O Bailarino escrita por Mayara Silva


Capítulo 13
A Proposta


Notas iniciais do capítulo

Ooi gente u3u dia 12 ou 19 estarei lançando minha próxima fic, As Folhas de Sicômoro, para comemorar o Halloween que está chegando! Se você gosta de MJ, comédia e crossover, fique de olho nas próximas atualizações ♡

Sem mais delongas, boa leituraa ♡ ♡ ♡



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— Eca! Não gostei!

 

Exclamou a pequena garotinha, empurrando um murcho e seco pastelzinho de vento — sem recheio, apenas massa —, enquanto fazia uma expressão enojada. O cenho franzido e a língua para fora eram sinais claros de que não colocaria aquele alimento à boca mais uma vez.

O moreno não sabia como lidar com ela. Tão pequena, tão inocente, mas tão exigente. O seu paladar era refinado, sua maneira de vestir era suntuosa, mesmo as suas atividades de lazer eram complexas para o que tinha disponível no refúgio. Ele não tinha muitas ferramentas para manter o antigo padrão de vida da ruivinha, porém estava disposto a lhe proporcionar o melhor, não queria vê-la triste em hipótese alguma.

 

Mas não importa o quanto trabalhasse duro, era época de um inverno abusivo e terrível, o conforto era exclusividade da burguesia e da nobreza.

 

— É o que eu consegui. Você tem certeza que não quer mais um pedacinho?

 

— Como é o nome disso?

 

Ele deu uma boa olhada no alimento.

 

— Pastel.

 

— Odeio pastel!

 

— Do jeito que você fala, acho que também não gosto mais…

 

Ele deixou aquela comida de lado e tornou a carregar a garota no colo.

 

— Eu quero comer outra coisa.

 

Ela murmurou, entrelaçando os braços em seu pescoço e repousando a cabeça em seu ombro. Ele a abraçou com vontade, a fim de aquecê-la o máximo possível, temia que as roupas que havia conseguido para ela não fossem suficientes.

 

— Eu também. Vamos tentar pedir?

 

— Tá bom.

 

Michael suspirou e seguiu para fora do casebre. Caminharam por pouco tempo pelas ruas desertas e congelantes, onde não havia um mísero comerciante que ousasse deixar a venda aberta por muitas horas, e cujo risco de perder alimentos frescos para o frio era inexorável. Evitaram as lojas e seguiram em direção às casas, que ficavam um pouco mais afastadas da cidade. Ele deixou que a pequena escolhesse uma delas, em seguida iniciaram a brincadeira que haviam criado juntos.

 

— Já sabe como se faz, não é? Como eu ensinei…

 

— Sei, sei! Deixa eu ir!

 

Ela balançou os pezinhos. O rapaz gargalhou e a colocou no chão.

 

— Se ficar com medo, é só correr até mim. Vou olhar você de longe, vou te proteger se der errado.

 

— Eu sei. Você sempre vai me proteger!

 

Assim que ele a soltou, a ruiva correu em direção à porta daquele casarão. Michael se aproximou para tocar a campainha e se esconder logo em seguida. Era um joguinho padrão que eles haviam criado juntos em situações de necessidade e que normalmente funcionava devido aos traços celestiais que carregavam a beleza venusiana da menina. Era simplesmente uma das crianças mais belas daquela cidade, mais bela que as próprias princesas reais, e não era um exagero do moreno pensar de tal forma.

Lamentável era, embora uma qualidade útil naquele momento de escassez, de vez em quando atraía alguns problemas.

 

Não demorou muito para um homem atender.

 

— Senhor, pode me dar alguma coisa pra comer? Tô com fome.

 

— E cadê os seus pais, bonequinha?

 

— Ham… eu não tenho.

 

— Hum… — ele coçou a barba — vem, vou fazer uma cesta pra você.

 

— Eu…

 

A garota olhou de soslaio para o moreno, ele havia lhe dito para não entrar na casa de nenhum estranho sob nenhuma circunstância. Permaneceu com os pés fincados no chão, até despertar de seu transe ao sentir a mão daquele homem puxá-la para dentro.

 

— Venha logo!

 

— Não!!

