Penumbra escrita por Dafne Guedes


Capítulo 2
Cozinhas de Hogwarts


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores! Espero ver carinhas conhecidas aqui, de Lados e Escolhas. Mais um capítulo de Olívia!
XOXO



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O Salão Comunal da Grifinória era sempre barulhento, sem exceções. Mesmo quando a maioria dos alunos estava em aula, sempre sobrava um grupo que tinha o horário vago e ficava na sala comum, fazendo algazarra. Nada como o Salão Comunal de Pukwudgie, que tinha o formato e tamanho de um grande coração de baleia, separado em quatro átrios, por onde os alunos transitavam, sempre respeitando os colegas, conversando em voz baixa ou estudando.

                Como ela fora advertida, as aulas de Hogwarts eram exigentes. Transfiguração mandara deveres no primeiro dia, enquanto a turma de Feitiços parecia saber produzir patronos corpóreos, o que nem se sonhava em Ilvermorny. Em Poções, a professora parecia recém-saída da escola, mas a srta. Bloxam não deixou de pegar pesado com eles, mandando longas tarefas para reconhecimento de ingredientes e seus efeitos. Trabalho de modificação de poções era coisa avançada, e Olívia nunca tinha visto o assunto sem ser teoricamente.

                Mesmo assim, seus colegas não se comportavam como se fosse o caso. Não que eles estivessem comemorando alguma coisa; pelo contrário. Parecia estar havendo uma enorme confusão sobre o fato de que, na aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, que envolvia pouca defesa e muitas artes das trevas, um garotinho do primeiro ano fora torturado com a maldição Cruciatus. Gina Weasley estava bem no meio dos protestos, falando em voz alta sobre resistência. Era fácil falar de resistência quando ela não fora torturada, Olívia achava.

                Essa era de longe a pior parte sobre Hogwarts.

                Em Ilvermorny ela cursara Estudo dos Trouxas; aulas sobre física, química, evolução e tecnologia trouxa, sobre como eles resolviam os problemas do dia-a-dia sem magia para auxiliá-los na tarefa. Em Hogwarts eles aprendiam sobre como os trouxas eram naturalmente inferiores e, por isso, deviam estar abaixo dos bruxos, por isso nascidos-trouxas eram naturalmente menos dotados e perigosos para uma sociedade pacífica de sangues-puros.

                Não havia nada de pacífico naquela aula.

                Mas agora o fim de semana havia chegado, e Olívia queria aproveitar esse tempo para ficar em dia com suas atividades e não se sentir assim tão deslocada. Uma das atividades era que ela aprendesse a produzir um Patrono, mesmo que não corpóreo. Ela entendia a urgência do pedido do professor de Feitiços; já que eles não estavam tendo aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, o diretor da Corvinal parecia ter assumido a tarefa para si. Isso era ruim para Olívia, cujas melhores matérias eram Feitiços e Transfiguração, pois ela queria aprender feitiços domésticos, que a ajudassem com as coisas das quais gostava, como produzir o cookie perfeito; denso, macio por dentro e crocante por fora. Mas esse era o tipo de preocupação que ela tinha em Ilvermorny, onde não lidavam com uma guerra.

                Ela estava tão concentrada em suas atividades, apesar do barulho e do excesso de cor vermelha que o salão comunal da Grifinória exibia, que quase não notou quando uma quartanista (ela estava começando a reconhecer os alunos de Hogwarts pelos anos agora) a abordou, parecendo hesitante.

—Sim? –Olívia perguntou, deixando seu livro de lado, e deixando de prestar atenção imediatamente. Queria estar fazendo outra coisa que não estudando. Ainda não tivera tempo para andar os terrenos de Hogwarts, observando a flora, vendo bonitas flores para transformar em tecidos para roupas. Logo o inverno chegaria e elas se fechariam todas, deixando-a com nada para fazer além de tortas americanas, para acalmar a saudade de casa, e strudels. Era, de qualquer forma, melhor do que a comida de Hogwarts. Ela ficara horrorizada com o pastelão de rins servido no jantar de abertura, e ainda mais horrorizada com o peixe defumado servido no café-da-manhã. Ela olhou para a pequena colega de casa, percebendo que perdera tudo que ela falara com seus devaneios. –O quê?

