Snowboarding With You escrita por Gabe Kyan Parker


Capítulo 3
Capítulo Três


Notas iniciais do capítulo

Finalmente, chegamos ao Canadá! Mais uma vez, sei que demorei para escrever, mas aqui estamos nós de novo. E é Ano Novo. Eu estava planejando há tempos poder publicar algum capítulo nesta época, já que a fanfic é sobre isso. Bem, eu escrevi com muito carinho e dedicação. Espero que gostem. Boa leitura!



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No fim das contas, convencer Shadow a ir com eles na viagem foi a parte mais fácil.

— Eu já falei que não vou pro Canadá, mas nem a pau!

— Mas Hiromi… Essas crianças não podem viajar sozinhas. E elas querem muito que você vá com elas. Olha só essas fofuras!

A gerente da floricultura tinha sido rapidamente conquistada por Langa, Reki e Miya, que estavam agarrados no grandalhão, fazendo carinha de bebês pidões. A ideia de ir até lá foi de Miya. Deu certo quando eles foram para Miyakojima, então fazia sentido usar a mesma estratégia novamente.

Shadow bufou.

— Eu… eu…

Ele fechou os olhos, respirou fundo e respondeu, com sua voz forçadamente delicada e suave:

— Mas é claro, gerente! Eu vou com eles sim!

— Perfeito!

Os três jovens abraçaram o mais velho ainda mais forte, quase o esmagando.

— Valeu, tiozão! — os três gritaram juntos.

O grandalhão rangeu os dentes:

— Eu vou matar vocês três! — ele sussurrou.

— E eu quero ver você tentar — Miya zombou.

 

A semana que se passou foi bem movimentada para todos, conforme eles se preparavam para a viagem que se aproximava.

Reki conseguiu a autorização dos pais. Como já era de se esperar, sua mãe ficou um pouco preocupada com a ideia do filho viajar para o outro lado do mundo. Mas depois que Langa e Nanako foram visitá-la e as duas mães conversaram, ela ficou mais aliviada. Ela percebeu como era importante para Langa que o Reki estivesse com ele e, da mesma forma, como era importante para Reki estar com Langa. Então, mesmo estando com um pouco de receio, Masae concordou.

As gêmeas ficaram um pouco tristes com a ida do irmão. Já Koyomi só lançou um olhar de deboche pra o ruivo e disse que, na ausência dele, ela é quem daria aulas de skate para as pequenas.

Cherry ajudou Reki e Miya a conseguirem toda a documentação necessária para sair do país. Ele também cuidou de cobrir todas as despesas das passagens e da hospedagem de todos. Todos, exceto Joe.

— Seu quatro-olhos pão duro!

— Contente-se, seu gorila!

Nenhum deles realmente sabia quão frio era o Canadá, muito menos tinham roupas para tal clima. Reki, principalmente, não fazia a menor ideia do que levar. Então, todos foram ao shopping e fizeram compras juntos. Eles tentaram trazer o máximo de roupas e cobertores que conseguiram. E, é claro, os garotos não puderam deixar de brincar com a cara um do outro enquanto experimentavam as roupas novas.

— Você tá ridículo nessa coisa, slime — Miya observava Reki sair do provador com desdém.

— E você tá parecendo um sapo!

 

Langa estava passando por uma montanha russa de sentimentos. Ele estava ansioso. Não fazia a menor ideia do que esperar. Depois de tudo o que aconteceu, voltar para o Canadá, ainda mais junto com os seus amigos de Okinawa, parecia surreal demais.

Ele tinha medo de acabar estragando as memórias que tinha. Mas, de qualquer forma, ele queria fazer isso. Ele queria ter uma última chance de se sentir ligado a tudo aquilo novamente, principalmente ao seu pai.

E ele queria, mais do que tudo, ter uma chance de compartilhar com Reki todas as coisas incríveis do Canadá, da mesma forma que o ruivo tinha compartilhado com ele a infinitude do skate e do S.

Ele queria muito poder ter os melhores momentos possíveis nesta viagem. Esta era a união de tudo o que era mais importante para ele. O Japão e o Canadá. Seus amigos e seu pai. O presente e o passado. E, talvez, o skate e o snowboard.

Havia, sim, uma chance de tudo dar errado. Essa viagem poderia ser desastrosa e acabar de uma vez com todas as boas lembranças que Langa guardava do tempo que passou no Canadá com o seu pai. Mas também havia uma chance de tudo dar certo e ele criar novas lembranças incríveis. Essa viagem poderia ser tanto a pior quanto a melhor experiência da vida dele.

 

Aquela semana acabou passando num piscar de olhos.

Langa acordou com seu despertador tocando uma música suave. Ele viu os raios de sol entrando pela janela e se deu conta de que o tão aguardado dia da viagem havia finalmente chegado.

Tudo começou a passar pela sua cabeça enquanto acordava, como se seu cérebro estivesse recapitulando todos os últimos acontecimentos até entender ao certo onde estava. Langa sentiu sua respiração ficar um pouco acelerada. Ele agarrou-se ao cobertor, criando coragem para levantar.

Seu celular notificou uma mensagem de Reki. O ruivo estava perguntando como o azulado estava no tão esperado dia. Langa sorriu com a mensagem. Ele sabia que Reki também estava um pouco nervoso. E saber que ele aceitou ir na viagem mesmo assim só fazia o canadense pensar que nunca conseguiria agradecê-lo o suficiente por todo o apoio.

Mais uma vez, Langa sentiu algo apertando em seu peito.

Ele e sua mãe foram buscar Reki na casa dele. O sol já tinha nascido, e sua luz iluminava a cidade. Langa olhava para a paisagem pela janela do carro, mas sem prestar atenção em nada pelo caminho todo. Ele só voltou à realidade quando o carro estacionou e ele viu o ruivo esperando com sua mala gigante.

Nanako saiu do carro e conversou mais uma vez com Masae. As gêmeas choravam, porque não queriam deixar o irmão ir. A Tia Hasegawa se aproximou delas e se ajoelhou, ficando da mesma altura.

— Eu prometo que nós vamos cuidar do seu maninho e trazer ele são e salvo, ok?

Então, ela fez com as garotinhas o cumprimento do infinito que Langa e Reki sempre faziam, deixando as duas, e até os garotos, surpresos. Facilmente, as gêmeas ficaram convencidas.

— A titia Nanako é maneira demais!

