próximos, enquanto outras duas equipes tratavam de apagar aquelas chamas infernais.

Não houve feridos (a exceção de um garoto de jaqueta vermelha de possível origem sino-americana (EUA… Sempre EUA… Ainda cobrarei este país pelas dores de cabeça que tem me causado) e uma linda garota loira de olhos tão azuis quanto as águas do poço de Nimue) e os danos ao edifício históricos foram pequenos, porém, optei por reunir os senadores em um dos grandes salões do palácio, no intuito de preservar a segurança dos homens ilustres – e lembrar-lhes que, apesar dos últimos eventos, ainda sou o imperador e tenho tudo sob meu controle –, enquanto fazem suas reuniões solenes.

Minha audiência com o corpo de senadores foi adiada a pedido de Túlio, que preferiu dar maior atenção ao incêndio e a questão da fome que, graças aquele traidor do “Oriental”, tem se alastrado pelas províncias mais distantes (maldito Cláudio! Graças a esse insolente terei de marchar até o desfiladeiro de Nimrod sem antes cuidar de Nealie e suas feiticeiras).

Considerando a raiva que sinto crescer no peito, talvez alguns atrasos sejam aceitáveis, especialmente porque meus dois novos convidados (aquele rapaz de jaqueta vermelha e sua bela possível amiga), pareciam em dificuldades e, por isso, foram alojados no grande palácio, estando ambos agora sob meus cuidados.

Pensando bem, talvez eu devesse me preocupar em alojar tantos estranhos no palácio, ou o senhor Túlio dirá “esta é a casa da nação, não um albergue!”, o que me provocará risos e certo sentimento de desgosto.

Enfim, o rapaz estava inconsciente (presumo que a fumaça do fogo deva ter feito seu trabalho no pobre garoto) e a garota estava tão esgotada que não chegou a falar nada com exceção de “ajuda”, adormecendo assim que a tomei nos braços.

Apesar da fuligem, acredito que os dois estejam mais esgotados que feridos, então pedi que meu médico particular desse uma olhada neles.

Agora estão descansando em um quarto de hóspedes no palácio; presumo que até amanhã ou depois já estarão bem para serem interrogados.

 

Aethel O. Sakhar. Absalom Ryu – Santo Imperador de Ghalary; 

(Ano I de meu reinado)



Após cuidar de suas anotações diárias (hábito que adquirira com Merlin), Aethel foi até o quarto de Mabel, onde viu Dipper adormecido em uma cadeira ao lado da cama.

“Pobre garoto”, suspirou o imperador, enquanto caminhava até o leito e voltava a cobrir a garota, enquanto olhava seu semblante tranquilo.

Será que ela estava sonhando com algo belo? Talvez com grandes palácios de marzipan, torres de biscoitos cobertas de chocolate, grandes construções de pão de mel, lagos de leite e morango, montanhas de bolo de chocolate cobertas com uma deliciosa neve feita de sorvete de baunilha…

Sim, isso seria a cara de Mabel.

Tais pensamentos tão açucarados fizeram Aethel sentir um pouco de fome, então o rapaz foi em direção a cozinha.

Talvez o caminho da festa – com aquele baile mágico – fosse mais interessante, porém, o imperador não desejava ser interrogado sobre Nealie, Mabel, o incêndio ou qualquer outro assunto aborrecedor, além disso, sentia vontade de ter um tempo só para si; longe do protocolo, incômodos, multidões e outras coisas que, para alguém tão introvertido, eram, no mínimo, “maçantes”.

Descendo escadas de mármore, Aethel chegou até a cozinha, onde dispensou os últimos dois cozinheiros para que ambos pudessem se arrumar e desfrutar um pouco da festa.

Dizer que aquela era uma bela cozinha não lhe seria suficientemente justo, mas dizer que aquela era uma belíssima cozinha também seria subestimar a aparência maravilhosa do local.

O ambiente era bastante limpo e organizado, decorado com fitas vermelhas e amarela (que brilhavam como ouro e rubis), utensílios típicos de cozinha – colheres, facas, etc. – feitos de madeira, ferro, prata ou ouro (os materiais variavam, mas a qualidade jamais deixava a desejar), além de um forno tão agradável que poderia aquecer o mundo inteiro.

