As Crônicas de Aethel: O Livro dos Magos escrita por Aldemir94


Capítulo 17
O Último Duelo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807574/chapter/17

Os olhos cinzentos de Gael olhavam fixamente para aquela visão inesperada que viera do além para lhe atormentar a alma: Aethel vivia e portava a reluzente Excálibur, um escudo brilhante e aquele olhar confiante, firme e cheio de convicção, que tanto se viu na face dos grandes reis e rainhas do passado, quando o próprio tempo ainda era uma criança dando seus primeiros passos junto a Deus.

O rapaz olhava para Gael e seu exército numeroso, mas não se intimidou, antes, propôs seu desafio:

—Como no céu não há dois Sóis, na Terra não há dois césares! O Universo está cheio de estrelas mas apenas uma ilumina este mundo para livrá-lo da escuridão. O que aconteceria, caso houvessem dois discos dourados abrilhantando o céu pela manhã? O solo seria mais fértil? Ou a terra secaria e a vida se extinguiria?

—Onde quer chegar? – perguntou Gael.

—Você deseja o grande trono dourado dos ghalarianos, para reinar soberano sobre os mundos, como Zeus no Olimpo, mas fui eu aquele que venceu o desafio da Excálibur e, portanto, tenho legitimidade para colocar a coroa.

—O que você tem em mente, discípulo de Merlin? Certamente não viria até mim apenas com discursos floreados.

—Proponho um duelo entre nós, e que o vencedor seja aquele que reinará sobre Ghalary.

—Você vem a mim apenas com uma espada e um discurso... e espera que eu aceite um desafio estúpido, apesar de ter um exército invencível e o poder do coracor? Soldado! Avançar! 

—Minha nossa – disse Aethel – talvez eu deva mencionar que há, em certo jardim florido, uma moça que dorme tranquila, à espera de alguém que a desperte... como era o nome dela? Anne... Ágata... ou Agnes?

—Você... então quer dizer.... seu maldito! O que fez? O que você fez?!

De todos os presentes, apenas Merlin não estranhou a fúria no rosto de Gael, que fez até Björn tremer em sua armadura dourada, o que fez as hostes malignas que ainda observavam tudo a distância, bruxas, fadas más, etc, se esconderem na floresta.

Mantendo a calma, Aethel continuou:

—Covardes não podem ser reis, Gael. Se seu poder é tão imenso, então deveria estar certo de uma vitória fácil. Porque hesita? Afinal, só tenho uma espada e lindas palavras, não é verdade?

—Sim, você está certo – disse Gael, se acalmando – muito bem, se é preciso isso para destruir o que restou das esperanças de Merlin, então aceito o desafio. Björn, se afaste! Soldados! Abram um círculo para o duelo!

Obedecendo ao seu mestre, os soldados formaram um grande círculo ao redor de todo aquele local, o que deixou a Cabana do Mistério, Dipper, Mabel e os outros, dentro da área onde se daria  combate.

Gael abriu sua mão esquerda e, em meio a luzes, surgiu uma grande zweihänder: uma espada de lâmina escura, empunhadura de couro alemão com dois pequenos sabres próximos a ela e uma estranha aura sombria ao redor de toda aquela arma. 

Segurando a reluzente espada na mão esquerda e o escudo na direita, Aethel avançou em direção a Gael, mas o mago segurou sua espada sombria com as duas mãos, levantou a lâmina e golpeou com força a Excálibur, obrigando Aethel a defender o ataque inimigo com ambas as mãos na empunhadura, tamanha foi a violência do golpe.

Sem recuar, Aethel empurrou sua espada em direção ao peito de Gael, buscando aproveitar-se da momentânea abertura do inimigo para encerrar o combate com uma estocada rápida, porém, o mago recuou dois passos e afastou o rapaz com uma rajada de ar de sua mão direita.

Voltando a segurar a empunhadura de sua zweihänder e arrastastando-a pelo chão, Gael correu em direção a Aethel, e tentou desnortear o garoto com um corte partindo de baixo, o que fez o escudo erguer-se por um breve momento, abrindo a guarda do rapaz.

