As Folhas de Sicômoro escrita por Mayara Silva


Capítulo 6
Lúgubre


Notas iniciais do capítulo

Já estamos chegando no dia 31 OuO Já sabem o segredo por trás da casa?

Boa leituraaa ♡ ♡ ♡



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Quando despertou, viu o véu negro de estrelas sobre sua cabeça. Atordoado, olhou para o lado, para o outro, viu apenas árvores retorcidas de medo e estranhas folhas de sicômoro a rodear sua aura, como se agora fizessem parte de sua essência.

 

— Luna… Luna!

 

Ele saltou ao se lembrar dos ocorridos anteriores. Estava lutando, estava protegendo sua amada, e estagnou de pavor ao ver, diante de si e coberta pelas folhas, o corpo de sua garota.

 

— N-não…

 

Tinha a voz trêmula. Incrédulo, passou a escavar o corpo, afastando as folhas para que pudesse ter a certeza da desgraça. Um punhado cobria o rosto da mulher e, ao removê-lo, notou como uma área do seu maxilar já estava tomada pelas larvas, notou os pequenos bichinhos entrando e saindo por cada cavidade da sua face, notou os ossos e as cartilagens de sua arcada dentária expostas. Não podia sequer pensar em passar mal, pois digerir aquela informação ainda era muito difícil. Não acreditava que ela havia morrido; até poucos instantes estava viva, estava bem, estavam realizando o sonho de conhecer outros horizontes, e agora o que iria dizer aos pais dela? Não havia a protegido como prometeu. Havia falhado com o amor da sua vida.

 

— M-Michael…

 

Ouviu um murmúrio, logo virou o rosto em direção ao som. Michael arregalou os olhos; ela estava viva, estava bem. Seu rosto estava perfeito, embora tivesse o semblante assustado e aqueles lindos olhinhos azuis arregalados de medo. Estava abrigando-se próximo a uma árvore, encolhida em seu cantinho, em estado de choque. Ele correu até ela, queria tocá-la, queria se certificar de que estava bem. Olhou para suas vestes, para seus joelhos, buscou um rasgo ou um arranhão e sorriu quando não encontrou nenhuma daquelas coisas.

 

Porém, ela não parecia disposta àquele reencontro.

 

— N-não!

 

Michael rapidamente parou. Arqueou a sobrancelha, olhou em seus olhos e viu quando ela fez um sinal para o corpo que estava logo atrás dele. O moreno tornou a encarar o cadáver e percebeu que não era uma miragem: ela estava viva, e estava morta.

 

— Luna… quem fez isso…?

 

A menina pressionava as próprias costas no tronco da árvore com afinco, como se desejasse sair dali a todo custo. O encarou mais uma vez e, ainda tremendo, respondeu.

 

— Você.

 

x ----- x

 

Quarto, casa da Luna (1 dia para o halloween)  – 07:30 hrs

 

Michael despertou, suando frio.

 

Dessa vez parecia um pouco mais contido, como se estivesse conformado. Era outro sonho que teria que colocar na sua lista de bizarrices somente naquela semana, mas este foi especial: acendeu em seu pensamento a possibilidade das pessoas que ama também estarem em perigo, e perguntou-se até onde essa maldição poderia alcançar.

 

Olhou para Luna no mesmo instante. Ela estava ao seu lado, parcialmente nua, de semblante sereno como se estivesse sonhando com coisas boas. Parecia ter sentido ele a encarando, pois lentamente abriu os olhos e sorriu.

 

— Bom dia, bonitão…

 

Ele não conteve um riso curto e baixinho.

 

— Despertou antes do alarme?

 

— Sim… eu… eu estou com fome — ele desviou de assunto. Já estava farto daqueles pesadelos, não mais preocuparia sua amada enquanto não soubesse do que se tratava tudo aquilo. — Uau… eu estou bem!

 

— É, eu notei. Você tá até mais corado — ela riu baixinho. — Será que fui eu que te curei?

 

— Eu não duvidaria… — disse o rapaz, sorrindo. Se aproximou da garota e lhe deu um beijinho nos lábios — eu te amo.

