Bad Decisions escrita por MayDearden


Capítulo 2
Parte 2




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7 anos depois

POV Oliver

Los Angeles

Eu mantinha o foco no adversário a minha frente, estava sendo uma luta difícil, mas não impossível. Em tempos isso não acontecia… Decisão de cinturão… As lutas são compostas por cinco rounds, de três minutos cada, e pela primeira vez em anos estava empatado. Eu ganhei os dois primeiros, o meu adversário os outros dois, mas eu não ia deixar que ele se desse bem no último.

A vibração e expectativa do público deixava tudo ainda mais tenso e excitante. Estar no ring era excitante demais.

Eu escutava ao longe Slade gritar para que eu avançasse, mas eu queria cansar o… - qual era o nome dele mesmo? Floyd Lawton -  Eu precisava cansa-lo para que eu pudesse acatar e finalizar.

Desviar dos socos e chutes não estava sendo a parte mais complicada, o difícil mesmo era me controlar, me segurar, para não encher a cara dele de porrada e ganhar essa luta. Era a última de todo o campeonato e aquele cinturão seria meu. Todos desde o meu início nas lutas eram.

7 anos, 6 cinturões e com toda certeza eu vou levar mais um comigo.

Depois de tanto tentar me atingir com socos e chutes, diversos golpes, ele finalmente cambaleou mostrando estar cansado.

Era a minha deixa!

Lhe dei uma sequência de socos começando com um gancho, depois um belo cruzado. Ele já estava exausto e eu continuei, jab, upper, direita, gancho… O sangue dele começava a descer e no fim, quando eu vi que Floyd estava tonto o suficiente para cair, eu girei e lhe deferi um chute bem na maçã do rosto.

Nocaute.

O cinturão era meu!

Hora de comemorar!

(…)

A minha cabeça doía da bebedeira da noite passada, tudo em mim gritava para que eu continuasse na cama. Mas o telefone tocava insistente.

O corpo ao meu lado se remexia mostrando sinais de que iria despertar.

A dona da cabeleira morena havia me dado uma canseira na noite passada. Tê-la cavalgando em cima de mim me levou a pouca energia que a luta havia deixado. Por mim momento eu pensei em deixar o telefone tocando e começar a acariciar o seio rosado que parecia pronto para receber a minha boca.

Respirei fundo com a insistência do telefone.

⁃ O que você quer, Shado? - atendi

Shado era a minha agente e empresária, ela era esposa do meu técnico, Slade. Eles formavam uma equipe e tanto. Foram minha família por todo esse tempo. Eles e seus três filhos: Rose, Joseph e Grant. Eu adorava os pestinhas!

⁃ Bom dia, garoto! - respondeu irônica

⁃ O que foi? Vá importunar o seu marido!

⁃ E eu vou! Mas não esqueça que hoje às dez você tem uma coletiva de imprensa com o canal 52 - disse - No mesmo local da luta

⁃ Estarei lá - olhei no relógio. Eram sete e meia da manhã, ainda dava tempo de me enterrar entre as pernas da morena ao meu lado.

⁃ Dez da manhã, Oliver - bradou - E não dez da noite.

⁃ Que seja, Shado, estarei lá - sorri ao encarar os olhos azuis vibrantes que me encaravam, desliguei o telefone - Bom dia, princesa!

⁃ Bom dia! - sorriu sedutora vindo para o meu colo

⁃ Te acordei, princesa? - perguntei acariciando seu seio, a fazendo soltar um gruindo e rebolar em cima de mim.

⁃ Tá me chamando de princesa porque não lembra o meu nome, não é? - eu via a decepção em seu olhar, mas o sorriso não saia de sua boca.

⁃ Nome é só um detalhe - e a joguei na cama abrindo suas pernas e procurando um preservativo.

(…)

E novamente o telefone insistia em me acordar. Mas que inferno! Eu só queira descansar da minha rodada de sexo com a morena que eu descobri se chamar Helena. Helena Bertinelli, filha de um dos meus patrocinadores.

O que era uma droga… Se Frank descobrisse que a filha passou pela minha cama, eu estava fodido.

Mas a pela branca dela, seus cabelos escuros, seus olhos azuis brilhantes e cheios de vida… Eles de lembravam tanto dela. Por um momento foi como estar com ela. Não! Eu era um fodido por comparar qualquer mulher com ela, ninguém nunca chegaria aos seus pés. Ninguém supriria a sua falta. Mas eu escolhi deixá-la, eu escolher fugir e eu era mais fodido ainda por isso.

⁃ Alô! - falei alto e Helena acordou, me olhou e levantou catando suas roupas.

⁃ Oliver! - Slade gritou do outro lado do telefone - Onde você está? Sabe que horas são?

⁃ Pare de gritar - bufei

⁃ Pare de agir como um adolescente! A coletiva de imprensa era uma responsabilidade! - parou por um momento - Sabe quem saiu como queridinho? Floyd. Do que adianta ganhar e não ter comprometimento? São onze e meia da manhã, devia estar aqui às dez.

⁃ Você está parecendo meu pai falando assim - rolei os olhos - Eu fiz minha parte, Slade. Eu ganhei. Estou aqui para isso, e não para aparecer na TV com repórteres urubus em cima de mim.

⁃ Não interessa, garoto - ralhou - Faz parte do contrato, a multa vai chegar para você pagar. Você tem agenda!!

⁃ Que seja! - desliguei e joguei meu celular na cama

Olhei em volta do meu quarto e encontrei Helena mexendo em nossas roupas. Ela dobrava minha calça com cuidado até que um papel caiu de seu bolso. Mas não era qualquer papel, era uma carta. Aquela carta. A carta que eu nunca tive coragem de abrir, mas carregava comigo por quer que eu fosse. Carreguei comigo por 7 anos, e era um covarde por nunca ter aberto.

Como eu disse… Eu era um fodido!

⁃ Esse papel velho caiu da sua roupa, vou jogar fora - Helena disse como se fosse uma coisa normal e eu voei pra coma dela arrancando o papel de sua mão.

⁃ Não mexe nisso - praticamente gritei e ela me olhou assustada

⁃ Me desculpa - pediu se encolhendo e colocando minha calça de volta no chão

⁃ Melhor você ir embora - felei e ela assentiu - Me desculpe - suspirei - Perdi o controle

⁃ Essa remetente, Felicity, - apontou para o papel em minhas mãos - deve ser realmente importante. Como era um papel amassado, pensei ser um lixo. Perdão, Oliver. Vou me arrumar e ir embora. - e se enfiou no banheiro

Não deixei de fazer uma careta ao nome mencionado. Anos que não o ouvia ou mencionava, e ouvi-lo ainda da boca da mulher que eu acabei de foder era estranho demais.