Masae agarrou o filho mais uma vez.

— Promete pra mim que vai se cuidar, Reki?

O ruivo riu.

— Eu prometo, mãe.

Ela o envolveu em um abraço apertado.

— Acho bom mesmo. Se alguma coisa acontecer, eu mesma vou até o Canadá te buscar!

— Tá bom, mãe, tá bom. Eu também te amo.

Ele se despediu de todos e entrou no carro, sentando-se no banco traseiro, ao lado do canadense.

Não demorou muito para ele perceber que as mãos de Langa estavam tremendo.

— Aí, cara. Eu tô trabalhando num shape novo e você tem que ver! Eu coloquei aquelas rodas que a gente viu na semana passada…

Reki começou a falar sobre skate. Mas, dessa vez, era tudo conversa fiada. O vermelho só estava tentando distraí-lo e deixá-lo mais calmo. O azulado percebeu e ficou muito grato por isso. Nanako não conseguiu entender uma palavra sequer do que os dois garotos conversavam, mas ela também percebeu o que estava acontecendo e não pôde deixar de sorrir.

No caminho até o aeroporto, os dois garotos observavam atentamente cada detalhe das ruas de Okinawa, como se tentassem garantir que ainda se lembrariam de tudo quando não estivessem mais lá.

Reki esteve ali a vida toda. Era estranho demais estar indo para o outro lado do planeta. Mas, vendo todas aquelas ruas, Reki pensou em todas as vezes que ele e Langa andaram de skate por elas. E só pôde ficar contente de ter aproveitado cada um desses momentos.

E, assim como Langa, ele esperava poder criar memórias igualmente boas no Canadá.

 

Finalmente, chegaram ao aeroporto. Reki ficou impressionado. Ele nunca havia estado num lugar assim. Era enorme. O teto ficava a vários metros de distância do chão e o lugar era cheio de mapas do próprio prédio, além de propagandas de agências de viagens.

O aeroporto era bem movimentado. Muitas pessoas iam e vinham, sem parar, com suas malas enormes. No meio da multidão, eles encontraram os outros.

Miya, Cherry, Joe, Shadow e o gerente Oka pareciam animados para a viagem. Todos estavam muito bem arrumados, com as roupas novas que compraram juntos, cada um vestindo a cor que melhor o representava. E todos carregavam malas enormes. O gerente vlevava Sketchy, que estava dormindo tranquilamente, em uma gaiolinha para gatos.

— Pessoal, essa aqui é a minha mãe — Langa a apresentou ao grupo — Mãe, esses são os meus amigos. Esse aqui é o Miya, esse é o gerente Oka e essa raposinha aqui é o Sketchy. E…

O azulado ficou um pouco confuso sobre como apresentar os mais velhos. Ele estava acostumado a se referir a eles usando os codinomes do S, mas sabia que não deveria usá-los com pessoas de fora. Mas seria estranho ter que chamá-los pelos seus nomes verdadeiros durante toda a viagem. Sem contar que é possível que ele já tivesse se referido a eles usando os codinomes quando os mencionou para sua mãe.

Para sua sorte, eles perceberam sua confusão e rapidamente se apresentaram.

— Eu sou o Kojiro — se apressou o verde. — Mas pode me chamar de Joe.

Langa ficou aliviado.

— Eu sou o Hiromi, mas o pessoal me chama de Shadow — ele se comportava exatamente do mesmo modo como quando estava próximo da sua gerente — É um prazer muito grande te conhecer!

— E o meu nome é Kaoru, mas a senhora pode me chamar de Cherry. Seu filho fala muito bem da senhora. É uma grande honra te conhecer pessoalmente, sra. Hasegawa.

Ela ficou constrangida.

— Ah, vocês são uns amores. Podem me chamar de Nanako. Infelizmente eu não tenho nenhum apelido legal — ela riu.

— Ah, sim — Cherry respondeu — É só uma piada interna, pode-se dizer. Entretanto, não é algo que costumamos usar em público. Digamos que é coisa de skate.

— Ah, entendi. E você tem algum apelido, Langa?

— A galera me chama de Snow.

Ela riu.

— Claro. Faz sentido. E vocês dois? — perguntou para Reki e Miya.

— O Reki é o Ruivo — Miya respondeu.

— Aí! Ninguém mais fica me chamando assim!

— Chamam sim, Slime. E eu sou o Catboy.

— Ninguém nunca te chamou assim!

— Todo mundo chama.

— Não chama não!

A pulseira que Cherry estava usando brilhou e emitiu um som de notificação, interrompendo a discussão dos garotos.

É aconselhável que já se dirijam para a área de embarque, mestre.

— Obrigado, Carla. Bem, creio que já devemos ir então. Por favor, me acompanhem.

A interação de Carla deixou Nanako extremamente confusa, mas ela assentiu. O grupo seguiu o rosado pelo aeroporto. Discretamente, a sra. Hasegawa se aproximou de Langa e disse em seu ouvido:

— Quando você falava dos seus amigos, eu imaginava que eles tinham a mesma idade que você. Como você disse que conheceu eles mesmo?

— Ah, pois é — ele ficou um pouco constrangido — É que todos eles andam de skate há algum tempo. E são muito bons. Eles meio que ajudaram o Reki a me ensinar.

— Sério? Até o… Hiromi? Ele parece ser delicado demais pra fazer esse tipo de coisa.

O azulado riu, só de pensar.

— Você nem imagina, mãe. Mas eles são todos muito legais.

— Aposto que sim, querido. Dá pra ver que você tem bons amigos. Só de conhecer o Reki, eu já podia esperar isso.

Langa, levemente corado, concordou.

— É. Ele é incrível mesmo.

 

Reki ficou impressionado quando viu o avião. Ele nunca havia visto algo tão grande. Ver aquela máquina gigante o fez se sentir pequeno.

Enquanto se preparavam para entrar, caiu a ficha de que ele estava prestes a viajar literalmente para o outro lado do planeta, o que só o fez se sentir menor ainda.

Era incrível como o mundo poderia ser tão grande. E, mesmo assim, ele teve a chance de encontrar Langa.

O vermelho observava atentamente o canadense. Seus olhos azuis, belos como o céu acima deles, transpareciam a ansiedade e a preocupação do garoto.

Langa conheceu o lugar de origem do ruivo. Agora, era a vez de Reki conhecer o do azulado. Será que o canadense iria gostar tanto de apresentar seu lar para o japonês, quanto ele gostou de apresentar o dele?