—Astória Greengrass e Guilhermina Peverell estão procurando por você. –Ela repetiu, lentamente como se Olívia fosse idiota. –Lá embaixo.

                A duas cadeiras de distância dela, um dos amigos de sua prima virou a cabeça, interessado.

—Obrigada. –Olívia voltou a olhar para a menina, já se levantando e recolhendo suas coisas sob o olhar atendo de Neville Longbottom. –Obrigada mesmo.

                Ela assentiu e se afastou, parecendo agradecida em ficar longe. Parecia que, na Inglaterra, havia algo intrinsecamente repulsivo sobre Olívia que mantinha todos os potenciais amigos de Casa longe. Talvez fosse o fato de que sua própria prima, do outro lado do salão, viesse a ignorando solenemente, embora dividissem o mesmo dormitório apenas com outras duas garotas; Lisa Cullen e Romilda Vane, que provavelmente fofocara com todo o castelo sobre a estranheza entre as garotas Weasley.

                Quando ela foi em direção à porta do salão, o quadro da Mulher Gorda, Neville pulou de sua cadeira, indo atrás dela. Olívia apertou o passo, mas Neville tinha longas pernas e, um segundo antes de ela alcançar a saída, ele estava na sua cola.

—Eu não acho que Gina chegou a avisar a você sobre os sonserinos, não é? –Ele perguntou, sem nem ao menos cumprimenta-la. Aquele era o problema de seus colegas grifinórios, ela concluiu. Eles queriam dizer o que ela podia ou não fazer sem nem ao menos conhecerem-na.

—Gina? –Olívia fingiu pensar. –Ela não me ensinou nem ao menos o caminho da sala de Feitiços para o banheiro feminino quando eu precisei. –Olívia respondeu acidamente. –Mas ouvi dizer que eu devia ficar longe deles, é sobre isso?

—Quem avisa amigo é. –Neville apontou. –Sonserinos não são confiáveis. São filhos de Comensais da Morte. Malfoy ano passado esteve diretamente envolvido com a morte de Dumbledore. Outra sonserina, Ariadne Rosier, atacou uma menina e fugiu da escola.

—Mina é da Corvinal. –Ela apontou. –E eles não são seus pais.

                Neville deixou os ombros caírem. Ele tinha um rosto arredondado que indicava que ele fora uma criança gorducha. Era também um pouco dentuço, mas tinha uma postura altiva e confiante; postura de líder. Havia algo nele que fazia Olívia se sentir confortável, e ela confiava em suas boas intenções. Ela apenas estava cansada do salão comunal quente, dos grifinórios barulhentos e das pessoas a evitando.

—Bem, ao menos agora você sabe. –Ele respondeu. –É melhor ter ao menos um pouco de cuidado.

—Sempre tenho. –Ela mentiu antes de sair pela porta.

 

                Havia uma névoa densa do lado de fora do castelo. Olívia havia trocado as meias grossas de lã do uniforme por delicadas meias de tule cor-de-rosa transformadas a partir de rosas cor-de-chá. Agora repensava sua teimosia em negar o lado britânico das coisas. Em Ilvermorny aquela época ainda não estaria fria o suficiente para roupas pesadas, mas em Hogwarts, com dementadores encapuzados nas entradas, estava sempre frio. Ao invés de pensar em tirar a capa longa de Hogwarts do armário, ela vestira a capa marrom de Ilvermorny, com capuz de lã e abertura para os braços, que ia apenas até a metade de suas coxas.

                Olívia simplesmente puxou o cardigã de lã para mais perto do corpo e seguiu andando na direção do lado, onde uma garota magra estava de braços cruzados olhando para a superfície plácida. Astória usava um grosso suéter verde e não olhou quando Olívia parou ao seu lado. Tinha um relógio em mãos, para onde olhava de alguns em alguns segundos.

                A nova grifinória não a interrompeu, apenas encarou também a superfície do lago, notando que algo se movia lá dentro. Olívia deu dois passos para mais perto, notando cabelos escuros flutuando próximo à superfície. Então notou a pilha de roupas jazendo na grama verde à margem do lago. Na névoa fria, a levou um segundo para encontrar sua voz.

—Isso é seguro? –Perguntou a Astória.