Me sentia um lixo mais que repugnante.

(…)

Depois que Helena foi embora eu me joguei no sofá e liguei a TV para ver o estrago que eu tinha feito na comitiva de imprensa. Eu odiava essas coisas! Eu não havia sido feito para repórteres e TV, eu havia sido feito para os rings.

Eu podia parecer um moleque mimado, mas eu precisava manter essa fachada de homem impassível. Que não ligava para nada, era o único jeito de conseguir levar e conviver com as minhas escolhas.

Eu havia sido um tremendo de um filho da puta no passado, mas eu sabia que nada que eu fizesse agora aplacaria a culpa que eu sentia, é essa culpa que me fazia ser imbatível nos rings.

Eu odiava ganhar de WO, mas alguns adversários desistiam quando viam a grade de luta e descobriam que ia me enfrentar. O ódio que eu sentia de mim mesmo era a motivação para que eu ganhasse. Era meu gás.

⁃ “Mais uma vez Oliver Queen não aparece em seus compromissos” - dizia Susan Willians para o canal 52, nós já havíamos dormido juntos uma noite qualquer, porém eu não quis uma segunda vez e Susan começou a pegar no meu pé - “Da pra ver que o queridinho dos rings não passa de um mimadinho. Talvez ganhar todas as lutas não esteja fazendo bem para o ego dele” - riu descarada - “Por outro lado, Floyd Lawton foi extremamente receptivo com todos. Atendeu a legião de fãs que se formou na porta do estádio e tratou muito bem não só os seus fãs, mas também os de Oliver Queen, que por outro lado não liga para quem mantém sua fama nas alturas”.

⁃ Merda! - bufei e mudei de canal

Eu não passava de um bastardo mesmo! Como eu pude não ligar para os meus compromissos? Como eu pude esquecer que após a coletiva aconteceria a interação com os fãs? Eu amava os meus fãs! Eles faziam as lutas ficarem mais excitantes. Amava a vibração deles e o acolhimento. Como eu pude esquecer?

Eu precisava pedir para Shado publicar uma nota de esclarecimento nas minhas redes sociais e marcar um encontro com eles.

Saquei o celular para ligar para minha agente, comecei a procurar o contato quando uma reportagem na TV me chamou a atenção.

⁃ “Urgente!” - o homem falava - “Um assalto seguido de morte acaba de acontecer em uma joalheria de Starling City” - o nome da minha cidade natal fez meu coração acelerar - “O assaltante morreu na hora, mas não sem deixar uma vítima.” - e então ao ver a foto da vítima. Ele não, ele não podia ter morrido. Não ele. - “Segundo testemunhas, Thomas Merlyn foi feito de refém enquanto comprava uma joia para a esposa, ele teria reagido e o assaltante o baleou sem pensar. Logo após ouvir os tiros, a polícia invadiu e deteve o assaltante” - eu sentia as lágrimas rolando descontroladamente enquanto eu olhava para a TV paralisado - “Acabo de receber a informação que houve uma intensa troca de tiros entre os policiais e o bandido, levando a morte do mesmo. A família Merlyn já foi informada sobre o ocorrido.”

⁃ Mas que porra - gritei tacando o celular na parede

⁃ “Desejamos forças para todos os familiares e amigos de Tommy, como ele gostava de ser chamado. Sua família é muito influente na cidade, todos o conheciam e amavam. Vão ser dias difíceis em Starling City”. - falou o repórter - “Nossos mais sinceros pêsames aos pais, esposa e filhos de Thomas.”

E sem pensar muito, peguei meus documentos, dinheiro, cartão e a carta de Felicity, e peguei minha moto. Fiz as dez horas que separavam Los Angeles de Starling City em sete. E eu só me lembrava da dor do dia em que perdi minha mãe.

Tommy tinha filhos, tinha uma esposa.

Não era possível. Ele não merecia.

(…)

Quando eu cheguei em Starling City já era noite. Eu não sabia para onde ir, enfiei um boné na minha cabeça e cacei um hotel pela cidade. Paguei uma quantia extremamente alta para o gerente me cadastrar com outro nome, tudo que eu menos queria era que vazasse na imprensa onde eu estava. Não queria os urubus assediando a família do Tommy e nem a minha.

Suspirei me jogando na cama. Minha vida costumava ser essa cidade e agora eu estava hospedado em um hotel sem saber para onde ir e o que fazer. Mas eu sentia que devia me despedir do Tommy. Ele foi muito mais do que um amigo, ele era o meu irmão. Fazíamos tudo juntos, sempre. Nossas mães ficavam loucas com nossas travessuras na infância. E na adolescência começamos a namorar na mesma época, a única diferença era que Tommy havia casado com sua garota. E eu… Eu abandonei a minha.

Minha garota.

Como ela deveria estar agora? Eu sempre evitei ler qualquer coisa sobre ela na internet, não que houvesse muito. Ela sabia apagar seus rastros, com um click ela hackeava qualquer site, apagava qualquer informação. Então, nem uma foto eu havia visto.

Também havia meu pai e minha irmã, Robert e Thea. Eu os magoei tanto quando parti, mas o que estava feito, estava feito. Não tinha como voltar atrás.

Eu sabia que meu pai sonhava com a hora em que eu assumiria a Queen Consolidated, mas eu nunca me vi como um CEO. Escolher os rings fez com que ele sentisse uma grande decepção por mim. Thea tinha redes sociais, e sempre postava fotos. Mas ela havia bloqueado a minha conta, então às vezes eu a fuxicava pela conta de Slade, ou pela de Shado. Mas a uns dois anos ela bloqueou esses também. A 7 anos eu não via minha família, eles não me procuravam, e eu não me sentia no direito de procurá-los, não depois que forma que fui embora.  Não depois da forma que o meu pai me encontrou.

Mas, por um lado eu me sentia mal com isso, era como se eles não sentissem a minha falta. Não era difícil de me encontrar… Mas de qualquer forma não era difícil de encontrá-los também, e eu não o fazia.