 

O rapaz notou a inquietude da garota e logo saiu de seu esconderijo. O velho se assustou, contudo, não custou muito para que seu medo tornasse em raiva ao notar os traços e o tom de pele do mais jovem. Soltou a menina e armou-se com os punhos.

 

— O que é que você quer aqui, escravo?? Saia logo daqui ou eu mato você, ouviu?!

 

Michael agarrou a menina com todas as suas forças, mas caiu ao levar um soco daquele homem. Jogou-se no chão e deixou que o corpo da garota caísse sobre o seu. Levantou-se rapidamente para revidar a agressão, mas o velho trancara-se dentro de casa. A menina, aos prantos, tornou a abraçar a perna do seu protetor.

 

— … e agora?

 

Choramingou. O moreno voltou a carregá-la em seu colo, partiu em direção ao refúgio. Seguiu todo o percurso em silêncio enquanto sentia as lágrimas quentes de sua menininha aquecerem o seu ombro. Aquela tentativa vã de uma maldade imensurável não ficaria impune, porque ele não perdoaria quem ousasse tocar em inocentes como ela.

 

Colocou-a no quarto assim que chegaram ao casebre. Ela lhe deu o cachecol que usava.

 

— Vai sair de novo?

 

Ele sorriu, acariciou seus cabelos e aceitou o mimo de bom grado. Enrolou no próprio pescoço e se afastou, abriu uma gaveta e, de lá, removeu um objeto brilhante. A menina não viu muito bem o que era, entretanto, ele logo tratou de esconder na cintura.

 

— Vou te trazer um banquete. Nada de pastéis velhos. Não saia de casa, está bem?

 

Ela assentiu, em seguida o viu partir.

E foi sua última visão antes de adormecer.

 

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Quarto de Anelise, Casa dos Marlborough – 20:40 hrs

 

Anelise despertou gradativamente, com o corpo dolorido e os olhos ainda queimando em cansaço. Os cabelos estavam soltos, jogados pelo travesseiro como uma fênix rebelada, as vestes eram simples e confortáveis, as longas meias aqueciam-lhe os pés e o cobertor mantinha a sua temperatura amena, pois o clima insólito havia lhe provocado sintomas leves de um resfriado.

 

Ouviu os adultos atravessando o corredor, ouviu o seu nome ser proferido. Anelise custou a se levantar, mas o fez, calçou sapatos confortáveis e cobriu-se com um manto. Levantou-se e partiu.

Seguiu, em passos calmos e sem ranger a madeira, rumo às sombras do casal que os guiava até a sala de estar. A lareira estava acesa, o laranja iluminava todo o ambiente, as janelas estavam trancadas, mas as cortinas abertas revelavam um lindo anoitecer ataviado de estrelas.

 

Anelise entrou sem fazer cerimônias, e o barulho da porta acabou por despertar os seus pais para sua presença.

 

— Anelise… Como você está, meu amor?

 

Indagou a mulher. Herder tomou um gole de seu vinho e o deixou de lado.

 

— Sente-se. Se estiver melhor, precisamos conversar.

 

— Não estou, mas quero saber.

 

Disse-lhe, com sua maior sinceridade e neutralidade. O casal se entreolhou, viu alguma coisa diferente na menina, alguma coisa que havia lhe tirado a criancisse. Parecia mais… "mulher", e isso os fez associar ao assunto que queriam pôr à mesa. Poderiam estar se precipitando, mas havia, sim, algo destoante de sua personalidade anterior, algo que vociferava em seu semblante.

 

Matilda iniciou.

 

— Filha… nós sabemos do seu interesse amoroso pelo artista.

 

— Quem contou?

 

Indagou, curta e incisivamente. Sabia quem foi, só podia ser ela, mas ouvir da boca de seus pais lhe faria crer com mais convicção de que ela fora realmente capaz de quebrar o segredo. Estava decepcionada, contudo, era pouco demais para lhe provocar a ira, outras coisas mais hostis perturbavam-lhe a mente.

 

— Isso não importa. Tememos pela sua vida. Foi necessário sabermos.

 

Anelise suspirou.

 

— Não faz diferença, ele não quer nada comigo.

 

— O quê?