—Às vezes eu queria que não fosse. –A sonserina checou o relógio de novo. –Espere chegar o inverno. Neve por toda a parte, o lago quase congelado, e eu aqui fora como uma idiota congelante, contando o tempo. Mas vai acabar logo. Ela ainda não passa dos cinco minutos e tantos. Aliás, onde esteve essa semana?

—Estudando. –Olívia voltou para o lado da outra garota. –As aulas em Hogwarts são mais puxadas do que eu esperava.

—Estão assim agora. –Astória a corrigiu. –Eles resolveram nos transformar em guerreiros o mais rápido possível, provavelmente para enchermos as fileiras da Ordem da Fênix, que, pelo que sei, anda desmoronando.

—O que é Ordem da Fênix? –Olívia apertou sua varinha no bolso interno das vestes. Na América, era bastante comum que as varinhas tivessem cabos decorados com animais mágicos, como dragões e grifos, enquanto ela notara que as varinhas britânicas eram bem mais simples, com cabos de madeira crua, sem tinta. A sua varinha, especialmente, tinha o cabo entalhado com uma fênix, pintada de vermelho, com olhos negros penetrantes.

                Astória a olhou como se ela fosse um estranho novo espécime de animal aquático que voava.

—Eu esqueci que você não é daqui por um momento. –Suspirou. –A Ordem da Fênix é uma organização clandestina que visa combater o partido das trevas. Dumbledore era seu grande líder. Agora acho que sobrou para Potter, mas ele está desaparecido.

                Do lago, Mina emergiu, arfando e fazendo a superfície ondular ao redor dela. As duas garotas foram para mais perto da água. Mina estava apenas de roupas de baixo, e tremendo. Astória foi buscar suas roupas, enquanto rapidamente Olívia fazia nela um feitiço de secamento.

—Quanto tempo? –Perguntou Mina, os lábios roxos.

—Cinco minutos e vinte e três segundos. –Astória entregou para ela o relógio com os ponteiros congelados. –Não é seu melhor tempo.

—Eu não pratiquei nas férias. –Mina se defendeu.

                Astória pareceu como se fosse responder, mas então um rumor de conversas foi levado pelo vento até o trio de meninas. As três viraram para trás, lançando os olhares colina acima, para a entrada do castelo. Naqueles últimos cinco minutos o sol havia saído de trás das nuvens, e a névoa diminuíra consideravelmente, deixando que elas entrevissem um grupo de cinco sonserinos, conversando e descendo na direção dos jardins.

                Mina abriu um grande sorriso.

—Olha só Draquinho ali, Ast.

                Olívia não conhecera Draco Malfoy, mas ouvira falar dele, então focou no garoto louro e pálido por um segundo. Suas faces eram encovadas de uma forma que não parecia saudável e haviam olheiras cinzentas debaixo de seus olhos que ela podia ver mesmo daquela distância. Com ele, estavam duas garotas: uma delas parecia muito com Astória, a outra tinha cabelos escuros cortados curtos e um nariz achatado de buldogue. Os garotos eram altos; um deles negro, de cabelo cortado curto rente à cabeça e o outro de ossos do rosto afiados.

—Ah, cala a boca. –Astória respondeu, mas sem força; suas bochechas estavam num perigoso tom de vermelho-escarlate e ela olhava para o grupo vindo pelo canto do olho, como se não pudesse evitar.

                Àquela altura o grupo as havia visto também e descia na direção das meninas, ainda conversando entre si.

—Vocês estão sabendo? –Perguntou a garota parecida com Astória assim que estava próxima o suficiente para ser ouvida. –Os Decretos Educacionais estão de volta.

                Mina bufou, incrédula.

—Está brincando.

—Theo? –A Astória mais velha se virou, pedindo para um dos garotos elucidar.

—Não todos. –O garoto de belos ossos faciais interviu. Ele também tinha belos olhos azuis muito claros, o céu no segundo que o sol surge de manhã. –Até agora é proibida qualquer literatura não-bruxa, proibidos animais nos corredores, proibidos produtos das Gemialidades Weasley, não com essas palavras, mas é a ideia, e acho que os professores vão ter suas aulas “avaliadas” pelo “ministério”. Nada que nos afete; Snape garantiu isso ao menos.

—Bem. –Mina deu de ombros, já que Astória parecia muda. –Ao menos ainda podemos nos reunir em grupos de cinco pessoas ou mais, e ficar perto de garotos. Odiava quando não podíamos.

