As Crônicas de Aethel: O Livro dos Magos escrita por Aldemir94


Capítulo 1
Os Viajantes




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807574/chapter/1

O Sol estava se pondo, como sempre o fez desde o início dos tempos (e como o fará até o dia em que as estrelas caírem do firmamento) e, apesar da estação quente, o clima estava frio devido a proximidade com novembro (quando, em breve, o manto gelado do inverno cobriria até o mais alto dos pinheiros), além disso, nada podia ser visto além de uma floresta de pinheiros e uma estrada pavimentada um pouco desgastada.

Algumas estrelas começavam a salpicar o céu; o disco dourado já se deitava para dar lugar à Lua, com seu brilho misterioso e apaixonante, mas a beleza deste espetáculo diário pouco impressionou as duas figuras empoeiradas que, vindo de lugar nenhum, apareceram no meio de alguns arbustos e entraram naquela velha estrada do Oregon; um rapaz na flor de seus 13 anos e uma coruja que voava sobre sua cabeça e lhe fazia sombra com a luz noturna.

Suas roupas eram um pouco estranhas, como se o pobre rapaz houvesse se perdido de alguma convenção medieval qualquer: trajava calças esverdeadas (feitas de um tecido que, claramente, não era de baixa qualidade), um tipo de casaco esverdeado com detalhes dourados em suas bordas (que, vale destacar, lhe conferiam uma imagem bastante respeitável), botas de couro sintético da cor marrom e um arco com aljavas em torno das costas.

Tinha também um cinto de couro (com certeza sintético) em torno da cintura, onde se via um canivete antigo (menos que uma adaga, mas que, ainda assim, devia ter se mostrado útil em inúmeras eventualidades).

Não havia espada, mas portava uma pequena mochila transversal, carregada no ombro direito; nada de muito interessante era guardado ali, à exceção de livros, material de escrita, um pequeno cesto com maçãs, uma jarra selada com água e um sanduíche...

A viagem havia sido longa e o rapaz olhava ansioso para a coruja que, a essa hora, já se empoleirara em seu ombro esquerdo:

—Estou cansado Arquimedes, meus pés doem e minha roupa já está cheia dessa terrível poeira; ainda estamos muito longe dessa cidade?

—Já estamos chegando, meu rapaz, logo poderá comer um belo ensopado de peixes e suco de maçãs – disse a coruja, que se chamava Arquimedes.

Sim, a ave estava, literalmente, falando com o tranquilo rapaz, que mantinha os cabelos castanhos um pouco bagunçados (efeito das ventanias secas), seus olhos castanhos brilhantes (certamente pelo ânimo recém adquirido, ante a declaração da ave falante) e seu rosto branco com uma expressão renovada, a despeito do cansaço físico.

Arquimedes parecia fazer ponderações, então pediu que o rapaz fizesse uma pausa em algum lugar, ao que foi prontamente atendido por ele, que correu um pouco mais e chegou até um pequeno morro fora da estrada; agora estavam visualizando o céu magnificamente estrelado com a Lua a pino: finalmente podiam admirar aquela obra de Deus.

O rapaz juntou alguns poucos galhos e fez uma fogueira humilde, abriu sua mochila e pegou uma maçã e o sanduíche de queijo, dividindo ambos e oferecendo uma das metades para a coruja, que recusou gentilmente:

—Corujas comem coisas diferentes, está tudo bem.

—Mas você não bebe chá e come bolo? Por favor, não quero que fique com fome – insistiu o jovem, que não desejava ver a ave enfraquecida.

Arquimedes agradeceu novamente, mas disse que já havia comido muito enquanto voava, capturando presas e alguns insetos, mas pediu que seu amigo comesse logo sua refeição. Não poderiam parar muito tempo ali, pois era perigoso demais.

—Essa cidade, como é mesmo o nome dela? Gravity Halls? Practice Falls? Você lembra Arquimedes? – perguntou o garoto, que já estava sentado em torno da fogueira saboreando sua metade de maçã verde e um pouco de água.

—A cidade se chama Gravity Falls, meu jovem. Um lugarzinho sem muitas coisas interessantes para se ver, ainda que tenha tido seus problemas no passado.

O rapaz não levou muito tempo em sua refeição e logo apagou a fogueira com cuidado, certificando-se de que nenhuma fagulha restara naquelas brasas que lhe haviam oferecido o precioso calor.

Antes de partirem, o menino fez uma oração breve, onde pediu proteção em sua viagem e também hospitalidade para quando chegassem naquela cidade desconhecida.

A noite estava realmente fria, mas o calor do fogo e a módica refeição reavivaram o espírito aventureiro daquele jovem viajante, que ignorava o que encontraria em Gravity Falls ou o real motivo que lhe conduzira por um caminho tão extenuante até aquele lugar.