Langa desviou seu olhar para ele.

— O que foi, Reki?

O vermelho ficou corado. Mesmo tendo passado os últimos minutos os admirando, aqueles olhos cristalinos ainda o surpreendiam toda vez que encontravam os dele.

— Nada, não — ele riu.

 

Assim que todos entraram no avião, tiveram uma surpresa.

— Só pode tá de sacanagem comigo! — Reki exclamou, furioso.

— Ora, que surpresa mais agradável! Quem diria que eu encontraria logo vocês, meus queridos amigos, em minha viagem para o Canadá?

Lá estava Adam, parado mais a frente, com um sorriso cínico no rosto. O ar imediatamente pareceu ficar mais pesado com a presença dele. Ele trajava um terno azul, parecendo um verdadeiro político e homem de negócios. Tadashi, quieto como sempre, estava ao seu lado, com uma expressão tão neutra quanto a cor de suas roupas sociais.

O sangue de Reki começou a ferver. Ele instintivamente cerrou os punhos.

— Ora seu…

Langa o segurou pelo braço, antes que o ruivo partisse para a briga. Quando Reki se virou para o canadense e viu seu olhar, entendeu a mensagem e tentou se acalmar. Entretanto, o clima estava tenso. Todos estavam incomodados.

— Realmente uma grande surpresa — Cherry respondeu, ironicamente. — E o que exatamente você faz aqui?

— Estou de férias — respondeu o toureiro. — Eu simplesmente adoro passar minhas férias de inverno no exterior. E não há nada melhor do que passar o Natal no frio e belo Canadá.

Adam se aproximou de Nanako. Todos ficaram tensos, mas se contiveram.

— Você deve ser a mãe do Langa, estou certo? — ele pegou sua mão e a beijou —  É realmente uma imensa honra poder conhecer você. Tem um filho extraordinário, sabia? Qual é o seu nome?

Ela ficou constrangida.

— Ah, obrigada. Eu sou a Nanako… — ela semicerrou os olhos, tentando focar a visão — Espera, você não é aquele político… Ainosuke Shindo?

— Ah! — ele gritou — Sou eu mesmo! Que felicidade, você me reconheceu!

Ela riu.

— Langa, por que nunca me disse que você tinha até amigos políticos?

— É que não tem muito o que falar desse cara, tia — Reki respondeu, com um olhar furioso dirigido a Adam.

Cherry interrompeu:

— De qualquer forma, se nos dá licença, sr. Shindo, nós temos uma longa viagem pela frente.

— Mas é claro. Vejo vocês no Canadá. Eu mal posso esperar!

Adam deu uma piscadinha para o grupo e se afastou. Tadashi o guiou até seus assentos.

— Você realmente ainda tem uma grande obsessão pelo Snow, não é? — questionou Tadashi, assim que se sentaram.

— É claro. Em nenhum momento eu seria capaz de parar de admirar aquele skatista talentoso. Mas não se preocupe. Mesmo ele desviando parte da minha atenção, ainda resta uma grande parcela para o meu pequeno cachorrinho.

Tadashi ficou corado.

 

O grupo se recompôs e seguiu em direção a seus assentos. Mas, antes de se sentarem, Cherry chamou Nanako:

— Se me permite, sra. Hasegawa, eu gostaria de ter uma palavra com você.

— Comigo?

— Sim. Enquanto os adultos do grupo, acredito que possamos discutir alguns assuntos em particular. E, é claro, como a mãe do Langa, creio que seja importante conversarmos sobre seu filho.

— Ah — ela ficou um pouco pensativa, mas rapidamente aceitou — Tudo bem.

— Perfeito. Venha comigo, por favor.

— Papo de adulto, é? — Joe riu — Nem imagino o que esses dois têm pra discutir. Não me deixa de fora não, Kaoru!

— Se eles vão falar do Langa, então eu vou falar do Reki — o gerente Oka disse, rindo, rapidamente seguindo os outros adultos.

— Mas é claro. Reservei assentos mais afastados justamente pensando na conversa de nós quatro.

— E eu?! — Shadow ficou indignado por estar sendo excluído.

— Você fica com as crianças — o rosado ordenou.

Os quatro adultos foram mais para frente. Nanako e Cherry se sentaram juntos, com Oka e Joe na fileira de trás. Não demorou muito para todos começarem a cochichar.

Assim, Shadow e os três adolescentes ficaram sozinhos.

— Se é assim então eu vou ficar jogando videogame — Miya já estava com seu Nintendo Switch nas mãos — Vai ser um voo longo. Não se esqueçam de colocar o celular no modo avião. E se precisarem de alguma coisa, não me chamem.

— Que joguinhos você tem aí? — Shadow começou a questionar o menor, enquanto os dois se sentavam lado a lado.

Reki e Langa eram os únicos ainda de pé. Os dois se entreolharam e o vermelho deu uma risadinha tímida.

— É cara, acho que só sobrou a gente.

— É melhor a gente se sentar. Você quer ir na janela, Reki?

— Não, de boa. Não sei se eu quero olhar para fora e ver nuvens embaixo de mim em vez do chão.

O canadense riu.

Os dois se sentaram e ficaram em silêncio por alguns minutos. Ambos estavam nervosos e conseguiam ver isso no olhar um do outro.

Quando o avião finalmente começou a decolar, o ruivo sentiu como se seu coração fosse saltar pela boca. Seu cérebro começou a rodar dentro de seu crânio. Ele se agarrou aos assentos, segurando o mais forte que conseguia, com os olhos fechados. Ele nunca havia estado em um avião antes e, dentre os incontáveis medos que tinha sobre essa viagem, esse era um dos maiores.

Então, ele sentiu outra mão, macia e quente, segurando cuidadosamente a sua.

— Tá tudo bem, Reki. É mais complicado na decolagem, mas depois fica bem tranquilo. Você vai ver.

O vermelho sorriu, aliviado. Ele observou a mão de Langa segurando a sua e, envergonhado, se perguntou se deveria afastá-la. Mas ele não fez isso. O toque do azulado era muito acolhedor. Ele esperou que o canadense fosse afastá-la, mas ele também não fez nada. Eles apenas mantiveram suas mãos ali, juntinhas.

Reki ficou mais calmo conforme foi se acostumando com a sensação de estar literalmente voando. Shadow, por outro lado, estava em um desespero muito maior do que o de Reki.