Em alguns pontos das colunas de madeira e pedra era possível ver, de forma tão visível quanto possível, lindos galhinhos de azevinho amarrados habilmente por mais laços e fitas (lindas fitinhas avermelhadas, feitas de um tecido tão bonito, que fariam qualquer pessoa normal cogitar se não haviam sido surrupiadas das príncipe ou rei descuidado).

Aquele ambiente não era nada parecido com a cozinha do grande castelo de Camelot (que seguia o modelo primitivo pré-idade média), assim como transmitia algo a quem entrasse nele, desavisadamente.

No grande balcão havia pães, frutas vindas dos cantos mais distantes do império (uvas vindas das vinhas do leste, maçãs das mais diferentes cores, mangas e bananas vindas de Celesteville, pêssegos graudos e inúmeros outros frutos que deixavam qualquer um com água na boca).

Se aquele lugar pudesse falar, talvez dissesse “se quer saborear coisas agradáveis, pode entrar”, mas logo daria o aviso “aqui é proibido fazer regime!”.

Aethel entendia a solenidade daquele lugar, por isso não se fez de rogado e pegou uma tigela de vidro redonda, um saco de farinha, alguns ovos e toda sorte de ingredientes que se fizessem necessários para o triunfo daquele humilde (mas digno) empreendimento.

Após pendurar o casaco em um suporte e colocar avental, chapéu de chef e lavar muito bem as mãos, o imperador iniciou suas atividades.

Pegando um menu no balcão, o rapaz folheou até encontrar algumas opções que poderiam agradar aqueles que, por graça divina, teriam a glória de aproveitar as guloseimas que sairiam daquela cozinha dali a alguns minutos.

“Biscoitos de chocolate, bolo de frutas e talvez alguns brioches”, pensou o rapaz, quando decidiu deixar os brioches de lado por "trazerem sentimentos ruins de morte”, como sussurrou para si.

Água, farinha, chocolate em pó e também em gotas, leite, ovos etc., todos sendo misturados para darem origem aos quitutes mais saborosos que as mãos de um chef poderiam fazer.

Como se fosse um mago da cozinha, Aethel misturava aqueles ingredientes tão distintos, que formavam massas de pão, bolo e biscoitos (é importante dizer o tipo de massa, pois um desavisado poderia dizer que eram todas iguais, tanto em qualidade quanto em constituição (o que seria frustrante para um chef)) em mais duas tigelas, iguais a primeira.

Seria interessante detalhar como o bolo de frutinhas cristalizadas, aqueles biscoitos crocantes e a bandeja de vinte brioches (sim, Aethel acabara por mudar de ideia em relação aos bolinhos trágicos de Antonieta) saíram do forno, passando de farinha, ovos etc., para aquelas delícias culinárias, mas como cozinhar leva demasiado tempo, faz-se melhor deixar os detalhes de lado e prosseguir com a mágica deste relato excepcional.

Com esmero, Aethel decorou os brioches – sempre eles – com coberturas brancas e rosadas, cobrindo-os com moedas brancas raspadas (um tipo de chocolate branco em forma de moedas grossas, próprias para raspagem), confetes variados e pequenos pedaços de morangos.

Enquanto se perdia em suas divagações (pois mergulhar nos próprios pensamentos era um dos benefícios do ato de cozinhar), Aethel sentiu uma mão em seu ombro direito, o que o deixou bastante surpreso: Blair, rainha de Gardênia, estava ao seu lado, sorrindo com ternura.

“Para onde?”, perguntou a moça, ao que o rapaz respondeu “para Mabel e os dois desconhecidos”.

Após prepararem copos com leite e duas bandejas com fatias de bolo de frutas, brioches e biscoitos, Aethel tirou o avental, vestiu seu casaco e foi até o quarto de Mabel, sendo seguido por Blair.

Seria, no mínimo, adorável narrar as palavras que a rainha e o imperador trocaram durante seu inesperado “serviço de entregas”...

Mas não houve palavras, nem juras, nem comentários de qualquer tipo.