Respirei fundo e liguei a TV a procura de qualquer informação sobre o enterro de Tommy. Agradeci quando o mesmo jornalista de horas atrás apareceu dizendo que seria um enterro intimista, apenas os familiares e amigos mais próximos da família participariam e que o velório ocorreria na capela que Rebecca Merlyn mantinha no jardim da família, e no local mais distante do jardim havia um jazido para todas as gerações da família - ricos e suas manias de fazer um cemitério em seus quintais.

Ótimo!

Nada que eu não pudesse enfrentar.

Me joguei na cama, mas não dormi. Foi uma das piores noites da minha vida. Por muito tempo eu não chorava daquela forma. Era quase tão doloroso como quando minha mãe morreu.

Me senti novamente aquele garotinho desamparado vendo sua mãe morrendo em sua frente. Mas, dessa vez o garotinho sofria pelo seu melhor amigo.

(…)

O dia amanheceu bonito até demais para a tristeza que estava no ar.

Devia ser Tommy sendo recebido de braços abertos, pensei.

Cada pensamento meu voltado para essa situação fazia com que lágrimas voltassem aos meus olhos. Coloquei um óculos de sol para disfarçar a noite mal dormida e os olhos inchados do choro e desci da minha moto.

Respirei fundo olhando para a fachada da enorme mansão Merlyn, que só perdia em exagero para a mansão Queen.

Haviam dois seguranças na porta, um ao lado do outro, evitando que qualquer pessoa passasse. Eles perguntavam o nome e depois olhavam um tipo de lista.

Suspirei. Agora que eu seria barrado.

⁃ Qual o seu nome, Senhor? - um deles perguntou educado

⁃ Oliver Queen - falei e ele me olhou intrigado, provavelmente me reconhecendo dos rings ou das fofocas que deviam rolar pela cidade.

⁃ Pode entrar - disse cordial sem sequer olhar na lista

Agradeci e entrei. Segui para a tão conhecida capela rezando para que eu não topasse com ninguém conhecido. Rezando para que eu não me encontrasse com ela.

Coloquei os pés na capela e o padre já conduzia todos os trâmites da pequena missa. Preferi não entrar, eu não queria chamar a atenção e interromper esse momento tão singelo. Rebecca e Laurel deviam estar sofrendo demais, vi as duas chorando abraçadas a Malcom que também chorava. E duas cabeleireiras pretas no colo da mãe e da avó, os gêmeos. Tommy sempre quis me apresentar aos gêmeos e eu nunca me mostrei solicito a esse encontro.

Eu era um merda!

Agora mais do que nunca eu queria conhecê-los, queria poder fazer algo por eles. Algo que eu sabia que Tommy ia gostar de saber, que eu faria o que tivesse ao meu alcance pelos filhos dele.

Sentei nos degraus e fechei os olhos atento as palavras do padre. Meu coração doía, desejava estar no lugar dele. Tommy não merecia isso. Ele merecia uma vida longa e feliz. Merecia estar rodeado pelos filhos, e no futuro pelos netos.

As lágrimas voltaram com tudo até que uma vez me tirou de meus devaneios.

⁃ Estamos atrasadas - falou a voz com pressa. Aquela voz. - Não esquece, quando entrar dá um abraço bem apertado na tia Laurel - de prontidão me levantei sem olhar e trombei com ela nas escadas. Ela ia caindo se eu não segurasse seu braço.

Ficamos um tempo nos encarando. Seus olhos azuis intensos demonstravam a tristeza, as olheiras demonstravam a noite mal dormida. Mas continuava linda. Linda e agora loira.

Nada me preparou para aquele momento. Eu achava que ia conseguir lidar com isso perfeitamente bem, mas ver ela ali. Na minha frente. Com um semblante de sofrimento, me fez querer embala-la e cuidar dela como antigamente.

Eu ainda a amava. Isso era evidente.

Mas pelo jeito que ela me olhava, não podia dizer o mesmo.

E então ela arregalou os olhos e olhou para uma outra cabeleira loira, só que baixinha, e eu segui seu olhar. Mais um par de olhos azuis me encaravam de cenho franzido, a garotinha era uma mini Felicity, sem dúvidas eram mãe e filha.

Teria ela seguido em frente, se casado e tido uma filha?

Acho que eu não ia aguentar…

⁃ Felicity... – sussurrei fraquinho

Dizer aquele nome causava um sensação diferente dentro de mim, fazia anos que eu não proferia.

⁃ Com licença - ela falou rebocando a menina consigo e eu fiquei de pé na porta da igreja sem saber o que fazer

A observei entrar, e reparei que a garotinha não parava de me encornar com o cenho franzido. Ótimo! Ela nem me conhecia e já me odiava. Provavelmente cresceu ouvindo toda a Starling City me xingando.

Felicity se sentou ao lado de um homem que eu não conhecia, e aquilo mexeu com meu interior de uma forma que eu não esperava. Eu não deveria me sentir possessivo em relação a ela, eu não tinha esse direito. Mas cá estava eu com um ódio crescendo em mim.

Ela cochichou algo no ouvido do homem, e os dois olharam para mim. Sustentei o olhar dele que pareceu suspirar e voltou a prestar atenção no que o padre dizia.

 - … Gostaria de ter as respostas para ajudarem vocês a entender o porquê de Tommy ter sido tirado de nós, pra me ajudar a entender - o padre falou tristemente - Aqui nessa capela ele foi batizado, aquela ele casou e aqui lhe daremos o nosso último adeus… - encarei o caixão na frente do altar e foi demais pra mim. Era difícil compreender que ali jazia o corpo do homem que mais me conhecia nesse mundo. Do homem que era meu irmão e melhor amigo.

Encostei na parede e escorreguei até sentar no chão. Tommy morreu, Felicity estava casada e tinha uma filha… Essas informações rondavam a minha cabeça com uma força descomunal. Eu preferia apanhar de um adversário no ring do que ter que viver essa realidade.

Eu passei tanto tempo longe deles, eu afastei Tommy, o único do meu passado que ousou ir atrás de mim, eu afastei. E agora essa dor é essa culpa gritavam em mim.

Doía demais.

Depois da pequena missa e do velório, houve o enterro. Eu tentei a todo custo me manter afasto, e os olhares curiosos pareceram entender e respeitar. Eu era ciente dos olhares e Thea e papai para mim, mas a dor deles era maior que qualquer sermão que quisessem me passar. Minha irmã era amparada por Roy, e papai sofria calado de braços cruzados.