—Não vejo porque avaliar os professores. –O garoto negro disse friamente. –Principalmente agora que eles decidiram quem vão ser os professores. Bloxam e os Carrow, afinal, são escolhas deles.

—Bloxam não. –O menino louro pontuou. –Bloxam é de Snape.

—Os outros então. –O primeiro menino revirou os olhos, como se Bloxam fosse apenas detalhe.

—É, mas vocês têm assistido as aulas de Mcgonagall e Flitwick, não têm? –Foi o garoto louro que falou agora; ele tinha uma voz agradável, nada como o seu rosto arrasado. –São treinamentos. Não vão gostar disso.

                Olívia, irritada, finalmente jogou as mãos para cima, chamando atenção dos colegas.

—Quem são “eles” de quem vocês tanto falam? –Inqueriu, sem manter a impaciência fora da voz.

                Houve uma pausa quando todos os colegas pareceram notar a sua presença.

—Ah. –Disse o garoto negro. –Americana.

                Olívia teve ganas de esganá-lo.

                Astória, com paciência, se voltou para ela.

—Olívia, preste atenção. –Ela pediu com seriedade. –“Eles” são o Partido das Trevas, que está oficialmente no poder desde agosto. Eles mataram o antigo primeiro-ministro e colocaram o novo no poder. Mas por trás estão os Comensais da Morte. –Quando ela terminou, franziu a testa para a grifinória. –Eu esperava que os Weasley fossem te dar um curso completo sobre isso; em quem confiar e em quem não confiar.

—Se tivessem dado, acho que eu não teria falado com vocês no trem. –Apontou, ao que Astória deu um sorrisinho jocoso.

                Mas agora o grupo de sonserinos recém-chegados também tinham os seus olhos nela.

—Você é a nova Weasley. –Disse o garoto negro, com ares de surpresa. –Sou Blaise Zabini. Esses são Draco Malfoy, Theodore Nott, Dafne Greengrass e Pansy Parkinson. Aparentemente suas novas amigas não têm os modos para apresenta-la corretamente.

                Mina pareceu que daria uma resposta malcriada, mas foi logo interrompida pela garota com os cabelos curtos.

—Onde está a outra Weasley, vocês se perderam? –A pergunta foi feita com toda a seriedade, mas Olívia, que era dada à verdade, conseguia sentir a ironia em seu tom.

                Olívia olhou para as amigas recém-feitas, mas elas não responderam por ela; ao invés disso, olhavam curiosas, querendo também saber a resposta. Olívia olhou no rosto da garota que perguntou antes de responder:

—Não nos damos muito bem. –Admitiu. –Gina me deixou para descobrir o castelo por mim mesma.

                No momento seguinte, todos os olhos ainda grudados nela, com curiosidade, ela soube que estava sendo avaliada. Não tinha motivos para mentir, mas talvez eles pensassem diferente. Ela sentia falta de casa, de suas amigas estabelecidas, e de não ter que se preocupar se estava do lado certo.

                Nenhum deles parecia conseguir achar uma resposta para o que ela disse, mas então o garoto de ossos afiados, Theodore, fez uma cara muito séria.

—Talvez ela seja uma espiã. –Ele sugeriu, e se inclinou para frente, tanta intensidade em seus olhos muito claros, que Olívia se inclinou para trás em resposta.

—O que eu estaria espiando? –Perguntou com curiosidade real. –Devo verificar se vocês não estão armando contra a Grifinória?

                Nott se inclinou para trás, sorrindo, e ela soube que ele estava a provocando antes. Os outros também deviam saber, porque tinham expressões leves.

—Talvez estejamos criando a “armada das trevas”. –Astória revirou os olhos. –Para combater a Armada de Dumbledore.

                Todos riram, mas Olívia ficou em silêncio mais uma vez.

—O que é a Armada de Dumbledore? –Perguntou, saboreando como as palavras soavam em sua boca.

                Sentiu todos os seus colegas suspirarem conforme eles se entreolhavam para sortear quem a responderia dessa vez.