Felizmente, Aethel já esperava por isso, então abaixou a Excalibur, dobrou o joelho esquerdo e firmou posição com a perna direita, o que impediu que o rapaz fosse ao chão e lhe permitiu uma estocada rápida no braço de Gael, cortando parte de sua manga esquerda e fazendo-o largar a lâmina sombria por breves segundos.

Gael logo entendeu seu grande equívoco em escolher uma arma que, a despeito de permitir golpes pesadas, era demasiada lenta para se manusear, além de necessitar de duas mãos para ser segurada, o que deixava o mago sem ter como lançar suas magias ou criar escudos.

Gael conhecia as regras antigas dos duelos entre guerreiros e sabia que não poderia usar suas magias contra Aethel, a menos que essas fossem meras armas encantadas, como aquelas tão descritas nas lendas antigas.

Naturalmente, era preciso que houvesse certo equilíbrio, isto é, armas mágicas eram liberadas na medida em que o adversário também as possuísse, segundo os ditames do primeiro rei de Galary, muito bem registrados desde tempos remotos.

O mago sombrio desejava que aquele combate lhe conferisse algum grau de legitimidade, então abandonou sua espada e fez surgir de suas mãos um tridente escuro, com desenhos de sereias, tritões e peixes ao longo do cabo de metal.

Avançando em direção ao aspirante a rei, Gael rodou com sua arma e, dando um salto, golpeou a Excalibur do alto, obrigando Aethel a se ajoelhar para evitar ser pego pelos dentes do tridente.

Com o escudo, Aethel empurrou o mago, fazendo-o recuar alguns passo, enquanto o rapaz segurava sua espada com a mão esquerda, com firmeza, para avançar e golpear com violência o tridente de Gael, que logo se partiu em dois, embora o mago tenha saído intocado.

De repente, o mago se viu segurando um bastão inútil e um tridente com cabo muito curto (resultado do ataque de Aethel), porém, aproveitando-se da nova abertura do rapaz (que levaria alguns segundos para se levantar do recente ataque), Gael transformou seu bastão em um segundo tridente curto e, talvez movido por alguma força demoníaca, cravou ambos os tridentes em Aethel, que não conseguiu se defender a tempo com o escudo.

A dor do rapaz era terrível, mas como não poderia recuar, considerando tudo o que estava em jogo, Aethel acertou os braços de Gael com seu escudo triangular e, em um golpe certeiro partindo do ar, acertou o rosto do mago com a Excalibur.

O ataque não fez mais do que um ferimento leve, mas não significa que doeu menos, de modo que o mago levou as duas mãos ao rosto e tentou cobrir o sangue, em um gesto instintivo, dando a Aethel uma nova abertura para encerrar aquela luta.

Os braços do mago também haviam sofrido com o impacto do escudo, então Gael entendeu que precisava terminar com a batalha o mais breve quanto possível, tendo em vista que teria dificuldades em manusear outras armas brancas, já que o peso delas lhe traria ainda mais dor.

“Cristo… me dê forças” sussurrou o rapaz, que já sentia suas forças se esvaírem ante o sangue que manchava sua camisa, enquanto suas pernas tremiam e seu corpo era tomado de um frio assustador.

Fazendo aparecer de sua mão direita uma lança leve, Gael tentou acertar Aethel no peito, mas seu golpe não foi forte o suficiente (talvez por sua mão esquerda ainda estar cobrindo seu rosto), então o rapaz conseguiu conter o ataque com seu escudo e puxar aquela nova arma de seu inimigo, fazendo o cair de joelhos.

Gael tentou se levantar rápido, mas Aethel segurou o coracor e o puxou com força, apesar de sentir-se cada vez mais fraco, tentando arrancar o objeto do pescoço de seu inimigo.

O mago sombrio não permitiria tamanha insolência, então sussurrou encantamentos misteriosos que fizeram a terra estremecer e jatos de lava incandescente jorrar aos borbotões do chão, enquanto imensas esferas de fogo caíam sobre Gravity Falls com intensidade.