 

Herder se levantou. Matilda, temendo que os nervos se aflorassem, também pôs-se a ficar de pé. Anelise permaneceu impassível.

 

— Eu o amo, mas ele não quer nada comigo. Está tudo bem, essas coisas acontecem.

 

— Não, não acontecem.

 

Revidou o conde, buscando manter a compostura. Tinha a dialética branda, por costume, mas todo o estresse do sumiço de sua filha havia mudado o seu temperamento. Aquela situação aparentemente mudou um pouco de cada um.

 

— Não aceitarei que minha filha fique mal falada.

 

— Mal falada? — ela arqueou a sobrancelha, em seguida seu olhar buscou o da mulher. — Mãe? Como… como assim?

 

— Você fugiu para a casa de um homem desconhecido, Anelise. Você não sabe o quanto nos preocupou, sobretudo porque isso pode ser mal interpretado pelo nosso círculo social, você sabe como funcionam as coisas…

 

— E o que o círculo social já fez por nós? Qual é o plano de vocês dois?!

 

— Diminua o tom, Anelise! Escute, esse homem já está ciente, mandamos um postal para ele. Por mínimo que tenha sido o contato entre vocês dois, a ele, concederemos o seu dote.

 

Ela os encarou com espanto.

 

— O quê??!!

 

— Anelise! Acalme-se — a mulher suavemente moveu as mãos em uma tentativa de apaziguar os ânimos. — Nós sabíamos que um dia isso aconteceria, não é? Não é nenhuma novidade, querida…

 

— Eu não quero me casar, eu já disse!

 

— E o que esperava ao sair por aí atrás desse homem?! Você é uma moça de família!

 

Exclamou o homem. A ruiva estava pronta para bradar, porém resolveu tomar um pouco de juízo e evitar utilizar de seu lado destrutivo. Pela primeira vez, ponderou em um momento de furor.

 

— Mesmo se eu quisesse, ele não quer. Mãe, pai, vocês vão mesmo obrigá-lo?

 

— Ele sabe como as coisas funcionam. Se esse assunto sair dessa casa, de alguma forma, não somente a reputação da nossa família será manchada, como também o nome dele.

 

— Se ele tem amor a tudo o que conquistou, dará atenção à nossa carta… e desposará você.

 

— Mas… não é justo… com ele…

 

Já não sentia forças para rebater as decisões inflexíveis dos seus pais. Por um segundo, sentiu profundo ódio por existir naquela família, por ter sido posta justamente na porta daquele casal. Sabia que eram pensamentos imaturos, mas deixou-se levar pelos sentimentos da ocasião, não possuía a mínima vontade de ir contra as suas emoções.

Um casamento forçado com um homem que amava e que não nutria o mesmo amor por sua pessoa. Pior que suportar alguém que não ama, é suportar deitar-se ao lado de alguém que ama e ter a plena consciência de que esta nunca será sua.

 

E, novamente, pôs-se a chorar. Sem mais nada a dizer, engoliu as piores ofensas e correu para o seu canto seguro nos cobertores. Ignorou os empregados, ignorou sua irmãzinha xeretando a conversa no canto da porta, ignorou todo o ambiente em que se encontrava, agora precisava de um momento entre si e si própria.

 

A noite seria o pior inimigo para Anelise naquele momento de fragilidade, mas, para Sofia, seria de reflexão.

Sonhadora, sentada sobre a escadaria externa principal, pela primeira vez não se importou com a presença de Thomas, que pulou o muro apenas para ter notícias das irmãs.

 

— Sofia…

 

Ele se aproximou, a voz ofegante, o peito a subir e descer. A morena suspirou e tornou a relaxar os ombros, tinha um semblante vencido.

 

— Ela nunca vai me perdoar…

 

— Claro que vai. Ela te ama.

 

— Não sei se isso é suficiente. Eu traí a confiança dela.

 

Thomas suspirou e tentou se aproximar, em passos cuidadosos.

 

— Você precisava de toda ajuda para encontrá-la, ela poderia estar em apuros. Afinal de contas, quem é esse dançarino? Nenhum de vocês o conhece.

 

Ela enfim olhou em seus olhos, sua expressão era de pavor e vergonha.