— Socorro! — ele gritava como uma criança — Eu não quero morrer! Gerente! Gerente, me salva!

Ele se agarrava nos assentos ao seu redor e em Miya.

— Então você realmente tem medo de avião. Que patético, tio Shadow.

— Ah, seu moleque! Você vai me pagar!

O ruivo caiu na gargalhada vendo a cena. Ficar no avião, ao lado de Langa e com todos os seus amigos, era aconchegante, no fim das contas.

Mas ele percebeu que o azulado ainda estava incomodado.

— Ei, cara. Você quer conversar?

— Eu não sei. Ainda é estranho pensar que eu estou voltando para lá depois de tudo o que aconteceu. Não sei direito como eu deveria estar me sentindo com tudo isso.

Reki assentiu.

— Do que você mais sente falta no Canadá?

Langa ficou pensativo. Ninguém nunca havia perguntado isso antes, e ele mesmo nunca tinha parado para pensar. Ele sorriu, melancólico.

— Do meu pai. Mas também sinto falta da nossa antiga casa. E do chocolate quente que a minha mãe fazia. E de comer poutine toda semana. E… o snowboard. Cara, a neve. Eu sinto muita falta da neve!

O ruivo podia ver, naqueles olhos cristalinos, como Langa falava com paixão sobre tudo aquilo. O azulado sempre foi quieto, e nunca demonstrava muito seus sentimentos. Mas tinha muito mais tristeza nele do que qualquer um poderia imaginar. Dava para ver como ele amava tudo aquilo e o quanto sentia saudade.

Por um momento, Reki se pegou pensando no que aconteceria se Langa realmente pudesse ter tudo aquilo de novo em sua vida. Sim, eles passaram por coisas incríveis em Okinawa. Mas será que Langa ainda escolheria ficar com ele se, em vez disso, tivesse a chance de ter sua vida antiga de volta?

O vermelho afastou os pensamentos.

Neve. O Snow sente falta da neve.

— Você… pretende andar de snowboard de novo?

A expressão do canadense ficou ainda mais triste.

— Eu não faço ideia.

Eles ficaram em silêncio. Langa encostou a cabeça do lado da janela. Reki apenas o deixou ter um pouco de espaço.

 

Langa não percebeu quando caiu no sono.

De repente, ele estava de volta às montanhas do Canadá. Com seu pai.

O céu pairava azul acima deles, com poucas nuvens. Raios acolhedores de sol desciam e eram refletidos pela neve branca, que cobria toda a paisagem ao redor deles. O vento gelado batia contra seus casacos e roupas de proteção, mas o frio não incomodava o garoto. Ele se sentia em paz.

Os dois desciam a montanha em suas pranchas de snowboard. Langa podia sentir o vento forte bagunçando seus cabelos. Os óculos de proteção ficavam embaçados com o contraste da respiração quente do garoto com o ar gelado.

Ele podia sentir a adrenalina e a alegria de estar fazendo o que mais amava no mundo: andar de snowboard com seu pai. Ele sentia seu coração acelerado, de um jeito incrível.

E, naquele momento, ele sabia muito bem qual era a sua felicidade.

Seu pai estava à sua frente. Mesmo ainda não podendo ver seu rosto, o azulado já sabia que ele estava sorrindo. Oliver, então, se voltou para o garoto. Ele estava mesmo com um sorriso no rosto.

Você está se divertindo, meu filho?

É claro, pai.

Era uma lembrança feliz. Um dos vários momentos que Langa guardava em seu coração e sempre queria poder lembrar.

Mas então o sonho mudou.

Langa estava novamente na montanha, com sua prancha. Mas dessa vez era diferente. O céu estava escuro como a noite. A neve caía intensamente, conforme o vento soprava forte. E seu pai não estava mais lá. Ele estava sozinho.

Ele desceu a montanha. O vento ainda bagunçava seu cabelo. Os óculos ainda ficavam embaçados. Ele ainda sentia a velocidade por todo o seu corpo.

Mas a parte mais importante estava faltando. Ele não sentia a adrenalina. Não sentia seu coração acelerar. Ele não sentia mais nada.

E também não sabia mais qual era a sua felicidade.

De repente, ele acordou. Ou melhor, Reki o acordou.

— Ei, Langa. Acorda. Nós estamos chegando, cara.

Ao ouvir aquelas palavras, todo o sono se dissipou e o azulado foi trazido para a realidade.

Ele respirou fundo, tentando criar coragem. Se lembrou de algumas horas atrás, quando estava observando Okinawa. Agora, chegara a hora de olhar novamente sua terra natal.

Ele confrontou seu receio e olhou através da janela. O céu estava coberto por nuvens levemente acinzentadas, pelas quais passavam raios de sol que marcavam suavemente a paisagem, deixando uma atmosfera agradável. Quando sua visão se ajustou, ele imediatamente conseguiu identificar sua cidade natal, metros abaixo deles.

No mesmo momento, ele sentiu algo que não soube explicar. Ele não sabia que estava com tanta saudade do Canadá, até agora.

Lá de cima, ele podia ver a cidade toda. Mesmo de longe, era possível ver cada detalhe. E ele reconheceu cada um deles. Cada um dos prédios. Cada uma das casas. Cada um dos parques. Cada uma das ruas. As pessoinhas, minúsculas aos olhos, movimentavam a cidade, dando vida a ela. Bem do jeito que Langa se lembrava.

Ele estava paralizado, mas não sentia mais a mesma agonia de antes. Milhões de memórias e sentimentos nostálgicos passavam pela sua mente, à toda velocidade, enchendo seu coração.

Ele só percebeu que estava tremendo quando Reki segurou sua mão. O azulado se virou para o ruivo, que estava com um sorriso solidário no rosto.

O canadense sorriu. Dava para ver que, apesar de estar tentando confortá-lo, o ruivo também estava nervoso. Só talvez não tanto quanto ele.

Langa sentiu que seu coração estava acelerado. Mas ele não sabia se era de medo ou de felicidade. Mesmo tendo tentado se preparar para isso durante a semana toda, ele sentia que ainda não estava preparado. Parte dele queria muito fazer isso, enquanto outra parte ainda queria sair correndo, mesmo estando num avião.

Então, ele viu algo que mudou instantaneamente o modo como se sentia.