“Esta cidade ficará debaixo da lava para sempre”, disse Gael, enquanto golpeava com a mão direita um dos ferimentos de Aethel, provocando-lhe uma dor infernal, ao que o rapaz disse:

—Você foi ao chão e ainda usou magia… hahaha, Gael, você perdeu o duelo.

—E por qual razão devo me importar? Depois de eliminá-lo, vou caminhar sobre esta cidade destruída.

“Porque está parado, Björn?! Os inimigos não estão diante de vós?! Soldados! Matem! Matem todos!”, gritou Gael, enquanto segurava Aethel pelo pescoço e o levantava até que seus pés não tivessem mais qualquer contato com o chão.

Os soldados avançaram em direção a Merlin e a cabana, enquanto a tropa do bondoso mago tremia ante aquele ataque que, bem sabiam, não conseguiriam segurar.

De repente, uma flecha cortou o ar e partiu a corrente do coracor, permitindo que Aethel afastasse a jóia do pescoço daquele que foi, durante aquelas horas dolorosas, o mago mais poderoso que já existiu.

Olhando ao redor, Aethel viu sua querida Mabel, sorridente, montada em seu unicórnio e segurando o arco que lhe fora presenteado naquela noite terrível, quando o rapaz foi até o círculo de pedra.

“Belo disparo, Mabel! Robin Hood ficaria orgulhoso”, disse Aethel, enquanto Gael, com um olhar incendiário, sussurrou algumas palavras para o rapaz:

—Mesmo sem o coracor, ainda sou um mago… vai pagar por ferir meus rosto.

—Acha que é tão fácil? Olhe a volta Gael… os que desfrutaram da liberdade… jamais se curvarão ante a tirania… Agnes ficaria envergonhada.

Sem entender o que acontecia, Gael olhou com mais atenção e viu, em choque, seus soldados armados sendo enfrentados por Mabel, Wendy, Ford e todos os outros, enquanto Merlin lhes dava as ordens de Aethel, como esse havia determinado, mantendo a formação e jamais se dispersando.

Até Dipper, ainda ferido, tentava golpear os soldados inimigos a esquerda e a direita, com o tanto de força que era capaz, enquanto Pacífica ficava ao seu lado, segurando uma espada curta e tentando afastar os soldados que se aproximavam.

“O que você vê, Gael?”, perguntou Aethel, tentando não perder a consciência, ao que  mago respondeu:

—Vejo tolos resistindo ao inevitável.

—Eu vejo esperança. – disse Aethel, enquanto segurava o manto do mago com com sua mão direita e lhe golpeava no estômago com a esquerda, usando o cabo da Excálibur.

Apesar de sentir dor pelo golpe, Gael tentou pegar o coracor das mãos de Aethel, mas o rapaz segurou com força a jóia, enquanto tentava afastar o mago com o braço direito e o escudo.

 Segurando a Excalibur com força, Aethel mirou a lâmina no ventre de seu adversário, pronto para dar o golpe final e acabar com aquela guerra, porém, um sentimento de culpa começou a tomar seu coração e logo o rapaz sentiu-se tão vazio quanto um jarros de óleo quebrado no deserto.

Ao redor, Aethel via como os Pines resistiam aquele exército, a maneira como Stanley acertava os soldados com seu soco inglês, o modo como Ford atirava em Björn usando uma pequena arma de raios que tremia sempre que efetuava um novo disparo e, tão peculiar quanto possível, a habilidade com a qual Wendy manuseava um velho machado de lenhador, cortando os cabos de madeira daquelas poderosas lanças.

Não era possível dizer que estavam vencendo, pois as tropas de Gael rapidamente recuperavam as lanças avariadas, consertavam as espadas rachadas e tornavam os velhos escudos tão arrumados como se jamais houvessem sido golpeados pelos amigos de Aethel.

Com um golpe certeiro, Aethel feriu a coxa esquerda de Gael com sua espada, fazendo o mago sentir suficiente dor para soltar o rapaz e se abaixar, em uma tentativa de cuidar daquele novo ferimento doloroso.