Apesar do silêncio, havia qualquer coisa de agradável na atividade que seria difícil descrever em maiores minúcias, sendo possível apenas comentar que Aethel sentia-se leve de seus problemas e recentes adversidades.

Talvez fosse o ato de cozinhar um pouco, ou quem sabe a determinação com a qual os dois jovens levavam o alimento para Mabel e os outros, em sincera preocupação com a saúde da garota Pines e do casal inconsciente: quem poderia dizer?

Aethel era alguém de coração e espírito livres, como as folhas levadas pelo vento para os mais distantes cantos do mundo, sem grandes preocupações com fincar raízes em alguma terra qualquer que pudesse se aproximar da palavra “lar”.

Diferente do imperador, Blair tinha imenso apego a sua família e amigos queridos, de modo que não suportaria ficar por muito tempo distante de todos eles.

Após levarem as bandejas para os quartos, Aethel convidou Blair para passear pelo jardim, já que os senadores só o receberiam em audiência no dia seguinte.

Descendo por uma escadaria de mármore, os dois chegaram a uma área que pertencia à parte mais fechada dos jardins imperiais, com fontes, arbustos floridos, um tipo de estrutura circular com colunas de mármore e até um grupo de macieiras (infelizmente, elas não produziam maçãs douradas).

Convidando Blair a se sentar em um banco de mármore, Aethel sentou-se em seguida e ficou olhando para as constelações, procurando a do grande dragão do norte, logo mergulhando em seus pensamentos mais profundos, na busca de respostas para os mais variados assuntos da vida.

A moça não interrompeu as ponderações do amigo, mas algo em seu olhar parecia demasiado melancólico para ser ignorado, de modo que Aethel acabou por perder o fluxo de pensamentos:

—A senhorita ainda me censura, não é verdade? – questionou Aethel, com voz cansada.

—Me desculpe – começou a moça. – Mas essas ideias de guerra e perseguição me parecem muito… Cruéis.

—Me perdoe majestade – disse Aethel –, mas se eu puder escolher o apoio do povo ou o apoio de uma minúscula elite duvidosa, preferirei o povo, pois apenas ele é fácil de satisfazer e apoia seu senhor com sinceridade. Os que fazem parte da elite duvidosa sempre exigem mais e mais e mais… Nunca ficam satisfeitos com nada… Estão sempre prontos a apoiar algum traidor que ofereça prêmios melhores do que seu atual senhor.

— O que quer dizer? – perguntou a garota.

—Cláudio é um criminosos que atrairá a parte mais traidora, corrupta e conspiradora da elite deste império, então preciso destruí-lo rápido e sem piedade.

—Aethel, ouça o que está dizendo! Você vai mesmo matar milhares de pessoas em uma guerra gerada pela ignorância?! Porque não conversa com Cláudio e descobre porque ele se revoltou? E quanto as feiticeiras? Você basicamente disse que irá exterminá-las!

—Dei minha palavra e Nealie – disse Aethel, friamente – e nunca falto com a palavra.

—E depois de terminar com tudo isso… o que restará?

—Um império forte, próspero e unido; um império grandioso do qual terei orgulho– respondeu o imperador.

—Aethel… – disse Blair, com a voz mais agradável que alguém poderia ter – Se prosseguir com todos esses planos, perderá seu império e o povo não vai mais acreditar em você. Como poderão acreditar depois de você ter, literalmente, exterminado quem te questionou? Além do mais, não acha que os crimes de Nealie não podem, automaticamente, incriminar sua raça inteira? Merlin também não é um mestre em magia? Por acaso gostaria de vê-lo na fogueira?

—Não é tão simples – disse Aethel – Apenas as bruxas devem queimar… Blair, elas são perigosas!

— E isso te dá o direito de matar todas elas?! – respondeu a rainha, com um olhar severo. – Uma vez li sobre um rei cuja filha havia sido levada embora, e ele acusava o rei de um país vizinho por este crime… Ele quase fez uma besteira enorme antes de descobrir que o rei vizinho não tinha nada haver com o rapto da princesa. Aethel, se você seguir pelo caminho do fogo… Não é razoável pensar que será consumido pelas chamas e reduzido a cinzas?

