Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 8
Novos convidados se juntam a festa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/806815/chapter/8

IML de Timisoara, Romênia. 17:34 da tarde.

 

O prédio amarelo e velho, visto de longe, parecia mais um galpão de armazenamento do que o IML de Timișoara. Não era, por certo, o ponto principal de turismo da cidade mas, sem dúvida, era uma rota comum dos membros da Poliţia Municipiului e da Poliția Română.

 

Já era fim de tarde - e começo de novo turno - quando Radu chegou ao IML. Processar a praça não tinha sido uma tarefa tão difícil, mesmo com a amplitude do local. O corpo da vítima chegou ao IML logo cedo pela manhã, e a legista tinha ligado há cerca de meia hora para informar que estavam finalizados os exames, e o laudo, fechado; e para dizer que ele teria companhia durante a explanação da autópsia. Provavelmente, teria companhia até fecharem o caso, o qual tinha, mais cedo, sido designado a Radu. 

 

A legista Neela Chigozie, uma mulher de pele escura e estatura pequena que irradiava presença, esperava-o em sua sala, assim como Mircea (dessa vez, em suas tradicionais roupas de laboratório), junto com três outros indivíduos vestidos em cores escuras.

 

A primeira e a segunda figura eram familiares ao detetive, mesmo que fosse essa a primeira vez que os visse em carne e osso.

 Encostada na parede estava uma mulher alta, olhar claro e severo, usando um terninho escuro padrão Era Sonja Nyvieska, agente encarregada do caso dos corpos sem sangue. Uma lenda, Nyvieska tinha sido consultora em diversos casos de assassinato em série por toda a Europa, em especial na Finlândia, sua terra natal, e na Itália, onde ajudou a capturar alguns terríveis e monstruosos criminosos.

 

Já seu parceiro tinha um visual diverso: loiro, cabeludo, barbudo, nariz encurvado. O polonês conhecido como Kacper Kowalczyk podia até ser um homem de estatura considerada baixa por estas partes do velho continente, mas transformava-se em um verdadeiro monstro na sala de interrogatório. Conseguia arrancar confissões até dos assassinos mais terríveis, sem nem ao menos encostar neles. Também era conhecido por seu senso de humor indecente, que o precedia tanto quanto sua fama de durão.

 

 Já a terceira figura era um mistério: uma mulher alta, de pele bronzeada e olhos claros revoltos, com um ar quase que de realeza.

 

Neela foi a primeira a falar, alegre como sempre:

 —Que bom que chegou, Radu! Iríamos começar sem você! Creio que os agentes Nyvieska e Kowalczyk você já deve conhecer, e não vou nem perguntar sobre Zamfir, por razões óbvias. Mas esta é a detetive Drăculești, consultora da Vertigo. Det. Drăculești, este é Radu Ionescu, detetive local.— Entusiasmada, a legista fez sinal para que se cumprimentassem.

 

Tão logo as palavras saíram da boca de Neela, Radu sentiu seu coração palpitar. 

Isso é alguma brincadeira de mau gosto? Não estávamos esperando um detetive homem? A casa real dos Drăculești está extinta, não está? Ela me parece bem real. E bem bonita.

 

Depois de uma rodada de apertos de mão e cumprimentos sem jeito, todos se voltaram para a legista, que começou a descrever as peculiaridades, pontos de interesse e relação entre os corpos das vítimas encontradas.

 

—Todas as vítimas foram a óbito da mesma maneira: hemorragia interna devido à perda de sangue rápida e regular, causada por umas ou duas pequenas perfurações em regiões diversas do corpo. Seja qual for o objeto ou máquina que foi utilizada, o processo completo durou cerca de 20 minutos ou menos. A primeira vítima, uma estudante sérvia chamada Annya Katic, foi perfurada abaixo das costelas. A vítima seguinte, Aro Jacomazi, professor universitário, sofreu perfurações ao redor do pescoço. A última vítima, que vocês encontraram ontem — Neela apontou para Ionescu e Zamfir —, se chamava Daria Eliade. Era atendente de um café do centro histórico. A perfuração que a drenou foi no antebraço. Nenhuma delas apresenta trauma sexual.

 

Zamfir, então, continuou. — Todas foram encontradas em uma mesma região: o centro histórico de Timișoara. Duas vítimas frequentavam a mesma faculdade, mas em campi diferentes. E a faixa etária varia entre 17 a 57 anos.

 

— Certo. Com mais de duas mortes, podemos assumir que o que temos aqui é um serial killer, e serial killers tendem a matar impulsionados por traumas sofridos no passado. A maneira como este faz sugere algum tipo de fascínio por sangue. — Nyvieska respondeu, num tom grave e sério, enquanto se aproximava da mesa de Neela para ler os relatórios. Kowalczyek, depois de respirar fundo, começou a anotar coisas em uma caderneta que retirou de uma pequena pasta de couro, até então esquecida em um dos cantos esterilizados da sala. Segundos depois, sua voz ressoou pelo cômodo.

 

— Talvez o assassino tenha alguma ligação emocional com a área; pode ter sofrido violência física ou psicológica no local, ou quem sabe associa a região a um trauma de infância, ou ainda pode ser um local no qual se sinta confortável. Mas também é possível que seja apenas uma questão de oportunidade. Partindo desta última ideia, acho provável que seja alguém local. 