Laurel também reparou minha presença e ficou aos prantos ao me ver ali. Ela sabia que quanto Tommy tentou se aproximar de mim. Ela sabia que ele tentou. E eu só apareci quando ele não estava mais entre nós.

Durante o enterro eu me mantive apoiado em uma árvore a uns 15 metros de distância de todos. Mas todo o meu corpo ficou em alerta quando vi Felicity entregar a pequena menina ao homem que deveria ser seu pai e caminhar na minha direção. Ela vinha cheia de ódio no olhar e nas feições. Já era de se esperar, eu sabia o que viria agora. E eu estava pronto, fechei os olhos esperando.

Sem dizer nada ela me deu um belo soco no estômago e eu me curvei com a dor que seus anéis me causaram. Calada ela veio, e calada ela se foi.

Eu merecia esse soco. Eu merecia muito mais que isso.

Ela podia me queimar vivo, eu não iria reclamar.

Foi um belo soco, por sinal. Ao menos ela ainda lembrava do que a ensinei a anos atrás.

Respirei fundo e vi uma sombra parar na minha frente, levantei a cabeça e vi meu pai me encarando.

⁃ Oi, Oliver - a voz imponente dele estava falhada por causa das recentes emoções

⁃ Oi, pai - falei me recompondo

⁃ Vamos pra casa - e saiu andando, assenti e o segui

(…)

Quando estacionei minha moto em frente à mansão Queen e coloquei os pés dentro de casa, Raisa voou no meu pescoço em um abraço cheio de saudade. Não pode deixar de rir com a recepção, ao menos ela havia sentido a minha falta.

Eu a abracei de volta tão apertado que eu nem me lembrava o quanto senti falta desses pequenos detalhes. Depois que minha mãe morreu, Raisa foi escalada para cuidar de mim e de Thea. Ela já era governanta da mansão, e como sabia exatamente o jeito que mamãe gostava de cuidar da gente - sem babás - Raisa também tomou esse lugar.

Era a única mãe que Thea conhecia, já que não se lembrava muito de Moira. Mamãe seu foi quando eu tinha 10 anos e Thea 7. Fora o pior momento de nossas vidas.

Ainda bem que tínhamos Raisa.

⁃ Vou lhe preparar um lanche, meu menino - acariciou minha bochecha - Está tão magrinho

⁃ Não precisa, Raisa - sorri

⁃ Eu insisto - assenti e ela saiu

Andei até o hall da casa e passei pelo arco da sala de estar, papai estava lá parado, de braços cruzados segurando uma foto minha e de Tommy quando devíamos ter uns 8 anos.  Ele encarava o retrato tão emocionado. Papai amava Tommy como um filho. Era difícil para todos.

⁃ Pai - falei chamando sua atenção

Ele colocou o porta retrato no lugar e se virou para mim, sentou no sofá e apontou para que eu sentasse também. O fiz.

⁃ Raisa foi buscar um lanche para você - começou

⁃ Não precisa

⁃ Precisa - garantiu - Você pode ter sumido, mas amava Tommy, não vai ser fácil e você não parece bem

⁃ Não é fácil - assenti passando a mão pelos cabelos, ele assentiu também e o silêncio se tornou incômodo

⁃ Oliver…

⁃ Olha, pai - o interrompi - Sei que não é fácil me ver aqui, eu não avisei que vinha. Mas eu não quero causar nenhum desconforto - me levantei - Eu vim me despedir do meu amigo e eu estou em um hotel, não sei quanto tempo vou ficar, mas não quero…

⁃ Você vai ficar aqui, Oliver - ele falou se levantando também - Não importa o que diga, você vai ficar aqui

⁃ Pai…

⁃ Não! - quase gritou e eu me assustei - Eu vi o meu melhor amigo perder seu único filho, Oliver. Ele enterrou o filho dele, não importa as nossas diferenças, eu não vou ficar longe do meu filho, não mais. - assenti e por impulso o abracei. Eu esperava ser recebido a chutes pelo meu pai, fui pego totalmente de surpresa. Ele retribuiu o abraço me apertendo - A casa é sua também, fique o tempo que precisar - falou se afastando - Tenho que resolver uns assuntos na rua, volto para o jantar.

⁃ Tá bem - e saiu.

Logo depois Raisa chegou com meu lanche, o mesmo que ela servia quando eu era criança: croque monsieur com suco de laranja.

Raisa me atualizou da vida das pessoas que eram próximas a mim, contou do casamento da minha irmã - evento que eu recusei o convite educadamente -, Thea e Roy moravam com papai, havia sido exigência do mesmo. Descobri que Felicity não era casada coisa nenhuma e Raisa disse não saber quem era o pai da menina que ela chamou carinhosamente de “bagunceirinha”.

Respirei fundo pensando na minha irmã, ia ser difícil me aproximar dela.

⁃ Se Thea ainda mora aqui, onde ela deve estar?

⁃ Provavelmente na casa da menina Felicity, ela ficou muito abalada com a partida de Tommy - falou - Roy não quer deixar a irmã e a sobrinha sozinhas

⁃ E Thea quer me evitar - suspirei

⁃ De um tempo a sua irmã - pediu - Ela sofreu na sua ausência, se não fosse a chegada da bagunceirinha essa casa seria uma tristeza que só.

⁃ A filha da Felicity vem muito aqui? - perguntei curioso e ela sorriu nervosa

⁃ Ela ama Roy - disse e começou a recolher as coisas do lanche e saiu disparada para a cozinha.

Respirei fundo novamente tentando absorver as informações recém adquiridas quando o meu celular - com a tela estilhaçada - começou a tocar.

Eu não precisava de muito para saber que era o Slade. Sabia que hoje também havia algum compromisso, acho que uma entrevista em um programa de esportes. E mais uma vez eu não estava lá para cumprir com a minha agenda. Slade queria me trucidar, e com razão.

Deslizei o botão com dificuldade para atender, eu precisava arrumar outro celular.

⁃ Oi - falei tomando a direção da piscina

⁃ Garoto! - berrou - Onde você se enfiou? Shado está louca atrás de você, você tinha que estar agora mesmo no estúdio da ESPN.

⁃ Eu não vou - sussurrei temendo sua reação

⁃ Você o que? – berrou mais – Oliver, isso é responsabilidade. Terá multa rescisória envolvida. Semana que vem você tem uma luta, precisa treinar e manter sua dieta.

