Os meses se passaram desde o último incidente envolvendo o ex-cavaleiro de Andrômeda. Foi estranho para ele tomar conhecimento da habilidade de ver e interagir com espíritos fora do Meikai. Ao mesmo tempo aquilo inspirou a mudança que o virginiano precisava. Além da escola e sua vida humana, Shun passou a treinar para voltar a boa forma e fortalecer o próprio cosmo. Pandora foi a sua primeira parceira de treino. Eles faziam seus treinos físicos principalmente no horário da noite em locais sem circulação de pessoas.

— Nós precisamos começar o treinamento com o cosmo. Sua parte física está excelente — disse a jovem cansada sentando-se no chão.

— Eu consegui usar meu cosmo naquele dia, mas ainda me sinto inseguro. E como nós faremos isso sem chamar atenção?

— No Submundo, é claro! Lá é o local mais seguro para nós. 

— Aaah!

— Nem comece com “ah”, Shun. Sei que não fala com o senhor Hades desde aquele dia no hospital, mas lembre-se do recado dele que eu passei.

— Que eu poderei ajudar as almas perdidas daqui quando estiver em boas condições.

— Exato! Agora você tem condições de se defender de um humano comum — pontuou. — Para lidar com outros tipos de situações é necessário que seu cosmo se fortaleça. Sua situação é diferente da dos demais, pois seu poder não está atrelado a um deus. O senhor Hades não o agraciou com uma estrela.

— Isso significa que mesmo me recuperando por completo ainda serei fraco?

— Não necessariamente. Humanos quando tem o cosmo, mas não tem treinamento, o potencial fica adormecido ou fica subdesenvolvido — explicava a general — Não sei se por acaso se lembra que o cosmo se expande de acordo com a força de vontade do usuário. Quando lutamos por um deus, esse sentimento nos impulsiona a expandir mais. Você descobrindo a sua motivação, não vejo limitações em seu caminho.

— Nossa! Obrigado, Pandora — estava até sem jeito — Mas vão me permitir treinar no Submundo? Sabe que posso começar a ser visto como uma ameaça por isso.

— Daremos um jeito, mas primeiro preciso comunicar ao senhor Hades. Acredito que ele terá interesse em te ajudar nisso.

…

No Santuário, as coisas seguiam o curso planejado por Athena. Uma parte de seus cavaleiros estavam lá para proteger e aperfeiçoar o próprio treinamento, ao mesmo tempo que conciliavam com uma vida cível. Foi uma grande surpresa para todos ver o retorno de Ikki, após o jeito que ele saiu de lá. A Fênix em parte só aceitou fazer tal coisa pensando no bem estar de seu irmão. Caso fosse visto como um desertor, não poderia sequer pensar em ter contato com Shun, pois o colocaria em uma situação difícil. Contudo, não poderia negar que estava desfrutando dos benefícios concedidos por Saori.

Ikki também voltou a estudar, estava em uma espécie de ensino supletivo para recuperar o tempo perdido. Quando ele e os outros garotos foram enviados para seus locais de treinamentos, poucos tiveram a sorte ou privilégio de estudar, não formalmente. Aiolia, seu novo mestre, estava feliz e surpreso com a motivação de seu pupilo, mas algumas preocupações ainda rondavam sua mente. Uma pergunta direta poderia resolver bastante coisa, mas tinha receio da reação do cavaleiro de bronze. O temperamento tempestivo de Ikki poderia por uma coisa mínima colocar tudo a perder. Sentindo essa inquietação no cosmo de Leão, Shaka sentou-se ao seu lado quando descansava do treino solo.

— É melhor compartilhar seus pensamentos antes que exploda por causa deles.

— Bom dia pra você também, Shaka.

— Bom dia, Aiolia. Agora me diga, o que está te incomodando. Seu cosmo anda quase sempre tenso nos últimos dias.

— É uma ideia, mas não quero causar problemas por causa disso — suspirou profundamente cansado — Desde o dia que retornamos a vida, um clima de tensão se espalhou pelo ar. Com a partida do irmão de meu atual pupilo, parece que…

— Estamos numa espécie de “Guerra Fria”? Tenho minhas dúvidas, mas no momento penso que podemos desfrutar de um pouco de tranquilidade.

— O que te faz pensar assim?

— Conversei com o Orfeu de Lira há meses atrás. Por mais que Hades tenha feito um movimento ousado com seu pedido, dificilmente ele colocará tudo a perder tão cedo. Creio que ele deverá focar na reconstrução e reestruturação do próprio domínio. Além disso, ele emprestou alguns espectros para Poseidon.