De repente, da janela, ele viu uma única partícula caindo lentamente do céu cinzento. Ele não conseguiu identificar a princípio. Mas, logo depois, outras começaram a cair. E ele percebeu que era…

— Neve! — ele gritou.

— O quê?! — Reki questionou, junto com Shadow e Miya, que pularam de susto na fileira da frente.

— Neve! Olha! Tá nevando! Reki, olha!

Reki semicerrou os olhos para poder enxergar. Ele viu os pequenos flocos de neve caindo lentamente através da janela. Ele nunca tinha visto isso pessoalmente antes.

Ele abriu um sorriso. Mas não era pela neve. Langa já estava de pé, com as duas mãos apoiadas na janela e os olhos vidrados no que via. Havia um sorriso no rosto dele. Tão verdadeiro quanto no dia em que ele havia dado o seu primeiro ollie. Ele continuava repetindo, chamando todos para verem a neve.

Toda a expressão de medo e melancolia nele havia desaparecido. Agora, havia apenas um enorme sorriso. Um lindo sorriso. Reki ficou feliz. Tudo o que ele queria era poder ver Langa sorrindo assim de novo.

O ruivo ficou corado. Aquele sorriso era muito lindo.

Os garotos perceberam que o avião já não estava mais voando tão alto. De algum lugar, uma voz anunciou a aterrissagem, em japonês e inglês:

Atenção passageiros, em alguns minutos nós iremos pousar. Por favor, mantenham-se em seus assentos.

Langa se sentou. Mas continuava agitado em seu assento. Em nenhum momento seus olhos se desviaram da janela. Até que a neve pareceu parar e eles se voltaram para o vermelho.

— Você viu isso, Reki?

O ruivo riu da carinha de criança fofa que o azulado fazia.

— Eu vi sim, mano! Que demais!

O canadense suspirou, extremamente contente.

— Eu nunca achei que ia ver isso de novo…

 

O avião finalmente pousou e todos se levantaram de seus assentos. Assim que viu Adam se levantar, Reki gritou:

 — Mete o pé!

Ele puxou Langa pelos braços e saiu correndo. Os outros entenderam o recado e saíram correndo também, antes que Adam pudesse acompanhá-los.

Nanako não entendeu nada, mas seguiu os outros às pressas, tentando pedir desculpas a cada pessoa que eles acidentalmente empurravam para poder passar.

Adam apenas deu uma risada cínica enquanto observava os garotos correrem.

Saindo da área de desembarque e voltando para a parte principal do aeroporto, todos ficaram impressionados, principalmente Reki. O lugar era gigantesco, muito maior do que o de Okinawa. Logo, se depararam com um grande letreiro desejando boas-vindas em inglês. Mais à frente, havia uma enorme árvore de Natal e várias luzes piscantes.

Havia muitas pessoas diferentes lá. Adultos, crianças e idosos. Com malas de todos os tamanhos. Cada uma falando um idioma diferente. Elas iam e vinham, conversando entre si ou entretidas em seus celulares. E elas davam vida àquele lugar.

Um pouco mais à frente, Langa pôde ver uma enorme bandeira do Canadá. Ela estava pendurada no teto e descia quase até a altura deles. Ele se aproximou e a admirou. O azulado nunca foi do tipo patriota, mas ver aquelas cores novamente, o fez se sentir acolhido.

Foi naquele momento que Langa se deu conta de que estava em casa novamente. Ele se lembrava da última vez em que esteve naquele aeroporto. O dia em que foi embora do país. Mas, estando lá de novo, era quase como se nunca tivesse saído. Ele sentiu seu coração acelerar novamente.

Ele nem se deu conta de que estava ainda parado, encarando a bandeira, até que Reki o trouxe de volta à realidade.

— Ei, cara. O Cherry disse que os nossos táxis já chegaram. Se a gente for agora, talvez ainda dê tempo de ver a neve.

O canadense apenas deu uma última olhada para a bandeira.

— Você tá bem, Langa?

Ele sorriu.

— Eu estou ótimo, Reki!

 

Logo que saíram do aeroporto, eles puderam sentir o ar frio contra seus corpos quentes. Estar ao ar livre só aumentou o sentimento de Reki de estar em um lugar totalmente novo, num mundo tão grande e desconhecido.

Ele já estava começando a tremer. Langa e Nanako haviam avisado a todos como o Canadá era muito mais frio que o Japão. Ele estava bem agasalhado, com uma jaqueta vermelha bem grossa e um gorro amarelo. Mas, de qualquer forma, para alguém que cresceu em Okinawa, o frio era impactante.

Além disso, também havia a questão do fuso horário. O céu acima dele dizia que era ainda dia, mas seu relógio biológico dizia que já deveria ser noite. Não que isso importasse muito, já que Reki normalmente passava as noites e madrugadas acordado também.

Mas, apesar de qualquer diferença que ele pudesse estar estranhando por estar no Canadá, o simples sorriso bobo de Langa já era o suficiente para ele se lembrar do porquê estava lá. Era tudo pelo Langa. E isso fazia tudo valer a pena.

O ruivo apenas admirava o canadense. E, vendo a sua expressão, não pôde deixar de sorrir.

Langa olhava para o alto. Infelizmente, não estava mais nevando. Agora, as nuvens haviam se dissipado, revelando a face azul do céu, exatamente como os belos olhos que o observavam, na esperança de que mais algum floco de neve caísse.

O azulado havia se esquecido dessa sensação. Quando chegou à Okinawa pela primeira vez, ele estranhou o clima mais quente. Mas, com o tempo, ele acabou se acostumando. Agora, sentir o ar frio canadense outra vez era estranho mas, ao mesmo tempo, reconfortante. Ele sempre se sentiu bem com o frio. E gostou de relembrar o sentimento.

— Aqui estão nossos táxis — Cherry Blossom chamou — Vamos ao hotel.

— Finalmente! — Miya disse, ainda sem tirar os olhos do Nintendo Switch.

Langa desviou os olhos do céu e voltou seu olhar para Reki. O azulado sorriu e o ruivo sorriu de volta.

 

O grupo se separou para ir até o hotel. Nanako foi com Langa e Reki no mesmo carro. Ela ficou no banco do passageiro e os dois garotos ficaram nos bancos traseiros.

O vermelho achou estranho a posição do motorista e o lado em que o carro se movia na rua serem inversos ao que ele estava acostumado no Japão, mas também achou divertido.

Enquanto o carro se locomovia, os dois garotos puderam observar a cidade, assim como quando estavam saindo de Okinawa, prestando atenção a cada mínimo detalhe.

