Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 7
De Tango e coquetéis sangrentos




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Há algo mágico no céu esta noite, pensou Mihnea, enquanto observava o vai e vem de turistas e locais da mesa em que se encontrava, à espera de sua convidada mais do que especial.

Para qualquer um que olhasse de fora, o rapaz parecia distraído com as conversas nas mesas alheias, apenas mais um cliente solitário buscando diversão na varanda de um dos mais requisitados points de Santorini: um bistrô chamado Tango, com vista magnífica, coquetéis deliciosos e clientes bonitos.

O perigo bem debaixo da droga do nariz plastificado deles e continuam dançando e bebendo como se não houvesse mal nesse mundo, Mihnea sorriu com o pensamento.

Vampiros e Santorini não eram termos tão contrários assim. A pequena ilha, famosa por suas construções geométricas em branco e azul, abrigava também muitas lendas antigas sobre seres sobrenaturais bebedores de sangue, mas o fato de que essas lendas eram mais do que lendas era algo escondido do público, e assim deveria continuar, pelo bem de todos os seus moradores, humanos ou não.

Há exatos 8 minutos, uma das garçonetes sorridentes do local trouxe-lhe seu pedido, uma taça de vinho tinto Gaía Estate, que em sua nada humilde opinião (e de alguns dos maiores especialistas em vinhos de boa parte do mundo), era o melhor vinho grego atual. Em uma fração de segundo, o rapaz retirou seu flask do bolso interno da jaqueta de couro e depositou seu conteúdo no copo, sem levantar suspeitas, guardando o objeto logo em seguida. Contente consigo mesmo, sorriu, bebericando um gole da mistura de vinho tinto e sangue que se encontrava em sua frente com uma expressão de puro deleite. O líquido desceu doce em sua garganta, um verdadeiro descanso para seu paladar saturado pelo gosto metálico.

 Quem disse que vampiros não podem aproveitar as coisas boas da vida? 

Naturalmente, o rapaz sabia que estes hábitos eram perigosos. Ninguém poderia garantir os efeitos de alimentos humanos no corpo de um Imortal a longo prazo. O que não significava, ao contrário das lendas, que os Imortais não conseguiam comer. Eles conseguiam, só não existia nenhuma vantagem nisso.

Não que Mihnea se importasse, afinal, o que seria da vida sem alguns riscos? Além de que, o rapaz se encontrava muito satisfeito com sua situação atual, vinho incluso.

Carpe Diem. Ou melhor, Carpe Noctem.

—Senhor?—  Uma voz carregada, com um sotaque grego muito perceptível lhe chamou a atenção. Era um dos garçons, que lhe entregou um guardanapo dobrado com um telefone e apontou para uma mesa a pouco mais de 5 metros à direita da sua, ocupada por 3 garotas de não muito mais que 25 anos. A garota do meio, a mais loira das três, jogou-lhe um beijo e uma piscadela assim que se percebeu notada. Mihnea sorriu, cortês, e, de imediato, pediu ao garçom que explicasse a elas que estava esperando alguém. Seu pedido foi prontamente atendido. Assim que o garçom transmitiu a mensagem, a garota do meio lhe fez um gesto que só poderia ser entendido como que pena!, somado a um biquinho, e voltou a conversar e rir com as outras duas.

Não era a primeira vez que algo desse tipo acontecia. Congelado em seus vinte e dois anos para sempre — podia passar por vinte e cinco com a barba mais cheia —, Mihnea era um rapaz atrativo. Tendo pele cor de bronze, olhos escuros e um sorriso matador, não se parecia em nada com seu pai, e muito menos com as pinturas feitas mais de 4 séculos atrás, que o descreviam com o nome de ''Mihnea, o Mau.'' Juntando boa forma e beleza com a roupa adequada e um certo charme imortal, o rapaz poderia convencer um cientista de que a terra é quadrada em poucos minutos.

Sem se importar com o ocorrido, o rapaz deixou-se levar pela bela vista que tinha à sua frente. O mar Egeu, com todo o seu esplendor e imensidão o encarava, revolto, algo que sempre apreciou. A música também estava agradável, algo calmo, embora elétrico, combinando com os ares de Santorini.

Porém, nessa noite Mihnea não estava ali por prazer. Esta noite, uma missão estava em jogo. Missão essa que teve início mais cedo, nos arredores da ilha, quando uma certa criatura, que à essa altura já deveria estar presa em uma das masmorras fétidas da fortaleza de Valcânia, fora rendida e sequestrada, sem grandes problemas.

O problema vem agora, pensou o rapaz.

Foi então que Mihnea notou que uma moça jovem, de pele bronzeada, cabelos castanhos e olhos de um verde magnífico, trajando um vestido preto simples, porém muito elegante, caminhava a passos rápidos e decididos em direção à sua mesa, com uma expressão de puro ódio no olhar. O rapaz, de imediato, sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

Após sentar-se, Veronika passou a segurar a lateral da mesa firmemente por alguns segundos, como se aquilo a impedisse de começar uma briga ali mesmo. A moça era uma visão incrível e mortal. Alguns outros segundos se passaram, enquanto Vyka falava entre os dentes, ainda trincados pela raiva, com a voz grave e séria, a despeito da postura impecável que era perceptível a qualquer um que olhasse de fora, articulando, em um romeno antigo e arcaico:

— O que você quer de mim? E  o que fez com Devrim?!

