O Bailarino escrita por Mayara Silva


Capítulo 15
Ágape - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Ooi gente, boa madru e boa leitura ♡ ♡ ♡



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Ágape é uma das quatro formas de amor cristão. O maior dos amores, perfeito, incondicional, é a representação do amor de Deus: que perdoa, que apazigua, que não espera nada em troca. É, também, a forma de amar mais difícil de alcançar, pois está ligada ao abdicar do eu pelo outro, do altruísmo mais genuíno. É, ainda sim, possível e acessível ao ser humano, perceptível no colo de uma mãe, no sorriso de uma criança. É o amor mais puro, e era este que ele sentia quando olhava para aquela menina tão pequena, vestida como uma bonequinha, de cabelos cor de fogo e olhos azuis celeste, adormecida sobre a junta de mantos quentes.

Ela estava lá, tão inocente. Juntou as mãozinhas, virou-se de lado e fechou os punhos, era "braba" até quando dormia. Michael já não fazia ideia de quanto tempo perdeu a observando, mas tinha medo, tinha medo de fechar os olhos e, na calada da noite, levarem-a para longe. Sabia que ela não era sua.

 

Soprou a vela e deixou apenas a luz do luar, vinda da janela, iluminar o pequeno quartinho. Saiu, foi em direção ao quarto ao lado e buscou distrair sua mente perturbada. A madrugada estava findando, a alvorada surgia no horizonte. Michael cobriu-se com alguns trapos, acomodou-se em seu colchão enrugado e, dentre os livros que reuniu de sua infância, escolheu Ilíada, de Homero. Folheou algumas páginas e vagou na aventura por horas, apenas despertou de sua imaginação quando ouviu a madeira ranger e contemplou a pequena Helena a arrastar um paninho cor-de-rosa. Ela esfregou um dos olhos, parecia ter despertado há pouco tempo.

 

— … Eu posso dormir aqui?

 

Murmurou, a voz fraca. Michael cedeu espaço em seu cantinho bagunçado e ela logo correu para o seu lado, se aninhando naqueles cobertores velhos. Ele sorriu.

 

— Que "livo" é esse?

 

Indagou. O rapaz suspirou e deu uma rápida olhada no objeto que segurava, sabia exatamente quais palavras dizer, mas ainda não tinha coragem, ainda não queria usar sua voz depois de todos esses anos em silêncio.

 

— Você é caladão… eu esqueci. Posso ver?

 

Ele cedeu. Helena tomou o livro em mãos e passou a folheá-lo aleatoriamente. Estava cheio de figuras e, assim, ela pôde contemplar a famigerada guerra de Troia, a contenda entre Páris e Menelau, o sequestro de Helena, os feitos magníficos de Aquiles e o caminhar dos deuses. Das figuras, a mulher de madeixas claras e vestido esvoaçante fez os seus olhos brilharem. Tinha pouco estudo formal, mas era curiosa e autodidata, aprendera a ler algumas letras.

 

— Ei! Essa menina tem o meu nome! Quem é ela?

 

Michael olhou para onde ela apontava. Novamente, escolheu o silêncio. A ruiva sabia que ele não falaria, mas a curiosidade era inevitável em crianças da sua idade. E, ponderando melhor, Michael não se irritava em hipótese alguma.

 

— Ah, esqueci de novo! Desculpa! Eu vou dormir aqui, tá bom?

 

Ela fechou o livro e se deitou. Por mais que quisesse ceder ao cansaço, Helena voltou a segurar o objeto de capa dura e a brincar com as suas figuras. O moreno tornou a observá-la, sabia que ela não permitiria o sono chegar agora, havia acabado de acordar e os raios de sol que nasceram há poucos instantes eram um natural estimulante.

 

Deixou-a brincando e se levantou para iniciar o dia, mas estagnou ao sentir aquele par de mãozinhas pequenas o tocarem mais uma vez.

 

— … Pode cantar uma música pra mim?

 

Suplicou em um pequeno murmúrio. Michael gelou ao ouvir aquele pedido, seu peito arfou por alguns segundos, sentiu a visão turvar com sutileza. Ele negou com um balançar de cabeça, ainda sem olhar nos olhos dela.

 

— Tudo bem…

 

Murmurou a menina, cabisbaixa. Ele percebeu a dor no seu tom de voz, sabia que crianças não conseguiam esconder com maestria o que sentiam.

 

— É que… eu tive um pesadelo. Papai… o papai não vai vir me buscar, né? Eu… eu não quero ir, quero ficar com você.