 

                Olívia garantira que poderia encontrar o seu caminho pelo castelo sozinha, mas agora não conseguia encontrar as escadarias que levariam à torre da Grifinória. Maldição, ela não conseguia se quer garantir que sabia em que corredor entrara. Ela estava perambulando há mais tempo do que a levara da torre da Grifinória ao lago, e não conseguia mais fazer o caminho de volta.

—Perdida? —Perguntou uma voz atrás dela. Uma lenta, arrogante e imediatamente familiar.

                Theodore se encostava à parede casualmente.

                Olívia pensava que, no geral, a verdade era preferível às mentiras, mas também não queria bancar a idiota.

—Estou procurando a cozinha. –Mentiu.

Em Ilvermorny, era o seu local preferido no castelo. A cozinha era aberta para todos, mas pouco frequentada. Tinha o teto alto, cheio de vigas de madeira o sustentando, janelas amplas que davam vista para o jardim de inverno, e uma brisa fria para afastar o bafo quente do forno.

Então ela considerou a presença do garoto no corredor.

—Estava me seguindo? –A pergunta não era provocativa; embora ela não pudesse ver porque ele faria isso.

                Theodore a ignorou em absoluto.

—Me deixe mostrar a você o caminho. –Sugeriu. Então notou que Olívia ficou reticente. De repente, estava pensando no conselho de Neville. —É claro que pode simplesmente continuar vagando por conta própria se realmente quiser. —Acrescentou. —Embora deva alertá-la de que há pelo menos três ou quatro portas no castelo que você realmente não deveria abrir. Uma delas vai dar no gabinete da professora Trelawney, lugar terrível, mulher horrorosa. Uma abre para o vazio, e você nunca sabe quando está no alto de uma torra, a queda seria moral. É uma escola mágica, pode ser temperamental.

                Olívia não achava que Theodore Nott devia ser perigoso, e não confiava nele mesmo assim. Era uma desconfiança que tinha menos a ver com lados e mais com o fato de ele ser estonteantemente bonito. Sua tia sempre a avisara para não confiar em rapazes bonitos demais.

—Não acredito em você. –Pontuou. Então hesitou. –Mas não gosto de perambular.

                Para a sua surpresa, o sonserino foi um perfeito cavalheiro. A acompanhou pelos corredores, indicando as entradas de banheiros, as escadas mais seguras (menos dadas a mudar de lugar de repente), e os quadros mais gentis, que a dariam indicação de lugar de forma mais fidedigna.

                Os dois pararam diante de um quadro de natureza-morta; uma tigela de frutas pintada a óleo. Olívia olhou para o quadro brevemente; não se interessava muito por pinturas, então olhou para o garoto. Theodore sorria como Lúcifer devia ter sorrido ao ser expulso do paraíso.

—Faça cócegas na pêra. –Ele a instruiu, sem parar de sorrir.

                Olívia sempre havia vivido no mundo da magia. Era perfeitamente possível que fazer cócegas na pêra fosse a senha para passar pela porta, mas, por outro lado, talvez ela fosse se tornar a nova piada da Sonserina; a garota que bulinava frutas.

—Então, srta. Weasley? –Ele insistiu. –Você é sempre assim tão desconfiada ou eu pareço perigoso para você?

                Olívia sentiu que suas bochechas estavam ficando perigosamente quentes. Nott fingiu não notar.

—Temo que esteja brincando comigo, Sr. Nott. –Admitiu.

                Theodore devia ter gostado de sua franqueza, porque anuiu com um meneio de cabeça e fez cócegas na pêra ele mesmo. Como ele havia prometido, a pêra bem verde virou uma maçaneta igualmente verde. Theodore segurou-a e Olívia se sentiu idiota por ter se recusado a tentar ela mesma.

                Antes de abrir a porta, ele se virou.

—Você pode me chamar pelo nome. –Sugeriu. –Não serão necessárias formalidades se for amiga de Mina e de Ast.

                Olívia pensou sobre isso.

—Me chame de Olívia, então. –Concordou.

                Ela ficou esperando que ele abrisse a porta, finalmente. Ao invés disso, Theodore passou os olhos por ela; apenas pelo rosto, mas foi um olhar cuidadoso, como se a estivesse vendo de fato apenas agora. Seu olhar passou pela linha dos cabelos, pela têmpora, e nariz. Olhou os lábios, rapidamente, então a encarou nos olhos e sorriu.

