The Sandman — Olhando Para Dentro escrita por Darleca


Capítulo 5
Capítulo V — A Ajuda




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⌛︎ Uma Semana Antes...

Nos aposentos de Morpheus

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               O SOBERANO DO SONHAR está de joelhos, desacreditado, olhando com perplexidade à brochura amarronzada e de couro, sem título, inerte e incólume no chão.

A poltrona de couro desaparecera no abismo das trevas, sugada pela sombra. Até seria fácil de reavê-la ou criar outro assento no lugar. Por outro lado, Morpheus não pode dizer o mesmo sobre a paz que perdera ao tocar o tomo possuído...

Lorde dos Sonhos não tem dúvidas que este exemplar não é fruto de qualquer sonhador-habitante do Sonhar, embora, assim lembra Morpheus, que a bibliotecária afirmara que este era apenas diferente de qualquer outro que já existiu em sua biblioteca, sem mencionar a existência de uma "voz" que agora habita a mente do Rei Sonho.

O que isso poderia significar? Será que havia verdade sobre a origem do tomo dita por Lucienne? Seria possível que até mesmo Lucienne tivesse sido induzida a falar qualquer coisa que a "voz" quisesse enquanto tinha o volume nas mãos, assim como Morpheus fora induzido a sentir uma mistura de sensações como frustração e irritação que não era sua? 

Mas muitas perguntas ainda pairam na mente de Morpheus:

"De onde veio esse maldito livro? E o mais importante; como isto chegou ao Sonhar? Teve auxílio de algum sonho corrompido? Eu poderia pedir à Lucienne que fizesse uma investigação de qual das minhas criações está sendo usada contra mim, mas também me indago se a voz responderia a essa questão sem pedir nada em troca."

Fosse quem fosse, esta incógnita sabia que Morpheus estaria lidando com uma anomalia fora do Palácio, a tal da Taberna, dando-lhe tempo para deixar o livro aos pés da escada do trono, sem que ninguém notasse a sua presença no recinto, certa de que apenas Morpheus veria o livro quando voltasse...

Começamos com o pé errado, não? A voz se esforça para continuar sendo desagradável aos ouvidos de Morpheus, como um raspar de unhas num quadro-negro ou causando desconforto como um andar descalço num terreno desregular sobre pedras pontiagudas. Ela parece rir da própria metáfora. Se eu pudesse ter pés, isso teria funcionado, não é? Ah, não importa, mas por favor... não adianta mais negar, Lorde Morpheus. Você quer saber tudo sobre mim... Eu posso... sentir.

Morpheus ergue um joelho e apoia o braço direito sobre ele. O seu olhar afiado não desvia do objeto à frente. E a fraqueza que se fazia presente, abandona por completo o seu corpo, cedendo o lugar à força.

━━ Não, quero destruir você... e saber por que falhei em bani-lo do meu Sonhar... Minha vontade é suprema no coração de meu reino...  Então, por que falhei?

Oh, eu poderia ajudá-lo a decifrar esse enigma e você sabe disso, por isso, não vai me destruir. No fundo, você quer o mesmo que eu; saber por que ainda não vê uma mísera palavra escrita em minhas páginas, e eu quero entender por que não consigo ler você...

━━ O que sugere que façamos? — Morpheus ergue levemente uma sobrancelha, não tão disposto quanto parece em acatar qualquer ideia vinda de um livro maligno.

Oras, Sonho... já sabe o que eu quero. Conhecimento é poder. Abre-se para mim como um livro. Deixe-me saber o que você tem. Permita-me saborear sua inestimável sabedoria...

Morpheus nota o tom de malícia naquela voz carregada de escárnio.

━━ Quem criou você? E quem te trouxe ao meu reino? — indaga como uma ordem e a voz em sua cabeça se cala. ━━ Eu exijo que me responda. Fale! — O silêncio é ensurdecedor e faz Morpheus perder a paciência. ━━ Muito bem, faremos do jeito mais difícil...

De dentro de seu sobretudo, Lorde dos Sonhos retira a sua algibeira de areia infindável e derrama uma boa quantidade dos pequenos grãos dourados sobre o livro, enquanto murmura:

━━ Você disse sobre eu precisar fazer uma jornada de autoconhecimento, pois bem... Mas começaremos por você. Leve-me, livro... ao seu criador.

O Perpétuo e o livro são cobertos pela areia ao comando do Rei Sonho. O manto arenoso parece dançar em pleno ar como um lençol de seda esvoaçante, ao envolver por completo a figura sombria enquanto esta recolhe o volume amaldiçoado do chão.