 

— Você já sabe?? Ah, isso é tudo culpa minha!

 

Escondeu o rosto com as mãos pequenas, e o garoto logo tratou de trazê-la à realidade.

 

— Anelise foi atrás dele porque quis, Sofia! Não foi culpa sua! Uma hora iam descobrir. E esse assunto é do tipo que percorre maratonas, você sabe. Até o cachorro do tio do primo do meu vizinho deve estar sabendo.

 

Sofia discretamente aquiesceu.

 

— Tem razão…

 

Murmurou e não disse mais nada, não sabia sequer que conclusão tomar, ainda sentia-se culpada. Ignorando todos os protocolos sociais, o garoto se aproximou e se ajoelhou perante ela, o suficiente para alcançar o seu olhar mais uma vez. Assim que os seus olhos azuis alcançaram o mar verde que eram os dela, Thomas segurou delicadamente o seu queixo e sorriu.

 

— Ei… eu tenho certeza que nem o mais duro dos pesares levaria embora o amor que Anelise tem por você. Vai por mim… eu garanto. Se eu estiver mentindo, abro mão dos meus sonhos. Pode me jogar no calabouço do rei, porque é a única coisa que eu seria digno de receber se ousasse mentir para você.

 

Ouvir aquelas palavras fez os olhos da morena cintilarem. Thomas percebeu, não havia nada em Sofia que escapasse de seu olhar atencioso, e aquilo o aqueceu por dentro. Ainda sorrindo, ele lentamente se afastou, levou as mãos à cintura e relaxou os ombros, um pouco mais à vontade.

 

— Além do mais, ela é valentona, não vai se deixar abalar por esses detalhes. Tenho certeza que, amanhã mesmo, ela estará inventando algum plano para se livrar do castigo dos pais. Não concorda?

 

A garota estampou um suave e aquiescente sorriso no rosto, juntou as mãos entre os joelhos e manteve o silêncio. Por um segundo, Thomas pensou ter dito alguma bobagem.

 

— Er… falei besteira?

 

Ela riu baixinho.

 

— Obrigada por ter me acompanhado hoje. E… pelas palavras.

 

— Ah, eu… Você sabe que sempre pode contar comigo, não sabe?

 

Disse-lhe, coçando a nuca em desembaraço. Pela primeira vez sua amada encontrava-se frágil diante de si, e de forma alguma se aproveitaria de tal situação. Sabia como Sofia naturalmente era: carrancuda, exigente, aquela ali era apenas o seu modo de pedir por socorro — e ele atenderia —, porém, embora gostasse de compreendê-la em todos os mínimos detalhes, passou-lhe despercebido que aquela ali era, naquele momento, não sua frágil, mas sincera forma. 

 

— Boa noite.

 

Respondeu, a voz branda, não tinha a mínima vontade de cansar os seus pulmões. Fez um aceno discreto com as mãos e sorriu uma última vez naquela noite. Thomas retribuiu o gesto.

 

— Quando essa tempestade passar, vou falar com ela. Me deseje sorte.

 

— Não precisa. Vocês têm o amor uma da outra. Dará tudo certo. Boa noite, senhorita! Durma bem!

 

Após aquelas palavras de conforto, a garota entrou rumo ao quarto. Já Thomas, voltou para o frio da sua casa, no mundo.

 

x ----- x

 

Quarto de Anelise – 07:38 hrs

 

Dias se passaram. Dias na gaiola de seu quarto, olhando pela janela, contemplando o céu chorar. Nos últimos dias, Londres amanheceu em lágrimas e terminou nas cobertas das nuvens, e não havia londrino digno de contemplar o seu pôr do sol.

 

Todavia, naquela manhã, um sol ameno surgiu do céu nublado pela chuva da noite anterior. Anelise dormiu pouco, despertou sem dificuldades, tomou um banho quente e trocou-se sozinha. Não deixou Everglow entrar em seu quarto, não saiu para tomar café da manhã, não falou com ninguém. Foi até sua escrivaninha, escolheu alguns papéis e se acomodou para externar todo o turbilhão de sentimentos que sufocavam o seu coração. Já calma, serena, segurou a caneta de pena e exprimiu a sua dor em palavras.

