Avec mortem escrita por K Maschereri


Capítulo 9
Cartas Na Mesa




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 - 27 de janeiro de 2006. Timisoara, Romênia. 10: 44 da noite.

— Qual é!! — Exclamou Andreas Klinsmann, entre uma baforada cinzenta de cigarro barato suspeito e um gole de  bebida meio turva e ainda mais suspeita, — O Radu? Não pode ser! Esse cara é praticamente assexual!

— Para alguém assexual ele parecia bem impressionado com a detetive nova. Não parou de falar dela ontem — respondeu Mircea, ao tempo que descia suas cartas na mesa, em outra canastra perfeita, para desagrado de Klinsmann.

Uma vez por mês, os detetives da Politia — assim como alguns membros seletos do IML — se reuniam para jogar cartas, consumir cigarros e bebidas baratas, e jogar conversa fora. Mais do que uma tradição, era uma distração — um pequeno momento descontraído, que permitia esquecer, mesmo que por algumas horas apenas, a rotina maçante e por vezes cruel que estar do outro lado da lei proporcionava. E com a chegada dos agentes da Vertigo há pouco tempo e, mais recentemente, da detetive grega, obviamente, não existiam outros assuntos mais quentes.

— Eles formariam um casal bonito — exclamou Neela, juntando as cartas habilidosamente de maneira a recomeçar o jogo. — Os dois são bonitos, jovens e solteiros....

— Solteira ela não é! — afirmou Klinsmann — ela tinha uma aliança na mão direita. isso é sinal de namoro, não?

— Ouvi dizer que ela é casada — foi a vez de Mircéa participar da discussão, um cigarro também pendendo de seus lábios, a expressão focada nas cartas — Quer dizer, Nikos me disse que na ficha dela consta como casada.

A menção do outro detetive da Polítia, Nikolaj Bauer, fez com que de imediato um ar sombrio, que não tinha nada a ver com álcool ou fumaça de cigarros, invadisse o ambiente. Falar do Dt. Bauer era um tópico complicado; Não existiam maneiras de saber o desenrolar da conversa. Mircéa, em especial, tinha um hábito perigoso de se perder em pensamentos por horas a fio se fosse permitido, e nenhum dos presentes queria que isso acontecesse.

— Aliás, cadê ele? Não vem hoje? — Neela arriscou questionar silenciosamente, direcionando a interrogativa ao namorado do detetive em questão.

— Acho que não. Ele voltou ao trabalho essa semana, e está de plantão com o Radu. Ao menos, hoje de manhã ele me disse que não viria — igualmente silencioso, respondeu Mircéa.

— ...E como ele está? Não deve ser fácil voltar a trabalhar, ainda mais no turno noturno depois do que houve... — Klinsmann murmurou, focado nas cartas, ou fingindo focar.

— É... — foi a resposta vaga do perito. — Mas ele está se recuperando bem. Ao menos, é o que me parece... — completou, engolindo em seco.

O quase-silêncio ainda tomava conta do pequeno cômodo nublado de fumaça de cigarros, e por certo tempo, tudo o que podia ser ouvido eram barulhos externos, comuns a todo e qualquer morador de um centro urbano: Um cachorro latindo rápido por algumas vezes, sirenes distantes, a ocasional buzina e o zumbido permanente que parecia ser, ao mesmo tempo, uma canção enlouquecedora orquestrada por todos os ar-condicionados da vizinhança e o som característico de uma cidade grande, que nunca dorme, nunca para, nunca cansa.

O tapear das cartas também podia ser ouvido, assim como as passadas de mão e ocasional respiração pesada de um dos jogadores, todos — com exceção de um deles — tentando pensar em algum assunto diferente, algo que retomasse a leveza originalmente proposta para tal encontro. E alguns minutos se passaram, até que Klinsmann, finalmente, conseguiu intervir.

— Enfim. As únicas certezas que eu tenho na vida é que a Rainha Elizabeth é reptiliana e que os dois agentes da Vertigo se comem.

A frase pareceu ter efeito imediato no local, que de repente, parecia voltar a leveza e a vida anterior.

— Ah, Klinsmann, qual é.... — Neela retrucou, sorrindo, vendo o alívio tomar conta das expressões dos dois outros rapazes presentes como em um passe de mágica — Lá vem você com suas teorias mirabolantes outra vez...

Afff... Vocês tavam falando do Radu agora mesmo! o quê que vocês tão enchendo o meu saco!? Isso é heterofobia, vocês dois! — foi a resposta do policial, mais uma brincadeira do que qualquer coisa.

Neela revirou os olhos, mas existia algo de terno em seu olhar. Sabia que ele não falava sério. — Heterofobia é a minha mão lésbica na sua cara, Klinsmann.

— Posso ajudar? Tenho duas mãos bem gays pra acertar ele — Mircéa finalmente respondeu; E dessa forma, a noite voltou a seu eixos. Andreas apenas chacoalhou a cabeça, as ameaças saindo mais como algo carinhoso do que outra coisa.

— Falando sério agora. Vocês não viram como eles se encaram?? É quase como se não tivesse mais ninguém na sala!! É muito bizarro. Só falta eles voarem um pra cima do outro, tipo, Meu deus!! É tipo quando a minha mãe e meu pai ficavam se olhando na sala de estar quando eu era criança!

Ugh, Klinsmann. — Neela respondeu. — Menos informações por favor, beeeeem menos. Eles têm uma química, okay. Mas pelo o que eu soube, ambos têm família em seus respectivos países.

— E isso prova exatamente o quê? Nada! — Klinsmann continuava a defender sua nova fonte de hiperfoco de teorias mirabolantes como se não houvesse amanhã.

— Bem.... — Mircéa interviu, meio envergonhado por colocar mais lenha na fogueira que era Klinsmann com o 'modo conspiração ligado', como Radu tinha chamado há um tempo atrás — Uns conhecidos do IML de Dresden disseram que viram os dois em um bar durante um caso que eles foram resolver por lá. E os dois pareciam bem... à vontade, Se é que me entendem. Além do mais, um deles, e não me pergunte o qual porque eu não sei, é divorciad--

— EU SABIA!!! — exclamou Klinsmann, levantando e derrubando várias cartas e alguns pinos de contagem de pontos em sua euforia, com os punhos cerrados e erguidos em sinal da sua aparente vitória. Não no jogo, porque seria impossível, mas na teoria mirabolante em questão. 

Mircéa apenas riu, jogando as cartas restantes em sua mão na mesa. Com o monte  espalhado pelo chão, não havia exatamente o que comprar. Neela, depois do susto inicial que a explosão do colega causou, suspirou.

— Eu preferia quando você ficava falando de Mulder e Scully, Klinsmann.


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