Era verdade que o rapaz havia perdido uma boa chance de eliminar o mago sombrio, porém, a simples menção de derramar o sangue de Gael daquela maneira parecia, de alguma forma, errada.

Talvez o fato de ainda se recordar de Agnes fosse o motivo que, de forma tão estranha, segurava a mão esquerda de Aethel, impedindo-o de eliminar aquele que foi, durante tempo demais, a fonte de seus infortúnios.

De repente, Gael segurou no coracor e, tentando tirá-lo de Aethel, fez a joia emitir ondas de luz tão poderosas, que fizeram as hordas de soldados caírem, os unicórnios tombarem e Merlin cobrir o rosto, na tentativa de se proteger.

“Me entregue o coracor, seu moleque!”, gritava Gael, mas o rapaz ainda segurava o objeto com firmeza, apesar de se sentir cada vez mais fraco devido ao sangue perdido.

Afastando o coracor do mago, Aethel ordenou com voz de trovão “para trás, mago sombrio, que hoje a esperança não ficará presa na caixa!”, sendo que, logo em seguida, um poderoso raio de cor azulada saiu da jóia e lançou Gael a alguns metros.

Levantando-se do chão, o mago encheu-se de tamanha fúria que uma estranha energia esverdeada começou a tomar conta de seu corpo e, em um grito, Gael liberou toda aquela força em uma onda de choque tão poderosa, que fez até madame Min, que estava a vários metros dali, ser lançada em direção às árvores.

Aethel se recordou de quando viu Gael ainda criança, naquela visão do passado e, em suas reflexões, cogitou se o mago não continuava a ser aquele garoto encurralado e assustado, em busca de algum refúgio tranquilo e seguro.

Sentindo que logo perderia a consciência, Aethel aproveitou-se do momento de fúria do mago sombrio, ajeitou um cordão no pescoço (feito de um pedaço de sua camisa) e colocou nele o coracor, sentindo no momento uma corrente elétrica poderosa percorrer todo o seu corpo.

Suas feridas já não doíam tanto quanto antes, ou talvez a dor de toda aquela energia mágica fosse tão terrível, que os ferimentos do rapaz já não produziam dor que pudesse suplantar aquela nova agonia, que tanto atormentava o discípulo de Merlin.

Aethel ergueu a Excalibur e ordenou que aqueles soldados sem-mortos retornassem para  “reino das sombras”, a terra onde os mortos em batalha deveriam repousar após terem  sangue derramado, sendo prontamente atendido.

Sim, o mundo dos mortos era o lugar daqueles guerreiros antigos, de modo que cada um dos soldados armados desapareceu em meio a uma névoa esverdeada, sem mostrarem expressões que evocassem medo, lamentos ou emoções por ter lutado sob as ordens de Gael.

Segurando uma lança, Björn avançou em direção a Aethel, porém, o rapaz acertou o elfo com a palma da mão esquerda, despedaçando a armadura dourada e deixando-o caído.

Apesar do ataque, o elfo ainda teve forças para se levantar e, segurando um pedaço de lança, correu em direção a Aethel, aproveitando-se que o rapaz estava com as costas desprotegidas, quando, de repente, Pacífica deu um grito de horror…

Dipper Pines, que havia se posicionado de frente ao elfo, recebera o golpe de lança próximo ao ombro esquerdo, caindo logo em seguida, enquanto Aethel estendia o braço esquerdo e, com a mão aberta, fazia Björn flutuar no ar.

“Vou pulverizar você, seu elfo insolente”, disse Aethel, enquanto lançava seu inimigo com força em direção aos arvoredos em chamas.

Pacífica correu até Dipper e o abraçou, em lágrimas, enquanto tentava cuidar daquele ferimento grave, porém, o jovem logo estava perdendo a consciência, enquanto era tomado por uma sensação gélida pelo corpo.

Merlin correu até o gêmeo, sendo acompanhado por Mabel, que não podia acreditar que seu irmão, o segundo “gêmeo do mistério”, estava partindo para o caminho da eternidade, onde ela não poderia vê-lo de manhã, folheando algum livro sobre esquisitices ou segurando o chapéu de Wendy.