 

Luna, não satisfeita, retribuiu com uma porção daqueles pequenos beijos, até finalizar com um roçar mais apaixonante.

 

— Eu também te amo… — sussurrou, em seguida mordeu os lábios e fitou o seu olhar — desculpa ter feito você usar uma camisinha fosforescente. Eu só tinha essa.

 

Michael gargalhou ao ouvir o comentário dela, em seguida balançou a cabeça negativamente, tinha corado no mesmo instante.

 

— Ahn… não conte isso pra ninguém, okay?

 

— Parecia um sabre de luz cor-de-rosa… ai!

 

Ela gargalhou ao sentir o travesseiro em sua direção. Um Michael completamente envergonhado pegou a outra almofada e se enfiou por debaixo dela, tentando esconder o rubor que crescia em suas bochechas.

 

— L-Luna!!

 

— Desculpa! Eu não falo mais, prometo! — ela exclamou, aos risos.

 

— Filha?

 

O casal se calou no mesmo instante. Uma voz feminina, vinda do térreo, levou toda a alegria contagiante dos adolescentes e substituiu por um puro rastro de pavor. Michael encarou Luna, e, ao notar aqueles grandes olhos de diamante se arregalarem, percebeu que estavam realmente encrencados.

 

— O-o que a gente faz?? — ele sussurrou.

 

Luna mordeu os lábios e ficou em silêncio por alguns segundos, parecia estar pensando em algum plano.

 

— Se arruma e sai pela janela! Te vejo na escola daqui a pouco, vou levar um lanche extra pra você não ficar sem tomar café.

 

— Poxa, não vou poder nem tomar um banho?

 

— Você quer enxugar o corpo com o próprio couro?? Não, né?

 

Michael engoliu seco e aquiesceu.

 

— O-okay… eu vou passar em casa, te vejo na escola.

 

— Você vai se atrasar se for parar pra comer, deixa que eu te faço pelo menos isso.

 

Ela se aproximou e desferiu vários beijinhos silenciosos nos lábios carnudos do amado, que retribuiu com o mesmo cuidado. Se vestiu com o que havia ali e foi direto para a janela, enquanto a morena se preocupava em deixar o quarto o mais limpo possível para desviar as desconfianças da mãe.

 

Ao menos, naquela situação, eles faziam uma dupla e tanto.

 

x ----- x

 

Floresta dos sicômoros – 08:27 hrs

 

Era início de uma manhã agradável quando Prince e um de seus amigos de dormitório, André, estavam perambulando pela floresta de sicômoros. Essa história seria algo que contariam mais tarde, pois não havia mais ninguém além deles para presenciar o que viria a seguir.

 

Depois da brincadeira de mal gosto da Bunty, Prince não teve mais interesse em retornar àquele lugar. Ele não admitia, porém era, de todos, o mais covarde, e era algo que jamais deixaria alguém perceber, a não ser que esconder aquele fato se tornasse muito difícil.

 

— Pra onde a gente tá indo, cara? — indagou André.

 

Prince deu ombros e sorriu de canto.

 

— A vantagem de dormir no campus é que sempre somos os primeiros a chegar na sala. Fica tranquilo… é só um passeio matinal.

 

De fato era um passeio agradável. Àquela hora, com os pássaros cantando, a brisa fresca de um início gostoso de outono e o sol a clarear cada canto daquela floresta, não se parecia nada com a imagem tenebrosa que as folhagens traziam ao lugar, nas noites anteriores. Por isso estava tranquilo e queria olhar o local com mais precisão.

 

— Sabia que eu vim aqui, numas noites atrás?

 

— Sério? Veio fazer o quê nesse breu?

 

Prince sorriu, sentindo-se vitorioso.

 

— Eu e mais duas gatas… e um idiota. Viemos contar histórias de terror, só isso. Sabe aquela casa lá no fim da floresta?

 

— Aquela casa velha? Mano… — André o encarou, tinha as mãos nos bolsos e caminhava com tranquilidade, embora estivesse encarando o baixinho com certa admiração — você é doido.

 

— Não tem nada naquela casa idiota, André, é só lenda! — ele gargalhou. — Eu olhei aquela porcaria de cabo a rabo. É uma casa velha, toda mofada, cheia de folhas. A coisa mais extraordinária que aconteceu foi que o Michael se cortou com o estilete da Luna e pegou tétano.