Até mesmo as cores das casas pareciam mais frias, mas de um jeito belo. As árvores secas e vestígios de neve no chão enfeitavam as ruas, assim como todos os enfeites de Natal espalhados por toda a cidade. E, como sempre, pessoas de todos os tipos iam e vinham, deixando a cidade ainda mais viva. A atmosfera fria da paisagem ficava aconchegante com os raios de sol vindos do céu azul acima deles.

Langa sentia como se estivesse em um sonho. Ver todas aquelas casas, prédios, lojas e parques parecia surreal depois de tudo o que aconteceu. Ele via as pessoas andando pelas ruas, bem agasalhadas, com copos de café nas mãos, exatamente do jeito que ele se lembrava.

Então, em certo momento, eles passaram por uma família, caminhando na rua. Um pai de cabelos grisalhos, uma mãe e um garotinho pequeno. Os três estavam rindo e se divertindo. Isso fez o coração do azulado ficar apertado em seu peito. Ele sentia falta de ter isso em sua vida. Muita falta.

Ele sentiu um misto de sentimentos. Estava extremamente alegre por estar de volta. Mas também um pouco triste por lembrar que, mesmo estando de volta ao lugar onde cresceu, seu pai não estaria mais com ele.

Langa estava com a cabeça encostada no vidro. Reki o observava silenciosamente. O ruivo queria poder entender o que se passava na mente do canadense. Mas ele mesmo não entendia seus próprios sentimentos.

Ele encostou a cabeça no vidro da janela também. O vidro ficava embaçado com a respiração quente dele, que aproveitou para desenhar uma carinha sorrindo. Ele se sentia como um barco à deriva no oceano. Era como um viajante em uma terra distante, o que, de certa forma, era verdade. Tudo era tão diferente.

Langa estava revisitando um lugar que conhecia muito bem. Já o japonês estava conhecendo um mundo totalmente novo. Ele ficou imaginando como deveria ter sido a infância do azulado naquela cidade. Será que ele era mais feliz naquela época?

Ele também não pôde deixar de ficar observando a cidade e as pessoas. Tudo era uma novidade para ele. Mas uma coisa realmente o pegou de surpresa. Dois garotos, andando na rua, rindo juntos. E, o mais importante: de mãos dadas. Reki nunca tinha visto algo assim de forma tão aberta. Por mais simples que fosse, foi o suficiente para fazê-lo sorrir.

Ele se pegou pensando se, algum dia, poderia estar assim com Langa. Ele nunca foi do tipo meloso, ou que se importava com esse tipo de coisa. Mas Langa despertava algo nele que ele mesmo nunca soube que poderia existir.

Será que ele conseguiria dizer isso algum dia?

 

Quando finalmente chegaram ao hotel, Reki ficou impressionado ao sair do carro e ver o prédio com vários andares. Parecia que ele tinha tirado o dia para ficar impressionado com coisas grandes. O hotel também parecia extremamente chique e caro. Cherry deveria ter pago uma fortuna.

— Eu vou na frente! — Miya saiu em disparada, deixando suas malas com Shadow.

— Tá achando que eu sou o que, hein moleque?! — Tio Shadow pegou as malas e correu atrás do menor.

— Não corram! — Cherry os repreendeu. Ele cobriu os olhos com as mãos, como uma mãe estressada — São duas crianças mesmo.

Todos começaram a rir.

O ruivo puxou o azulado pelo braço e ambos saíram correndo atrás dos outros dois.

Por dentro, o hotel era ainda mais bonito. O salão do térreo tinha paredes em tons claros e aconchegantes. Havia um lustre de vidro no teto, cuja luz dourada fazia o piso reluzir. Reki podia ser seu próprio reflexo no chão. Era definitivamente um hotel cinco estrelas. Só de estar lá, Reki se sentia rico.

Cherry foi até a recepção para pegar as chaves dos quartos, enquanto Miya e Shadow esperavam ansiosamente para entrar no elevador. Assim que pegou as chaves, o rosado disse qual era o andar e as jogou para os jovens.

— Já que não vou conseguir impedir vocês de correrem, então se divirtam. Mas juízo.

Miya pegou as chaves e os quatro se espremeram no elevador. Uma musiquinha ridícula começou a tocar baixinho e o elevador começou a subir. O ruivo ficou com um pouco de tontura. Ele fechou os olhos e apoiou as costas na parede. Langa colocou a mão em seu ombro e ele já se sentiu mais calmo.

Os quatro começaram a rir como crianças de verdade.

Quando chegaram no andar correto e as belas portas douradas do elevador se abriram, os quatro saíram correndo para ver quem chegava primeiro aos quartos. Um empurrou o outro, até que Miya conseguiu abrir a porta do primeiro e eles entraram.

O quarto era ainda mais bonito do que poderiam imaginar. Era praticamente um apartamento onde alguém podia morar. As paredes eram cor gelo, combinando com um grande sofá branco, que havia de frente para uma televisão ainda maior na parede da sala de estar.

Miya se jogou no sofá e pareceu afundar, de tão macio. Shadow foi logo atacar o frigobar. Langa tirou os sapatos e pôde sentir o carpete macio sob seus pés. Tudo parecia confortável e aconchegante demais.

— Mano, isso aqui é incrível! — Reki ainda estava abismado.

Langa avistou o que parecia ser uma sacada, com uma porta de vidro. Mas, antes que pudesse ir em sua direção, foi interrompido quando os adultos entraram.

— Minha nossa! Esse lugar é lindo demais! — Nanako estava tão impressionada quanto Reki.

— O Kaoru aqui realmente não poupou despesas com essa viagem! — Joe ria.

— Não se esqueça de que você mesmo vai pagar sua parte, seu bossal — o rosado o lembrou. — Carla, por gentileza, conecte-se à rede e ajuste a temperatura do aquecedor.

Sim, mestre.

O gerente Oka entrou, logo atrás, e soltou Sketchy, que rapidamente subiu no sofá e se aconchegou no colo de Miya.

— Todas as malas já estão aqui. Quantos quartos você reservou mesmo?

— Quatro. Um do lado do outro. — Cherry respondeu.

Miya delicadamente tirou Sketchy do seu colo, se levantou e foi ver a suíte. Assim que abriu a porta, abriu um sorriso e se jogou na cama king size, que era ainda mais macia e confortável que o sofá.