Porém, algo ainda mais terrível chamou a atenção da garota…

Mabel olhou para Aethel e ficou chocada com a expressão de fúria estampada em seu rosto: seus olhos pareciam tomados por uma chama fulgurante, como se ele estivesse mergulhando em algum estado de insanidade.

Estendendo sua mão direita, Aethel fez Gael sair voando com força em sua direção, segurou-o pelo pescoço e o jogou no chão violentamente.

A seguir, o rapaz segurou a Excalibur e preparou-se para golpear o mago com força, quando, de repente, uma voz doce vinda da espada pareceu sussurrar para Aethel “mantenha o controle, não seja tomado pela fúria”, o que o fez cravar a lâmina no chão.

“O que você deseja”, perguntou a voz que, sem dúvidas, deveria ser de Nimue, ao que Aethel respondeu “quero que isso acabe”, fazendo o coracor brilhar com tanta intensidade, que a luz cobriu tanto ele quando o mago sombrio, transportando a ambos para a grande floresta em Avalon.

Após retirar a jóia do pescoço, Aethel sentou-se aos pés de um dos grandes carvalhos, cansado daquele dia extenuante, enquanto Gael tentava se recompor, limpando seu manto e olhando ao redor, buscando algum ponto que lhe servisse de referência.

“Venha comigo, Gael”, disse Aethel, ainda em luta para permanecer acordado, sendo atendido por Gael, que nada podia fazer contra alguém que portasse o coracor, porém, o mago não mostraria temor diante de ninguém:

—Me devolva o coracor e eu curo seus ferimentos - disse o mago sombrio, sendo ignorado por Aethel, que caminhou até que ambos chegassem até a clareira onde dormia a bela Agnes.

O mago olhou o esquife de mármore, os desenhos, a moça com seu vestido, o rosto tranquilo, como se estivesse mergulhada nos mais belos sonhos de criança e também as belas flores, que cresciam aos montes naquela clareira.

Enquanto Gael visitava as mais belas e trágicas lembranças de seu passado, Aethel tentava curar seus ferimentos com o coracor (tarefa quase impossível para alguém que entendia pouco ou nada de magia natural), sem tirar os olhos do mago, pois ainda pairava um clima de desconfiança recíproca.

“A rainha Clarion disse que você precisa ter fé, esperança, amor e paz de espírito para despertar a moça”, disse o rapaz para seu inimigo, sendo respondido com frieza:

—Ela quer que eu volte a ser aquele garoto do passado…

—Me diga, Gael, o que te impede de voltar à razão? Orgulho ou vaidade?

—Veja Agnes deitada nesse esquife, este é o resultado da fraqueza de Merlin! Com o coracor, eu tenho poder suficiente para extirpar da Terra os bárbaros e ignorantes, como Vortigern.

—Sinceramente, Gael… você e Vortigern são assustadoramente parecidos… acho até que você consegue ser ainda pior.

—Parecidos? Vortigern destruiu aldeias, trouxe a ruína para os inocentes, manipulou pessoas desesperadas, iniciou conflitos inúteis, buscou se impor acima de todos e trouxe destruição! Ele incendiou o mundo e trouxe devastação em tudo que tocou!

—Igual a você. – disse Aethel, com voz tranquila.

Neste momento, o mago ficou em silêncio, enquanto buscava uma resposta que justificasse seus últimos atos, porém, nada vinha a sua mente, com exceção de um crescente sentimento de vergonha que apenas tornava-se mais forte conforme Gael fitava a expressão serena de Agnes.

“Eu desejava um mundo sem guerras… sem fome… existe pecado nisso?”, perguntou o mago, enquanto recebia resposta de Aethel:

—Acho que o mal não está no sonho, Gael, mas no método que você usou para tentar alcançá-lo.

—Você deve ter razão… mas já é tarde para mim.

—Chega de desculpas, Gael – respondeu Aethel, cansado – pelo que entendi, você sonhou com um mundo perfeito para Agnes, mas não acho que tenha perguntado o que ela achava dessa utopia.