⁃ Slade, aconteceu uma coisa - suspirei, era tão difícil proferir em palavra - Tommy Merlyn, meu melhor amigo desde a infância, morreu ontem. Ele foi assassinado em um assalto - um silêncio tomou conta do outro lado do telefone, eu conseguia ouvir as máquinas do cérebro dele trabalhando.

⁃ Tome o tempo que precisar, garoto - falou calmo, o que era raro - Vou dar a notícia para a imprensa e remarcar todos os seus compromissos para daqui a um mês.

⁃ Slade, não quero que avise onde estou - pedi - Minha família já é assediada demais pelos paparazzi, não preciso de mais urubus procurando por carniça

⁃ Mas uma hora ou outra vai vazar, Oliver

⁃ Quando vazar estarei pronto - suspirei - Por agora, quero um tempo com eles.

⁃ Tudo bem, garoto - falou terno - Eu te entendo!

⁃ Obrigado!

⁃ E Oliver? - chamou

⁃ Sim?

⁃ Meus pêsames! Eu sei o quanto essas pessoas são importantes para você, mesmo que você nunca os tenha procurado.

⁃ Obrigado! - e desliguei.

(…)

Passei o dia sem ter o que fazer. Passei o dia perdido, apenas com Raisa ao meu encalço perguntando de hora em hora se eu estava bem ou se precisava de algo.

Eu queria ver os meus amigos, abraçar a minha irmã, queria reconfortar Laurel e encontrar com ela.

Eu estava com uma puta vontade de encontrar ela. Tudo em mim gritava por isso. Mas, devido ao soco de mais cedo, era nítido que não era recíproco.

A imagem de Felicity trombando em mim fez meu coração acelerar. Eu já falei o quanto ela estava linda? Pois, ela estava! O loiro lhe caia tão bem. Aqueles olhos azuis cheios de vida fazendo par com a boca rosada e carnuda.

Aquela mulher era a personificação da beleza.

Como eu pude abandoná-la? Os meus motivos na época pareciam tão idiotas agora, agora que ela estava tão perto de mim.

Toquei a carta que estava no meu bolso e respirei fundo.

Eu estava respirando fundo demais ultimamente.

Raisa havia mandado arrumar meu quarto, e eu me dei conta que não estava com nenhuma roupa aqui. Eu apenas subi na moto e vim para cá.

Avisei a ela que estaria de volta para o jantar e pilotei até o hotel. Fechei minha conta lá e dei uma última olhada para ver se não havia esquecido nada. E sai.

Eu não tinha roupa, então coloquei meu boné e óculos de sol e passei em uma loja qualquer. Comprei umas roupas que combinavam comigo, cuecas, tênis e chinelo. Enviei as compras para casa no nome de Raisa. Eu não podia deixar que soubessem que eu estava na cidade. Ninguém da loja pareceu me reconhecer.

Já era noite quando parei a moto na frente de casa. Eu rodei a cidade reparando no que tinha mudado e passei umas três vezes em frente à Smoak Tech, Raisa havia dito que Felicity era a CEO da empresa da família dela. Então lá no fundo eu tinha esperanças de encontrá-la saindo ou entrando do prédio. Em vão, ela provavelmente nem havia ido trabalhar depois do dia conturbado de hoje.

Entrei na mansão e ouvi vozes vindas da sala de estar, segui até lá e os três pares de olhos me encararam, se calando no que quer que estivessem falando.

               ⁃             Boa noite - falei andando e parando ao lado do meu pai - Speedy, Roy - cumprimentei. Minha irmã revirou os olhos e Roy assentiu sério.

É! Eles me odiavam!

 ⁃ Fale com seu irmão, Thea - Papai pediu

⁃ Você não pode me obrigar - se levantou - Ele não merece a gente, pai - me olhou com desdém - Não me obrigue - olhou novamente para Robert e saiu

⁃ Vai ser difícil para ela, Robert - Roy disse - Ela sempre idolatrou o irmão e…

⁃ Tudo bem, Roy - falei - Entendo ela. No lugar dela eu também não ia estar me sentindo bem.

Ele assentiu e saiu por onde a esposa havia ido.

⁃ Você tem certeza que é melhor eu ficar aqui? - perguntei para o meu pai

⁃ Absoluta - ele apoiou uma mão em meu ombro - Meu filho, eu já entendi que você não vai ser CEO da empresa. - abriu um sorriso - Eu já tenho uma herdeira para esse cargo, ama mandar e desmandar lá. Tem um timbre para os negócios - disse perdido em pensamento

⁃ Quem? - perguntei sem entender. Teria papai tudo outro filho? Ou Thea estava grávida? Eu seria tio?

⁃ Não me olhe assim, Oliver - riu - Eu não tenho um filho perdido por aí. - assenti ainda sem entender - Venha, vamos jantar. Acredito que sua irmã perdeu o apetite.

O jantar percorreu tranquilamente, meu pai praticamente obrigou Raisa a se sentar conosco. Ela pestanejou, mas não resistiu quando eu entrei na briga também. E novamente o apelido “bagunceirinha” voltou a ser ouvido, mas dessa vez vindo da boca de papai. Ele falava da filha da Felicity com tanta devoção. Com certeza essa menina era amada por todas por aqui.

Não me controlei com minha curiosidade.

⁃ Fiquei surpreso quando descobri que Felicity tinha uma filha - falei quando terminei minha refeição

Papai sorriu estranho.

⁃ Ela teve, nos pegou de surpresa. - bebeu seu suco - Aquela bagunceira é quem manda nessa casa. - disse e Raisa riu concordando

⁃ Ela é tão amada assim por aqui? - sondei - Ela vem muito aqui? O pai dela não se importa?

⁃ Os tios dela moram aqui, Oliver - Thea apareceu - É proibido uma criança visitar os tios? - ela se sentou ao lado de Raisa e começou a se servir

— Claro que não - falei por fim e o silêncio tomou conta da sala de jantar

— Roy não vem, querida? - Raisa perguntou preocupada

— Mia ligou - suspirou - Felicity não está bem

— Eu vou lá - papai disse

— Não precisa - minha irmã disse colocando o suco em seu copo - Roy da conta - meu pai assentiu

— Felicity sempre foi muito grudada com o Laurel e Tommy - Raisa disse com pesar e olhos cheios de lágrimas - Vai ser difícil pra ela, ainda mais depois de ontem. Quase traumático. - e se levantou chorando

Eu estava perdido naquela conversa. Seja lá quem fosse Mia, havia ligado avisando que Felicity não estava bem - deveria ser uma empregada dos Smoak - E que havia passado por uma situação pesada ontem. Mas ontem havia sido o dia do assassinato de Tommy.