—Mabel está inconsciente e foi graças àquela criatura! – rugiu Aethel – Como pode ficar do lado dela, apesar de todo o mal que ela causou?! E quanto a Cláudio? As pessoas irão, literalmente, morrer de fome, caso esse maldito não seja extermiado da face da Terra!

Sem pensar duas vezes, Blair abraçou o rapaz, em silêncio, enquanto ele fechava os olhos e sussurrava:

—Estou tão cansado… Só quero que isso tudo acabe logo… “Sabedoria supera força”; Merlin deve estar desapontado comigo.

—Você não está sozinho – sussurrou a garota – Eu, Merlin e todos os outros vamos te ajudar… Mas precisa ser mais sábio e menos vingativo.

—Não se preocupe, Blair – disse o rapaz – conheço o campo de batalha melhor do que meu adversário… Amanhã, Cláudio encontrará seu fim. Porém… – disse Aethel, pausadamente – se o traidor estiver disposto… a recapitular… serei piedoso, tem minha palavra.

A conversa dos dois se estendeu por mais alguns minutos, indo desde temas cansativos como política e relações internacionais, até assuntos mais recreativos, como cozinha, contos de fadas e viagens distantes.

O manto da noite já cobria o céu a algum tempo, as estrelas cintilavam e o som das águas jorrando das fontes e do ribeiro próximo acabaram por acalmar aqueles dois espíritos jovens de tal maneira, que Blair e Aethel adormeceram no confortável banco, adentrando o reino de Morfeu durante algumas poucas horas.

Com certeza era uma bela visão ver aqueles dois jovens da realeza adormecidos, navegando pelo reino dos sonhos, porém, aquela alegria terminou quando, sem mais nem menos, Samantha e Danny chamaram por Aethel, que acordou em um sobressalto, enquanto dizia “cortem-lhe a cabeça”:

—Estou aqui Sam, no jardim. – disse o rei, ainda sonolento.

Entrando no jardim florido, Sam disse que Salazar havia recebido um comunicado vindo do acampamento de Cláudio, de modo que o imperador devia seguir junto de Blair e os outros senadores para o grande salão, onde o senado estava reunido.

Sem esperar mais tempo, Aethel, Blair, Danny e Sam correram até o grande salão, onde centenas de senadores, das mais variadas origens, estavam sentados em cadeiras ricamente decoradas em ouro.

Blair, Danny e Sam sentaram-se próximos ao imperador, mas ele precisou se assentar no fundo do salão, onde uma cadeira decorada com leões e flores de lis estava posicionada de forma a ficar de frente para a porta de saída (localizada a alguns metros de distância).

Por cima, haviam lindas cortinas púrpuras e avermelhadas, com mais leões, flores de lis e certos temas mitológicos que, sem dúvida, faziam parte da cultura daquele vasto império.

Quem tomou a palavra inicial foi um senador chamado Lúcio Atreu, cujos cabelos negros, nariz meio quadrado e olhos castanhos lhe davam certo aspecto demasiado intimidador para ser ignorado.

Sua pele clara não apresentava rugas, mas a expressão que trazia na face era a de um homem que já havia enfrentado demais os dramas da vida.

De cerca de 35 ou 40 anos, Atreu fazia parte do grupo mais radical do senado, aqueles chamados de “confrontadores”, cujo objetivo era aniquilar as ameaças ao império e anexar reinos e territórios que poderiam oferecer algum tipo de perigo: em síntese, suas visões eram parecidas com as de Vladimir III, cujo governo fora marcado pela guerra interminável e pelas perseguições e prisões arbitrárias.

Com voz firme, Atreu falava como um Cícero sedento por audiência:

—A poucos minutos, recebemos um comunicado de Cláudio e seu exército… Ele se declarou imperador do Leste e agora marcha em direção a nós.

Danny não pôde segurar seu ar de surpresa, afinal de contas, Cláudio não passava de um traidor a poucas horas: agora ele era imperador?! Era surpreendente como as informações recentes esmagaram as antigas, como se não valessem nada.

