IMPERIAIS: O Herdeiro do Trono escrita por Bianca Vivas


Capítulo 4
Todos os planos mudaram




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Era manhã quando o carro adentrou os grandes portões de ferro que protegiam o Palácio Imperial. O motorista diminuiu a velocidade do veículo e estacionou entre uma estátua do imperador D. Pedro II e a pequena escada que levava à entrada do palácio. Havia se passado um bom tempo desde que Pedro olhara para a imagem que lhe dera um nome. Era engraçado como todos os imperadores de nome Pedro haviam feito história de alguma forma; ele tinha um grande legado para honrar.

O menino-imperador desceu do carro tentando afastar pensamentos intrusos e segui para o palácio acompanhado de Augusto e Tereza. Seus irmãos estavam com o semblante tão sério quanto o dele — mesmo Tereza, em sua tenra idade, parecia entender o significado daquele momento para a família. Caminharam, portanto, lado a lado. Subiram as escadas, aceitaram as mesuras e foram encaminhados até a porta da sala do Conselho de Estado, onde foram anunciados:

— Sua Alteza Imperial, a Princesa do Brasil, Tereza Joaquina Alberta Isabel Leopoldina de Orleans e Bragança.

A pequena Tereza, que estava segurando as mãos dos irmãos mais velhos, soltou-se deles e adentrou na sala. Em seguida, foi a vez de anunciarem Augusto:

— Sua Alteza Imperial, o Príncipe Imperial, Augusto César Bartolomeu Maria Xavier Gonzaga de Orleans e Bragança.

Ao ouvir seu nome ser anunciado, Augusto lançou um último olhar ao irmão, pedindo silenciosamente que ele não fizesse nada inconsequente. Pedro retribuiu o gesto, enquanto esperava seu nome ser chamado.

Os pequenos segundos que sucederam o anúncio de Augusto e o seu próprio pareceram uma eternidade, deixando que sua mente vagasse pelos planos feitos pela Imperatriz. Ela ordenara a volta imediata dos três ao Rio de Janeiro, contudo, pouco havia explicado sobre o que aconteceria uma vez que estivessem novamente reunidos no palácio. Pedro nem sequer tivera a chance de conversar com ela antes de ser anunciado ao Conselho de Estado. As ordens haviam sido claras: voltar imediatamente; se encontrar com o Conselho assim que chegassem.

— Sua Majestade Imperial, o Imperador, D. Pedro IV.

Levou alguns segundos para que Pedro percebesse que estavam chamando seu nome. Era anunciado assim havia dois anos, mas não conseguira acostumar-se com o título ainda.

Entrou bem devagar na sala que outrora fora do pai. Todos estavam em pé e a cadeira atrás da mesa estava vazia. Sua mãe, a Imperatriz, acenou com a cabeça para que ele ocupasse seu lugar de direito.  O menino-imperador lançou um longo olhar para a mãe e dirigiu-se para o posto de seu falecido pai. A última vez que estivera naquele mesmo gabinete, naquela mesma posição, com a Imperatriz Hortênsia e os Conselheiros de Estado a lhe observarem, ele havia ameaçado a ordem vigente tal qual um adolescente rebelde e revolucionário. Obviamente, fora exilado por isso. Agora, chamado de volta e teria que ter muito cuidado ao se movimentar naquele tabuleiro de xadrez que era a frágil política do Império do Brasil. Infelizmente, os movimentos que faria teriam que emular os de sua própria mãe naquele primeiro momento. Afinal, ela era a Rainha, a peça mais importante; a escolhida para proteger o Rei até que a vitória fosse possível.

— Boa tarde — disse tranquilamente enquanto sentava-se, ao que todos o imitaram. — Imagino que esta reunião seja para discutirmos os assuntos de minha coroação como Imperador...

— Sobre isso, Majestade... — Bueno estava hesitante, como se fosse o portador de notícias ruins — O Conselho acredita que não seria bom nos apressarmos para que vossa Majestade assuma o trono logo quando completar dezoito anos.

— E por que o Conselho pensa assim, Bueno?

Pedro olhou diretamente para o homem quase careca, com idade para ser seu pai, e que estava no Conselho de Estado desde que se entendia por gente. Por alguma razão, Bueno tremia a todos os olhares de Pedro.

— Os acontecimentos, Majestade... A forma como deixou as coisas aqui... — Bueno suspirou e olhou ao redor como se não quisesse compartilhar aquelas informações com todos os que estavam no gabinete, mas continuou mesmo assim: — Eu e sua Majestade Imperial, D. Hortênsia, achamos mais prudente ter cautela. Pela sua própria segurança.