O que mais havia acontecido?

— O que aconteceu? - não me aguentei

— Você devia cuidar da sua vida - ralhou Thea

— Thea! - Papai repreendeu

— O que? - bufou - Ele some e agora volta como se nada tivesse acontecido, querendo saber da vida de todo mundo. Fingindo preocupação com a Felicity, logo com a Felicity. Não tenho sangue de barata, pai.

— Ela tem razão - falei me levantando - Eu não tenho direito de querer sabe de nada. Mas Thea, - a olhei sério - eu me preocupo. Ainda mais quando se trata dela.

Sai da sala de jantar em tempo de ouvir minha irmã bufar e papai reclamar algo com ela. O que me deixava com mais raiva era saber que ela tinha razão, ela estava certa. Em tudo. Eu era um fodido e hipócrita de sumir e voltar querendo saber da vida dela. Ainda mais da vida dela.

Eu abandonei a mulher da minha vida no altar. Eu fui embora sem olhar pra trás e agora eu estava aqui me sentindo no direito de algo. Me sentindo no direito de saber o que aconteceu com ela, não só ontem, mas nos últimos 7 anos.

Ela deve ter encontrado alguém e tido uma filha, filha essa que toda a minha família era apaixonada. E logo depois provavelmente se separou, já que Raisa disse que ela era solteira. Aquela menina com ela no enterro devia ter uns 5 anos.

Se até meu pai era apaixonado por aquela garotinha, eu já estava intrigado sem ao menos conhecê-la.

Me afugentei em meu quarto soterrado na minha própria frustração.

A nostalgia daquele lugar tomou conta de mim de uma forma que eu não esperava. Tudo meu ainda estava ali. Os troféus e cinturões das lutas intercolegiais, os meus livros - não que eu tenha lido todos -, minhas fotos com mamãe, Thea, meu pai, Tommy e meus outros amigos. A maioria das fotos eram minhas com Felicity, nossas viagens, nossos encontros... Momentos que eu joguei no lixo abandonando-a.

Me joguei na cama abafando um grito com o travesseiro, eu me sentia sufocado com os meus próprios erros.

Minutos depois Raisa apareceu com um copo de leite com canela e um sorriso no rosto. Ela fizera uma promessa a mamãe em seu leito de morte, e a vinha cumprindo com maestria. Ela conseguia conciliar sua vida pessoal com a profissional, mas ela sempre gostou de dizer que fazíamos parte da sua vida pessoal também.

Ela era viúva, lembro que seu marido morreu quando eu tinha uns 15 anos, e após isso ela nunca sentiu vontade de se casar novamente – era o que a mesma dizia -, papai lhe apresentou uns amigos, mas nada aconteceu. Raisa tinha uma filha que, após fazer um intercambio na Europa, se casou e ficou por lá.

— Sabe que não precisa disso, não é – sorri esticando minha mão para pegar a caneca

— E você sabe que precisa – me entregou e se sentou ao meu lado

— Mamãe fazia isso – lembrei

— Acho que seria exatamente isso que ela faria se estivesse aqui, querido – acariciou meus cabelos

— Você me mima demais - apontei

— Outra coisa que Moira faria se estivesse aqui – assenti concordando com ela

Ela se levantou e caminhou até a porta, mas a impedi.

— Raisa? – perguntei

— Sim, querido? – me olhou segurando a maçaneta

— O que aconteceu para Felicity estar tão assusta com a morte do Tommy?

— Achei que você nunca fosse perguntar- sorriu se aproximando e voltou a se sentar – Felicity sempre foi muito próxima de Laurel e Tommy, eram vocês quatro sempre dando dor de cabeça por ai – ficou perdida em lembranças e eu assenti – Tommy havia pedido para Felicity ir até a joalheria com ele para escolher o presente de cinco anos de casado com a menina Laurel...

— Felicity estava lá dentro? – interrompi apavorado

— Sim – suspirou com seu semblante ficando triste – Ela disse que seria a refém, mas Tommy se ofereceu para ficar no lugar, reagiu e aconteceu o pior. Menina Felicity se culpa, acha que se estivesse no lugar do Tommy, ele ainda estaria aqui.

— E ela estaria... – minha voz ficou embargada, eu não conseguia nem completar a frase, quem dirá imaginar Felicity morta.

— Não temos como saber – suspirou novamente – Mas, todos nós conhecíamos o espirito heroico do Tommy. Se Felicity pestanejasse era capaz de estarmos enterrando dois hoje, e não apenas um.

Balancei a cabeça na tentativa de espantar o pensamento de um mundo sem Felicity Smoak, já era difícil demais um mundo sem Tommy Merlyn.

— Eu queria vê-la – admiti – Falar com ela. Você sabe onde ela vai estar amanhã?

(...)

Depois que Raisa saiu do meu quarto, eu deitei e dormi. Leite e canela realmente faziam milagres. Apaguei em segundos. Ela me passou onde Felicity estaria, programei aparecer lá logo de manhã, mas não acordei a tempo.

Eu estava exausto, todas aquelas emoções que eu sentia pesavam meu corpo e eu nem havia percebido.

Quando acordei, já era perto de meio dia, voei para fora da cama e fiz minha higiene matinal. Coloquei uma blusa e um jeans qualquer, peguei meu boné e os óculos e sol. Saquei as chaves da moto e corri para fora da mansão feito um furacão, eu quero conseguir encontrar com ela antes que Felicity saísse para o almoço.

Estacionei na calçada e entrei na Smoak Tech tentando passar despercebido para não ter que apresentar um crachá, e eu consegui... Voei para o elevador e apertei o botão do andar indicado pela Raisa. Em poucos segundos a porta do trigésimo andar se abriu.

Eu já havia estado naquele prédio muitas vezes anos atras, a sala de Noah Smoak era no vigésimo quinto anda, e pelo que pude reparar a empresa passou por reformas, estava mais moderno e mais aconchegante para se trabalhar. Mas a única parte que mais me chamou a atenção foi a placa escrito “nono andar, ala infantil”. Aquilo realmente era novo.