Sem perder a palavra, Atreu prosseguiu com seu discurso:

—Cláudio é um traidor que oferece um futuro fragmentado para este império… E precisa ser detido imediatamente! Proponho seguir com as ordens de sua majestade, nosso santo imperador Aethel, enviando Felipe e seu contingente atual de soldados para interceptar o traidor no desfiladeiro de Nimrod, como explicado pelo próprio Felipe. A seguir, o restante de suas tropas (que foram chamadas de volta, por ordens imperiais) deverão encontrá-lo no referido desfiladeiro, onde tudo será decidido em uma batalha direta… Porém, o imperador é a certeza da unidade nacional, de forma que vê-lo tombar no campo de batalha é, no mínimo, impensável. Peço que o senado não permita que nosso santo imperador vá lutar ao lado de Felipe e sua VII legião, pois sua vida é preciosa demais para ser posta em perigo.

Os senadores confabulavam entre si, sussurravam, analisavam as palavras de seu irmão, Lúcio Atreu, sempre considerando-as como se essas fossem ditadas por Moisés ou algum outro dos profetas antigos.

“Ele está certo! Crianças não devem lutar!”, dizia um senador, apenas para ser repreendido por um colega mais velho, “Ele não é uma criança; é um imperador!”, fazendo os demais membros do corpo senatorial entrarem em mais discursos chatos e intermináveis (como, aliás, tende a acontecer em todas as instituições políticas que existem, existiram ou virão a existir – o que vale desde o dia em que Adão partiu do Éden, junto de sua amada esposa, Eva).

—Por favor, meus irmãos senadores – prosseguiu o grande Atreu –, proponho também que o traidor… aquele que conspira contra nosso santo império, que tanto o exaltou com o título de “Oriental”, seja preservado vivo, para enfrentar o rigor de nossa lei, como disposto em nosso código legal e em nossa constituição, cujas determinações estão firmadas no coração de cada homem público de nossa grande nação!

Danny aguardava com impaciência a interrupção de Aethel (já que os planos do imperador estavam sendo “desfigurados” pelo senador), porém, o jovem Ryu permaneceu em silêncio; a verdade é que o senado era uma instituição sagrada e o imperador não estava acima dele.

Atreu tinha seu jeito duro de ser, porém, também tinha o direito de falar abertamente suas interpretações dos últimos acontecimentos, independente do que o imperador ou o 2° Consul pudessem pensar.

Havia ali uma mágica protocolar tão antiga e bem definida, que seguí-la parecia óbvio e natural, como olhar para os dois lados da rua antes de atravessá-la; estudar antes da prova final de álgebra; e os filhos respeitarem seus pais…

Mas Samantha não era de Ghalary, então Aethel pôde perdoá-la quando ela interrompeu Atreu:

—Esperem um instante! Temos muito menos soldados que esse tal de Cláudio! Além do mais, a capital não ficará desprotegida se vocês mandarem todos os soldados para lutar na guerra?! E se houverem mais inimigos? Por acaso se esqueceram da rainha das bruxas?!

—Criança – começou Atreu –, estamos cientes da ameaça de Nealie, por isso proponho ao senado que emita um decreto para deixar aqueles que exercem os chamados “ofícios mágicos” sob vigilância total.

—Vai espionar todo mundo? É isso mesmo, cara? – Disse Danny.

—Apenas os elementos suspeitos - respondeu Atreu.

—Já chega – respondeu Aethel – Não tenho como obedecer qualquer determinação que me impeça de marchar para a batalha: Cláudio está a frente de suas legiões traidoras, lutando ao lado delas e conquistando os bens do império para elas… Ele reparte o que é de todos nós, políticos e súditos, para seus soldados, como se fossem piratas do deserto…

—Por favor prossiga, majestade – disse o senador Túlio.

—O que quero dizer, meus irmãos senadores – prosseguiu o monarca – É que Cláudio luta junto dos seus em defesa daquilo que acredita, portanto, se eu ficar protegido neste palácio, enquanto Felipe e seus legionários marcham em direção a uma batalha com poucas chances de vitória… Todos nós ficaremos desmoralizados e perderemos a guerra em seu campo moral! Como posso ficar aqui, em segurança, enquanto outros caminham para a morte, em defesa de minha nação e meu direito de governar?!