— Podem se contentar com o resto, slimes, porque esse aqui já é meu.

— Bem — Cherry explicou —, eu planejei a divisão dos quartos de acordo com o que seria mais adequado. Langa pode ficar com sua mãe; Reki com Miya; Oka com Hiromi; e eu fico com Kojiro.

Miya franziu o cenho.

— E por que logo você quer ficar com o Joe?

— Preciso me certificar pessoalmente de que esse gorila brutamontes não vai fazer nenhuma bobagem fora da minha supervisão.

Joe conteve uma risada.

— Posso ficar com vocês então? — Miya implorou, com sua carinha de bebê pidão — Deixa mamãe!

— Não! — Joe e Cherry responderam em uníssono, um pouco desesperados.

Todos os encararam. O rosado se recompôs.

— No máximo duas pessoas por quarto.

Shadow fungou.

— Isso aqui não tá me cheirando bem.

— Ah, que se dane! — Miya voltou para o sofá e pegou seu Nintendo outra vez — Vocês adultos podem fazer o que quiserem, eu não ligo.

Repentinamente, ouviu-se alguém batendo na porta.

— Quem foi que já pediu serviço de quarto? — Joe perguntou, olhando diretamente para Miya.

Todos olharam para o menor.

— Nem vem — ele retrucou, sem tirar os olhos do videogame. — Eu não fiz nada dessa vez. Ainda.

Cherry caminhou em direção à porta e a abriu com cuidado.

Quando eles viram quem estava do outro lado, todos pularam de susto. Sketchy ficou com os pelos arrepiados e rosnou, como um gato assustado.

— O que diabos você está fazendo aqui?!

— Ora — Adam respondeu, parado à porta —, eu pensei em dar um “oi” para os meus queridos amigos, já que, ao que parece, nós somos vizinhos de quarto. — ele deu um sorriso extremamente forçado, um pouco psicótico — Isso não é maravilhoso?

Tadashi, atrás dele, permanecia imóvel.

— Você não respondeu à minha pergunta! — Cherry o repreendeu — O que você veio fazer aqui? Por que você nos seguiu até o Canadá?

— Eu já disse. Vim acompanhar meus amigos. — Ele se aproximou do ouvido de Cherry e sussurrou: — Sabe, no S as árvores têm ouvidos e as pedras no chão têm olhos. Quando soube que vocês viriam para a terra natal do Snow… Ah! — ele se exaltou — Eu não perderia isso por nada!

— Isso é importante para ele. Você não tinha o direito de vir até aqui nos atrapalhar!

— Eu sei que cometi inúmeras atrocidades no meu passado distante…

— Aquilo foi há apenas alguns meses!

Mas… Agora, tudo o que eu quero é me dar bem com meus queridos companheiros.

— Essa é a única coisa que você consegue falar?!

Joe se aproximou do rosado e colocou a mão em seu ombro, em um sinal de apoio.

— Vai embora, Adam. Você não é nem um pouco bem-vindo aqui.

Miya se levantou do sofá. Reki e Langa se juntaram ao Joe, e logo os outros também. Enquanto Nanako apenas observava sem entender nada, todos eles formaram uma barreira de caras feias e olhares contra Adam, como um exército de soldados formando uma falange contra um inimigo em uma guerra.

— Você ouviu o que ele disse — Reki fungava de raiva. — Vai embora daqui.

— Para que tanta agressividade? — Adam ainda insistia — Eu só quero… AH!!

Para a surpresa de todos, Sketchy estava mordendo a mão dele, com força. Ele se debateu, enquanto gritava de dor, e conseguiu se livrar da raposa, que por sua vez, caiu de pé no chão e voltou a rosnar para ele.

Ele olhou para a sua mão. Havia um pouco de sangue e marcas dos dentinhos pequenos do animal.

— Gato miserável!

— Na verdade, ele é uma raposa — Oka corrigiu. — Mas não que você se importe, é claro.

Tadashi e Sketchy trocaram olhares furiosos. Adam bufou. Ele se recompôs e ajeitou a gravata.

— Já que insistem tanto, eu vou me retirar. Por hora. Mas nós nos encontraremos mais vezes.

Ele tentou beijar a mão de Langa, mas todos o impediram. Então, ele apenas fez uma reverência, como um rei cumprimentando outro.

— Aproveite sua viagem, meu pequeno Langa. Home sweet home.

Antes que pudesse terminar, Cherry bateu a porta na cara dele e a trancou.

Houve um minuto de silêncio.

— Será que alguém poderia me explicar o que acabou de acontecer? — Nanako pediu, inocentemente.

— Outra hora eu te conto, mãe.

Reki se jogou no sofá. Enfiou a cara em uma almofada e deu um grito abafado.

— Era só o que faltava!

 

Levou algum tempo, mas Reki e os outros conseguiram se acalmar.

O ruivo começou a organizar suas coisas. Ele deixou seu skate encostado na parede da sala, junto com os skates dos outros. Ele observou que havia uma mala grande encostada ali perto.

Curioso, ele a abriu e se deparou com algumas pranchas de snowboard.

O design delas era similar ao do skate que o ruivo projetou para Langa. Mas era estranho ver uma prancha tão grande, sem rodas e com fixadores para os pés. Isso o lembrou de quando Langa usava algo parecido em seu skate. E de quando ele prendeu os próprios pés com fita adesiva. Ele riu.

O vermelho sabia que o azulado tinha sentimentos conflitantes sobre o snowboard, assim como tinha sobre vir ao Canadá. Sua mãe deveria ter trazido as pranchas, mas provavelmente Langa ainda não tinha decidido se as usaria ou não.

Pensando bem, Langa praticava snowboard desde os dois anos de idade. Seu corpo e mente eram adaptados para se equilibrar sobre a prancha e executar manobras com ela. Foi por isso que ele conseguiu evoluir tão rápido no skate. Além disso, Cherry disse uma vez que tudo indicava que o pai dele deveria ter sido um mentor realmente talentoso.

Langa já era de longe o melhor skatista que Reki já viu na vida. Mas, então, isso tudo quer dizer que ele era ainda melhor no snowboard do que no skate? Isso ao menos era possível?

Ele foi desviado de seus pensamentos quando sentiu uma corrente de ar fria invadindo o local. Ele se deu conta de que a porta de vidro que dava para a sacada tinha sido aberta. E lá estava o azulado.