Antes de responder, o menino olhou para o irmão Augusto, que estava impassível. Aquela só poderia alguma deixa de sua mãe. Ela sempre planejava tudo. Evitando fazer contato visual com Hortênsia, Pedro levantou-se da cadeira e observou a janela atrás dele. Dali, dava para ter uma visão ampla do jardim do palácio. Ele poderia acabar com os planos da mãe e seguir seu próprio caminho, afinal, era seu Império agora. No entanto, seu pai sempre lhe dissera para seguir seu coração. Naquele momento, cada célula de seu ser mandava prosseguir com o que quer que a mente de D. Hortênsia havia estruturado.

— Senhores, peço a licença de vocês por um momento, para que eu possa conversar com minha família, por favor.

Ele não se virou para olhar a reação dos conselheiros, mas, com o canto do olho, pôde observar Bueno e Clemente acompanhado os outros Conselheiros de Estado. Um estalo ocorreu a Pedro: eles eram os conselheiros mais antigos. Estavam ali desde sempre. Clemente herdara o posto de seu pai. Se teria que jogar o jogo, precisava de alianças.

— Bueno, Clemente... Vocês ficam, vocês são parte da família — ele odiara cada palavra dita, mas precisava interpretar seu papel.

Se os conselheiros ficaram surpresos, não demonstraram.

Assim que a porta de mogno se fechou, Pedro virou-se novamente para o grupo que ali estava: Tereza, com tão pouca idade e sem provavelmente entender muito; Augusto, seu melhor amigo, irmão e homem de confiança; Hortênsia, sua mãe, aliada, potencial inimiga; Bueno e Clemente, os conselheiros mais próximos da família.

— Então, quais situações?

— Quando partiu ou as que vem sucedendo recentemente? — Perguntou Clemente.

— Algo importante aconteceu quando fui exilado em Vassouras?

— Nós — começou Hortênsia —, eu, Clemente e Bueno, decidimos que seria melhor se não soubesse de tudo o que acontecia no Império após seu exílio voluntário...

— Quer dizer, preferiram deixar o Imperador no escuro sobre o que acontecia em seu próprio Império? — Augusto interrompeu a mãe, e Pedro sentiu-se grato por isso.

— Não. — Hortênsia respondeu duramente. — Pare que ele não fosse ligado a nenhum dos fatos, após aquele discurso insolente quando Luís morreu.

Um silêncio instaurou-se no gabinete. Todos repugnavam o discurso de Pedro. Muito radical, eles disseram; palavras de um jovem inexperiente. No entanto, o garoto sabia o que dizia naquele momento e acreditava em suas convicções.

— Quais as situações, então, mamãe? — Ele perguntou.

— Eu acredito que sua Alteza, a princesa Tereza, já está entediada — Clemente disse, antes que Hortênsia respondesse. — Irei levá-la até a governanta.

Os lábios da Imperatriz sussurraram um “obrigada” para seu mais fiel conselheiro. Pedro só pôde fingir que concordava, porém, continuou esperando por sua resposta.

— Bem, em agosto, ao que pareceu, sendo pressionado por suas palavras — foi Bueno quem começou a falar. Ele havia aberto um pequeno caderno de notas que guardava em seu paletó. — O Presidente da República concedeu anistia ampla, geral e irrestrita a todos, o que acabou por perdoar os acusados de torturarem opositores.

Pedro fechou os olhos, Nunca imaginou que suas palavras pudessem causar aquilo. Tudo o que ele queria era que aqueles criminosos, que diminuíram o Império a uma ditadura, pagassem por seus crimes.

— Em novembro, o pluripartidarismo foi aprovado, o que gerou reações terroristas logo em Janeiro, com uma bomba plantada no hotel em que Leonel Brizola estava hospedado... — Bueno continuou citando todas os ataques terroristas promovidos pelos apoiadores do Governo Militar e não parou nem quando Clemente voltou ao gabinete. — Por fim, aparentemente encorajados por sua volta, como forma de protesto, explodiram uma bomba no Riocentro em abril. Um membro do DOI-CODI morreu enquanto manipulava a bomba — nesse momento, ele fez uma pausa, suspirou e continuou: — Claro que a versão oficial é a de que a bomba foi plantada lá. Não podíamos deixar que levantassem a hipótese do governo ser contra a abertura política ou a sua coroação como Imperador.

Pedro assentiu. O seu Império estava mesmo um caos e era inadmissível que tivessem mantido todas essas informações longe dele, mas aquele não era um momento para brigas. Deveria agir. Só não sabia exatamente como. Se fosse de sua vontade, seria coroado no dia que completasse dezoito anos e ele mesmo daria um golpe para livrar seu país daquele governo ilegítimo. No entanto, não parecia que aquela ideia seria aceita por qualquer membro do Conselho de Estado ou mesmo por sua família.

Ele sabia que precisava seguir as regras do jogo. Era sua única chance de conseguir restaurar o que fora roubado de seu país: um verdadeiro Imperador; a democracia. Deveria concordar com as soluções encontradas pela Imperatriz, muito provavelmente com a ajuda de Bueno e Clemente.

— O que tudo isso quer dizer? — Pedro perguntou, fingindo genuíno interesse.

