Um Reino de Monstros Vol. 2 escrita por Caliel Alves


Capítulo 18
Capítulo 4: Dobrando a matéria - Parte 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/807146/chapter/18

As memórias há muito adormecidas foram revividas assim como a brasa quando soprada pelo vento. Em pouquíssimos segundos, os olhos de Letícia marejaram. Mas em nenhum momento verteu uma lágrima sequer. Forçando a garganta, ela iniciou de modo nostálgico:

— O meu irmãozinho Aza era um garoto muito inteligente. Modéstia parte, os Dumont são pioneiros mundiais no balonismo, e isso possibilitou a criação da nossa força aeronáutica. Aza sempre falava em ser um grande alquimista. Queria uma vida cômoda, mas como ele era pequeno, não entendia muito bem as suas responsabilidades. Sentindo orgulho, o meu pai o incentivou a entrar na Real Academia Alquimista...

A alquimista, em alguns momentos, dava uma pequena pausa. Talvez tentando impedir uma torrente de lágrimas que estourava em seus belos olhos claros. Ela retirou a boina e abriu um dos botões do uniforme, o corte de cabelo emoldurava seu belo rosto.

— Ele iniciou os estudos, mas quase a sua inscrição foi revogada...

— Revogada, revogada porquê? Diz logo criatura!

— Calmo aí, o da capa-preta. Tu não percebeu que ela tá emocionada, rapa? Se liga!

Tell, de modo educado, fez um sinal para que os outros fizessem silêncio. Letícia continuou:

— Ele tinha pneumonia, e só conseguiu entrar no serviço militar graças aos contatos do meu pai. Isso fazia dele um bebê chorão. Eu costumava defender ele dos valentões na RAA.

— Nossa, que humilhante, veio! Nesse mundo os fracos costumam ser pisados pelos mais fortes. É por isso que desde cedo o meu irmão me ensinou a me defender. Como ele sempre dizia, “Nunca confie em ninguém além de você mesmo!”.

A ladina agitou o seu punhal no ar. Saragat arqueou o corpo para trás para não ser atingido.

— Sua meliante egoísta.

— Olha aqui, rapa, não me chama mais assim. Eu sou... uma pessoa de visão, é isso aí, uma pessoa de visão.

A alquimista revirou os olhos e passou a narrar o resto de sua malfadada história.

— Meu pai o odiava. O considerava um fraco. Ele era uma verdadeira decepção devido aos seus baixos rendimentos na RAA. Ele direcionava toda a sua atenção a mim. Eu sabia que papai fazia isso de modo proposital para ferir os sentimentos de meu irmão, mas eu não podia fazer nada.

A militar disse aos heróis que a mãe superprotegia Aza devido sua saúde frágil. Aos poucos, ele começou a abusar da generosidade das pessoas a sua volta. Ele foi se tornando preguiçoso e irresponsável. Sua mãe falecera, e o seu pai também não demorou muito tempo.

Ela acabou virando a sua segunda mãe e pai. Até que um dia Letícia deu um basta, eles discutiram feio! Aza saiu de casa. Pouco tempo depois ele foi raptado pela Horda e a garota nunca mais o viu. O mago-espadachim ficou emocionado pelo relato dela.

— Puxa! Eu sinto muito, você disse que ele era um gênio?

— Quando eu, Bernardo, Floriano e Aza nos formamos na Real Academia Alquimista, ele tinha os melhores resultados em xenografia e engenharia-mágica. Meu irmão foi capaz de interpretar a fórmula da Pedra Filosofal, sozinho! O único que conseguia competir com ele em engenharia-mágica era Floriano, mas os inventos deles não passavam de armas. Aos poucos a rivalidade entre os dois virou inimizade, e Floriano acabou nos deixando e indo chorar nos ombros da raposa do Verdramungo.

A ladra bateu o punho na mesa e gritou a plenos pulmões:

— Esse Vagamundo é um cretino.

— É V-e-r-d-r-a-m-u-n-g-o, sua besta!

Ela virou-se para o mascarado que lhe lançava um olhar cortante como uma navalha.

— Você tá doido pra entrar na faca, né não, seu mal-assombrado? Quanto que você cobra para assustar festa de criança, hein?

— Tá me ameaçando é? Tá pensando que esta faca de cortar peixe vai me ferir...

Puf, Tell lamentou-se por ter em seu grupo duas personalidades tão distintas. Era quase impossível dizer que formavam um grupo coeso, a todo o momento eles brigavam.

Embora não gostasse de discutir devido às inúmeras situações estressantes, ele também começara a ficar nervoso, e por vezes mal-humorado, culminando em acessos de fúria. Sentia-se muitas vezes perdendo a calma em meio às situações do cotidiano.

— Rosicler, Saragat, parem já. Todas as vezes que estamos numa conversa séria vocês começam a brigar e não avançamos no nosso objetivo. Eu ainda quero encontrar o meu avô, sabiam? E você, Saragat, não quer fazer as vontades de sua deusa? Rosicler, como pretende resgatar o seu irmão das mãos de Zarastu assim?

Ele parece apenas um garotinho comparado a todos nós, mas no fundo dessa ingenuidade e sentimentalismo, ele tem uma grande sensibilidade.

Percebendo que Letícia o analisava, o neto de Taala engoliu em seco e disse:

— Anh, bem, agora nós precisamos saber o que faremos na batalha que se aproxima.

— Muito bem, fizemos um plano que poderá arruinar a ofensiva das Almas de Rapina. Contando com esforço em conjunto dos alquimistas e vocês, poderemos vencê-los.

— Perdão, comandante Letícia, mas a senhora faz parecer fácil demais, não?

— Não, meu caro conjurador. Eu acredito que seja mais perspicaz que isso. Numa guerra, o mais importante não é o tamanho do exército inimigo, mas sim como podemos usar essa mesma força contra ele...

— Ainda assim, o problema não é o tamanho do exército inimigo, mas sim combatê-los sem aplicar golpes mortais. O mínimo que podemos fazer é colocá-los para dormir! Em Flande contávamos com o efeito-surpresa, mas aqui, com o que contaremos?

A garota ao lado de Saragat balançou a cabeça concordando com as suas palavras.

— A Pedra Filosofal foi roubada por Vagamundo. Teu artefacto pode ter caído nas garrinhas dos monstros, benzinho.

— Não foi, Rosicler. Se ela estivesse com as Almas de Rapina, o tenente Kuromaru não teria invadido os meus sonhos e tentado uma rendição. Para agir assim, eles temem alguma coisa, e é bom que eles nos temam, pois o que depender de mim, eu não deixarei escapatória para nenhum monstro.

Pela análise e deduções feitas pelo serviço de informação da Resistência, a Força Aérea da Horda iria atacar com dois regimentos, um no solo e outro nos ares.

Letícia repassou o plano. A alquimista explicou todos os detalhes e tirou as dúvidas sobre qual o papel de cada um. Saragat apontou alguns questionamentos que surpreenderam a militar pelo seu olhar aguçado, mas o convenceu a tempo.

— Bem, então é isso, o que acharam?

— Incrível, veio!

— Nossa, eu não sabia que eu tinha toda essa responsabilidade.

— Infelizmente eu tenho que admitir, é um plano inteligente demais para um bando de hereges.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um Reino de Monstros Vol. 2" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.