—Quem pode saber? – disse o mago, dando de ombros – minha Agnes dorme o sono da eternidade e nem com o coracor eu poderia despertá-la.

—Gael… você pode despertar a moça quando quiser… só precisa se lembrar de quem você foi, só isso.

—E para quê ela deveria acordar? Para descobrir que tudo o que ela amava se foi?

—Gael… o sofrimento faz parte da vida… não pode esconder dela tudo o que aconteceu, pois no final você só vai se odiar ainda mais. Além disso, ela deve guardar muitas lembranças boas para aguentar qualquer verdade dura que você precise contar.

Fechando os olhos, o mago se lembrou das noites de verão em que passeava com Agnes, admirando a grande Lua, as estrelas do céu, o lago que refletia a luz do luar, as flores que aquela moça de cabelos dourados tanto amava e até dos abraços quentinhos que ela lhe dava diante da lareira…

Tudo parecia tão distante, esquecido, sem cor, mas ainda assim, eram as lembranças mais doces que ainda habitavam aquele coração dolorido, cujas feridas jamais haviam cicatrizado por completo.

Erguendo as duas mãos, Gael fez a tampa de ouro e cristal flutuar e pousar ao lado do grande esquife de mármore, mas ainda temia se aproximar de sua amada de vestido verde e cabelos de ouro, perguntando-se "poderia despertá-la? Serei capaz?”

Caminhando lentamente, o mago admirou aquela que, para ele, era a mulher mais bela do mundo, segurou sua mão direita, ainda quente e, olhando com ternura, disse “Agnes, me perdoe… eu te amo”, beijando os lábios cálidos da moça em seguida.

Fechando seus olhos, Gael pedia a Deus que, de alguma forma, aquilo fosse o bastante para despertar aquela criatura inocente que, por equívocos do mago, havia sofrido tanto.

De repente, o feiticeiro sentiu algo quente tocar sua bochecha esquerda, fazendo-lhe derramar uma lágrima: Agnes havia, finalmente, despertado de seu sono sem fim.

Segurando as mãos da moça, Gael ajudou-a a sair de seu esquife e a abraçou com ternura, enquanto pedia perdão pelos erros do passado:

—Deus… eu quase arruinei tudo. Agnes, me perdoe… eu lamento.

—Gael – disse Agnes, com voz de quem acaba de despertar – vamos para casa, por favor.

—Nosso lar não existe mais, Agnes, Vortigern destruiu tudo… sua aldeia, amigos, sua…

—Eu sei – disse Agnes, começando a chorar – eu lembro da flecha, de você me segurando nos braços… casa é onde o coração descansa. Vamos para algum lugar tranquilo, como costumávamos fazer antes.

Os dois se abraçaram com ternura, enquanto Aethel sentava-se aos pés de uma árvore; um grande carvalho frondoso rodeado por grama fresca e flores por toda parte.

Olhando para Aethel, o mago perguntou se poderia compensá-lo por todos os problemas que havia causado, ao que Aethel respondeu:

—Se for possível… eu adoraria não sangrar até a morte… eu nem consigo descrever o quanto eu ficaria agradecido se me curasse logo.

Ouvindo isso, Gael riu como a muito não fazia,  tirou uma varinha de madeira do manto e a rodopiou no ar por três vezes, dizendo em seguida “que passe a dor e os ferimentos sejam curados”, o que fez um pequeno redemoinho de estrelas brancas e amarelas rodearem Aethel e curar seus machucados.

Apesar de estar recuperado, o rapaz ainda estava exausto por tudo o que havia passado, então adormeceu aos pés do carvalho antigo, enquanto Agnes e Gael recuperavam o tempo perdido com um beijo apaixonado…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Zweihänder:
Trata-se de uma espada de duas mãos ("Zweihänder" quer dizer "duas mãos", em alemão).
Foi implementada na Alemanha durante o século XIV, porém, foi apenas no século XVI (durante o governo de Maximiliano I, Sacro Imperador Romano-Germânico) que ganhou notoriedade.
Foi a arma usada por Pier Gerlofs Donia.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Crônicas de Aethel: O Livro dos Magos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.