 

"Quero vê-lo mais uma vez. Quero perguntar se é isso mesmo que quer. Pergunto-me, toda noite, se a maldita carta fora aberta.

 

Quero fugir dessa prisão. Trançar uma cortina de seda, amarrar sobre o guarda-corpos da sacada, lançar ao acaso e descer em seus laços. Quero voltar ao refúgio, contar-lhe sobre o plano, vê-lo partir sem mim. E dizer, uma última vez, que o amo.

Será melhor assim. Será melhor que vá embora, pois forçar o coração a amar é como forçar o sol a habitar o nosso céu para sempre. É impossível, é doloroso e nos mataria, pouco a pouco.

 

Eu fecho os olhos e o enxergo. Não há nada nele que não me agrade. É alto o suficiente para me fazer sentir protegida, alto o bastante para que eu alcance os seus lábios. O corpo é esculpido como uma construção grega. Consigo sentir os músculos dos seus braços quando o abraço, sinto o calor do seu peitoral liso quando me entrelaço em seu tronco, sinto o seu cheiro quente… o perfume de veludo vermelho que me inebria todas as vezes que o imagino. Olho para cima e vejo os seus cabelos escuros, pretos como a noite mais intensa, cachos escorridos, que desmaiam sobre os seus ombros. Vejo os seus olhos profundos, de um negro imersivo e enigmático, grandes e infantis, de cílios proeminentes, femininos, audaciosos. Vejo os seus lábios, o seu sorriso. Quando vejo aquele sorriso, sinto as minhas preocupações esvair.

 

Confesso que idealizei por muitas vezes, durante esses dias, nossa vida juntos. Casar já não me é um problema, porque eu o teria ao meu lado, e nenhum de nós dois pertence ao povo. Ele não cortaria as minhas asas, eu não cortaria as dele, e voaríamos juntos para algum lugar distante dessas regras infelizes.

Entretanto, ser tida como uma filha é pior do que ser rejeitada. Não se beija uma filha. Não se deita com uma filha. Não se tem desejos por uma filha. Não se casa com uma filha.

 

Detesto admitir que permiti uma fraqueza como essa tomar conta do meu coração. Mas aceito. Aceito que o amo, porque já não priorizo mais o meu eu. Eu o amo e quero vê-lo feliz… longe de mim."

 

Ouviu o ruído claro de batidas na porta, ruídos esses que a despertaram daquele momento. Anelise suspirou, estava tão imersa naqueles pensamentos, mas alguém a havia puxado de volta para a realidade. Só podia lamentar.

Amassou aquela carta boba e a lançou em algum canto de seu quarto, em seguida abriu a porta sem perguntar quem era.

 

— Irmãzona…

 

Murmurou Sofia, com a cabeça baixa, as mãos escondidas nas costas e o olhar envergonhado. Anelise manteve o olhar  nela, e era ainda pior porque não havia sentimento nenhum naquele olhar: mesmo raiva, mesmo rancor, mesmo tristeza, nem alegria e nem saudades. Nada.

 

— Eu… me perdoa. Me perdoa por… ter contado…

 

Ao ouvir aquelas palavras, a ruiva soltou um suspiro fatigado e deixou Sofia entrar. Assim que a morena passou por sua pessoa, Anelise fechou a porta e voltou a sentar-se na cama.

 

— Não estou com raiva de você.

 

— Eu sei! Me perdoa, eu não queria… Não está? — a garota arqueou a sobrancelha. — Mas…

 

— Sofia, eu te amo. Eu sei que você estava preocupada. Não é isso que me perturba, não estou com raiva de você.

 

Sofia soltou um suspiro que, por um segundo, mais aliviou a alma da ruiva que qualquer outra coisa.

 

— Ah, irmã! Juro que esses pensamentos me martirizaram por dias! Que peso dos ombros tirei.

 

Anelise sorriu e, por fim, abraçou a que mais amava nesse mundo.

 

— Sua boba. Senti sua falta. Não veio me visitar nesses dias.

 

— Juro que não fiz por mal. E como você está? Você… quer se casar com esse homem?