E ambos desaparecem do recinto sem deixarem qualquer vestígio.

 

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               A viagem não dura mais que um instante, mas ao chegar ao destino, Morpheus não consegue se manter de pé, sentindo-se esgotado por completo, deixando o livro escapar de suas mãos, desabado naquela estranha terra escura.

Então, o Rei dos Sonhos e Pesadelos sente o ar estagnado quando respira profundamente – ainda que esteja em campo aberto – e esfriar suas vias aéreas, causando uma sensação odiosa de dor no peito como se inúmeras agulhas lhe perfurassem por todos os lados, dando-se conta só naquele momento o quão difícil é respirar naquela dimensão...

Ainda assim, o Perpétuo se esforça para se reerguer e olhar ao redor, mas, no fundo, sabe que não devia estar ali; que nenhum ser vivo deve visitar tal reino astral antes da hora.

A névoa branca se estende pelo horizonte, infinita, longe do alcance de seus olhos. E dentro dela, consegue-se distinguir algumas figuras fantasmagóricas atravessando a esmo por aquele descampado.

De repente, uma dessas figuras se aproxima de Morpheus, lentamente, como se tivesse a intenção de ajudá-lo, pois esta estende a mão em direção ao Perpétuo caído, que percebe apenas a aproximação dessa forma enevoada, enquanto outras já estão ao seu redor como larvas em um corpo putrefato, sugando a sua essência em busca daquilo que perderam antes de serem levadas às Terras Sem Sol...

Assim como acontecera à alma de quem criou o tomo... porém, as chances de Lorde Morpheus encontrá-la naquele lugar são pífias como identificar um diamante no mar de falsos brilhantes.

━━ Que está fazendo aqui, Sonho!? — A voz familiar que surge como um farol está carregada de preocupação e certa raiva, que acaba sendo direcionada às figuras fantasmagóricas ao redor do Perpétuo. ━━ Vocês! Se afastem daqui! Oras, que absurdo! Saem de cima dele!

━━ Morte... — ele chama o nome dela com alívio quando os espíritos obedecem a Soberana daquele mundo.

━━ E quem mais seria? Anda, pegue a minha mão! — ordena ela, oferecendo ajuda.

Morpheus segura a mão da irmã mais velha com alegria preenchendo seu peito e, aos poucos, se sente forte o suficiente para se manter de pé, sozinho. Levantando-se do chão com o livro em uma das mãos.

Nunca pensou que visitaria Morte, algum dia, no reino dela estando vivo, mas Sonho está convencido de que nunca fará algo parecido de novo.

Nenhum Perpétuo sente-se bem nos domínios de outro Perpétuo, mas Morte é a única dos irmãos que não sofre qualquer efeito desagradável ao transitar entres os reinos. Contudo, Morpheus não pensou tão profundamente sobre os danos que poderia sofrer estando num plano cujo qual nem mesmo a Morte habita com gosto, principalmente, sem ter sido convidado.

━━ Você não pode ficar aqui, seu idiota. — Morte decreta, sem esperar por qualquer explicação do irmão, que a vê vestida com um manto negro como a noite e de asas lindamente abertas, de penas cor de ébano.

Sem tempo sequer para notar a mudança de ambiente, Morpheus, de repente, se vê no meio de um parque arborizado, cheio de sons e cheiros, que o atingem instantaneamente, causando-lhe uma leve vertigem.

Amparado pela irmã, o Rei Sonho olha ao redor, situando-se: o parque está lotado de pessoas fazendo exercícios físicos, outras estão apenas sentadas sobre toalhas quadriculadas sobre a grama verde, se alimentando, lendo ou ouvindo música. Crianças correm com seus cachorros ou atrás de uma bola enquanto fazem algazarra.

Morpheus acha curioso o fato de se sentir bem, pela primeira vez em milênios, por voltar ao mundo desperto.

━━ O que você tem na cabeça? Titica? Não podia me chamar em sua galeria, Sonho? Ou me convidar a ir ao seu reino, cacete? Ou me visitar aqui? Tinha que aparecer ?! — Morte volta a ocupar o campo de visão de Morpheus, usando uma roupa mais mundana, como uma regata preta de alça fina e uma calça jeans e coturnos também pretos. Sua pele negra brilha sob o Sol do dia no mundo desperto e enquanto ela esbraveja com o seu irmão mais novo, seu ankh balança freneticamente pendurado a um colar prateado.