Mihnea sorriu. Era uma boa tática, usar o idioma antigo — assim, ninguém os entenderia, e o rapaz pretendia fazer bom proveito disso.

— Boa noite, meia-irmã. É bom vê-la também.

Suas palavras pareciam agravar ainda mais a ira da mulher em sua frente, que apertou o olhar e, pelo estalo oco que ecoou de seus dedos, a mesa tinha voltado a ser vítima da moça, e já começava a ceder.

— Mihnea, eu estou a avisar-te...

Okay, okay! — O rapaz ergueu as mãos, como a render-se, mesmo que o pequeno sorriso de escárnio em seus lábios provasse o contrário. — Não se faz necessário tanto! Garanto que ele está a salvo! Um pouco chamuscado e meio arrebentado, talvez, mas bem!

Aquilo foi a gota d'água para a detetive. Em uma fração de segundo, Vyka levantou-se e foi em direção a seu meio-irmão, segurando-o pelo pescoço, alguns centímetros acima do chão, sem se importar com a pequena comoção de pessoas à sua volta, que começaram a se amontoar ao redor da cena.

— Que tal se eu te chamuscar também?! Só um pouquinho, pra variar?! Ou prefere um mergulho de ponta no mar?! Eu tenho certeza de que foi você quem o raptou, seu filho da puta!

Mihnea, a essa altura, não parecia mais tão calmo e composto como queria demonstrar. Olhou para os lados. Existiam humanos demais para fazer qualquer coisa, mas, por sorte, os seguranças do bar estavam vindo na direção de sua mesa. Restou ao rapaz esperar que sua irmãzinha não fizesse nada que os colocasse em risco perante os olhos das autoridades Imortais, como, por exemplo, arremessá-lo em direção ao mar Egeu, ou quebrar seu pescoço; Vyka sempre foi espetacularmente boa em quebrar pescoços.

— Senhora!! — Um dos seguranças recém-chegados chamou a atenção da moça, que apenas o ignorou — Devo pedir que, erm... coloque esse homem no chão e se retire, por favor. Caso contrário, terei que chamar a polícia!

Vyka sorriu internamente. Vai chamar quem, se eu já estou aqui?

Após um longo suspiro, a moça voltou a seus sentidos. Mihnea era, no momento, sua única dica sobre o paradeiro de seu marido. Não faria bem espancá-lo aqui, muito menos na frente de algumas dúzias de humanos. A ideia era salvar Devrim, não acabar presa nas masmorras de seu pai por infringir as leis de invisibilidade perante os outros. Além de que, nada, absolutamente nada, a impedia de espancar seu irmão no futuro, com roupas mais confortáveis e menos plateia. Mesmo que a contragosto, a detetive soltou o rapaz, estalando seus dedos logo em seguida e virando-se em direção aos guardas para encará-los, mais uma vez falando o idioma local, sua raiva disfarçada por uma máscara de doçura e cortesia.

— Não será necessário, já estou de saída. Peço perdão pela comoção. — A moça sorriu. — E quanto a você — Veronika virou-se para Mihnea, a expressão de fúria retornando com força total —, creio que tem alguma coisa para mim.

Talvez tenha sido um erro provocá-la, pensou o rapaz, enquanto retirava de dentro do paletó escuro recém amassado um envelope marrom, e de pronto entregava para a mulher diante dele, que tomou o documento de suas mãos em um gesto fluido, arranhando-o no processo. Não que alguém tivesse notado, pois, não fossem uns dois humanos somados aos seguranças, ninguém mais parecia se importar com o que tinha acontecido. Mihnea engoliu em seco e arrumou de leve as roupas amarrotadas, se sentindo desconfortável. Mesmo assim, repassou o recado que tinha para transmitir:

— Temos algo para você, as informações já estão no seu e-mail. Seu voo sai amanhã cedo do Aeroporto de Santorini em direção à Atenas, onde você fará uma escala. Depois, outra escala em Bucareste e, por fim, deve pousar em Timisoara amanhã à noite. Chegando lá, terá uma reunião com os agentes da Vertigo, que vão te explicar tudo. Em seguida, sua reunião é com o papai. Não se atrase.

— Entendido. — Vyka sorriu, satisfeita. Um sorriso frio, duro e ameaçador, beirando a feroz. Mihnea podia jurar que tinha ouvido um pequeno rosnado também, mas não tinha certeza.

Momentos depois de ter assustado alguns seguranças e uns poucos humanos — além de um vampiro —, a moça deixou o estabelecimento sem olhar para trás, disposta a recuperar seu marido a qualquer custo.


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