 

Seu coração apertou.

Ouvir aquelas palavras provocou, no rapaz, um misto de dor e alegria. Estava feliz por conseguir retribuir todo o amor e esperança que ela trouxe à sua vida, mas sentia-se culpado por ignorá-la em um de seus momentos de fraqueza, por um motivo tão egoísta.

 

Seu pai o havia feito odiar a própria voz, mas Helena não era aquele homem, e os sentimentos que ela trazia à sua existência eram, acima de tudo, opostos.

 

— Eu…

 

Pela primeira vez, tentou falar alguma coisa. Helena arregalou os olhinhos azuis, estava pronta para ouvi-lo.

 

"À luz do luar… meu amigo Pierrot…"

 

O tom saiu fraco, abatido, mas adocicado. Michael nunca mais havia ouvido sua própria voz e estranhou quando esta saiu de seus pulmões. Tossiu um pouco e então levou as duas mãos ao rosto, escondendo uma expressão de lamúria. As palavras do seu pai voltaram a perturbar sua mente cansada, vieram de uma vez e dilaceraram as suas esperanças. Agora, apenas os seus soluços tímidos eram perceptíveis.

 

Sentiu mais uma vez aquelas mãozinhas tocarem a sua perna e, então, lentamente virou o rosto na direção dela.

 

"Empresta-me tua caneta para que eu possa escrever…"

 

Ela cantou. Seu olhar era tão cheio de virtudes, suficientes para renovar o que quer que estivesse morrendo dentro dele. Ouvir a sua voz suave e infantil foi como ouvir a si mesmo, anos atrás, cantando para sua amada mãe enquanto ajudava-lhe com os lençóis, quando ainda havia brilho no próprio olhar, quando ainda tinha sonhos.

 

"Minha lanterna se apagou… não tenho fogo para ver…"

 

Ele continuou, a voz ainda era fraca, mas possuía uma pequena animosidade não vista antes. A ruivinha sorriu de canto a canto.

 

— O que… o que foi?

 

— Pensei que você era um adulto.

 

Ela respondeu, em seguida puxou aqueles cobertores e tentou cobrir o rapaz, que estava mais para fora do colchão do que a garota.

 

— Eu… não sou?

 

— Não, eu acho. Sua voz parece de criança.

 

Ele estagnou com aquele comentário. Ela o havia dito com tamanha naturalidade, como se fosse comum encontrar, por aí, uma criança com 1.75 de altura.

 

— Por isso que você é legal, você não é adulto. Agora entendi tudo!

 

Ele sorriu, era uma comparação surpreendente, mas de seu agrado. No fim das contas, talvez ela estivesse certa. Talvez ele não fosse um adulto. Talvez ele ainda estivesse lá, no seu passado.

 

Deitou-se novamente, trabalharia um pouco mais tarde naquele dia, pois estava se sentindo diferente. Estava se sentindo um pouco mais vivo. A menina se acomodou ao seu lado e ele puxou o cobertor para que os dois ficassem confortáveis e aquecidos.

 

— Talvez eu ainda tenha cinco anos…

 

Ele murmurou, olhando para o teto e vagueando pelas memórias adormecidas de sua infância antes do abandono do patriarca. Helena, já prestes a adormecer mais uma vez, despertou ao se lembrar de uma questão importante.

 

— Ei… Agora que você fala, eu posso saber o seu nome?

 

Ele buscou o seu olhar e aquiesceu.

 

— Michael…

 

x ----- x

 

Quarto de Anelise, Casa dos Marlborough – 17:15 hrs

 

Quando despertou da lembrança, percebeu estar deitado ao lado daquela menininha, tão pequena, agora mulher.

 

Lentamente se levantou, seu tronco se moveu para frente, mas seus olhos permaneceram nela. Tão doce, serena, dormia exatamente como na infância: o corpo para o lado, as mãos juntas e os dedos dobrados em punho. Ele observou o seu semblante tranquilo, os cabelos cor de fogo espalhados, levou uma mão ao seu rosto e levou uma daquelas mechas alaranjadas para trás de sua orelha, em seguida se inclinou para beijar sua bochecha.

 

Por fim, se afastou. Anelise se moveu, o que chamou sua atenção, mas era apenas um reflexo. Ela se cobriu mais um pouco, puxou o cobertor com as duas mãos e levou para próximo do rosto, algo que ele não deixou escapar.