O andar da presidência não era tão diferente do da QC, mas as paredes não eram de vidro e os moveis todos de inox. O local tinha vida e personalidade. Quando as portas se abriram eu dei de cara com uma mesa, que deduzi ser de uma secretária, que estava vazia, apenas com um computador sobre ela

Escutei vozes vindas de uma porta em frente à mesa da secretária, andei até lá devagar tirando o boné e o óculos de sol.

— Então combinamos assim, Dinah – Felicity falava – Eu não tenho cabeça para rever esses contratos agora, peço que ligue para esses fornecedores e remarque o prazo. – adentrei na sala nenhuma das duas reparam minha presença. A sala da Felicity era a cara dela, o andar inteiro tinha a personalidade dela.  

E ela estava linda, com os cabelos lisos até um pouco mais do ombro, os inseparáveis óculos e um vestido azul que combinava com seus olhos.

— Sim, chefinha – a mulher, Dinah, digitava algo em um tablet enquanto Felicity falava – Temos a reunião com o Sr. Queen, com aquela parceria dos relógios que substituem o nosso computador

— Eu acho que ele não vai se importar de... – e então ela me olhou, ela desviou o olhar de sua secretária por um instante e seus olhos caíram em mim. Seu semblante tranquilo mudou para um cheio de ódio. – Eu estou ocupada! – falou grossa

Dinah se assustou com o tom da sua voz e olhou para trás, sua boca abrindo em um pequeno “O” de surpresa em me ver ali parado.

— Na verdade... – a secretária iria discordar, mas recebeu um olhar mortal da patroa e sorriu – Na verdade ela está certa, temos um almoço marcado com... Qual o nome? – perguntou se virando para Felicity que revirou os olhos

— Com ninguém – ela suspirou – Está dispensada, Dinah, na segunda voltamos.

— Tudo bem – Dinah assentiu andando até a porta, onde eu ainda me encontrava parado – Ah! – se virou para a chefe – Laurel gosta de orquídeas? – Felicity assentiu – Ai que bom! Mandei um arranjo para casa dela e diversos bombons, daqueles que eu sei que ela ama.

— Ela vai adorar, Drake – sorriu – O mundo precisa de mais pessoas boas e gentis igual a você – e me encarou de cara feia.

Pesquei a indireta, com certeza.

Dinah saiu me lançando um olhar estranho e sibilando um “idiota”, com certeza essa tinha ódio de mim. Todo mundo daquela cidade me odiava, com razão. Ela passou pela porta e a fechou atras de si me deixando totalmente sozinho com Felicity. Eu queria poder dizer que isso era uma coisa boa, mas não, o olhar mortal que eu recebia da loira a minha frente era assustador.

Me aproximei e ela se remexeu em sua cadeira, cruzando os braços na frente de si.

— O que você quer? – perguntou

— Foi um belo soco que me deu ontem – falei cruzando os braços também

— Veio aqui para falar de um soco? – apoiou os cotovelos na mesa

— Não – suspirei – Eu gostei com o que você fez na empresa, a reforma e tudo mais.

— Que bom que eu tenho sua aprovação, não sei o que faria sem ela – sorriu sem humor. É... Não seria nada fácil falar com ela. – Olha, Oliver – se levantou coçando a testa – Eu segui a minha vida, todos seguiram, pessoas se foram desde que você sumiu. Meus pais morreram, você sabia? – não me deixou responder – Você percebeu que nos últimos anos ninguém, ninguém do nosso ciclo de conivência, falou na imprensa sobre você ou sua vida aqui? Será que também não percebeu que ninguém tem uma foto sua postada nas redes sociais? E porque você acha que é assim?

— Porque eu abandonei você naquele dia...

— Não – riu sem humor – Você abandonou a todos, todo mundo que amava você e que você dizia amar – assenti cabisbaixo – Ninguém comenta sobre você, nós nos apoiamos, somos uma família, sempre fomos leais uns aos outros. – engoliu em seco – Você não pertence mais a esse lugar, a essa família. Por favor, Oliver, vai embora – pediu e começou a mexer nos papeis em sua mesa.

Eu queria falar, dizer que ela estava certa, dizer que eu sabia de todas as burradas que eu tinha cometido. Queria dizer também que, pelo meu pai, eu não iria mais me afastar. Queria falar que eu iria olhar pelos filhos do Tommy, fazer o que eu pudesse por eles. Honrar o meu irmão. Queria dizer que a culpa da morte dele não era dela, e que eu sentia muito pela morte de seus pais.

Mas eu não pude dizer nada daquilo.

Não pude porque a porta foi aberta em um rompante e uma pequena loirinha uniformizada passou correndo pela soleira.

— Oi, mamãe – a pequena parou em frente a mãe que me olhou nervosa, mas se ajoelhou na frente da filha.

Sara Lance, irmã mais nova de Laurel, apareceu na porta carregando uma mochila rosa que eu deduzi ser da pequena a minha frente.

— Oi, filha – Felicity abraçou a menina e eu olhei intrigado para as duas. – Minha linda!

Olhei atentamente a criança, os olhos azuis como o mar, a boquinha tinha uma linha reta, mas os lábios eram cheios como os de Felicity. Seu cabelo loiro estava preso com duas... Como aquilo chamava? Maria-alguma-coisa.

Linda! Aquela criança era linda e emanava luz, como a mãe.

— Oliver – Sara cumprimentou de má vontade me tirando a atenção da menina

— Oi, Sara

— Filha, a tia Sara vai te levar para comer sorvete na lanchonete lá da esquina que você adora – Felicity disse beijando a mão da menina – Não vai, Sara?

— Claro que sim – Sara disse animada – Vamos, pirralha!

— Ah! Eu não quero sorvete – a menina disse olhando da mãe para a tia – Eu prefiro almoçar, é mais saudável para o horário.

As suas adultas se olharam e riram, mesmo estando claramente desconfortáveis com a situação. Eu segurei meu riso, que garotinha esperta. Dava pra ver o motivo de meu pai ser apaixonado por essa menina. Ela tinha respostinhas na ponta da língua assim como Thea nessa idade.  

Espera...

Olhei bem para a menina novamente. E olhando bem para ela, poderia dizer que ela era a Thea de cabelo loiro. E todo mundo dizia que a Thea era eu de peruca.

Espera...

Meu mundo girou por um instante, perdido em possibilidades.

Mas será... ? Seria ela minha?

A voz da menininha me trouxe de volta a realidade.