O japonês se aproximou dele lentamente. Langa estava como em um transe, observando a vista. Dava para ver a cidade toda de lá, quase como mais cedo, no avião. As casas. Os prédios. Até as pessoas.

Reki pensou em como cada uma das pessoas que via, cada uma das casas e carros na rua, tinha uma história única. Era um lugar totalmente novo para ele, literalmente do outro lado do mundo. Será que foi desse jeito que Langa se sentiu quando chegou ao Japão?

Afinal, num mundo tão grande, quais eram as chances de dois garotos como eles, de dois lugares totalmente diferentes, se encontrarem e se tornarem tão próximos? Reki nunca saberia explicar isso.

Ele olhou para o horizonte, além da cidade movimentada, e entendeu o que Langa realmente estava observando tão fixamente. Mais à frente, depois de todas as casas e prédios, estavam as montanhas, cobertas por neve.

— Aquelas… — Reki tentou puxar assunto — São as montanhas onde você praticava com o seu pai?

Langa oscilou o olhar entre Reki e as montanhas. Demorou um pouco para assimilar a pergunta do vermelho.

— Sim — ele apontou para a maior montanha, bem no centro da paisagem. — Tá vendo aquela maior? Aquela era a nossa favorita — ele abriu um sorriso nostálgico. — Tem parques próprios para praticar snowboard em outras montanhas pela cidade, mas o meu pai adorava aquela. Ele dizia que gostava de ter uma montanha só pra gente.

De repente, o sorriso dele desapareceu.

— Lá também foi onde a gente praticou pela última vez. E foi lá onde eu tentei praticar sozinho.

Se fez um minuto de silêncio.

Reki queria falar alguma coisa, mas não sabia o quê.

Finalmente, Langa quebrou o silêncio.

— Todo mundo fica me perguntando sobre o snowboard. Eu sei que a minha mãe espera que eu pratique de novo.

Ele se debruçou sobre o guarda-corpo da sacada.

— Sabe, Reki, eu quero andar de snowboard. Eu quero muito. Eu daria qualquer coisa pra poder sentir aquilo de novo.

Ele colocou a mão sobre o peito, como costumava fazer quando seu coração estava acelerado.

— Quando eu competi contra o Adam no final do torneio e entrei naquele estado, a Zona, eu me senti exatamente do mesmo jeito que no dia em que eu pratiquei sem o meu pai. Vazio. Como se nada tivesse mais sentido. Eu só não quero que aconteça de novo. Até porque, de um jeito ou de outro, não vai ser a mesma coisa sem ele.

Enquanto processava aquelas palavras, o japonês se lembrou de algo que não gostava muito. Mas fazia total sentido se lembrar disso naquele momento. E valia a pena falar sobre isso.

Ele colocou a mão atrás da nuca, como fazia sempre que estava nervoso.

— Pra mandar a real, eu meio que sei um pouco como você se sente. Sabia que eu quase larguei o skate uma vez?

O azulado entrou em estado de choque.

— Como assim?!

O vermelho ficou corado.

— Duas vezes, na verdade. Eu te contei sobre o meu antigo amigo que me ensinou a andar de skate, né?

— Sim. Mas você não costuma falar muito sobre isso.

— Pois é. Bom, ele era meu melhor amigo na época. Um dos únicos que eu já tive antes de conhecer você e a galera do S. Tá ligado, ele andava de skate. Eu achava isso maneiro demais. Mas eu não queria aprender porque achava que eu não ia conseguir.

— Você? Não conseguir? — Langa riu.

— É, mano. Mas aí ele me convenceu e me ensinou. Cara, dar meu primeiro ollie foi tão foda! — a expressão dele mudou rapidamente de nostálgica para triste — Aí, você sabe. Ele se machucou feio e parou de andar de skate. Eu ainda queria continuar. Só que eu sabia que não ia ser a mesma coisa sem ele. Mas eu fui mesmo assim. E das primeiras vezes foi totalmente sem graça. Nem parecia que era skate. Mas, no fim, eu acabei conhecendo o S. Depois você. E tudo na minha vida ficou incrível depois disso.

Langa o encarava, pensativo.

— E quando foi a segunda vez?

— Bem… Foi na época do torneio do Adam, quando a gente brigou. Eu achei que, se eu não pudesse andar de skate com você, não valeria mais a pena andar sozinho ou com qualquer outra pessoa.

O azulado ficou sem palavras. Reki imediatamente ficou mais corado do que nunca.

— Mas não é disso que a gente tá falando!  — Reki se apressou para mudar de assunto — Se liga mano, o negócio é o seguinte: Se você não quiser praticar snowboard, tá tudo bem. Aposto que tem muitas coisas incríveis que você pode fazer enquanto tá aqui. Mas, se você quiser, você não vai estar sozinho de novo. Eu vou te apoiar, sempre, não importa o que você faça. Sempre. Eu vou estar com você até o infinito. Fechou?

Reki nunca havia sido tão sincero em toda a sua vida. Langa começou a rir, envergonhado. 

— Entendido!

Eles fizeram o seu cumprimento de sempre, com o infinito no final. Reki sabia mesmo como tranquilizar o canadense.

Eles ficaram ali por um tempo, só observando as montanhas e aproveitando a companhia um do outro.

Langa ainda não sabia o que iria fazer em relação ao snowboard. Mil coisas passavam pela sua cabeça. Mas de uma coisa ele tinha certeza: ele também queria estar com Reki até o infinito. E, naquele momento, era a pessoa mais feliz do mundo por tê-lo ao seu lado.


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Notas finais do capítulo

E, mais uma vez, chegamos ao final do capítulo. Muito obrigado, de verdade, por terem lido. Eu realmente espero que tenham gostado. Suas opiniões são sempre bem-vindas!
Bom, muitas coisas estão acontecendo na minha vida, por isso está sendo difícil para mim dar tanta atenção a este projeto quanto ele realmente merece. Então, pretendo tirar uma pausa por um tempinho. Não sei quando exatamente irei publicar o próximo capítulo, mas, para todos os efeitos, eu pretendo sim terminar esta história algum dia. E, quando voltar, quero poder vir com tudo.
De qualquer forma, esta história é muito importante para mim. E, mais uma vez, sou grato de verdade por você, que leu até aqui. Sério, muito obrigado!
Desejo a vocês tudo de bom! Inclusive, feliz Ano Novo!
Muito obrigado por tudo! Até mais!



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