A caminhada prosseguiu por mais alguns minutos, quando finalmente avistaram uma placa iluminada com os dizeres "Bem vindo a Gravity Falls", que em nada impressionaram os viajantes; esse tipo de placa era tediosamente comum em cidades do mundo todo.

Ainda levaria algum tempo para que chegassem "de fato" à cidade, mas os sons da noite, uivos de lobos, grilos e corujas (dessa comuns, que só conseguem piar), eram curiosamente agradáveis e tranquilos; pacíficos à sua maneira.

A coruja ponderou mais algum tempo e olhou para seu companheiro, que já apresentava sinais de sonolência, então sugeriu que fizessem mais uma pausa, pois desejava sobrevoar a região e ver se encontrava uma estalagem ou qualquer outro lugar onde o extenuado rapaz poderia passar a noite.

Recostando-se em uma árvore, aquele adolescente lembrou-se das aulas com seu professor, dos livros que tinha de ler, do sorriso amável daquele sábio, sempre tão paciente quanto exigente, até que fechou os olhos por um momento e adormeceu.

Sonhou que ainda estava na velha choupana do professor, dentro daquela floresta fechada e solitária, onde o mestre lhe ensinava sobre o valor da inteligência sobre a força bruta, a importância de se considerar o raciocínio lógico e a estratégia ante os mais variados problemas da vida, fossem eles questões cotidianas ou assuntos críticos, daqueles que movem as rodas da história...

E então despertou, pelo bater de asas de Arquimedes, que lhe pedia para acompanhá-lo até uma cabana dentro da floresta, que parecia abrigar vida.

A coruja via, com pena, seu amigo caminhar com dificuldade por entre as árvores e arbustos, lutando para manter os olhos abertos, mas não se ouviam reclamações do jovem, em momento algum.

Em poucos minutos chegaram a uma cabana que, com toda certeza, já vira dias melhores, ainda que apresentasse certo ar de renovação, como se tivesse passado por alguma espécie de restauro a poucos meses.

"Cabana do Mistério", leu o sonolento viajante, e perguntou ao amigo voador:

—Será uma estalagem?

—Acho que é um "mistério" – disse Arquimedes, rindo um pouco.

 

—Gosto quando está de bom humor – disse o garoto, que já se aproximava da porta daquela hospedaria, ou seja lá que lugar era aquele.

O edifício de madeira era tão peculiar! Estava sem luzes ligadas, mas ainda se podia notar um cata-vento que possuía as letras (ou indicações) W, H, A e T (que parecia dar um novo sentido a expressão "de nada a lugar nenhum") e um pequeno ponto de interrogação no topo.

Ambos, garoto e ave, bateram na porta (ele com mãos, ela com bicadas leves) e uma luz se acendeu, ouviram-se passos pesados e alguém pareceu dirigir-se à maçaneta, cansado.

A maçaneta foi girada e de trás da porta se viu uma figura bastante "única" , aliás, provavelmente o indivíduo mais único do mundo todo: um rapaz gordinho com barba rala e dentes que lembravam os de um simpático roedor, com um gorro e um pijama, ambos da cor turquesa e um par de pantufas de ursinho amarelo.

Apesar de cansado, não parecia desagradável ou aborrecido; olhando com curiosidade para aqueles dois viajantes noturnos, perguntou com simpatia:

—E ai galera? Estão precisando de algo? Meu nome é Soos, podem contar comigo.

—Por favor, será que podemos passar a noite em sua estalagem? Pagarei até quatro florins de ouro – perguntou o rapaz, o mais educadamente que pôde.

—A "Cabana do Mistério" é um museu de esquisitices e loja de mistérios, não é estalagem não – disse o gentil Soos – mas podem ficar o tempo que quiserem.

Soos era bastante cortês e convidou a coruja e seu companheiro humano para entrarem, logo conduzindo-os ao quarto que um dia fora usado por seus amigos, Dipper e Mabel.

O garoto tirou de seu casaco quatro florins de ouro franceses e os ofereceu a Soos, mas esse recusou educadamente:

—Não caras, vocês não precisam pagar, são meus convidados, fiquem a vontade. E a propósito, desculpem a grosseria, mas nem perguntei seus nomes, aí, foi mal gente.

O rapaz se curvou educadamente, a moda oriental, então respondeu:

—Gentil senhor, perdoe nossos maus-modos, sou Aethel e este é meu fiel amigo, Arquimedes, coruja educadíssima.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Florim:
Moeda de ouro popular durante a baixa Idade Média (1300 d.C. - 1500 d.C.). De acordo com o site "gurpzine", seu poder aquisitivo "em 1250 equivalia a US$230 americanos, e a partir de 1450 alcança os US$320", segundo a cotação do dólar em 2021; caso tivesse aceitado as moedas, Soos teria feito um ótimo negócio.