O Bailarino escrita por Mayara Silva


Capítulo 8
Lembranças - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo liberado!
Genteee, já estamos perto de conhecer os babados! Teorias? Já têm alguma ideia? Quero ver tudinho nos comentários ♡

Boa leitura ♡ ♡ ♡



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Centro da cidade, Londres – 16:48 hrs

 

Thomas Garth estava carregando cestos de carvão para o ferreiro da esquina, quando lhe foi lançado um punhado de moedas em uma pequena bolsa de couro. Deixou o cesto cair num reflexo para tentar se proteger e já estava pronto para perder as estribeiras com o engraçadinho, mas, ao averiguar o conteúdo, notou que o que havia ali era mais do que moedas, era o suficiente para uma semana inteira.

 

Levantou o rosto e viu a ruiva, impassível, com uma das mãos na cintura e a outra a manter um quadro branco debaixo do braço.

 

— Devo me preocupar com o que o seu pai poderá pensar disso?

 

— Eu me resolvo com ele depois, preciso de uma ajuda sua.

 

O menino amarrou os cordões daquele saco na cintura e começou a apanhar os carvões que rolaram pelo chão.

 

— Sabe que não precisa me pagar pra isso, somos amigos, mas eu agradeço pela ajuda.

 

— Preciso sim, porque você vai ter que deixar esse seu trabalho de lado. Preciso da sua ajuda para agora.

 

O garoto arqueou a sobrancelha.

 

— O que você quer?

 

Era a pergunta que ela precisava. Sorriu e enfim lhe mostrou o quadro que segurava. Era uma belíssima pintura, em aquarela, de um vilarejo no meio da floresta. Haviam flores em tons de rosa e vermelho nos canteiros, as construções eram brancas e singelas como casinhas de boneca, e havia uma passarela improvisada, mas muito bem arrumada, de rochas e concreto. O rapaz, curioso, deu uma boa olhada em todos os detalhes do desenho.

 

— O que é isso?

 

— Uma pintura, ué! Um "que bonita" cairia bem, passei a manhã toda pintando.

 

— Desculpe. Que bonita! Pra quê isso?

 

— Eu quero que me diga se esse lugar é familiar pra você. Você tem os olhos das ruas, conhece cada canto dessa cidade.

 

Ele suspirou.

 

— Valei-me… Até você pode ver isso, é só estudar um pouco da história de Londres, senhorita "fora dos padrões". Esse canto é uma antiga comunidade de escravos alforriados próximo da floresta. Alforriados, recém-libertos, fugitivos, descendentes, todo tipo de ex-escravo que você possa imaginar.

 

— Uau… Eu não fazia ideia que isso existia aqui!

 

— Você falou bem: existia. Os escravos dos londrinos peregrinaram para outro lugar. Essa comunidade ficou ao relento, o pessoal costuma enterrar negros lá, pra não dividir o cemitério com os outros.

 

— Os outros?

 

— Os brancos, Anelise. Até parece que você não entende como isso funciona.

 

A ruiva ponderou em silêncio sobre todas aquelas informações.

 

— Eu nunca vi um escravo.

 

— Nem eu, mas é possível ver descendentes deles por aí, nem todos foram embora.

 

Mais silêncio. A ruiva, por um segundo, passou a olhar os rostos que passavam por perto, para as pessoas que normalmente não lhe chamavam a atenção. Não achou nada que parecesse com um escravo, todas eram muito parecidas entre si: altas, baixas, gordas, magras, mas brancas. Todas brancas.

 

— Me leve até lá. Eu quero ver com os meus próprios olhos.

 

Disse, decidida. Não sabia por que o seu passado a conduzia até esse lugar, mas descobriria por bem ou por mal.

 

— Então vamos… mas me deixe avisar ao ferreiro Richard, pelo menos.

 

O garoto tomou a cesta de carvão em mãos e foi resolver suas pendências. Retornou instantes depois, com poucos trocados do serviço que fez até então. Após isso, com as mãos nos bolsos e uma postura relaxada, caminhou ao lado da garota, a conduzindo para fora da cidade. O tempo fechou mais uma vez, desde aquela manhã o céu estava carregado de nuvens escuras nunca antes vistas durante a primavera. As nuvens até então eram claras, embora ameaçadoras, mas estas pareciam carregar toda a fúria de Zeus consigo, e, ainda sim, não derramavam sequer uma gota de chuva.

 

Um assunto se iniciou no meio do caminho.

 

— Eu sinto muito pelo que aconteceu na festa da sua mãe.

 

— Tudo bem… Quem saiu mais prejudicado com isso foi o filho do barão, pobrezinho. Sem a mãe e o pai, nem sei com quem ele ficará agora.

 

Thomas arqueou a sobrancelha.

 

— Como assim? Pela Nossa Senhora, Anelise, o menino sumiu. Ele desapareceu no dia da morte do barão, aconteceu na sua casa. Você não sabia?

 

A garota fez uma expressão de confusão.

 

— Não, eu não sabia de nada! Sério?!

 

— "Jack, o Estripador" dois, se lembra? Só pode ser ele. Se eu fosse sua família, parava de dar festas… pelo menos até a nossa competentíssima polícia prender o meliante.

 

A ruiva suspirou e passou a mão nos cabelos, um tanto apreensiva.

 

— O que mais devo não saber? A noite passada me desnorteou completamente…

 

— E o que tanto você fez de tão grave que te deixou por fora de tudo, hein?

 

— Não é da sua conta, metido. Já chegamos?