 

A ruiva suspirou e relaxou os ombros.

 

— Sinceramente? Já não me é mais um problema, Sofi. Eu o amo, só não sei se seria uma boa esposa. Eu acho que ele morreria se comesse da minha comida.

 

Brincou. Sofia gargalhou e acabou, também, a levando no gesto.

 

— Ah, irmã, pra tudo se aprende!

 

— Sim… e, também… não sei se ele quer se casar comigo.

 

— Como assim?

 

Anelise, por fim, desviou o olhar para a janela e contemplou as cortinas esvoaçantes.

 

— Ah, Sofi… Já se passaram dias e ele não veio. Eu duvido que já não tenha lido a carta.

 

Levantou-se e seguiu até o parapeito. Olhou para o horizonte, para as árvores altas e as flores, buscando alguma coisa diferente do corriqueiro naquela paisagem.

 

— Se também desejasse isso, ele já estaria aqui. Eu o imagino vindo à cavalo… ou melhor, de carruagem. Ele é rico, não é? Se apresenta em grandes espetáculos. Também estaria trajado de preto, acho que é sua cor favorita. O peitoral cheio pelo colete, as pernas torneadas… que pernas… estariam cobertas por uma calça comum de modelito curto. O imagino de calças curtas, meias longas e sapatos de dança. Dançaria em qualquer momento, mesmo nos mais inapropriados. Ele é um transgressor de regras…

 

Sofia sorriu fraquinho.

 

— Está mesmo apaixonada… Ah, irmã, eu tenho certeza que ele virá. Não é nada honroso conquistar uma mulher e rejeitá-la logo em seguida.

 

Anelise aquiesceu, ainda incrédula e pensativa.

 

— Sim…

 

— Bom… vou dizer a verdade. À essa altura, achei que você já teria fugido para encontrá-lo.

 

Ela ponderou sobre aquilo.

 

— É típico que eu faça isso, não é? Que eu vá atrás dele.

 

Sofia assentiu.

 

— Sim.

 

— Pois bem. Está na hora dele responder aos meus sinais. E, se não quiser, eu o terei que esquecer.

 

A morena a olhou com melancolia.

 

— Se estiver mesmo amando, não o esquecerá, Lise.

 

A ruiva mordeu os lábios. Sofia estava certa e, inconscientemente, cutucava o seu coração com cada uma daquelas palavras certeiras.

Logo, virou-se para a garota.

 

— Tá bom, tá! Eu vou vê-lo! Pelo menos, acertarei as contas de uma vez por todas. Fique de vigia e não me entregue! Eu vou sair pela janela.

 

— Ai, irmã! Eu te ajudo, pode deixar!

 

Anelise buscou um casaco em seu armário e seguiu em direção à janela. Sofia correu para vigiar a porta, mas não ficou muito, ouviu sua irmã gritar do outro lado.

 

— Sofi!

 

— O quê?!

 

Correu para ver a irmã na janela, que ainda sequer tinha ido à sacada. Uma carruagem escura havia estacionado em frente à sua casa, uma carruagem que nunca havia visto antes. Seu coração pulsou freneticamente.

 

— Não é possível que… depois de tudo que ele disse…

 

— Senhorita!

 

Exclamou Everglow, com ansiosas batidas à porta.

 

— O noivo chegou!


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:

Sofia estava pronta para perguntar e dar continuidade à conversa, mas alguém abriu a porta de supetão. As duas viraram os rostos concomitantemente e se espantaram ao ver, diante de si, a presença inesperada do bailarino.
Por outro lado, ele também parecia surpreso, não esperava encontrar a pequena Sofia por perto. Apertou a maçaneta com certo desconforto e os seus belos olhos grandes custaram a aliviar a expressão de espanto e timidez. Anelise foi categórica em suas palavras.

— Sofia, dá licença.

A morena sequer respondeu, simplesmente se recompôs e saiu sem deixar rastros. Michael suspirou e lentamente fechou a porta, com tanto cuidado, como se esta fosse feita de vidro. A ruiva saiu da cama em um pulo e, quando o homem voltou a prestar atenção em si, pulou em seus braços e lhe deu o abraço mais apertado que conseguiu.



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