 

— Ele ataca mulheres e homens, de faixa etária variada. Não tem preferência por cor de pele, altura ou peso. É organizado, não deixa pistas, nem mesmo material genético. Desova os corpos em praças públicas, mas quase ninguém o viu. Seu Modus Operandi é drenar as vítimas até que morram de hemorragia. levar como souvenirso sangue das vítimas, mas não apresentou nenhum sinal de escalada até então. Eu concordo com a ideia de que seja uma questão de oportunidade. Muita gente circula por lá.

 

Ao ouvir sua voz, todos os olhos da sala se viraram em direção à Det. Drăculești por espanto, já que ela falava um romeno impecável. Um pouco enferrujado, talvez, mas impecável, ao contrário dos dois agentes, que tinham fortes sotaques e bocas das quais as palavras saíam arrastadas. Sua presença na sala era tão silenciosa que mesmo com seu fascínio inicial pela detetive, Radu tinha se esquecido que a moça estava lá, e por algum motivo, sentiu mais alguns calafrios na nuca. Kowalczyk assentiu e começou a acrescentar ideias:

 

— É um palpite razoável. Talvez ele tenha alguma crença relacionada ao sangue em si, e por isso drena as vítimas.

 

Desta vez, o detetive romeno acenou com a cabeça. Parecia uma ideia cabível. Nyvieska, então, completou: 

 

— Pode ser que realize algum ritual que necessita de sangue, ou, quem sabe, utiliza para consumo próprio. É possível que tenha algum distúrbio mental que cause tal necessidade. Além disso, tem um leve conhecimento médico, afinal, sempre atinge veias importantes.— Fez-se silêncio na sala de autópsia. Todos pareciam perdidos em seus próprios pensamentos, tentando encontrar algum sentido naquela situação. Depois de alguns segundos, Kowalczyek se pronunciou:

 

Okay. Assumamos que o suspeito tenha uma fascinação por sangue. É possível que seja advinda da literatura, talvez? Filmes? Ficção? — indagou.

— Síndrome de Renfield? — Sugeriu Radu, que até então tinha permanecido em silêncio.

— É uma possibilidade.

Mais uma pausa. O agente da Vertigo pareceu se perder de vez em seus pensamentos enquanto encarava o corpo da última vítima com diligência. Sonja continuou a fala que Kowalzyek tinha começado:

 

— Talvez o suspeito tenha passado por uma fase de automutilação como modo de conseguir sangue, mas, não satisfeito, começou a fazer vítimas. Não é impossível que alguém conheça seus hábitos, pois este tipo de impulso é difícil de esconder. Pode ser que o suspeito tenha em sua vida uma figura materna ou paterna que sente a necessidade de protegê-lo e, por isso, ajuda a acobertar suas atividades.

 

— Certo... — interveio o Detetive Ionescu, ainda que se sentindo um intruso na dinâmica dos dois agentes — mas... uh, existiram outros casos de autointitulados vampiros em vários lugares do mundo, correto? Só que estes costumavam fazer outras coisas, além de beber o sangue...—  Radu prosseguiu, sua voz diminuindo à medida em que proferia as palavras. Porém, percebendo os olhares todos virados para si, - inclusive de Kowalczyk, que parecia ter saído do trance— e nenhuma objeção, Radu, com redobrada confiança, continuou:

Erm..., por exemplo, Marcelo Costa de Andrade, o famoso Vampiro de Niterói, do Brasil, estuprava suas vítimas. Richard Chase, O Vampiro de Sacramento, nos EUA, as canibalizou! E Ion Rîmaru, serial killer nacional chamado de O Vampiro de Bucareste, fazia as duas coisas. O nosso suspeito apenas drena suas vítimas, que acabam morrendo por isso. Não é estranho?

Nyvieska sorriu, admirando a sagacidade do detetive romeno.

— Não é usual, com certeza. Afinal, as únicas linearidades que encontramos até agora foi a falta de sangue e o fato de que todos os exames que solicitamos resultaram negativos, inclusive para estupro, como foi dito anteriormente.

— E todos tinham os órgãos intactos! — Foi a vez de Neela, que assistia a tudo com o mesmo interesse que um juiz assiste a uma luta, interferir.

— Vai ver o cara é um vampiro. — Kowalczyk acrescentou, quebrando toda a seriedade do momento, e abrindo um pequeno sorriso convencido. 

Um silêncio constrangedor se instalou na sala. Radu revirou os olhos tão fortemente que teve medo, por um instante, de ficar cego, enquanto Mircea resolveu prestar atenção nas estampas do piso antigo, que parecia, de repente, muito interessante. E Neela, bem, apenas sorriu, como sempre fazia em situações inconvenientes. 

Todos os três tentavam, em vão, juntar palavras para responder à tal piada, tamanha a indignação (de Radu) e a vergonha alheia (de Mircea e de Neela) que se instalaram depois do comentário infame do agente. Mas foi Nyvieska que interveio, ponderando sobre como era possível alguém ir de muito inteligente a completo imbecil em questão de segundos.

 

— Francamente, Kowo. Acho que Chernobyl derreteu seu cérebro e transformou em gołąbki.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!