 

— Calma. É logo ali, ó!

 

Ao apontar a direção, Anelise pôde contemplar, do alto, um telhado velho de uma construção em ruínas. A vegetação alta cobria a maior parte das casas, mas era perceptível as paredes brancas descascadas e a passarela desgastada. Não era possível ver de longe, mas alguns caramujos, roedores e bichos do mato já tinham invadido as moradias abandonadas. A ruiva sentiu um calafrio ao admirar tudo aquilo. Era assustador como a imagem dos seus sonhos parecia muito mais acolhedora do que aquele pesadelo.

 

— Alguém mora ali?

 

— Não sei… Você quer conferir?

 

Ela suspirou, estava decidida, mas um lado seu hesitava.

 

— Eu preciso ir.

 

— Ei! Vocês aí!

 

Ambos viraram o rosto no mesmo instante, uma voz alta e agressiva ecoou de suas costas. Quando entenderam do que se tratava, era tarde demais, o guarda já estava os escoltando de volta para a cidade.

 

— O que vocês estão fazendo por aqui?! De que família vocês são?!

 

— Garth.

 

Anelise engoliu seco.

 

— De Marlborough.

 

O guarda parecia contrariado.

 

— De Marlborough? O conde Herder não vai gostar de saber disso, mocinha, volte logo pra casa e não ande com esses pé-rapados.

 

Thomas ergueu o rosto e encarou aquele homem nos olhos, como se o que tivesse ouvido fosse alguma surpresa para ele.

 

— Pé-rapado?!

 

Ele encarou a menina, que, por sua vez, retribuiu o olhar inocentemente, a princípio sem compreender as suas intenções. Sem dizer absolutamente nada, tomou a pintura aquarela dela e correu o mais rápido que pôde.

 

— Ei! Isso é meu!!

 

— Ei, moleque! Volte aqui, agora!!

 

O homem esqueceu completamente a escolta da patricinha e correu atrás do garoto sem pensar duas vezes. Anelise pensou em segui-los, mas colocou os parafusos para funcionar e percebeu, enfim, a genialidade do seu amigo. Foi uma decisão ousada, mas certeira: aquele guarda preferiu dar uma lição no bandido a proteger a integridade da vítima. Ela sabia que um ato equivocado não podia julgar todo um batalhão, contudo, não eram atitudes tão incomuns durante aqueles tempos tenebrosos de pós amada Rainha Vitória. Eram, de fato, tempos sombrios.

 

Deu meia-volta, agradeceria ao Thomas depois, era a chance que tinha para enfim desvendar os mistérios do seu sonho.

Desceu com muita dificuldade a pequena ladeira que havia ali. Menina de casa, mal acostumada a arranhar o joelho, sujou toda a barra do vestido quando ralou os sapatinhos na terra.

 

— Ai!

 

Suja, mas inteira, a etapa 1 foi concluída. Perambulou mato adentro e evitou os pequenos bichinhos nojentos que apareciam pelo seu caminho. Deu uma boa olhada à sua volta, viu construções simples, casinhas brancas de dois cômodos, abarrotadas de ervas daninhas e insetos. Viu também uma passarela íngreme, a cor vibrante que servia para nortear os moradores agora estava velha e apagada. Anelise observou tudo aquilo, mas o que chamou sua atenção estava fora desses detalhes melancólicos: uma rosa.

 

A ruiva inclinou-se para colher a pequena flor que jazia no meio do caminho. Arqueou a sobrancelha e, então, retirou a rosa dos cabelos, fez uma comparação boba. Diferentemente da sua, esta parecia fresca. O cheiro doce ainda exalava por suas pétalas vigorosas e o vermelho era forte como carmesim. Ela tornou a caminhar, notou outra rosa mais à frente, e logo outra e mais outra, até enfim se deparar com um lindo canteiro daquelas rosas vermelhas. Notou pela forma como estavam desabrochadas que eram legítimas rosas inglesas aveludadas, notou também que flores tão formosas como aquelas não podiam ter surgido no meio daquele vazio, sem auxílio algum.

E então… quando alcançou aquele lindo canteiro, olhou em volta e sentiu mais de uma presença no ambiente. Aquilo lhe deu calafrios, porém não foi a única coisa estranha no lugar.

 

Ao longe, quase imperceptível, ouviu o som inconfundível de Moonlight Sonata. Aquela música… a mesma música usada para navegar pelas suas memórias perdidas. Aquela música que não podia ser ouvida.

Os hipnólogos adoravam brincar de fazer o paciente cacarejar ao estalar os dedos. Mas, naquele caso, Anelise estava presa sobre as notas daquela melodia. Ela inconscientemente estava presa, e, como Alice na toca do coelho, retornou ao país das maravilhas.

 

E adormeceu.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

Ela suspirou, não fazia ideia do que havia acontecido nesse meio-tempo em que estava adormecida, mas não ficaria para descobrir. Virou em direção à única janela que iluminava o cômodo e tomou um susto com o que viu.

— Ai!!!

Sim, havia uma pessoa ali. [...]

— Menina…

A ruiva suspirou. Pelo tom, era uma senhora. A voz era forte, mas naquele momento estava rouca e desgastada, áspera e melancólica.

— Ele estava morto. Estava morto. Depois daquele dia, ele nunca mais voltou a viver.

[...]

— Quem? Quem?!

O seu eco espargiu pelo ambiente, quase levantando a poeira daquela salinha estreita. A mulher, calma e nada oprimida, continuou.

— O meu filho.



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