Augusto soltou uma gargalhada discreta:

— Ora, irmão, sua cabeça está praticamente a prêmio!

— Os militares não gostam da Família Imperial, o Governo nos atura e não sabemos exatamente qual a posição da população — Hortênsia começou a explicar —, ao que tudo indica, os mais radicais querem a completa implementação da República.

Foi a vez de Pedro começar a gargalhar.

— Como se isso fosse possível! — Ele lançou um longo olhar aos dois membros do Conselho e à sua família: — Deodoro tentou e o povo não permitiu. Não permitiriam agora!

— Isso foi em 1889, Pedro — disse Clemente. — Quase cem anos se passaram. Os comu... — ele deu uma pausa e decidiu reorganizar seu pensamento: — os radicais vêm fazendo tentativas de mudanças há muito tempo, ou você se esqueceu de Getúlio?

Pedro iria começar a argumentar. Getúlio Vargas fora um grande manipulador. Quando o medo do comunismo assolou o mundo, ele se aproveitou disso. Convenceu o Imperador a dissolver o Parlamento, mantendo apenas ele na condição de Primeiro Ministro. A Revolução de 32 tentou trazer a República e por pouco não conseguira. Mas, ali, naquela época, havia um ambiente político propício; havia o medo. O medo fazia o eleitor tomar decisões impensadas e burras. Naquele momento, não havia necessidade de implantação de uma República. Certamente, o povo sabia que o Imperador era a figura necessária para guia-los de volta à Democracia.

— Clemente está certo, Pedro — disse Augusto. — Os tempos mudam e o pensamento do povo. O que te fazer pensar que as pessoas não gostariam de viver num país democrático e republicano? Muitas monarquias caíram porque Reis e Rainhas falharam em entender as vontades do povo...

Pedro não podia acreditar no que ouvia. Não era possível que Augusto realmente acreditasse que a monarquia seria extinta no Brasil por conta de meia dúzia de radicais.

— O povo brasileiro é leal ao Imperador. Sempre foi assim, sempre será. Por isso ainda estamos aqui.

Um silêncio parou sobre o gabinete. Parecia que todos tinham algo a dizer, mas não possuíam a coragem suficiente para pronunciar as palavras necessárias. Até que Hortênsia levantou-se de seu lugar e caminhou até o filho.

— Nós não sabemos isso — ela disse, sem nenhuma cautela. — Por isso, você não vai ser coroado assim que completar a maioridade. Você vai ficar nas sombras, estudar, conhecer seu povo, ganhar sua confiança. Apenas após isso, você vai ser coroado Imperador.

Ele já havia escutado um discurso parecido semanas antes em Petrópolis. Parecia que, finalmente, o plano de sua mãe tomava conta.

— Está me dizendo que não devo mostrar interesse em ser Imperador? — Ele perguntou.

— Apenas até termos certeza de que o povo não implodirá numa revolução quando a abertura política for finalizada, Majestade — Bueno finalmente se pronunciou. Ele parecia muito preocupado e considerava real a possibilidade de uma revolução.

Pedro sabia que o medo do Conselheiro e o receio de sua mãe eram infundados. Mas sabia que era necessário concordar com eles.

— E o que querem que eu faça, então?

— Preste vestibular, entre numa universidade e seja um jovem normal — foi Clemente quem respondeu. — Faça tudo o que teria feito se seu pai ainda estivesse vivo e deixe os assuntos de Estado para a Imperatriz.

— Jamais — foi a resposta de Pedro. — Posso ir à Universidade e viver como um jovem normal, mas não posso me afastar das minhas obrigações de Imperador. Isso é inegociável.

Pedro fitava a mãe intensamente. Ela sabia que teria que ceder. Nunca um Imperador se afastou de seus deveres para com a Coroa. Era um sinal de desinteresse; enfraqueceria a Monarquia. O Imperador precisava ser visto e, aos olhos dos súditos, deveria portar-se como um modelo a ser seguido. Ele não iria voltar atrás.

— Tudo bem — disse a Imperatriz, levantando a mão direito para parar os protestos que viriam de Clemente e Bueno. — Você participará das reuniões do Conselho de Estado, fará aparições oficiais, se encontrará esporadicamente com o Presidente, mas o dia-a-dia... O governo diário, as tomadas de decisões difíceis, você não poderá demonstrar interesse nisso. Eu, Bueno e Clemente lhe deixaremos a par de tudo e não tomaremos nenhuma decisão sem seu aval, mas você não irá proferi-las. Sua preocupação serão seus estudos, o autoconhecimento ou qualquer coisa que jovens de sua idade estão interessados no momento. Estamos entendidos?

Ele sabia que era o melhor acordo que poderia conseguir. Não iria forçar a corda até que ela cedesse. Poderia trabalhar nas sombras e reconstruir o Império do Brasil; devolver ao Imperador o direito de governar. Pedro assentiu e saiu da sala. Augusto o acompanhou.


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