—Eu entendo, meu senhor – disse Túlio –, mas se você cair, haverá uma guerra civil.

—E se eu vencer, haverá um triunfo e o engrandecimento do Estado – disse Aethel. – Uma vitória como essa irá recuperar a imagem de força do império e desmotivar mais traições e revoltas! É o caminho perfeito a se tomar!

—Isso se não houver mortes – disse Blair Willows, rainha de Gardênia.

—Ah, Blair – disse Aethel, meio cansado – continua cismando com isso, não é?

—E ela tem razão, não devem haver baixas – disse Roland II, o rei de Enchancia.

—Senhor, meu Bom Deus – começou Aethel – O Senhor me deu a vida, um teto, instrução e bons amigos… Me conceda também o dom da paciência.

—Irmão, que conversa… – disse Danny, que nunca havia presenciado uma reunião de senadores.

—Não importa! – disse Atreu – As ameaças devem ser contidas e o senhor, meu bom rei, deve ser protegido!

—Como posso me proteger enquanto as pessoas lutam por suas vidas? Lucio, eu não fui criado dentro de um globo de vidro, mas em uma floresta cheia de lobos e outros perigos. Enfrentei o mago sombrio e seu elfo das trevas apenas com uma espada e bons amigos – disse Aethel, enquanto segurava o cabo da Excalibur. – Mas compreendo suas preocupações… Assim como entendo o receio de nossos irmãos de Enchancia e Gardênia quanto a possível perda de vidas… guerras são brigas bastante terríveis, afinal.

—O que propõe, meu senhor? – perguntou Atreu, motivando o restante dos senadores a focar suas atenções em Aethel.

—Primeiro… Prosseguiremos com o plano de deter Cláudio no desfiladeiro de Nimrod, porém, para mostrar que somos piedosos e não desejamos o mal, farei o possível para evitar derramar o sangue do general traidor (e que Deus segure minhas mãos)... Quanto a ideia de vigiar as feiticeiras, ela não me parece nada mal, principalmente quando penso em minha primeira solução para essas figuras suspeitas. Mas, é com imenso desgosto que sou forçado a dizer que, seja como for, muitas dessas praticantes de magia vivem em Ghalary e, portanto, são oficialmente súditas do império e elas… tem… direitos civis – encerrou Aethel, enquanto segurava seu imenso desgosto quanto a “proteção legal” que as bruxas possuíam.

—Muito bem – continuou o rapaz –, como Mabel está em perigo e Nealie é a única que pode desfazer o encanto… e ainda temos aquele baderneiro do cavaleiro verde… então proponho partir com um pequeno grupo em busca do pomo de ouro, logo após resolvermos o assunto de Cláudio… Estão todos satisfeitos? Isso já foi o suficiente?

Na verdade, havia muito mais a se dizer, mas tudo acabou em silêncio quando uma voz ecoou pelo salão, dizendo:

—Eu e Rosa vamos com você.

Olhando para a porta de entrada do grande salão, Aethel pôde ver seus dois convidados misteriosos em pé, com olhares tão confiantes que facilmente trariam o respeito de um marechal de guerra.

—Então estamos resolvidos – encerrou Aethel – Vocês dois também virão conosco. De qualquer modo a VII legião (quer dizer, o que sobrou dela) já está nos esperando… e é claro, todos sabem que é grosseria fazer os outros esperarem.

Sob uma salva de aplausos (e alguns risos), Aethel saiu, sendo acompanhado por todos os senadores, logo se aproximando de Rosa (com seus cabelos dourados e olhos azuis) e seu estranho companheiro oriental.

Colocando os braços ao redor do pescoço de Rosa e do de seu amigo, Aethel perguntou, sorridente:

—Então? Aqueles que vão morrer nesta guerra insana tem algo a dizer? Quais são seus nomes, soldados?

—Ela é a Rosa – respondeu o garoto sino-americano, enquanto tentava ajeitar seu cabelo escuro com reflexos verdes – e eu sou Jack Long…


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