— Eu conheço você – ela disse me olhando – Você estava na despedida do meu padrinho ontem. E eu já vi você na TV, mamãe as vezes vê suas lutas.

Felicity que ainda estava abaixada se levantou nervosa.

— E-eu deixo a televisão ligada e... – suspirou e eu assenti sorrindo fraco.

— Eu não gosto muito de violência – a garotinha continuou – Sem querer ofender.

— Não me ofendi – sorri para ela – Fique tranquila – ela assentiu satisfeita

— Okay – Felicity falou puxando a menina até a Sara – Já chega, podem ir.

— Eu sou... Eu sou um amigo da sua mãe – a criança parou de andar e se aproximou de mim, era nítido o desespero de Felicity com nossa aproximação – Me chamo Oliver. – estendi minha mão para cumprimenta-la, a mãozinha pequena e macia logo tocou a minha.

— Mia – falou seu nome sorrindo com se fosse o óbvio

Minha mente voou na noite passada. Onde minha irmã dizia que Mia havia ligado cotando sofre o estado da mãe. Eu, como um tolo, achei que se passava de uma empregada. E mais tolo ainda achei que Feliticy havia tido uma filha com um homem qualquer.

Mia.

Mia era o apelido que minha mãe tinha na infância. Porque ela faria uma homenagem a minha mãe para a filha de outro homem? A resposta gritava na minha mente.

ELA HOMENAGEOU A AVÓ DA FILHA DELA.

Era como um letreiro de neon me cegando e me deixando tonto. Mas eu precisava ter certeza antes de qualquer coisa.

— Mia? – falei quando percebi que não respondi a pequena – Uau! – olhei para Felicity sugestivamente e depois para Sara que parecia tensa – É um nome muito lindo!

— Obrigada – ela disse satisfeita com o elogio – Meu vovô quem escolheu e a...

— Está bom, meu amor – Felicity se meteu – Agora vai com a sua tia, por favor, eu já vou lá te buscar para irmos na...

— Espera só mais um pouco – interrompi me ajoelhando na frente da pequena, pelo canto do olho vi Felicity ficar pálida e me olhar de cara feia – Quantos anos você tem, Mia? – eu precisava saber

— Eu sou um pouco baixinha para alguém da minha idade, mas eu tenho 6 – falou – Eu devo ter puxado a minha tia, porque a mamãe não é tão pequena. Mas a minha tia é pequena... – tagarelou igual a mãe fazia antigamente.

Sim, Thea sempre fora baixinha.

— Agora vamos, Mia – Sara a pegou no colo me obrigando a sair do transe que era observar aquela criança.

Aquela criança era minha.

Minha criança.

Minha filha.

Eu costumava me imaginar sendo pai quando decidi pedir Felicity em casamento, com o pensamento de irmos para a faculdade casados. O plano era nos formarmos, assumiríamos as empresas de nossos respectivos pais e teríamos nossos filhos. Eu sabia que queria, queria isso com ela. Apenas com ela. Mas depois que tudo aconteceu eu desisti dessa vontade. Não me via tendo filhos com mais ninguém.

Portanto, agora, tudo era diferente.

A minha fila estava ali na minha frente, sendo levada pela Lance mais nova.

— Tchau, mamãe – balançou as mãozinhas acenando – Foi bom te conhecer, Oliver – e sumiu pela porta com Sara.

Felicity avançou e trancou a porta me olhando assustada.

— Ela tem 6 anos – sussurrei olhando no fundo dos seus olhos.

— Acho que a conversa que ensaiei milhões de vezes na minha cabeça vai acontecer agora... – se encolheu

— Acho que sim – respondi seco

Era nítido o desespero dela, ela estava pálida e tremula. Por fim ela escorregou pela porta e se sentou no chão.

Eu queria sentir raiva, queria gritar com ela por ter escondido uma filha de mim. Queria jogar em cima dela toda a frustração de ter perdido 6 anos da vida de Mia. Mas olhar ela ali sentada no chão, com os olhos marejados, tão frágil e quebrada, me fez querer gritar comigo mesmo, berrar comigo mesmo por tê-la abandonado.

— Eu não sabia que estava grávida até semanas depois do que deveria ter sido o nosso casamento, - começou depois de um longo suspiro -  eu estava tão depressiva e com ódio por você ter me abandonado. Mas de alguma forma eu reuni toda a minha força para tentar falar com você, eu tentei te ligar varias vezes, mas parecia que você tinha mudado de número, ou ficou sem celular... Eu não sei. Então te rastreei como fã e escrevi uma carta enviando pelo seu código postal. Sabia que não tinha e-mail pessoal, apenas de assessoria. – mordeu o lábio segurando o choro – Então achei que uma carta fosse melhor. Eu escrevi te implorando para que me procurasse, e depois prometi a mim mesma que se você não tivesse a decência de me procurar, para saber o que eu tinha de tão importante para te falar – os olhos dela encheram de lágrimas – Eu nunca mais iria atrás de você. Porque a Mia merece tudo de melhor, e você não merecia ela.

Assim que comecei minha carreira Slade pegou o meu antigo celular, me deu um novo, um chip novo que não estava cadastrado em meu nome – ele não queria que eu fosse assediado por fãs raqueando meu número. Shado fez uma conta na operadora no nome dela e era esse número que eu tinha até hoje.

Encontrar a carta dela na caixa postal foi fácil, ninguém sabia a minha caixa postal ainda. Mas Felicity conseguia descobrir tudo com um computador na mão. Infelizmente, não descobriu meu telefone. E eu, como um idiota e medroso, nunca li sua carta.

Medroso porque eu sabia que no primeiro parágrafo que eu lesse, eu voltaria correndo para ela.

— Você homenageou a minha mãe a chamando de Mia. – falei emocionado

— Não fiz por você – garantiu – Fiz pelo seu pai e por Thea, Mia ama tanto o avô e a tia. Ele escolheu, e eu não tive como negar.

— Eu não sei o que dizer - falei maravilhado

Eu era pai.

Eu tinha uma filha.

Aquela garotinha era parte de mim.

Minha Mia.

— Não diga nada - disse simplesmente - Apenas vá embora - pediu

— Você me confirma que aquela menina admirável é minha filha e quer que eu me afaste?

— Não quero que magoe minha filha.

— Não vou embora - garanti - Não vou abandonar ela

— Você já me disse isso antes, Oliver - fungou e se levantou saindo do escritório e me deixando sozinho

 


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Notas finais do capítulo

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