━━ Preciso... da sua ajuda — ele consegue dizer, como quem está recuperando o fôlego após uma corrida.

━━ Você já teve a minha ajuda. Agora, me diz o que estava fazendo ? — ela retruca com os braços cruzados, nem um pouco feliz, mas o objeto que Sonho segura acaba chamando a sua atenção. ━━ De onde você tirou isso, Sonho?

Morpheus olha para o livro e o abre em qualquer página para constar que continua sem ler o conteúdo escrito.

━━ Isso? Apareceu no Sonhar. E não consigo ler uma só palavra que esteja escrita aqui. Sabe do que se trata, irmã? — Ele ergue seu olhar para a irmã mais velha. É nesse momento que o Perpétuo ouve um som de lamento vindo da Morte.

Morte não está mais com raiva, agora ela está preocupada. Muito preocupada.

━━ Ah, droga... — Ela coça brevemente a testa, passando a andar de um lado para o outro, pensativa. Quando uma ideia passa pela sua cabeça, ela se aproxima do irmão. ━━ Mas quem foi que te mandou pra ?

Morpheus se afasta da irmã, em reflexo, com medo que ela toque no livro possuído e passe a ser perturbada pela voz maligna. Já basta um Perpétuo tolo a ser amaldiçoado...

━━ Não quero que toque no livro, minha irmã, uma voz agora habita minha mente por tê-lo tocado, e essa voz estranha me fere a cada frase dita — responde ele, com as forças um pouco mais recuperadas, enquanto olha para o livro em suas mãos. ━━ De certa forma, o livro me levou até as Terras Sem Sol, porém, o fiz do meu jeito. Eu perguntei à voz quem foi o seu criador, mas, desde então, o livro ficou calado e...

Morte o interrompe, com impaciência:

━━ Claro, deixa eu adivinhar, Sonho; já pensou que poderia forçar um pouco a barra, porque é assim que você resolve as coisas quando é contrariado, certo? Não sabe pedir ajuda nem pra fazer qualquer coisa maluca como ir às Terras Sem Sol estando vivo, porque é orgulhoso demais pra isso, ainda mais pra admitir que não sabe nada sobre um tomo falante! Não passou a mínima possibilidade pela cabeça de que quem fez este livro já estivesse morto há milênios? Achou sensato fazer o que fez, Sonho? Diz pra mim que, pelo menos, pediu ajuda de Lucienne... — O silêncio de Morpheus não surpreende Morte e ela suspira, balançado a cabeça em negativo. ━━ Cabeça oca... você é um tremendo de um cabeça oca, Sonho...

━━ Eu... Sinto muito, fui imprudente... — Morpheus percebe que se Morte pudesse segurar o livro, ela o tacaria na sua cabeça. Contudo, isso não torna as coisas mais suaves de lidar, porque ser confrontado por sua irmã – a única com quem consegue dialogar – com tanta verdade sendo dita, é bastante humilhante. ━━ Reconheço isso, e como prova, peço-lhe... Se poderia me ajudar a descobrir como me livro dessa voz e desse tomo mágico. Por favor...

Morte observa Sonho por um tempo, amenizando sua feição preocupada.

━━ Tudo bem, deixa esse troço no chão e me abraça.

O pedido é um tanto estranho, por isso, Morpheus demora alguns segundos para se convencer de que Morte está falando sério. E assim que ele larga o tomo na grama, Morte abre os braços esperando que o irmão aceite seu afeto.

Morpheus precisa dar um passo à frente apenas e abraçar a sua irmã, mas, de repente, este ato parece a coisa mais difícil de se fazer. E ele não sabe por quê. Morpheus engole em seco, olha para os lados como quem procura por algo ou alguém, ou ainda uma rota de fuga, e depois, volta a conferir o livro no chão para ter certeza de que nenhum mortal enxerido se aproximará do objeto.

━━ Sonho...

Quando volta a encarar a sua irmã, descobre ela de cenho franzido, como que desapontada por aquela demora em simplesmente se aproximar dela e abraçá-la.

E aquele olhar triste dela é difícil demais de encarar.

Você não precisa dela, muito menos de um abraço idiota. Você precisa é de mim, Lorde Sonho. De mim!

━━ Sonho? — Morte chama a sua atenção, mais uma vez.

━━ A voz voltou a falar comigo, irmã... — A sua própria não passa de um sussurro. ━━ Disse que eu não preciso de nada, só do livro.

Morte permanece de braços abertos e de frente ao irmão mais novo. Ela aparenta confiança.