 

— Até amanhã, Helena…

 

Sussurrou, estava prestes a sair quando ouviu o ruído perceptível de um pisar em falso. Olhou para o chão e notou um papel amassado de cor bege, certamente não era da sua conta, mas sentiu que precisava ver do que se tratava.

O recolheu e o abriu, e, lá, deparou-se com cada dor que feria sua pequena Helena. Um amor não correspondido, um amor que nunca poderia ser correspondido. Se suas lembranças pudessem ser compartilhadas, mostraria a ela o porquê de não alcançar as suas expectativas e como isso o corroía por dentro. Sentia ter entrado em outra batalha interna: adaptar-se ao Eros de sua amada, ou trazê-la a todo custo ao seu Ágape. E sabia que este último não podia ser feito.

 

— Não é educado ler os pensamentos de uma dama.

 

Em um reflexo, apertou aquela carta como se buscasse esconder algum segredo. Anelise esfregou um pouco os olhos, ainda parecia calma perante o flagra. Ele lentamente virou em sua direção e lhe devolveu o papel.

 

— Me desculpe…

 

— Está tudo bem. Quando nos casarmos, saberá muito mais sobre mim. Já vai embora?

 

— Sim… eu já estava indo. Até amanhã.

 

— Até…

 

Ele se retirou sem maiores cerimônias. Anelise permaneceu na cama, indagando-se como ele faria para chegar à saída.

 

x ----- x

 

Casa do Sr. Jackson, Londres – 10:25 hrs

 

Embora tentasse disfarçar, a visita daquela família estava lhe tirando a paz de espírito.

 

Era cedo, o tempo estava nublado, as nuvens cobriam todo o horizonte. Ruídos tenebrosos de trovões podiam ser ouvidos, mas não havia chuva à vista. A paisagem bucólica quase se fazia esquecer desses detalhes funestos, pois a casa que o bailarino não havia mostrado a ninguém ficava a quilômetros da cidade grande, localizada após as grandes copas, em um confortável gramado verde, próximo a um adorável laguinho. Destoava da aparência hostil do céu acinzentado, portanto, proporcionava um ambiente muito agradável e era com isso que ele contava, que não desconfiassem de nada e que tão antes fossem embora.

 

A carruagem atravessou um pequeno vilarejo antes de passar pela ponte que separava a área urbana da rural. Anelise olhava para a janela e contemplava cada nova paisagem que preenchia seus olhos. Estava usando um lindo vestido florido, sem armação, em tons de verde água e rosas cor de pêssego, os cabelos rebeldes estavam presos em um coque desgrenhado, com cachinhos a escorrer pelas orelhas, e usava lindas botinas marrons em contraste com a meia-calça clara. Não eram os trajes de agrado da sua família, mas permitiram-na escolhê-los uma única vez, pois essa cerimônia seria muito particular e ninguém de fora daquele círculo estaria lá para apontar as incongruências da tradição.

 

— Está ansiosa?

 

Sussurrou Sofia, segurando a mão nua da irmã com as suas luvinhas de lacinho. Anelise continuou a observar a janela.

 

— Não…

 

Murmurou. Os pais fingiram não ouvir, não podiam fazer muito, era o que devia acontecer e não havia nada que pudessem fazer contra isso.

 

— Pensei que gostasse dele.

 

— Eu gosto, mas não há nada de especial no que vamos fazer lá…

 

Reafirmou sua posição. Talvez estivesse mais feliz se toda aquela farsa tivesse um quê de especial, se o amor pudesse ser retribuído e não somente uma dita cuja reputação familiar.

 

— Dane-se as reputações…

 

— Anelise. Não use essa expressão.

 

Disse a condessa, buscando não iniciar uma discussão agora. A ruiva suspirou e manteve os olhos na estrada de areia, faltava pouco para alcançarem a ponte que os levaria para o outro lado de Londres.

Seguindo adiante, ela notou pequenas casas se formarem no horizonte. Pela opulência, pareciam casinhas de outros endinheirados que buscavam o conforto da vida no campo, pelo visto o bailarino não era o único, todavia, intrigante não era esse pequeno detalhe e sim as poucas pessoas que por ali caminhavam. Pelos lindos vestidos e os ternos lustrosos, certamente não eram camponeses, e, dentre alguns dos seus rostos, um em específico parecia bastante familiar.