— Quer dizer que temos no mínimo até esse empréstimo terminar, é isso?

— Teoricamente sim, mas não consigo ver Poseidon nem ele quebrarem o acordo.

— Acha então que a nossa deusa pode?

— Gostaria de ser mais otimista e dizer que teremos uma vida tão longa que esta preocupação não será mais nossa, mas…

— A humanidade precisa se ajudar ou novas catástrofes estarão na conta deles, não dos deuses, é isso?

— Sim. Qual era a sua ideia?

— Era sobre Ikki, o motivo dele ter retornado e estar aproveitando suas chances de bom grado.

— Creio que a resposta a essa pergunta esteja no irmão dele.

— Shun? Como?

— Soube por Aiolos que Ikki esteve lá no Japão e conversou com Seiya. Ele disse que ouviu uma parte de uma conversa e que os irmãos conseguiram se reencontrar.

— Você virou um belo fofoqueiro, viu? — debochou.

— Pelo menos o “fofoqueiro” está tentando sanar as suas dúvidas.

— Ok. Entendi. O que ele disse a mais?

— Que o irmão de seu pupilo está bem na medida do possível e que Hades não tem sido terrível com ele. Na verdade, está cumprindo com sua palavra.

— E o que você pensa sobre isso?

— Acho que tirando o fato dele ter sido afastado de nós, talvez Shun não esteja sofrendo tanto como pensávamos. Para a Fênix ter retornado “mansa” para o Santuário, não consigo ver outra explicação.

— É verdade. Obrigado, Shaka. Acho que agora vou conseguir ficar mais tranquilo ou pelo menos tentar aproveitar esse “cessar-fogo” pelo tempo que durar.

— De nada.

…

Na Alemanha, no Castelo de Heinstein, o Senhor do Submundo vagava pelos corredores com os olhos vidrados na tela de seu celular. O deus achava interessante toda a informação a qual tinha acesso naquele pequeno aparelho conectado à internet. Foi então que uma notificação chamou a sua atenção.

— Vamos ver o que Pandora tem a dizer desta vez — abriu a caixa de mensagens — “Boa noite, Senhor Hades…”.  Blá blá blá… — não estava com paciência para ler toda aquela “pompa” de formalidade —  Então Shun resolveu treinar para fortalecer o próprio cosmo. Deveras interessante! Acho melhor ligar para ela — deu um toque na tela para ligar para o contato — Olá, Pandora!

— Olá, senhor Hades! Não sabia que estava na superfície.

— É… Eu vim para o castelo há um pouco mais de uma hora. Estava me atualizando sobre o mundo humano.

— Então não precisa mais dos jornais impressos. Já consegue mexer bem no celular.

— Ainda gosto do jornal de papel, mas pelo celular consigo ter um acesso mais rápido às informações. Só que não foi por isso que eu liguei. É sobre a sua mensagem.

— Ah sim! Estou falando do telhado, pois Shun já está dormindo no quarto. Ele está bem empenhado e parece que avançamos para o próximo nível.

— Onde estão pensando em treinar o cosmo?

— Este é o problema. Não temos um local definido e assim, não sou uma boa professora. Os treinos físicos foram bem básicos, afinal eu não sou uma grande combatente no corpo-a-corpo e vejo que ele se segura demais para me atacar.

— É melhor que treinem aqui no Submundo. Quanto ao professor, eu já tenho um nome em mente.

— Shun tem receio de ser visto como uma ameaça por voltar a treinar com o cosmo, ainda mais nos seus domínios. Acho que em certo ponto ele está certo. Sabe como muitos o veem mesmo depois de um ano.

— Não acho certo fazer as coisas às escondidas dentro do meu próprio reino, mas preciso fazer algo. Não posso desperdiçar um talento assim — pensava sobre o que fazer — Quando trouxe ele para cá, não havia pensado muito a respeito do que fazer. Como consultor nos deu uma contribuição maravilhosa a ponto de mudar os julgamentos e a criação do “nove”. Agora pode de alguma forma guiar as almas perdidas do mundo humano para o Submundo.

— Realmente. Esse menino é uma joia preciosa.

— E eu não pretendo parar por aí. Posso não fazer com que ele lute por mim ou contra Athena, mas posso usá-lo para outro tipo de missão no futuro.

— Se refere a aliança?

— Talvez, pode até ser. Acredito que só o tempo dirá, mas temos que trabalhar a favor dele. Darei um jeito. Até breve!