—Olívia. –Testou, como se pudesse sentir o gosto de seu nome na ponta da língua. Ela jamais notara que seu nome rolava pela língua; o biquinho que os lábios faziam no O, e depois como o resto se desenrolava ladeira abaixo depois disso.  –Entre.

                Finalmente, Theodore abriu a porta.

                As cozinhas de Hogwarts não eram nada como as de Ilvermorny. O teto era alto, e era cheia de utensílios, caldeirões e armários. Mas era escura, iluminada por luz de velas, com pouca ventilação. Havia uma lareira grande o suficiente para um grupo de pessoas, ao lado de um fogão industrial. As paredes eram de pedra como no rosto do castelo, e haviam quatro mesas como a do salão principal, de madeira crua de um lado a outro do ambiente largo.

                A parte mais estranha, porém, é que havia lá dentro um grupo de criaturas sobre as quais Olívia apenas lera em livros. Ela deixou o queixo cair de surpresa quando vários pares de olhos grandes e redondos como bolas de tênis se viraram para os dois recém-chegados.

—Como podemos servir os dois jovens senhores? –O elfo doméstico perguntou.

                Olívia sentia como se houvesse perdido a fala, mas Theodore tomou iniciativa com familiaridade em sua voz mandona –a voz era tão cheia de autoridade que os nervos de Olívia ficaram retesados em incômodo.

—Traga dois copos de suco de abóbora, tortinhas de rins e....

                A ruiva o interrompeu, agora seu incômodo transformando-se em indignação.

—De jeito nenhum! –Exclamou, olhando feio para o colega. –Não essa terrível comida de Hogwarts. Traga-me, se possível, massa folhada, maçãs, açúcar, nozes, canela, noz-moscada, cravo e ovos, por favor.

                Theodore olhava para ela com curiosidade. Quando cinco elfos se afastaram, correndo para atender às suas demandas, ela se sentou num dos bancos de madeira, e ele se sentou ao seu lado.

—Para que tudo isso, Livy? –Perguntou.

                O coração de Olívia perdeu uma batida, engasgando-se.

—Não gosto da comida de Hogwarts. –Anunciou, mas baixinho para que os elfos não se ofendessem. –É rústica, e gordurosa.

—É só comida. –Theodore deu de ombros.

                Olívia sentiu aquele arroubo de paixão que às vezes a ocorria quando estava em uma cozinha.

—Comida! –Exclamou. –É por isso que vocês, britânicos, fazem coisas terríveis. Não é só comida, é prazer. Você nunca se deliciou comendo o seu doce preferido?

—Não particularmente. –Ela podia dizer que Theodore estava a provocando com sua resposta, mas não se incomodou. –Pode ser que uma torta de fígado ou outra tenha chamado minha atenção.

                Ela tentou conter um arrepio de horror.

—Vou mudar a sua vida, então. –Olívia, que já tinha as mãos na massa, esticando-a por cima de uma assadeira antes de colocar o recheio, se virou para olhar risonha para Theodore, mas ele tinha assumido um ar sério e hesitante, como se ofendido.

                Ele olhou para o outro lado quando ela o encarou.

—Acho melhor irmos. –Anunciou. –Está tarde. Tem aula amanhã cedo.

                Olívia murchou, olhando o seu strudel feito apenas pela metade. Queria insistir, mas já fora gentileza dele a apresentar às cozinhas, agora parecia que seria ser insistente pedir que a esperasse terminar. A ruiva deixou para trás sua receita, pedindo a um dos elfos que a guardasse para que ela a terminasse no dia seguinte.

                Do lado de fora, Theodore ainda a guiou com todo o cuidado até a Torre da Grifinória, indicando os melhores caminhos para se tomar na volta para o salão principal no dia seguinte. Ele a deixou no pé da escadaria, pois não tinha como saber exatamente onde era a entrada do salão comunal, e Grace ficou observando sua figura pálida ficar mais e mais distante quando ele se virou e foi embora, até sumir numa esquina.


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Notas finais do capítulo

Bem, Olívia está por fora, mas ainda tem muita água a rolar por debaixo dessa ponte! Pretendo manter as postagens semanais por aqui, mas tenho tido pouco tempo para escrever, e podem acabar demorando um pouco mais. Enfim, até o próximo capítulo!
XOXO



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