 

Um menino de pele clara e grandes olhos verdes, abraçado aos quadris de uma mulher. Olhou-a dentro de seu olhar, e, enquanto a carruagem distanciava-se do seu campo de visão, ainda sim, Anelise não conseguiu quebrar a atenção que havia lhe dado. Ela se ajeitou no próprio lugar e franziu o cenho, mas apenas deixou aquela estranha família quando finalmente Sofia resolveu trazer-lhe de volta.

 

— O que foi, irmã?

 

— Aquele ali não é…

 

— Chegamos.

 

Assim que o cavalo cessou o trotar, o cocheiro saiu de sua posição para ver a família. Ao abrir a carruagem, Herder foi o primeiro a sair, seguido pela amada e pelas duas meninas. Anelise foi a última, e, assim que pôs o seu pé na terra, seus olhos buscaram uma mínima faísca da presença de seu amado.

Estava lá, trajado em preto e prata como sempre, defronte da casa. Era uma das maiores ali, bonita, faraônica, em tons de verde fechado e dourado. Ela lentamente balançou a cabeça para o lado, para o outro, buscando resquícios de seu amado naquela construção. Outra coisa que havia aprendido sobre ele: diante de tamanho glamour, a discrição e simplicidade do homem era ofuscada. Pensara que seu eu preferiria algo menos ornamentado e, pelo visto, estava enganada.

 

Sentiu uma mão a tocar e, assim que despertou de seus pensamentos, notou se tratar de sua irmã a conduzindo para perto dos pais.

 

— Cadê o seu medalhão?

 

A mãe murmurou, apreensiva. Anelise meteu a mão no bolso do vestido e catou a única coisa que havia ali. Tirou um medalhão de prata, muito bonito, ataviado com suas joias preferidas e adornado com sua foto. Matilda suspirou, aliviada.

 

— Vá lá. Vamos ficar aqui.

 

A ruiva revirou os olhos e seguiu em frente. Caminhou, em passos calmos, em direção ao homem que a aguardava. Seria rápido, seria indolor, e, depois de tudo isso, poderia ser ela mesma diante dos seus olhos novamente. Assim que se aproximou o suficiente, Michael apresentou-lhe a pequena caixinha com a aliança, inclinou-se e, num sussurro misterioso, longe da família, longe de qualquer um, apenas ela pôde ouvir a sua voz doce e agênera mais uma vez.

 

— Case-se comigo…

 

Ela olhou em seus olhos, sentiu o peso de seu pedido, apertou o medalhão com as duas mãos e sussurrou, também, apenas para ele ouvir.

 

— Eu te amo… e aceito.

 

Ele mordeu os lábios muito discretamente e consentiu com suas palavras, levantou-se e pôs a aliança em seu dedo. Anelise, por sua vez, adornou o seu pescoço com o medalhão.

 

— Agora, me tire da frente deles, porque já estou cansada de fingir que está tudo bem.

 

O homem assentiu e a conduziu para dentro de casa. Um de seus funcionários, um dos poucos que haviam ali, guiou o resto da família para o salão principal, onde ficariam na maior parte do tempo.

 

— O primeiro andar está interditado para reformas, mas todo o térreo e o jardim estarão disponíveis para os convidados. Fiquem à vontade. 

 

Disse o mordomo, enquanto acompanhava os movimentos das mãos de seu patrão. Uma vez avisados, a visita prosseguiu por longos e estreitos corredores de regras e tradições. Michael deixou um empregado responsável por apresentar a casa, enquanto conduziu, em segredo, as meninas para o primeiro andar.

 

— Não estava interditado?

 

Indagou Sofia, mas Anelise, já conhecendo o plano do seu amado, sorriu ao ouvir a pergunta.

 

— Sofia, é uma mentirinha. Não conte pros pais, hein? Pelo menos, não vamos precisar nos comportar como duas bonequinhas…

 

— Não mesmo, pelo menos enquanto não notarem nossa ausência. Eu estou me sentindo bem fora-da-lei, mas adorei!

 

As meninas gargalharam, ao longe o bailarino as observava com um sorriso discreto no rosto e a face oculta da preocupação.

 

— Sofi, vou dar uma palavrinha com meu noivo, está bem? Depois nos vemos…

 

— Não sei não, que esforço para pronunciar a palavra "noivo"! Falta de costume?

 

— Pode apostar, que coisa esquisita de pronunciar…

 

Sofia gargalhou e fez um tchauzinho com a mão, seguindo por um dos corredores aleatórios daquela casa tão bonita. Anelise suspirou e virou-se para o seu amado, e ele, por sua vez, já estava lhe esperando com um brando semblante.

 

— Esperto, você… Gosto de ser uma fora-da-lei ao seu lado.