 

— O Michael é aquele neguim da voz fina?

 

— É ele mesmo.

 

— Ele é todo certinho, nem me passou pela cabeça que era ele que tava com vocês.

 

— Pela Luna, ele rebola e muda até a voz, cê sabe…

 

Os meninos não foram muito longe depois do fim daquele diálogo, pois a casa estava logo à frente. Igual aos outros dias, ainda parecia velha, ainda empoeirada e ainda cheia de folhas de sicômoros. André olhou para aquela paisagem por alguns instantes, viu a folhagem dançar com o vento frio do outono, e ouviu ranger, de longe, a madeira da janela solta; tudo aquilo lhe causou arrepios.

 

— Que lugar merda, cara… parece até que alguém morreu aqui. Vamo embora…

 

— Ah, tá com medo? André, isso é lenda… — disse o moreno, confiante. Se aproximou um pouco mais da casa, e parou quando percebeu que o seu amigo não o acompanharia. Prince suspirou, também teve medo, mas não demonstraria isso agora, ainda era cedo — olha, eu já entrei aqui uma vez, não tem nada demais.

 

— Eu não tenho medo de fantasma, cara, só… é bizarro.

 

Prince revirou os olhos e voltou a prestar atenção na casa. Entrou mais uma vez, e, só por via das dúvidas, pediu permissão ao anfitrião em pensamento, esperava que desse jeito também valesse. Entrou, pisou com cuidado naquelas folhas, e, quando estas cobriram completamente os seus calcanhares, voltou a olhar para o amigo.

 

— E então… morri?

 

André revirou os olhos.

 

— Okay, okay, me convenceu. Deixa eu ver logo o que é que tem nesse terreno, senão você não vai me deixar em paz.

 

Prince sorriu e ficou observando o rapaz adentrar ao local. André não foi muito longe: invadiu a piscina de folhas o suficiente para cobrir os seus dedos, em seguida chutou aquelas folhagens para que pudesse ver o chão de terra do lugar.

 

— Faz quanto tempo que ninguém passa um aspirador de folhas nesse lugar, hein? Que troço estranho, eu não ficaria surpreso se aqui tivesse um…

 

"Tuf" foi o barulho, alto e em bom tom, que ouviram assim que André chutou aquele pedaço de mato. Se olharam no mesmo instante, um tentando ler a mente do outro, e aquele som estranho foi suficiente para o moreno alto sair do meio das folhagens. Prince, um pouco mais corajoso por ter o amigo por perto, se voluntariou para ver o que era aquilo encoberto pelas folhas. Prendeu a respiração quando, entre as escavações improvisadas, seus dedos quentes tocaram uma pele fria, enrijecida e arroxeada.

 

— … um… corpo…

 

Seria bom se fosse apenas isso. Havia um certo frescor cadavérico. Nenhum deles era especialista, mas podiam julgar pelo estado de putrefação que aquele cadáver, embora em péssimo estado de conservação, não estava ali há muito tempo, pois Prince reconheceu um rosto bastante familiar e ainda parcialmente intacto no meio de toda aquela lúgubre e mórbida nojeira.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

Não era uma voz mórbida. Era uma voz excitante, baixa, suave, masculina. Era o garoto dos olhos azuis.

[...]

— Observe os sinais… Terra molhada, fim de setembro…

Um trovão pôde ser ouvido após o término das suas palavras. A chuva iniciou muito fraca, fraca demais para estragar a comemoração. As nuvens se concentraram na floresta e, curiosamente, aquele desconhecido havia ligado para uma sala cuja vista da janela dava perfeitamente para a torre da casa.

— Venha buscar o seu corpo. Não fuja do seu destino. Terra molhada, fim…

— Me deixe em paz!!! — desligou o telefone com força.

Após uma breve pausa para respirar, estava transtornado. Michael suspirou, tornou a puxar os seus fios cacheados, aquilo o acalmava de alguma forma.

Teve uma ideia: iria reunir o seu grupo. Não perderia ninguém naquela noite.



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