━━ É você quem sabe o que precisa, Sonho. Não o livro. E o que eu sei é que você não vai dar ouvidos a essa voz escrota que te machuca. Você vai atender ao pedido da sua irmã...

E a confiança dela atinge Morpheus como uma flecha certeira em seu peito, que sente-o aquecido, se dando conta que está abraçado a irmã mais velha com força.

━━ Ouvi boatos de que criaturas que possuem livros como este não suportam demonstração de amor puro... como afeto entre irmãos, por exemplo. — Morte ri enquanto fala com Morpheus ao pé do seu ouvido. ━━ Elas são apenas alimentadas pela ambição, Sonho. E você é um Perpétuo, tem muito conhecimento para oferecer involuntariamente ao livro. Mas conhecendo você, é capaz de ter deixado essa voz irritada por não ser fácil tirar coisa alguma dessa sua cabeça oca...

Morpheus tenta se afastar apenas o suficiente para encarar Morte de frente, mas a bela mulher parece abusar da força que tem sobre o irmão e o mantém sobre o seu abraço apertado.

━━ Você é o cara mais solitário e orgulhoso que conheço e não queria que fosse assim, embora isso tenha salvado sua existência da manipulação dessa voz. Mas queria que você acreditasse que é amado, Sonho. E que não tem que resolver tudo sozinho. E sabe quem pode te ajudar agora com essa coisa? Um exorcista.

Morpheus não tem que pensar muito sobre quem sua irmã se refere.

━━ Não sei o que pode estar possuindo esse livro, mas, vai por mim, Sonho, que essa voz não deveria estar aí. — Morte desfaz o abraço e aponta para o tomo jogado na grama e depois cutuca com carinho a testa de seu irmão, deixando-no levemente confuso. ━━ E nem aqui. Pois bem, essa é toda a ajuda que eu posso oferecer no momento, porque preciso arrumar a bagunça que você causou em meu reino. Você tá me devendo essa, maninho... E vou cobrar uns abraços quentinhos. — Ela deposita um beijo na bochecha esquerda de Morpheus e se afasta com um sorriso enorme no rosto.

Morte o acha cômico ao vê-lo tocar o próprio rosto onde ela depositou o beijo, ainda um tanto surpreso por tal atitude.

━━ Obrigado, minha irmã — É o que ele consegue dizer.

Ela apenas acena com a cabeça e some num piscar de olhos.

Morpheus recolhe o livro da grama e a voz se faz presente, ainda mais irritada do que antes.

Você é patético. Invés de adquirir todo o conhecimento que possuo, prefere agir como um idiota...

Olhando a capa de couro com desprezo, Morpheus responde:

━━ Agi feito um idiota dando ouvidos a você e me deixando levar pela sua frustração, sem enxergar o que realmente está acontecendo; você é uma criatura presa ao livro, e está há tanto tempo presa nele que se convenceu de que é o que é. Mas agora, creio que o livro esteja pedindo ajuda para se livrar de você... "O amor acrescenta uma precisa visão aos olhos". A epígrafe que Lucienne leu em sua página nada mais é que a vantagem que teremos sobre você, voz intrusa...

Bobagens! Nunca ouvi tantas asneiras!

━━ Se ainda acredita que é o tomo mágico, nada me resta fazer a não ser dizer que se voltar a infringir dor a mim, arrancarei suas páginas, uma a uma, estando em branco ou não e as jogarei no fogo do inferno. E veremos se você também sentirá dor...

A ameaça parece surtir efeito, porque a voz novamente se cala. E Morpheus se sente satisfeito por estar em Londres, próximo o bastante de Joanna Constantine para solicitar seus serviços. Porém, se indaga se ela lhe ajudaria mesmo sem receber um tostão por isso.

 

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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal! Como estão?

Espero que estejam bem e, principalmente, que estejam gostando da minha história. Tô aqui com o coração na mão devido a minha ousadia de descrever – mesmo que tenha sido o mínimo possível – as Terras Sem Sol que, até onde eu sei, não foram apresentadas até hoje nas HQs. Mas como eu queria fazer algo diferente, cá estamos aqui com esse capítulo enorme que mostra o reino astral da linda maninha do Sonho, a Morte.

Mais informações sobre esse livro maldito foram reveladas.

Pois é, será que a voz sequer faz parte do livro?

E ela não gosta de demonstrações de afeto, onde já se viu?

Mas me dizem o que acham que vai acontecer no próximo capítulo! ✨

Beijos, pessoal e muito obrigada! ♡



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