 

Ela sussurrou, sorrindo com orgulho. Michael levou uma mão ao seu rosto e passou suavemente o polegar pelo seu queixo.

 

— E o que eu poderia fazer ao ver minha pequena Helena cabisbaixa? Seus pais a torturariam por horas.

 

— E você está me torturando agora…

 

Murmurou a garota, mantendo o seu sorriso melancólico enquanto levava uma mão à dele, em seu rosto, e acariciava os seus dedos esguios.

 

— Não me seduza.

 

— Estou seduzindo você?

 

— Sim. Está.

 

Michael manteve o olhar no dela e pensamentos ligeiros transpassaram sua mente. Muito se teve essa conversa, mas ela sempre retornava, porque não se sustenta um casamento de mentira quando se há uma mísera faísca de amor e paixão. Ele sabia disso e prosseguiu, pois desconhecia outra forma de tirá-la daquele casal e levá-la de volta para o seio do seu lar, para o lugar de onde ela nunca devia ter saído. Michael a amava.

 

— Queria poder te beijar… de novo…

 

— Então faça.

 

Anelise tentou disfarçar um olhar surpreso com o que ouviu, porém não conseguiu. Antes que pudesse falar alguma coisa, seu corpo pendeu para frente em um gesto brusco e seus lábios buscaram os dele, saciando o seu amor e suas vontades. Michael fechou os olhos e entrelaçou um dos braços na cintura torneada dela, enquanto sua mão livre buscou-lhe os cabelos e os soltou com euforia. A ruiva lembrava-se de cada movimento que fizeram em seu primeiro beijo, de cada sensação que sentiu, e não havia um dia em que não pensasse nisso. Repetiu cada gesto com afinco, buscou o sabor de sua boca, de sua língua, de seus dentes, de seus lábios vermelhos, entregou-se em seus braços até que todo o ar de seus pulmões esvaísse, e, enfim, quando os primeiros suspiros já não eram mais facultativos, Anelise o soltou e encostou a fronte em seu peito.

 

— Eu te amo, eu te amo, eu te amo…

 

Sussurrou incontáveis vezes. Michael devolveu-lhe o abraço e beijou o topo de sua cabeça uma última vez antes de inspirar o ar e o deixar consumir todo o seu tórax.

 

— Eu também te amo, Helena.

 

Sussurrou, a voz branda.

 

— Se continuar eufórica assim, vai ficar maluca antes do casório.

 

— Eu sei, eu sei…

 

Ela sussurrou em resposta, não deixando de soltar alguns risinhos. Michael sorriu, não tinha como segurar uma emoção oposta à alegria que ela lhe trazia.

 

— Fique no primeiro andar, assim eu poderei te chamar depressa, antes que seus pais percebam. Agora, vá brincar.

 

Ele a soltou e a permitiu vagar por aí. Anelise queria lhe falar sobre outras coisas, sobre a viagem que fez para chegar até lá, sobre a surpresa que teve ao deparar-se com a verdadeira moradia do seu amado, mas aquele carinho levou embora toda a importância daqueles pontos. Ela se distanciou, atravessou um corredor e sumiu. Ele permaneceu lá, a observando desaparecer de sua visão, com seus cachinhos infantis e rebeldes por saltitar ao correr, enquanto pouco a pouco a dor do Ágape ferido o corroía, enquanto pouco a pouco cedia o seu eu, lentamente, a uma amargura ansiosa e silenciosa.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

Ouviu outro som. [...] Vinha de um daqueles quartos, o único cujas portas estavam levemente entreabertas. Pela sombra, havia alguém ali em uma cadeira de balanço. Lentamente para frente, para trás, esse era o movimento que fazia. Anelise não fazia ideia onde estava se metendo, mas, independentemente de quem fosse, não se mostraria, não até ter certeza de que havia uma explicação bem fundamentada para toda aquela loucura.

— Ele está… está…

Era o que entendia dos murmúrios que ouvia. Em passos ainda mais cuidadosos, lentamente se aproximou da fresta e espiou. Deparou-se com ela, era a senhora que havia encontrado nas ruínas, a mãe do seu amado. Ainda velha, ainda cansada, abatida, mas muito bem ataviada tal como a mãe de um rei, adornada de relógios de bolso caros e enfeitados com correntes de ouro puro. Balançando para frente e para trás, ela olhava para o vazio daquela sala enquanto estranhamente murmurava as mesmas palavras.

— Ele está morto… está morto… morto…



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